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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19331: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (11): José Belo, na terra do Pai Natal e das Auroras Boreais, régulo da Tabanca da Lapónia, ex-alf mil inf da CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)




Festas Felizes desde a terra do Pai Natal e das Auroras Boreais. [Fotos: Joseph Belo, 2018]

1. Mensagem do José [Joseph] Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:


Domingo, 23/12, 13:49



Para Ti e Família,assim como para todos os Amigos e Camaradas, envio desde o extremo do extremo norte da Suécia um grande abraço com votos de Festas Felizes.


(i) tem c. 130 referências no nosso blogue

(ii) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381,Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70;

(iii) cap inf ref;

(iv) é jurista, vive na Suécia há 4 décadas, e onde formou família;


(v) reparte o seu tempo entre a Suécia, a Lapónia Sueca e os EUA, onde família tem negócios.
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domingo, 23 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19325: Estórias do Zé Teixeira (48): "Um Novo Natal" (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Em mensagem de hoje, dia 23 de Dezembro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta alusiva à quadra que atravessamos, o Natal.

O tempo de Natal é tempo de encontro entre o presente e o passado, entre o presente e um futuro carregado de esperança. Futuro esse, que será tanto melhor, quanto nós, os seus construtores, formos capazes de fazer da vida um Natal permanente. 

Lamento que o "pai natal" tenha vindo, impulsionado pela febre do consumismo e maneira fácil de ganhar dinheiro, transformar o verdadeiro Natal numa festa de comércio, embrulhada em mensagens de amor e afeto tangidas por sinos ocos e sem o verdadeiro timbre. 
Por isso ouso desejar a todos os camaradas um Natal feliz, cantando Glória a Deus nas alturas e paz aos homens de boa vontade. 

Zé Teixeira 

Junto um pequeno conto de Natal.


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Nota do editor

Último poste da série de 5 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18987: Estórias do Zé Teixeira (47): Binta - a lavadeira do alfero Barbosa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18987: Estórias do Zé Teixeira (47): Binta - a lavadeira do alfero Barbosa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Em mensagem do dia 1 de Setembro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta metendo parasitas difíceis de controlar.


ESTÓRIAS DO ZÉ TEIXEIRA

47 - A Binta 

Estávamos nos primórdios dos anos sessenta do século vinte. A Guiné vivia, segundo os políticos do Estado Novo, em paz. Uma paz podre, sobretudo depois do massacre do Pidjiguiti em que alguns trabalhadores portuários de Bissau se puseram na mira da Mauser da tropa colonial ao revindicar melhorias no seu salário de miséria que as empresas, protegidas pelo sistema colonial, lhes impunham. Os tiros assassinos fizeram acordar Amílcar Cabral e alguns guineenses. Havia muito a fazer para libertar um conjunto díspar de povos, unidos por uma força secular que lhes era estranha, tanto quanto a sua cor, os seus costumes, formas de ser e agir - os portugueses colonialistas, não o povo português, simples e afável que ele tão bem conhecera quando estudou em Lisboa.

Binta era uma bajudinha de nove anos, com corpo de mulher, esbelta de olhos negros e penetrantes, onde os seios teimavam em furar pela sua pele, indiciando o fruto que começava a amadurecer. Habituada desde pequenina a tratar dos dois irmãos mais novos, sentia agora a necessidade de olhar para si. Já era uma mulherzinha, disse-lhe a mãe com um sorriso preocupante, ao mesmo tempo que a apertava entre os seus braços, naquele fim de tarde em que estando as duas a tomar banho na bolanha, a mãe notou a sua mudança física.

Como ela gostava de cantar e dançar ao som do batuque que o Braima Cassamá, filho do chefe da tabanca vizinha, tão bem tocava acompanhado pelo assobiar estridente da pequena gaita que sustinha nos lábios! Era tempo de paz no Regulado. Todos os momentos eram bons para fazer festa. Quando a chuva caía e regava as lalas, ou o sol ardente persistia para amadurecer os frutos; nos tempos das semeaduras ou nos tempos das colheitas; quando alguém casava e quando alguém iniciava o ciclo da vida. Tudo era tempo para festas, até quando alguém partia para a eternidade. O ritmo que o Braima impunha através dos instrumentos que tangia ferozmente eletrificava-a e o seu corpo, todo ele gingava. Gingava como o gigante poilão que crescera no centro da tabanca, quando açoitado pelo vento da tempestade, para logo depois entrar na acalmia que permitia com que a passarada fizesse dos ramos o seu poiso e chilreasse harmoniosamente um hino ao criador. E sonhava...

O Braima, então com dezassete anos, andava de tabanca em tabanca animando as batucadas. Já tinha posto o olho na bajudinha e na sua graciosidade, quando se embrenhava no mato e ia até à sua tabanca para animar as festanças. Saltara-lhe à vista e até já tinha sonhado com ela. Ele, graças ao seu pai, era um jovem de vistas largas, tinha aprendido a ler e escrever nas freiras que abriram um externato para rapazes na sua tabanca. Dizia o pai que as horas que ele roubava ao trabalho na lala, havia de ser compensado no futuro longo e feliz que augurava para o rapaz, já de si esperto que nem um leão e ágil que nem uma gazela.

Mas tudo mudou quando chegaram os emissários do PAIGC. Falaram com o régulo e com os chefes de cada uma das tabancas. Disseram ao que vinham – libertar o povo da exploração colonial – Queriam a adesão da população ao seu projeto de luta, mas não foram entendidos, e muito menos atendidos. Aquele povo vivia em paz, a paz possível na terra, que com seu amanho ia dando o pão para matar a fome. – Para quê a guerra que ia destroçar o bem-estar? Para quê lutar, se nasceram portugueses, como tantos outros que já estão na terra da verdade? A guerra traz morte, traz fome, traz dor, insegurança e destruição. Rouba-nos a juventude e a alegria. destrói as nossas lalas. De que vamos viver? – assim falou o régulo, amante do seu povo, que leu o perigo que se avizinhava.

Os emissários violentaram alguns dos chefes de tabanca e ameaçaram com a morte os cobardes que se recusassem a aderir ao movimento pela libertação e independência da Guiné. Prometeram voltar e o povo ficou com medo.

Uns dias depois, um capitão do exército português rodeado por um grupo de soldados bem armados apareceu na região. Chamou o régulo e os chefes de tabanca. Imponente na sua farda, de pistola à cintura e pingalim na mão, começou por censurar asperamente os presentes, por terem dado ouvidos aos inimigos da Pátria – um bando de cobardes comunistas que querem destabilizar a província, mandatados e armados pela União Soviética e pela China que se querem apoderar da Guiné para a explorar os seus povos, agora, que está pacificada, graças a Deus. Ai daquele ou daquela que ousar dar-lhe ouvidos e cobertura! Nós não teremos dó nem piedade. Como Teixeira Pinto cortaremos a direito até à morte, se for necessário. – Assim falou o capitão a quem ninguém conseguiu ver a cor dos olhos, porque os óculos escuros o impediam. Respondeu-lhe o Régulo com a sua calma e conhecimento de causa. - Nós não queremos a guerra que só traz morte e desolação, queremos a paz, mas também não queremos imposições. Deixem-nos viver em paz, apenas pedimos isso. Muito pouco afinal -. O capitão partiu e o povo ficou em silêncio. Acabaram-se as festas, as batucadas. Fecharam-se nas moranças e choraram o futuro que se avizinhava.

E o PAIGC voltou. Juntou todos os homens grandes do Regulado. Alguns foram arrastados à força para ouvirem as “ordens” do chefe. A censura ao Régulo por ter acolhido e ouvido os militares colonialistas foi brutal. Se o voltassem a fazer seriam severamente castigados e como prova de que não estavam a brincar, ali mesmo deram violentas chibatadas em alguns dos presentes que ousaram defender timidamente a ligação aos portugueses. Depois, o chefe ditou as leis do Partido:
- As tabancas deviam, a partir daquele momento, obedecerem apenas ao PAIGC.
- Deviam recusar a pagar o imposto ao colonizador.
- Os colonialistas deviam ser expulsos à catanada, porque aquela terra não era dos portugueses.
- Os chefes de tabanca deviam tomar providências para enviarem os mancebos para servirem a pátria livre nas forças que se estavam a organizar para combater o opressor.
- A partir daquele momento deviam partilhar os seus produtos agrícolas, nomeadamente arroz, com as forças de libertação.

Como vieram, assim partiram, levando com eles alguns mancebos sob prisão para enfileirarem nas suas forças e os sacos de arroz que conseguiram localizar, deixando aquela gente apoderada pelo medo, e os chefes divididos entre aceitar as regras que o PAIGC impunha ou continuarem fiéis a Portugal e ao homem grande de Bissau.

Braima foi obrigado a partir integrado no grupo de mancebos raptados e ao despedir-se do pai, disse-lhe, ao ouvido, que queria casar com a Binta, a bajudinha filha do Iero Embaló. Mamadu, seu pai apertou-o contra o peito e jurou por Alah que ela seria a mulher do seu filho.

Reunido à volta do poilão com os chefes de tabanca e homens grandes, o régulo procurava as soluções possíveis, perante as ameaças do Partido e dos militares portugueses. As mães choravam os filhos que partiram para o desconhecido, exigiam soluções para que as suas crianças voltassem - Não queriam vê-los envolvidos numa terrível guerra que já adivinhavam. O régulo manteve-se fiel a Portugal e incentivou os presentes a manterem-se firmes enquanto ele ia à cidade falar com o Administrador e pedir apoio para defesa do seu povo.

Não teve tempo, pois logo apareceu o capitão com os seus homens, incluindo um civil. Berrou, berrou, distribuiu algumas coronhadas e por fim levou, presos para averiguações, o Régulo e dois chefes de tabanca. Quando regressaram uns dias depois ilibados de qualquer acusação, foram recebidos em festa que logo se desvaneceu. O “branco”, como eram conhecidos os portugueses, exigia fidelidade, ameaçava com violência e a destruição das tabancas se o Partido voltasse a ser recebido. Apenas promessas vagas de que estariam atentos e a tropa andaria por perto para defender as tabancas que lhe fossem fiéis. As outras seriam destruídas implacavelmente.

A Binta transformou-se numa linda bajuda. Seu corpo queimava e o seu espírito voava para o Braima, o seu amado que tinha desaparecido. Entretanto, o pai do Braima foi ter com o seu pai e contratualizou o casamento por duas vacas e três carneiros, logo que a Binta assumisse a sua condição de mulher, ou seja, tivesse as primeiras regras e o Braima voltasse...

Nem sonhava que ele estava destinado a ser o seu marido. Quando a mãe lhe disse, só se lembra de ter chorado de alegria, mas as regras da comunidade exigiam recato e cuidados dobrados, agora que estava quase pronta para assumir o noivado. Não podia comunicar com o Braima, muito menos encontrar-se com ele. Que calvário! - pensou e as lágrimas começaram a deslizar pela face bronzeada sempre que conseguia isolar-se. Era o homem da vida dela. Que sorte a sua, tão diferente da da sua irmã que fora obrigada a casar com o Aliu. A segunda mulher de um homem velho que trabalhava para os portugueses e ganhava muito dinheiro, mas era um velho.

O tempo foi passando. O Braima fora levado para Conakry onde fez o treino militar e passados uns meses seguiu para a China para o curso de minas e armadilhas, enquanto o seu cérebro era bombardeado por toda uma doutrinação contra o branco português, que colonizava violentamente o seu país, massacrando o seu povo. Muitas promessas de liberdade pelo meio. Promessas que ele, nos primeirs tempos, não entendia, pois sempre se sentira um homem livre. Também não via violência no seu pequeno mundo, onde o branco só parecia para cobrar o imposto, e os comerciantes para levarem os produtos agrícolas que produziam na lala, deixando algum patacão como pagamento. Nesses dias havia sempre festa ao cair a noite.

Assim se perdia no tempo ao pensar no passado feliz que tivera junto dos seus. O coração traía-o continuamente. Lembrava-lhe os pais, os amigos, as batucadas que tanto gostava de animar, as chuvas que davam vida à terra, o sol que amadurecia os frutos do seu trabalho e... a Binta. Pois, a Binta?! Teria o seu pai cumprido a promessa? Como fazer para voltar à sua tabanca?

Mas se o Partido afirmava que o “tuga” era um colonialista explorador, então vamos expulsá-lo. Mesmo sem saber o sentido pleno destas palavras o Braima transformou-se num combatente da liberdade e ganhou a confiança dos seus superiores.

O Partido ganhou punjança, alimentado pela URSS e pela China com o apoio velado do mundo ocidental que há alguns anos, contrariamente ao que Portugal defendia, tinha optado por dar a “independência” aos povos africanos, que dominaram durante séculos. A guerra tornara-se uma realidade sangrenta. O PAIGC desenvolvia ataques sistemáticos contra as populações que não aderiram ao seu projeto. Duas tabancas foram queimadas e os habitantes foram raptados para engrossar as forças combatentes. Ficaram os velhos e algumas crianças que se refugiaram junto da tabanca do régulo. As F.A. de Portugal colocaram no local uma companhia de atiradores que se distribuíram por três tabancas, mantendo-se em movimento contínuo de vigilância, quer junto das populações que se afirmavam fiéis, quer na mata que as circundava para evitar, o mais possível, as surpresas dos “turras”. Os ataques iam-se sucedendo provocando sofrimento e dor. O número de feridos e mortos, bem como moranças queimadas ia crescendo, apesar dos “roncos” que a tropa e a milícia local faziam junto dos inimigos da pátria, como afrirmava o comandante militar. Não se vislumbrava o fim da terrível castástrofe que se abatera sobre aquele pacífico povo.

 - Binta! Binta!

O coração deu um pulo. Já se tinham passado uns anos, mas aquela voz estava-lhe gravada no coração. Era ele, o Braima que a chamava do meio da floresta, ou estaria a sonhar?! Tinha de se manter calma e avisá-lo do perigo. Olhou na direção do som. Fez um sorriso e mexeu os lábios pedindo silêncio. Não viu o Braima, mas sentiu-o a seu lado e o seu corpo vibrou de emoção. O coração quase a traiu, mas o Alferes Barbosa, que a cotejava, estava ali por perto a vê-la lavar a sua roupa, no pequeno riacho que passava ao lado da tabanca.

O Barbosa adorava a bajuda. Tentara todas as formas possíveis para a conquistar. A Binta defendia-se afirmando que estava comprometida com o filho do Mamadu Camará, o chefe da tabanca vizinha que era atualmente o sargento comandante da milícia na sua tabanca, sob o comando e orientação do Barbosa. Afirmava – mentido – que o seu noivo era soldado do exército português e cumpria tropa em Bolama. Mantinha-se assim intocável e respeitada pelos soldados de quem era lavadeira para ganhar algum patacão. Iria precisar de dinheiro para contituir família quando o Braima regressasse, pensava ela. Sofria em silêncio e acreditava que a guerra acabaria um dia, ou fugiria para o mato ao encontro do seu amado e prometido marido.

Tentou manter a calma. Acabou de lavar a roupa do alferes, enviou-lhe um sorriso matreiro e correu para casa. Pôs a roupa a secar, voltou ao rio para tomar banho e esperou pelo lusco-fusco. Então cobriu-se com o mais lindo pano, pôs o lenço mais garrido na cabeça e perfurmou o corpo. Aproveitando a hora do rancho dos militares, abandonou a tabanca. Embrenhou-se na mata e desapareceu para sempre dos olhos do Barbosa.

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Passados quarenta e dois anos, o Barbosa ganhou coragem e partiu com um grupo de antigos combatentes para a Guiné-Bissau numa romagem de saudade. Aquele povo ficara-lhe gravado na alma e com o correr dos tempos ganhou novas formas no seu coração, já cansado. Os locais onde sofrerera os horrores da guerra perseguiam-no. O olhar daquelas crianças assustadas, os gritos e as fugas para os abrigos bailavam na sua mente. Precisava de lá voltar, ver as pessoas, dizer-lhe que nunca as esquecera, que as amava. E a Binta! Ai a Binta, a mulher mais bonita que conhecera em toda a sua vida.
Onde estará?

Chegados a Bissau, logo alugaram uma viatura e partiram para o interior. Fixaram-se no Saltinho e partiram de novo em peregrinação pelas picadas de outrora, na Mata do Cantanhez, ao encontro das pessoas que ansiavam rever, numa ânsia de respostas a muitas perguntas que teimavam em lhe queimar os neurónios.

- Alfero Barbosa! Lembras-te do Mamadu Cassamá?

O Barbosa, procurou a voz que surgira atrás de si e deparou com uma senhora que lhe sorria. Bem constiuida, vestia um longo e colorido vestido, onde o verde alface predominava como fundo e as flores vermelhas parece que se projetavam no espaço ao encontro dos olhos espantados do Barbosa. O lenço colocado com todo o esmero dava-lhe um aspeto solene, de mulher dominante.

Quem será esta mulher que passados quarenta e dois anos me reconheceu? - foi a primeira pergunta que lhe surgiu. Enquanto a mirava, sentiu o coração estremecer de emoção.

- Sim lembro-me, respondeu com a voz trémula, era sargento da milícia, ainda é vivo? Gostava de lhe dar um abraço.
- Pois... E não te lembras de mim?
- Confesso que... O coração gritava-lhe qualquer coisa, mas não conseguiu decifrar a mensagem. Ficou confuso
- Não te lembras da Binta, a tua lavadeira?
- És tu?! Ó mulher da minha vida! Correu para ela e abraçaram-se longamente. As lágrimas, essas, não deram tréguas e deslizaram suavemente pelas faces de ambos. Seguiram de mão dada até à casa dela, onde o Braima, deitado na rede, fumava o seu cachimbo.
- Este é o filho do Mamadu, o meu marido. Braima Cassamá.
- O tal que estava na tropa em Bolama?
- Nunca estive em Bolama. Eu era bandido, estava ali na mata. Respondeu o Braima com um sorriso, estendendo-lhe a mão para um cumprimento efusivo.
- Ah! agora entendo porque desapareceste minha marota!

E juntaram-se os três num fraternal abraço.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MARÇO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18383: Estórias do Zé Teixeira (46): Uma chapelada de piolhos (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18888: Memória dos lugares (377): Fontes de água viva - Fonte Frondosa de Empada (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Eduardo Moutinho dos Santos e José Teixeira


1. Em mensagem do dia 25 de Julho de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) fala-nos da Fonte Frondosa de Empada:


Fontes de água viva

Fonte Frondosa de Empada

José Teixeira

Naquele tempo, todos nós gostávamos de ir até à Fonte Frondosa em Empada, que por sinal tinha sido construída no ano do meu nascimento. Era lá que as bajudas "lavanderas" lavavam a nossa roupa. Era lá que tomavam banho e quantos de nós, incluído eu tomávamos banho. Outros, apenas se sentavam nas escadas de acesso para apreciar a paisagem e mandar os piropos da ordem.

Ficava bem lá no fundo a uns trezentos metros do aquartelamento.

Fonte Frondosa de Empada

O Chefe de Posto gostava de alimentar o seu ego aplicando castigos aos nativos que por qualquer motivo caíam na malha da sua justiça, obrigando-os a carregar pipos de água meio cheios para regar o jardim da sua casa. Um dia meteu-se com um africano que nos ajudava na enfermaria por um prato de comida, o saudoso Kebá, falecido em 2007, e correu-lhe mal. Ao terceiro dia em falta, na enfermaria, fui procurá-lo e dei com ele a transportar uma barrica de água. Não tinha pago o imposto "pé descalço" e foi a castigo.

Fiquei indignado e agi. Virei a tropa contra o Chefe de Posto e íamos cercar-lhe a casa e libertar o homem quando chegou o Capitão. Apercebeu-se da situação. Acalmou-nos, libertou o homem e escreveu. A Tabanca teve um prémio. O Chefe de Posto foi enviado, sob prisão, para Bissau e o Capitão Moutinho Santos - o da fotografia - foi nomeado Chefe de Posto interinamente. Escusado será dizer que muita coisa mudou quer na relação com as pessoas, quer em melhorias para a Tabanca. Bendita hora em que eu, aquele que não levava arma nas saídas para o mato para não ser tentado a dar fogo, reagi com dureza. Talvez pela primeira e ultima vez, que me recorde.

Voltámos lá com os meus filhos em 2011 em romagem de saudade e acabamos por almoçar em casa de uma antiga "lavandera" que nos preparou um bom frango com arroz à sua moda e comido à mão para honrarmos a tradição.

Note-se que o pobre Kebá tinha ficado sem as suas duas mulheres que foram apanhadas pelo PAIGC com os filhos. Sei que ele ainda as tentou recuperar assentando-se por uns tempos de Empada, para onde tinha fugido, mas não conseguiu, suponho que por elas se terem recusado a voltar com ele. Não aceitou ir para a milícia, segundo ele, para não ter de enfrentar os filhos e as esposas, mas era em excelente enfermeiro que nos ajudava na enfermaria no apoio à população.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18663: Memória dos lugares (376): Cheche , rio Corubal e Madina do Boé, uma trilogia trágica (Xico Allen / Zélia Neno / Albano Costa)

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18699: Convívios (860): Rescaldo do XXVIII Encontro dos Maiorais da CCAÇ 2381, levado a efeito no passado dia 5 de Maio de 2018, em Abrantes (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

Alguns dos Maiorais presentes no XXVIII Convívio


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70), datada de 28 de Maio de 2018, com o rescaldo do XXVIII convívio dos Maiorais, levado a efeito no passado dia 5 de Maio.


OS MAIORAIS – CCAÇ 2381 COMEMORARAM OS CINQUENTA ANOS DA PARTIDA PARA A GUINÉ

Os MAIORAIS - CCaç 2381, embarcaram para a Guiné no dia 1 de Maio de 1968. Andaram pelas picadas de Ingoré, até finais de julho e seguiram para o Sul. No restante tempo de comissão, até ao regresso em abril de 1970, palmilharam as matas de Buba, Quebo (Aldeia Formosa) Mampatá Forreá, Chamarra e Empada. Estacionaram em Quebo, Mampatá e Chamarra. Desgastaram-se nas colunas de Quebo para Buba e vice-versa e de Quebo a Gandembel. Quedaram-se em Buba na proteção à construção da estrada nova para Quebo. Em maio de 1969, dois Grupos foram para Empada, mantendo-se o restante pessoal entre Buba e Mampatá no apoio e segurança à estrada. Acabaram a comissão em Empada onde se juntaram em novembro de 1969.

Comemoraram os cinquenta anos da partida para a Guiné num convívio que começou com uma visita ao Quartel de Abrantes. Tinham partido deste quartel no dia 30 de abril de 1968, já de noite com destino a Lisboa, onde chegaram de manhã. Depois do desfile ouviram o discurso de um alto graduado que disse, recordo-me perfeitamente: “Todos vocês têm na Guiné uma pequena parcela de terra e é vosso dever defendê-la, com o sangue se necessário”, ao que eu retorqui em pensamento: "dou-te o meu bocadinho, podes ir para lá tu". Claro que, ele não ouviu, e se ouvisse, ria-se de mim e dava-me uma “porrada”.

Neste reviver da partida para a guerra, os Maiorais presentes foram recebidos pelas autoridades militares. No mesmo dia, um batalhão, que tinha cumprido a comissão em Angola, comemorava o cinquentenário do seu regresso. As duas unidades de ex-combatentes foram recebidas pelas autoridades militares com uma guarda de honra em parada, tenho um senhor Major discursado para dar as boas vindas, usando uma linguagem de circunstância que sensibilizou os ex-combatentes. Seguiu-se a deposição de uma coroa de flores no monumento aos combatentes do Regimento de Infantaria 2 de Abrantes. Procedeu-se à chamada dos camaradas falecidos em combate o toque a silêncio em sua honra, e foram 8 no total. Três Maiorais e cinco do Batalhão.

Os Maiorais seguiram para a Capela do quartel para celebrarem uma Missa em Ação de Graças pelos Maiorais que regressaram e estão vivos e em sufrágio das almas dos que já partiram para o eterno aquartelamento.

Findo este ato religioso, os Maiorais, abandonaram o Quartel e seguiram para o convívio que se vem fazendo há vinte oito anos, com um almoço num restaurante em Alferrarede.

Ao fim do dia, os Maiorais partiram para suas casas, felizes e contentes com promessas de voltarem para o ano que vem.

José Teixeira


Receção às Unidades de ex-combatentes presentes no antigo RI 2 Com o representante do comandante da Unidade a discursar


O orgulho do Fernando Cardoso em transportar o Guião, ladeado pelo Zé Coelho e pelo Catarino


Jaime Mota, Zé Costa, Querido e Lagrante


Malta da Silva


Marques e esposa, Zé Teixeira, Azevedo e Raúl


Carlos, Freire Marques, Mota e Zé Coelho


Jaime Mota e Zé Teixeira


Zé Querido, Leandro e esposa


Leandro, Lagrante, Estorninho e Zé Costa


Cardoso, Batalha, Zé Coelho e Malta


Raul Brás

Samouco e Vítor, ex-furriéis presentes

Batalha, Dário Raúl e Freire


Zé Teixeira e Dário - o braço do padeiro ao enfermeiro


Leandro, Dário e Acácio
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18691: Convívios (859): XII Encontro do pessoal da CCAÇ 4740 e Cufarianos, a levar a efeito no próximo dia 16 de Junho de 2018, em Fátima (Armando Faria, ex-Fur Mil Inf MA)

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18506: Convívios (848): XXVIII Encontro do pessoal da CCAÇ 2381 - "Os Maiorais", dia 5 de Maio de 2018, em Abrantes (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2018, com a notícia do XXVIII convívio dos Maiorais, coincidente com os 50 anos da partida da Companhia para a Guiné.

Carlos, boa noite, 

A Companhia de Caçadores 2381 - Os Maiorais, embarcou no Niassa no dia 1 de Maio de 1968 com destino à Guiné, ou seja, vai fazer cinquenta anos de embarque. 
No dia anterior, os militares da Companhia receberam a farda de camuflado, assistiram à Missa, ouviram um sermão carregado de patriotismo e desfilaram pela cidade de Abrantes ao som da fanfarra, tendo como companheiros o pessoal da C.Caç 2382 e C.Caç 2383. Tiveram direito a almoço melhorado e partiram ao principio da noite para a estação do Comboio com destino a Lisboa, onde chegaram no outro dia de manhã. O comboio foi parando pelo caminho para receber mais carne para canhão. 
O Niassa estava à nossa espera e depois de mais um desfilo e um discurso inflamado de um militar de gordos amarelos nos ombros, o barco, pelas 10 da manhã, arrotou violentamente. Levantou ferro, carregado como um burro e só parou às portas de Bissau. 
Felizmente, cerca de dois anos depois não se esqueceu de voltar a Bissau para trazer o pessoal que restava. Agora somos poucos. Três ficaram lá a regar aquela terra inóspita, trinta e cinco foram feridos e muitos deles anteciparam o regresso. Os que restam e tem saúde e condições físicas e monetárias encontram-se todos os anos desde 1990 para comemorar. Muitos já ficaram pelo caminho, outros não conseguimos localizá-los, outros nem querem ouvir falar da Guiné e ainda há os que por razões monetárias, falta de apoio familiar ou por razões profissionais perderam o rasto e não aparecem. 
Seria um prazer imenso para os Maiorais encontrarem-se todos este ano em Abrantes no quartel. Aqui deixamos o apelo. 
Venham daí.
José Teixeira

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CCAÇ 2381 "OS MAIORAIS"


Chegou à Guiné a 6 de Maio de 1968, proveniente de Abrantes.
Seguiu directamente para Ingoré, no norte, onde se instalou até meados de Julho, tendo efectuado aí o treino operacional.
Foi deslocada para Aldeia Formosa no sul da Guiné, onde teve, como missão, fazer escoltas de segurança às colunas-auto com mantimentos entre Aldeia Formosa, Buba e Aldeia Formosa, Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a auto defesa de Aldeia formosa, Mampatá e Chamarra.

Em Janeiro de 1969 seguiu para Buba. 
A sua missão desdobrou-se na protecção ao pelotão de Engenharia que procedia aos trabalhos de abertura da nova estrada entre Buba e Aldeia Formosa e os trabalhos de combate à penetração do inimigo na área de defesa local.

Completou a sua missão na Guiné, a partir de Maio de 1969 até ao regresso em Maio de 1970, no Sub-sector de Empada, por cujo comando foi responsabilizada, tendo mantido dois grupos de combate em Buba até Dezembro do mesmo ano.

Os principais objectivos globais da actividade desenvolvida em teatro de guerra foram:
- Evitar o alastramento da subversão e atrair as populações à defesa comum dos objectivos por que se lutava em nome da Pátria.
- Garantir a protecção necessária às populações. Verificar e ajudar na sua auto defesa.
- Escorraçar o inimigo, criando-lhe um clima de insegurança e enfraquecê-lo nas suas capacidades, quer morais, quer operacionais e anímicas.
- Garantir o reabastecimento com segurança e eficiência a Aldeia Formosa, Gandembel, Mampatá e Chamarra, através de colunas auto e ou protecção às mesmas.
- Garantir a segurança aos homens e máquinas que dinamizavam o projecto de abertura da nova estrada de Buba para Aldeia Formosa, não permitindo nesta sua acção, que o Inimigo contrariasse o espírito de incrementar melhoramentos no modo de vida das populações, que o governo da Colónia estava a desenvolver.

Aplicou-se com garra e dinamismo para atingir as missões que lhe foram atribuídas, com o cuidado necessário para regressar completa, como era o seu sonho e compromisso de partida.

Recebeu várias referências honrosas dos comandos a cujas ordens serviu, das quais se salienta o seguinte louvor:

"Louvo a CCAÇ 2381 pela sua actuação no sub-sector de Empada, o qual mantém devidamente controlado pela persistente tenacidade do seu Comandante. E não é de estranhar o valioso contributo que deu à luta por uma GUINÉ MELHOR, no período em que esteve dependente do BCAÇ 2892, uma vez que antes disso, sempre demonstrou nas inúmeras acções em que esteve empenhada, desde o início da sua Comissão na Província, em 6 de Maio de 1968, possuir em alto grau espírito de missão. Tendo actuado no Norte da Guiné e depois na Zona Sul, na maioria dos sub-sectores do “S- 2” e em Gandembel, evidenciou através dos seus valiosos combatente, sacrifício, coragem e muita abnegação em todas as missões em que foi incumbida.
Por tudo isto e na hora da sua partida para a Metróple, bem merecem Oficiais, Sargentos e Praças da CCAÇ 2381, serem lembrados como exemplo, aos camaradas que depois deles continuam a luta pela causa comum".

O.S. nº 37 de 11de Fev./70 do BCAÇ 2892

Infelizmente não foi possível cumprir o objectivo principal que se propunham atingir – o de voltarem todos à mãe Pátria. 
Lamenta-se a morte de dois combatentes em missão e um por acidente, para além de 35 feridos, alguns dos quais tiveram de ser evacuados para Lisboa.

Do seu historial de combate, regista-se:
- Montou 405 emboscadas
- Fez 93 escoltas a colunas auto com mantimentos ou de construção da estrada de Buba.
- Participou em 479 Patrulhas e em 15 Operações de Guerra.
- Capturou cerca de meia tonelada de diverso material de guerra.

O Inimigo também não deu tréguas:
- Sofreu 50 ataques a aquartelamentos e 16 emboscadas, dos quais resultaram os mortos e feridos acima mencionados.

“OS MAIORAIS”,  totem com que se identificavam os seus homens, durante a Missão na Guiné, tinham como lema “Pela Lei e pela Grei”, o qual reflectia o espírito que os animava – Fazer cumprir a Lei, sem esquecer nunca que os autóctones com quem se cruzavam e que procuravam viver em paz com Portugal, eram pessoas, independentemente da raça ou cor e como tal teriam de ser respeitadas.

Regressou a Lisboa em Maio de 1970 consciente de ter cumprido a missão que lhe tinha sido atribuída.

(Extraído da História da Companhia)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18479: Convívios (847): XXXV Encontro do pessoal da CCAÇ 2317, dia 9 de Junho de 2018, no Restaurante Santa Luzia - Fátima (Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo At Inf)

terça-feira, 6 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18383: Estórias do Zé Teixeira (46): Uma chapelada de piolhos (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)



1. Em mensagem do dia 26 de Fevereiro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta metendo parasitas difíceis de controlar.


ESTÓRIAS DO ZÉ TEIXEIRA

46 - Uma chapelada de piolhos

O Dionísio era um rapaz alegre e camaradão. Onde houvesse sinais de festa, lá estava ele para dar duas de conversa, beber uns copos, contar umas anedotas e dar umas sonoras gargalhadas. Não era de admirar a sua paixão em passear pela tabanca, sobretudo à noite, onde se sentia bem e por vezes conseguia dar “um pézinho de dança”, nas festas familiares de aniversário, casamento ou qualquer outra, conforme as raízes culturais de cada etnia.

Um belo dia de Novembro de 1969, apareceu, manhã cedo, no refeitório para o “mata bicho” com um frondoso chapéu de palha, tipo brasileiro que se via muito nas fotografias do carnaval do Rio. Não faltaram os mirones à volta dele, com dichotes e piadas. Insensível, mas orgulhoso, o Dionísio comentava alegremente, enquanto comia as sopas de pão envolvidas em leite com borras de café: "dores de cotovelo é o que vocês têm!"

Durante dois ou três dias pavoneou-se pelo quartel e pela tabanca todo ufano, de chapéu na cabeça, como um brasileiro. De noite fechava o chapéu a sete chaves no seu cacifo, para que ninguém ousasse pô-lo na sua cabeça ou fazê-lo desaparecer. Consta que até tentou sair para o mato com o chapéu a substituir o quico.

Um dia, estava eu a ler pela undécima vez uma fotonovela, deviam ser umas dez horas da manhã, quando vejo o Dionísio, vir na minha direção, sem o chapéu e com cara de poucos amigos.
- Que se passa Dionísio? Parece que viste um fantasma!
- Um fantasma, não! Os filhos da puta são aos milhões. Cabrões! Mas vou dar cabo deles!
- Vá! Tem calma. Isso passa.
- Há de passar, há de! Arranja-me um frasco de DDT!
- Tás maluco?! Para que queres o DDT?
- Anda lá! Só preciso de umas gotas. Não demores que eu não aguento mais!

Nem me passou pela cabeça que ele queria o produto químico para matar piolhos que trazia escondidos debaixo do cabelo. Fui buscar o frasco de DDT, que ele me arrancou logo das mãos, e para meu espanto vejo o Dionísio encher a cova de uma mão com o produto e esfrega-la com todo o vigor na cabeça.

Numa fração de segundos, mais parecia um macaco cão a guinchar e a gritar. Ai que eu morro! Ai que eu morro! Acudam-me, estou a arder! Acudam-me... Acudam-me...

Nunca tinha visto tamanha aflição. A respiração tornou-se ofegante, o corpo tornou-se avermelhado, os olhos parece que queriam saltar-lhe das órbitas e ele gritava, gritava de dor e de pavor. E eu tremia de angústia.

Meti-o debaixo do chuveiro, que havia ali na enfermaria (felizmente o depósito tinha água). Baixei-lhe a cabeça e deixei correr o precioso líquido durante longos minutos. Ensaboei-o umas cinco ou seis vezes e ele foi acalmando. Até que o ardor lentamente desapareceu e o perigo passou.

- Se apanho aquele sacana espeto-lhe um tiro nos cornos! Comentou.
- Bem! Conta lá o que se passou que estou em pulgas para saber o que te levou a cometer tão grande disparate. Puseste a tua vida em perigo e pregaste-me um grande susto - disse-lhe com ar de zangado.
- Na quarta feira à noite fui até à tabanca dos manjacos. Estava lá uma garina meu! Nem te passas. Com um corpo escultural e de mama mais que firme. Linda como o sol! Com ela estava um grupo de rapazes da nossa idade que eu nunca os tinha visto em Empada. O grupo dançava, dançava, e eu aproveitei para dar duas de dança e de conversa à catraia. Um dos mancebos trazia o chapéu de palha e comprei-lho por vinte pesos. Nem sonhei que o chapéu trazia uma carripana de piolhos. Eram às toneladas a embrenharem-se por entre o meu cabelo. Olha, nestas duas noites não dormi, com a puta da comichão. Agora de manhã, pus-me a olhar para o chapéu e é que descobri de onde vinha a piolheira. Queimei-o logo, mas a comichão era tanta que... nem te passas!
- Por que não falaste comigo antes? Temos ali remédio para piolhos. Merecias quatro sopapos, meu.
- Pois! E a vergonha que eu sentia? Foda-se pá! Toda a gente me cobiçou o chapéu... e ele estava cheio de piolhos.

O tal grupo não mais apareceu na tabanca. Se foi coincidência eu não sei. Só sei que, três dias depois, os nossos amigos vieram visitar-nos ao cair da noite junto ao arame e voltaram de madrugada para chatear, matando-nos o Conceição Caixeiro.
Encontrei há tempos o Dionísio. Velho como eu, de cabelos brancos como eu, mas de farta cabeleira.
- Tás a ver - diz-me ele com o seu velho olhar de gozão - se tivesses usado o DDT talvez hoje tivesses mais cabelo!

Zé Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17598: Estórias do Zé Teixeira (45): O Valente, um homenzarrão, com um coração tão grande quanto o seu físico (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

terça-feira, 18 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17598: Estórias do Zé Teixeira (45): O Valente, um homenzarrão, com um coração tão grande quanto o seu físico (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Levantamento de mina antipessoal. Foto: © António Inverno (2010).


1. Em mensagem do dia 13 de Julho de 2017, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias com dois protagonistas, o Jorge e o Valente, com sortes diferentes na guerra e na paz.


ESTÓRIAS DO ZÉ TEIXEIRA

45 - O Valente

Mina! - Gritou. - Mina!
Ouve-se quase em simultâneo.

Os picadores aninham e aguardam. O resto do pessoal da coluna, uns deitam-se na berma da estrada em construção, outros, baixam-se expectantes. Numa fração de segundos, o inimigo abre fogo cerrado sobre a frente da coluna. Estava acoitado na mata esperando que uma A.P. que tinha colocado no terreno, um pouco mais atrás bem dissimulada, junto a um tronco de palmeira na berma da estrada, desse sinal de vida. Era junto a ela que iam passar os soldados de proteção à coluna. Seria o momento mais oportuno para abrir as hostilidades, dada a confusão que provocaria. O Inimigo sabia que esta mina facilmente escaparia ao apertado controlo dos picadores pelo local onde fora colocada, no topo do tronco ali perdido, desde que fora arrancado à terra para dar lugar à estrada. Esta maldita esperava silenciosa, enquanto o matraquear das armas e os rebentamentos das granadas se faziam sentir. Os “picadores” como que voaram por cima do campo de minas e estatelaram-se na berma. Tiveram sorte.

De repente fez-se silêncio. Aquele silêncio angustiante para o enfermeiro que aguarda temerosamente ser chamado para acudir aos feridos. Basta um eco de dor e lá vai ele em passo ligeiro, na sua missão de salva vidas, sem olhar a riscos. É o sangue que o chama. É o seu sangue que o impele. Não pensa, corre. Age de forma um tanto inconsciente. Sabe que pode salvar uma vida, duas... esquece a sua própria vida.

Não. Não havia feridos. Apenas silêncios e ouvidos atentos. Olhares cruzados assustavam os medos, enquanto o furriel sapador iniciava o seu trabalho de localização e levantamento das assassinas, ali espalhadas no terreno e eram sete.

Um pouco à frente, nota-se a terra remexida. Centram-se aí os olhares, enquanto se espera a ordem do sapador para avançar. Que será? Talvez um cemitério. Quatro cruzes artesanais estavam bem à vista em plena estrada, por onde se tinha passado no regresso do dia anterior. Não era um cemitério, não. Era um simulacro de cemitério com uma mensagem – Branco vai embora se não queres que te aconteça isto!

O tempo passa lentamente, irritantemente. Nada sucede. Apenas o silêncio daqueles olhos focados no sapador que nunca mais acaba de desenterrar a morte escondida. Era um homem calmo e sereno, nervos de aço, olhar de águia, dedos de sensibilidade extrema. Tinha o seu destino na ponta dos dedos. Lentamente, seguramente, uma a uma... queria vencer mais esta batalha com a morte. É então que o Jorge se levanta do seu lugar e palmilha o troco da palmeira, chegando-se um pouco à frente para ver melhor. Não havia perigo. O inimigo afastara-se. As minas estavam no meio da estrada, bem localizadas...

Mas aquela, oculta mesmo no topo da palmeira mantinha-se silenciosamente expectante. Arreganhou os dentes quando o Jorge a pisou fazendo estremecer os corações dos homens, tanto quanto a terra que a acolheu. Pum!!!!!!!

O Jorge foi atirado para o meio da estrada deixando uma perna pelo caminho. Não gritou. Apenas ficou atónito a olhar para si, todo sujo de pó, sem saber o que lhe aconteceu. O sangue, esse escorria pela perna fora e perdia-se na terra remexida de fresco.

Corre enfermeiro que a uma vida está em perigo! Estava ele tão bem recostado no tronco de uma árvore à espera que o tempo passasse, de olho atento ao sapador.
- Só me faltava esta. - Comentou o enfermeiro e aproximou-se do ferido.

O Jorge, no meio da estrada, agora sim, a gemer de dor, não da perna, mas na alma, ao verificar que algo lhe faltava para ser o Jorge. Veio-lhe à mente, ainda confusa, a imagem da Catarina, a noiva a quem prometera fidelidade. Eram uns românticos que o afastamento da guerra não conseguia vencer. Escrevia-lhe todos os dias e recebia “toneladas” de aerogramas no dia do correio. Agora, já não era o seu Jorge. A guerra apossara-se dele de forma inglória. Ela não ia aceitar um Jorge estropiado. Para quê viver. E o Jorge chorou de mágoa.

O enfermeiro chegou num ápice. Viu o Jorge no meio da estrada, mesmo ao lado das minas que o sapador teimava em levantar. O Jorge, as minas e o enfermeiro travaram um diálogo surdo.
- Vou buscá-lo, arrastá-lo para a berma?! Não haverá mais minas?! Trato-o mesmo ali?! - Interrogava-se o enfermeiro enquanto abria a bolsa e procurava o material de apoio. E o Jorge gemia. Gemia na alma e no corpo dorido, esfacelado...

Foi então que o Valente, um homenzarrão, com um coração tão grande quanto o seu físico, agarrou no enfermeiro pelo braço e disse com voz de comando.
- Vamos buscá-lo!
E foram. E trouxeram-no para a berma.

Este Valente, já não está entre nós, a morte apossou-se dele há menos de um ano.
O Jorge casou com a Catarina e ainda hoje são um casal feliz.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16914: Estórias do Zé Teixeira (44): A “puta” passa o seu tempo à sombra do cajueiro, junto à porta do Comando (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

terça-feira, 4 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17544: Cartas de amor e paz em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381) (1): Navio Niassa, 5 de Maio e Bissau/navio Niassa, 7 de Maio de 1968


Empada - José Teixeira escrevendo

1. Em mensagem do dia 29 de Junho de 2017, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos as duas primeiras "Cartas de amor e paz em tempo de guerra", série que esperamos seja continuada.

Meus caros amigos editores:

Junto mais um texto com um tema novo e pouco trabalhado – Cartas de amor.
Espero que gostem.

Abraço do
Zé Teixeira


Guiné > Bissau > 29 de dezembro de 1971 > Chegada do
T/T Niassa. Foto do ex-al mil, António Sá Fernandes,
CART 3521 (Piche) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão)
(1971/73).
Cartas de amor e paz em tempo de guerra (1)


 1 - Barco Niassa, 5 de maio de 1968

Minha querida

Pára! Senta-te no sofá e procura concentrar-te em mim, pois neste momento, eu, o teu amor,  estou junto a ti, de alma e coração, na amurada do Niassa.

A minha maior preocupação é saber como estás. Calculo que tiveste de fazer um enorme esforço para voltares a ti, já que a minha partida para a Guiné te desorientou. Conheço-te o suficiente para avaliar o teu sofrimento. Creio que tu sofreste mais, com a minha partida, que propriamente eu.

Agora confia na tua força de vontade para voltares a ser, tal como és:  alegre, comunicativa, sempre bem-disposta, com Fé em Deus, que te diz que o teu amor voltará, disposto a amar-te ainda mais. Voltarei para construirmos o nosso futuro em felicidade.

Parto para esta guerra confiado no amor que me dedicas e essa confiança será o meu alento para as lutas na Guiné. Neste momento sinto mais medo da luta que terei de travar comigo mesmo que propriamente da guerra que terei de fazer, ou seja,  a luta contra os bandoleiros que infestam a Província. Conto com a tua ajuda moral e sobretudo espiritual para vencer todas as batalhas que terei de travar para bem do nosso futuro. Deste modo, com a tua ajuda, daqui a vinte meses, estarei junto a ti, com Missão Cumprida,  para não mais me afastar.

Sabes! Estou contente comigo mesmo. Não contava com tanta resistência de minha parte, na despedida. Parti confiante. Os únicos momentos em que vacilei, foi quando me despedi da minha mãe. As lágrimas teimavam em descer pela face, mas consegui segurar-me. Também me custou separar-me de ti. Ainda estou a ver-te sentada no cais de Campanhã a dizer-me adeus, com o teu sorriso de dor e coração apertado.

Não sei como classificar esta viagem em que vamos metidos num porão enorme, como animais para o matadouro. São centenas e centenas de jovens de olhar perdido e estômago revoltado. O cheiro a vómito é abafador, tal como calor que nos persegue dia e noite.

Quinta feira ao fim da tarde sentia uma grande dor de cabeça. Havia algo dentro de mim que não estava bem. Faltava-me a tua presença, sempre querida. Isolei-me na proa do barco, no meio de centenas de camaradas. Então tu apareceste através do telegrama que recebi com a tua mensagem de amor. Não calculas quanto me soube a tua presença ali a meu lado. Como adivinhaste que eu precisava de ti? Sabes, o telegrama veio na hora certa.

As viagens marítimas são formidáveis, mesmo num barco carregado com cerca de mil e oitocentos homens. O ambiente por vezes até parece um arraial minhoto. Muitos encostam-se à amurada e espraiam o olhar no vazio dos céus e mar que nos rodeia. De algum modo estou gostando e espero repeti-lo dentro de vinte meses no sentido inverso. Aí, sim, cantaremos de alegria.

Dizem que estamos a chegar, mas sei que não vou desembarcar hoje, Domingo, em Bissau. Dizem que vamos partir noutro barco e desembarcar algures nas margens do Rio Cacheu. Conto desembarcar com o pé direito, sem foguetes ou balas a assobiar por cima da cabeça.

Confiado no grande amor que me dedicas, fico-me por aqui, com desejos que te encontres bem, na companhia da tua família.

Recebe um grande abraço e muitas saudades do que te quer de alma e coração.
Teu Jorge.

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2 - Bissau, Niassa, 7 de maio 1968

É meia noite. Como ainda não desembarquei, vou escrever mais um pouco, enquanto o Vítor não desembarca. Pedi-lhe para levar esta carta com ele para pôr no correio.

Está um calor sufocante e uma barafunda enorme. Malas, sacos, embrulhos, homens aos magotes desnorteados. Ordens e contra ordens. Tudo anda aos trambolhões na proa do barco. A minha Companhia deve desembarcar amanhã de manhã para uma lancha e subir o Cacheu.

Minha querida:

Só agora, longe de ti, em terras que não conheço, sinto bem quanto te amo. Não calculas quanto tenho sofrido nestes dois últimos dias. Como vou eu aguentar cerca de dois anos sem te ver, sem a tua presença?

Éramos tão felizes, mas a felicidade não pode durar sempre.

Desculpa este desabafo. Apetece-me chorar. Mas não. Um homem nunca chora.

Um grande abraço e um grande beijo deste que te ama com todo o coração.
Teu Jorge.
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sexta-feira, 31 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17193: Convívios (790): XXVII Encontro de "Os Maiorais" de Empada - CCAÇ 2381, dia 22 de Abril de 2017 em Alferrarede (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)


 


1. Em mensagem do dia 25 de Março de 2017, o nosso camarada e amigo José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), pede-nos a divulgação do XXVII Encontro de "OS MAIORAIS", a levar a efeito no próximo dia 22 de Abril de 2017, em Alferrarede, conforme o programa acima.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17171: Convívios (789): 40.º Encontro do pessoal da CCAÇ 3547 - "Os Répteis de Contuboel", dia 27 de Maio de 2017 na Vila do Bombarral (Manuel Oliveira Pereira)

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16914: Estórias do Zé Teixeira (44): A “puta” passa o seu tempo à sombra do cajueiro, junto à porta do Comando (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > Entrada principal da povoação e do aquartelamento
Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviando-nos mais uma das suas estórias,  esta dedicada a uma "amiga muito especial".

Fiquem descansados que o nosso Zé Teixeira não se passou

Meus amigos. 
Depois de umas “entradas” em beleza, espero eu, há que continuar a dar luz ao nosso blogue. 

Junto um texto simples para recordar coisas boas das nossas guerras. 

Votos de continuação de um bom ano 

Abraços do 
Zé Teixeira


Estórias do Zé Teixeira

44 - A “puta”

Passa o seu tempo, debaixo da sombra do cajueiro, junto à porta do Comando. Cobiçada por todos, a todos serve com carinho e enlevo. Lembram-se dela, quando se ouve ao longe o rrrrrroooommmmm da avioneta que traz noticias frescas à sexta, por vezes à segunda-feira. Correm para ela. Deixa-se montar. Suporta com o mesmo carinho; um, dois. Dez de uma assentada. Outros correm atrás dela.

Seguem-na com a esperança estampada no rosto. Regressa ao seu posto, trazendo as notícias frescas que todos ambicionam e por ali fica, atenta e disponível: A chuva pode cair a cântaros, ou ser apenas uma suave penugem húmida, o sol pode queimar a sua pele, liberta da pigmentação acastanhada que a fazia confundir-se com a selva, por onde se passeava nos seus belos tempos. Dia e noite, não arreda pé.

Consta que o “Sistema” a foi buscar à Alemanha no fim da guerra e a enviou para a Guiné. Aqui se deixou montar por muita gente. Preferia os mais graduados, de preferência de galões dourados e largos ou com estrelas. Parece que na Alemanha já era escolhida por esse tipo de gente. Com o fim da guerra na Europa, corria o risco de se perder, mas foi resgatada a tempo e viajou para o novel continente, ainda antes de este entrar em convulsão. Passeou pacificamente pelas picadas da Guiné durante anos. Envelheceu com o tempo e com o uso, perdeu a garra. Agora vai com todos. Geme dolorida quando a montam. Geme dolorida quando desata a correr pela estrada de terra batida. Há muito que foi dispensada de pisar as picadas e ainda bem. As minas que o inimigo gosta de colocar no terreno atirá-la iam pelo ar. A guerra nem a meio vai e ela sabe-o bem. Fala a experiência.

Está irreconhecível, mas continua firme no posto, preocupada em estar sempre disponível. Só não gosta do furriel mecânico. Talvez seja porque este andar sempre à sua volta. Aperta aqui, apalpa acolá. Quando ela amua, o que acontece muitas vezes, dá-lhe marteladas, por vezes pontapés.

Não sabe porque a apelidaram de “puta”. Já foi "Mercedes", nome que gostava muito. Perdeu-o quando chegou a Buba, já muito cansada de devorar quilómetros e ficou ao serviço do Comandante, sem sair do perímetro da Tabanca, devido à sua velhice. Habitou-se a ser de todos, sobretudo quando se ouve o rrrrroooommmm da avioneta do correio, ou outra que apareça, sobretudo se vier buscar feridos. Por gentileza e missão de serviço pode ser que traga uma enfermeira, que lembre as mulheres da mãe pátria.

O velhinho “jeep” que corre para a pista e transporta todas as semanas os nossos sonhos, talvez mereça a ternura de ser a “puta” de serviço permanente.

Buba, Maio de 1969
José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16841: Estórias do Zé Teixeira (43): O meu Natal perdeu todo o encanto no dia em que o Menino deu lugar a um velho de barbas brancas que trazia um saco às costas, a quem chamavam o Pai Natal mas não era o pai do Menino

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16863: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (13): Mensagem de José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf.ª da CCAÇ 2381


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2016:

Meus caros editores. 
Como está a chegar o Natal, é tempo de pensarmos em mudança na nossa forma de ESTAR, para que este Mundo se transforme no Paraíso Prometido - com uma condição em quem ninguém está atento – Tem de ser cada um de nós a construí-lo. 
Junto um pequeno poema que se entenderdes podeis publicar. 

Com os meus melhores votos de um Santo Natal todo o ano. 
Zé Teixeira


PRESENTE DE NATAL

Antes de dar ou receber presentes de Natal, 
Eu quero ser Presente de Natal, 
Junto das pessoas do meu Mundo. 
Presente nos afetos que abrem corações. 
Presente nos sorrisos que dão vida à alma. 
Presente na dor para dar consolo. 
Presente na vida dos que mais precisam. 
Presente no combate à solidão que mata 
Presente nos abraços que transmitem calor. 
Presente em ti meu irmão. 

Este “Ser Presente” não tem custo monetário. 
Não se gasta nem desgasta 
E pode usar-se todos os dias do ano. 

Faz de mim uma pessoa feliz 
Porque recebo sorrisos gratuitos de felicidade. 

UM SANTO NATAL 
Para todos os que ousarem ler esta mensagem e a tentarem pôr em prática. 

José Teixeira
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Nota do editor

Poste anterior de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16862: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (12): Mensagens dos nossos camaradas: Mário Pinto, ex-Fur Mil Art da CART 2519; Jorge Picado, ex-Cap Mil do CAOP 1; Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208; Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 e Luís Fonseca, ex-Fur Mil da CCAV 3366

sábado, 1 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16545: Blogpoesia (471): Promessas de paz (José Teixeira)

 

1. Em mensagem do dia 29 de Setembro de 2016 o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos este poema alusivo à paz que tanto desejamos e que cada vez é menos viável.


Promessas de paz

Prometem-me a paz das armas
Que calam armas matando pessoas,
E eu quero encontrar apenas a paz do pão,
Para matar a fome a quem estende a mão.
E construir em cada momento
A paz da solidariedade -
E do entendimento.

Prometem-me a paz das armas
Que calam armas espalhando a dor,
E eu quero encontrar apenas a paz do amor.
Para espalhar no mundo a esperança
Que o enche de afetos -
E de bonança.

Prometem-me a paz das armas
E as armas trazem mais armas
Enchendo o mundo de receios.
E eu quero encontrar apenas a paz do perdão,
Da paciência e da compreensão.
São para a paz, esteios -
E transformam as balas em pão.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16522: Blogpoesia (470): "Naquele olhar..."; Se tivesse o poder de amainar as tempestades..." e "Horas luminosas de sol...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16541: Estórias do Zé Teixeira (42): Tempestades (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)


Foto: © AD - Bissau

Em mensagem do dia 28 de Setembro,  o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias.

Meus caros amigos!
Na esperança que as férias vos tenham dado força anímica para continuarem com o belo projeto de dar a conhecer Guerra colonial aos vindouros, junto mais um texto que reflete um estranho momento vivido nos primeiros dias de Guiné.

Fraternal abraço do
Zé Teixeira


Estórias do Zé Teixeira

42 - Tempestades

Naquela tarde de junho, Luís caminhava, debaixo de um sol abrasador, em bicha de pirilau. Ressoava-lhe na mente as ordens rigorosas ditadas pelo Alferes Andrade, comandante do seu grupo de combate, que saía, pela primeira vez isolado, para uma missão de patrulhamento e emboscada até a madrugada do dia seguinte. “Arma apontada para a direita, arma apontada para a esquerda! Dois metros de distancia ao camarada da frente! Olho bem aberto e ouvidos atentos! Silêncio absoluto na marcha!” E tu “doutor”, dirigira-se diretamente a ele, "levas material que chegue para algum que lhe dê uma caganeira?! Não te esqueças da maca!"

Luís pensava com os seus botões. Ora eu preocupado em levar a bolsa bem cheia de material de primeiros socorros e ele a pedir-me medicamentos para a caganeira! Hum! Cheira-me a merda!... E ainda só passou um mês!

A marcha seguia lenta. Corpos a derreter deixavam que o suor encharcasse a camisa, as calças e até as cuecas. A água do cantil já se evaporara, ao deslizar pela secura das gargantas.

Malditas melgas! Gritava em silêncio. Eram pequenas, de asas arredondadas, mas tão chatas que o punham maluco. Embrulhavam-se nas gotas de suor que escorria pelo rosto provocando cócegas irritantes. Penetravam nos olhos e no nariz, zumbiam junto dos ouvidos, penduravam-se nas orelhas, nos braços… e eram tantas, meu Deus!

A cerrada mata dificultava a passagem, por entre as grossas árvores que tentavam alcançar um longínquo céu, enleadas por agressivos arbustos e lianas verdejantes.

Lá no alto, os jagudis com o seu manto preto, que lhe dava um certo ar de “gato pingado” vigiavam atentamente, enquanto a passarada fazia ouvir a sua orquestra canora que ecoava suavemente aos seus ouvidos.

Num repente fez-se silêncio total. Os jagudis, como que por encanto, sumiram-se do céu. Os pássaros calaram-se e até as melgas e mosquitos desapareceram. Surge uma suave brisa que se transforma em vento agreste. O céu começa a turvar-se, enquanto se ouve ao longe um ruído estranho. Uma espécie de ronco contínuo que aumenta em cada segundo que passa. Será o mar? Talvez o rio Cacheu que galgou as margens e vem ao nosso encontro, pensou temerariamente o Luís.
Nota que o sol se embrulhou nas nuvens negras e desapareceu, deixando o grupo numa aterradora escuridão. Sente um medo miudinho que lhe estremece o corpo todo e lhe faz arrepiar o cabelo.

Olhava para os colegas que o seguiam - ele ia a meio da coluna, junto ao alferes - e vê olhos perscrutando o ambiente, carregados de medo, tal como ele.

Um raio enorme e ruidoso, seguido um trovão que faz tremer a terra e os corpos acorda-o dos seus pensamentos negativos, para o assustar ainda mais. Segue-se outro… e outro… e outro… tantos e tão rápidos que era impossível contá-los. Cruzam-se e entrecruzam-se no ar iluminado os céus enquanto a terra estremece abalada com o ribombar dos violentos trovões que se seguem a cada raio. Sente-se num outro mundo… talvez no fim do mundo.

Se calhar, o nosso alferes tinha razão. Já deve haver muito cu bem borrado! Pensou e riu-se interiormente, pensando em si.

Chamou todos os santinhos do céu seus conhecidos para o acudir, a si e aos camaradas que o acompanhavam, não esquecendo a Santa Bárbara, advogada das trovoadas, a quem a sua mãezinha rezava de joelhos. Queimava, em sua honra, alecrim benzido no domingo de ramos, sempre que a trovoada - e não era nada que se comparasse a esta - aparecia lá no alto do monte onde nascera. Também ela tinha medo da trovoada!

Ah! Se ela, a mãezinha aqui estivesse, sentir-se ia bem mais seguro… e rezou, pedindo a Deus que não o deixasse partir, sem voltar a ver a sua santa mãe.

O ronco, espécie de rugido continuo, que ouvira ao longe, momentos antes, aumentara com o vento que chegou a grande velocidade para não perder este espetáculo com “periquitos” cagados de medo a viverem uns momentos tão deslumbrantes, como aterradores, com que a natureza os presenteara.

Pelos buracos invisíveis das nuvens negras que se avolumavam no céu, caíam longas pingas de água que o céu dispensava abundantemente. Suave bálsamo que a pele do Luís avidamente absorveu, para compensar o corpo do suor despendido na já longa marcha pela floresta.

Raios e trovões como nunca tinha visto. Um vento que rugia a avisar borrasca e agora a chuva a potes! E havia o inimigo por perto!

A marcha segue lenta, muito lenta, mas ninguém pára. Nem, quando um raio mais atrevido, ousa rasgar a meio uma gigantesca árvore, num esgar de dor que se ouve bem longe, transformando-a num archote de belo efeito pela luz que espalha naquela meia tarde, meia noite.

Assim como chegou, rápida e ruidosa, a tempestade se foi. A floresta ficou, de novo, entregue aos seus silêncios, mistérios e temores, com trinta e cinco homens no seu seio. Estranhos homens na cor, a forma de pensar e agir, caminhantes ao encontro de um mundo estranho, que os acolhia desta maneira.

A tarde perdia-se, mas ainda deu tempo deixar o sol secar no corpo a roupa que cobria o Luís e seus companheiros de aventura.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16176: Estórias do Zé Teixeira (41): O sonho do João

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16282: Blogpoesia (459): "Palavras que o vento eleva" (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem do dia 6 de Julho de 2016, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos "Palavras que o vento eleva".

Caríssimos!
Creio que este poema que envio para ser publicado, tem razão de ser no nosso blogue.
A liberdade de expressão e o pluralismo são fundamentais para que se faça história, mas as palavras têm de ser “medidas” para não ferirem susceptibilidades e sobretudo refletirem a verdade e não uma carga de sentimentos e emoções.

Abraço fraternal do
Zé Teixeira

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"Palavras que o vento eleva"

Palavra solta não volta atrás.
Uma vez lançada, voa –
É irreversível.
Tem a leveza do vento
E a força da tempestade,
É como ave que voa em plena liberdade,
E leve barco perdido nas correntes de um rio.
Incontrolável.
E se é de ternura ou amizade,
Pode ser curta ou condensada,
Mas tem um eco infindável.

Palavra puxa palavra –
Uma ideia e outra ideia, e faz-se livro,
Ou poema, ou canção –
E a palavra amável torna-se favo de mel,
Uma oração –
Adoça o espírito e alimenta a vida.
A palavra é a sombra da ação
E também revolução.

A palavra é como o espelho da alma,
E se cheio está o coração,
Perde a luz e adensa a escuridão,
Pois não pode ditar-se com calma.
– Não há espelho que reflita melhor o homem
Que as palavras vindas do coração.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16274: Blogpoesia (458): Deram-me um par de botas e um número (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)