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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3314: Estórias de Guileje (15): Coisas daquela guerra que era uma loucura e deixou muita gente maluca (Luís Candeias)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Aspecto da construção, em 1968, de uma abrigo-caserna... Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2007).




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Dois homens de Guileje e membros da nossa Tabanca Grande: à direita, (i) o Cor Art Ref Coutinho e Lima, que vai lançar muito proximamente o seu livro com o seu depoimento sobre a sua (polémica) decisão de retirar as NT e a população civil de Guileje, em 22 de Maio de 1973, na altura em que era major e comandante do COP 5; e à sua esquerda, (ii) o ex-Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (aqui, na foto, agradecendo ao seu antigo comandante, em seu nome pessoal e da sua família, a decisão de abandonar Guileje, decisão essa que terá salvo a vida a muita gente).
Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Luís Candeias, com data de 15/1/08. Não estava esquecida, aguardava apenas... melhor oportunidade editorial:

O Luís António Ricardo Candeias (1) foi Fur Mil Inf (BII 18 e BII 19, Ponta Delgada e Funchal, 1973/74). Não chegou a ser mobilizado para o ultramar. Mas ouviu histórias (e estórias) da Guiné, como estas que aqui nos conta. (Guileje era já, de resto, fértil em histórias, estórias, historietas, anedotas, no meu tempo, Junho de 1969/Março de 1971, em Bissau ou na Zona Leste)...

O Luís Candeias é natural da Ilha de Santa Maria, Região Autónoma dos Açores, onde é controlador de tráfego aéreo. É amigo do nosso amigo e camarada Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), miseravelmente denunciado por alguém de Bambadinca, um civil ou um militar, preso por pacifismo (?) pela PIDE/DGS no dia 1 de Janeiro de 1971, levado de helicóptero para Bissau e expulso do exército (2)... (LG)
Boa noite, Luís

Ao ver estas informações sobre os torpedos bengalórios (3), lembrei-me que, quando vim do Funchal para Ponta Delgada, encontrei aí vários Sargentos recém regressados da Guiné.

Recordo-me bem do Tavares de Melo, do Sabino e de um outro que acho que se chamava Oliveira. Este último era um senhor baixinho, de cabelo muito ralo, que tinha vindo de Guilejee onde tinha feito uma comissão numa altura em que tiveram que abandonar o aquartelamento várias vezes, só com a G3 (4).

Nas nossas conversas na Messe de Sargentos, contava-me ele que viviam permanentemente nas valas. Era na vala que ele tinha a máquina de escrever e que tratava das burocracias. Várias vezes ouvi-o muito zangado dizer que tinha arranjado umas rampas para lançamento de morteiros em cimento, onde colocavam as granadas de morteiro e ligavam os fios. Aquilo parece que permitia uns disparos diferentes que deixavam baralhadas as hostes contrárias.

Este facto ter-lhe-à merecido uma proposta de louvor que ficou em águas de bacalhau na sequência da revolução de Abril e a sua zanga vinha daí. O General Spínola que lhe prometera o louvor, não o chegou a dar e ainda por cima parece que levaram umas porradas por terem abandonado o aquartelamento para salvar a pele (5).

Também convivi de perto no Funchal com um capitão Faria, recém regressado da Guiné, e que acho que era este Capitão Sousa Faria, da CCAÇ 2548 aqui referido.

Tenho bem presente é que ele se fartava de me dizer que teve lá com ele um Furriel Enfermeiro que é meu conterrâneo (Valter Tavares) que ele dizia que era maluco.

Ao contar isso ao Valter e tentando entender o porquê daquela coisa do maluco porque o Valter que eu conheço não é maluco, contou-me que tinha sido por um disparo acidental da sua G3 dentro da caserna, numa operação de limpeza da arma.

Se a memória não me engana, isto aconteceu em Pirada.

Coisas daquela guerra que era uma loucura e que por isso deixou muita gente também maluca.

Um abraço

Luís Candeias
_________

Notas de L.G.:

(1) Sobre o Luís Candeias, vd. postev de 8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2421: Em busca de... (15): Pessoal da companhia madeirense que esteve em Jemberem (1973/74) (Luís Candeia, amigo do Arsénio Puim)

(2) Sobre o Arsénio Puim, vd. postes de:

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2433: Em busca de ... (16): Pessoal da CCAÇ 4946/73, madeirense + Arsénio Puim, ex-capelão, açoriano, BART 2917 (Luís Candeias)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)

(3) Sobre os misteriosos torpedos bengalórios, vd. postes de

19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2061: A odisseia esquecida de Gandembel / Balana (Nuno Rubim / Idálio Reis)

13 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2436: Diorama de Guileje (2): a casota do gerador Lister... Agora só faltam os torpedos bengalórios (Nuno Rubim)

15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2441: Diorama de Guiledje (3): Torpedos bengalórios (Idálio Reis /Nuno Rubim)

(4) Só pode ser a açoriana CCAV 8350, os Piratas de Guileje, que abandonaram Guileje no dia 22 de Maio de 1973, por decisão do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima, juntamente com a população local e outras sub-unidades adidas.

Vd. Postes do José Casimiro Carvalho:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Vd. postes de ou sobre o Coutinho e Lima:

7 de Outubro de 2008 >Guiné 63/74 - P3277: Memórias literárias da guerra colonial (4): A retirada de Guileje - 22 de Maio de 1973 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

10 de Abril de 2008 > 10 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2744: Fórum Guileje (14): Folclore (Cap Inf José Belo) ou Gratidão (Cor Art Coutinho e Lima) ? A homenagem da população local

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

(5) Sobre as estórias desta série, vd. postes já publicados anteriormente:

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2905: Estórias de Guileje (11): A besta do Celestino (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

(Por lapso, houve um salto na numeração dos postes, de 11 para 13)

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)

6 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3176: Estórias de Guileje (14): O meu (in)subordinado de transmissões (Zé Carioca)

(6) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim: O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2525: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (7) (Carlos Silva)

A História do BCaç 2879.

Texto e imagens de Carlos Silva.

24 toneladas de material apreendido em Faquina, na zona de Cuntima, junto à fronteira com o Senegal (II)

__________

Continução do depoimento do nosso camarada Carmo Ferreira, Alf Mil da CCAÇ 2549, no seu trabalho A Luta Pelo Regresso, 1975, ainda não publicado, que a págs. 23 a 28 se refere a este Ronco nos termos seguintes:

"Entretanto, no vai-e-vem dos helicópteros, rogo ao Capitão Lourenço o envio de cerveja fresca para o pessoal. Ele mesmo aí se desloca, aproveitando uma boleia, a fazer entrega. A frescura desse líquido deu-nos de novo alento, se bem que por pouco tempo. É que isto dura já há cerca de 48 horas e o pessoal pela fome, cansaço e sono, vai atingindo a saturação física.

A retirada para o quartel é ordenada. Cerca de duas horas depois tínhamo-lo à vista.


Em Carantabá, os olhos têm ainda tempo para apreciar a beleza verdejante das árvores que rodeiam a tabanca há muito abandonada. Um recanto metropolitano autêntico, com os seus limoeiros e laranjeiras junto das casas totalmente destruídas.

Os obuses começam então a metralhar a zona abandonada. A sensação que as pesadas granadas de 50 quilos provocam a quem está no enfiamento do tiro é deveras peculiar. Quase em simultâneo com o estampido do disparo (a saída) parece que chega uma lufada de ar que nos sopra no cachaço!

A alegria de reentrar no quartel é enorme. Por parte dos novos-velhos camaradas que nos recebem a alegria é idêntica e recíproca. São nestes momentos que grandes amizades se cimentam. A camaradagem dos irmanados no perigo não é fictícia. É real, sincera.
Pela primeira vez os periquitos da 2549 cumpriram e cabalmente, o seu dever. A sua actuação não defraudara apesar de não ter ainda um mês desde a sua chegada. Disso se sentem orgulhosos.


Que se passara, entretanto, durante todo esse período no quartel?

Muitos dos que ficaram se ofereciam como voluntários para irem ajudar. Todos, concerteza, pensavam o pior que poderia acontecer. Todos desejavam, contudo, ansiosamente, o nosso regresso ao seio da sua sã camaradagem. Era o sofrer dos que vivem na incerteza, na incógnita do que se está a passar lá longe, fora do quartel.
Na noite do regresso, descansando o corpo, falou uma vez mais o sentimento, o recordar do que ainda havia bem pouco passara.”


A propósito desta operação, o meu camarada Fur. Mano Nunes da CCaç. 2549, do GrComb do Alf. Carmo Ferreira, refere que foi nesta acção que teve o seu baptismo de fogo e onde dessa vez, diz ele:

“...foi aquele "ronco"!

Até agora ainda não tinha sido superado. Foram 24 toneladas de material capturado ao IN e quando já vinham de regresso para o quartel em Cuntima, sucedeu aquilo que eles já não contavam, depois de terem galgado quilómetros sem conta - Porrada!

Eles (IN) começaram em força. Até levaram o 82 para a emboscada! E depois esperaram que as NT entrassem na bolanha, zona aberta e sem a mínima protecção, desencadearam o “fogachal”. Aquelas imensas nuvens de pó, que as morteiradas do 82 levantavam, metiam-lhe medo e cá uma confusão! Contudo a reacção das NT foi pronta. As armas cuspiam raiva, revolta e morte”(1).

O Cap. Vasco Lourenço comandante da CCaç 2549 faz a seguinte referência:

“Faquina!...nome que só por si era um mito.
Faquina!...local onde o pessoal da companhia (algum) tivera o seu baptismo de fogo, numa operação onde se fizera o maior ronco da Guiné, respeitante a captura de material, até então por alguém conseguido.


...Continuamos a batida e pouco depois, ao passar-se junto ao marco 99 (2), verifiquei quanto estivéramos ‘do outro lado’.
Continua-se, verifica-se a arrecadação do primeiro e grande Ronco feito em Faquina e eis-nos junto ao poço de água extraordinariamente amarela do barro e da sujidade, mas que urgia aproveitar.....”



Capa da 1ª Edição do Livro do Cap. Vasco Loureço – Militar de Abril

Depoimentos Pessoais

Segundo conta o meu camarada Fur. Albano Silva, do 1º Pel. da CCaç 2547, gondomarense e amigo de infância, também eles por determinação do nosso Comandante Ten. Cor. Agostinho Ferreira, avançaram para as “ Faquinas – Fula e Mandinga “ (antigas tabancas abandonadas) situadas junto à fronteira senegalesa “ marco 99” e à tabanca de Sare Demba Chucael. Aliás, conforme é referido na História da CCaç. 2529.

Foram helitransportados juntamente com Os Roncos, de Farim para aquela localidade onde foram lançados.

Referiu ainda que estiveram em território senegalês e que se avistaram com alguns elementos da tropa senegalesa sem que tivesse havido qualquer atrito com eles e posteriormente quando progrediam para o interior do nosso território, batendo a área mencionada, também detectaram um “chamado” depósito de armas e que também as transportaram para Farim, conforme documenta com uma foto, exibindo parte do célebre ronco.
Ainda a propósito desta famosa operação, segundo me contou o meu amigo M. Baldé, homem das transmissões, o qual integrava o GrComb Os Roncos (3), comandado na altura, pelo então Fur. Cherno Sissé, a descoberta do material capturado deveu-se ao acaso, aliás, muito interessante.

Segundo ele conta, o nosso Comandante de Batalhão, Ten. Cor. Agostinho Ferreira, naquele dia 13 de Agosto andava com tropas pára-quedistas de héli-canhão em missão de reconhecimento junto à fronteira com o Senegal e naquela zona avistaram uma viatura na bolanha, sobre a qual fizeram fogo a partir do héli-canhão, acabando por incendiá-la e destruí-la.

Em face de tal acontecimento pediram a Bissau o envio de tropas especiais para o local, pelo que foram de imediato enviados 5 ou 6 helicópteros com pára-quedistas, os quais foram lançados no terreno em Faquina Fula, tendo posteriormente aqueles aparelhos ido a Farim buscar o pessoal do GrComb Os Roncos para os transportar para aquela área a fim de reforçar as NT ali presentes, sendo lançados em Faquina Mandinga.

Nesse mesmo dia 13-08-1969 pelas 18 horas os homens do GrComb. Os Roncos, atravessaram a bolanha e sem se aperceberem entraram em território do Senegal, onde pernoitaram e onde segundo ele, A Balde, encontravam-se tropas senegalesas emboscadas, as quais não viram por ser já noite.

No dia seguinte ao amanhecer, acabaram por se avistarem uns aos outros, tendo o comandante da força senegalesa, Ten. Nham, dialogado e determinado à rapaziada dos “Roncos” para se retirarem dali imediatamente porque estavam a violar o espaço territorial Senegalês.

Apesar disso, o Fur. Sissé, não queria abandonar aquele local e determinou ao seu pessoal para abrirem fogo contra as forças senegalesas.
Contudo, apesar de insistentemente ordenar para que se fizesse fogo, no entanto, os seus homens não obedeceram a tais ordens sem que primeiramente falassem com o Comdt. do Batalhão, imperando assim o bom senso.
Por tal motivo, o nosso amigo Baldé, homem do rádio, comunicou através do AVP1 com o Ten. Cor. Agostinho Ferreira o qual se encontrava emboscado em Faquina Fula a comandar as operações, para lhe contar o sucedido e saber o que deveriam fazer; tendo ele dito e ordenado ao A Balde para dizer ao Cherno que se retirasse dali imediatamente, porque efectivamente estavam a violar o território senegalês, pelo que, em execução de tais ordens, o nosso amigo A Balde transmitiu de imediato as mesmas ao Cherno.

Mesmo assim aquele nosso amigo Cherno, não ficou convencido e continuou renitente em sair de lá, até que ele próprio resolve falar com o Ten. Cor. Agostinho Ferreira e só depois de ouvir da boca dele é que ficou convencido de que teria de retirar daquela zona.
Após a retirada do interior da linha de fronteira senegalesa e de regresso a Faquina Mandiga, durante o percurso e em momentos de descanso, um elemento do pelotão, o G Candé afastou-se um pouco do grupo e foi cagar, quando a certa altura, ao enterrar um pé num buraco, algo lhe despertara a atenção.

Logo de imediato procurou ver o que era, afastando com as mãos a folhagem que cobria parte daquele tesouro. De seguida dirigiu-se ao Sissé a quem contou que tinha descoberto algo de muito importante, mas que não lhe diria do que se tratava e que apenas transmitiria ao nosso Comandante o seu segredo, caso este o recompensasse; pelo que, não restou outra alternativa ao Sissé, ter de comunicar com o nosso Comandante.

Deste modo, o Ten. Cor. Agostinho Ferreira teve que deslocar-se de Faquina Fula para Faquina Mandinga, que distam uma da outra umas centenas de metros, para tomar conhecimento do precioso achado e belo tesouro, mas sem que antes tivesse de prometer uma contrapartida ao nosso amigo G Candé, que segundo crê o nosso amigo A Balde foi a promessa de o promover a alferes milícia, o que só muito mais tarde veio a acontecer.

Descoberto o “ ronco” e avaliada a sua dimensão, as NT acabaram por passar todo o dia 14 a carregar o material para os helicópteros, os quais andaram numa roda-viva de vai e vem de Faquina para Cuntima ou Farim e vice-versa.
O material foi posteriormente transportado de Dakota para Bissau.

Conta o Mamadu A. que tanto ele, como o B Embaló e A Baldé acabaram por ficar tão exaustos que tiveram de ser evacuados de heli para Cuntima onde o Cap. Vasco Lourenço os recebeu e lhes deu um maço de tabaco a cada um, bem como uma lata de leite.
Foi assim, segundo me relatou este meu amigo M Baldé, que Os Roncos, no decorrer da dita operação em Faquina descobriram e capturaram ao IN, parte do material (24 toneladas) que constituiu o maior ronco em toda a história da guerra da Guiné, o qual se ficou a dever ao acaso.

Bem-haja, e muito obrigado G Candé e todos os outros camaradas participantes nesta tão importante acção, que assim evitaram que tal armamento viesse mais tarde a ser utilizado contra as NT e pudesse eventualmente ter causado muitos dissabores bastante desagradáveis.
De facto, esta captura de elevada tonelagem de material ao IN foi o maior ronco do nosso Batalhão pela quantidade de munições e armamento capturado e tal como diz o meu camarada Fur. Mano Nunes, nunca até àquela data superada, aliás, nunca tal ronco foi superado durante todo o tempo em que se travou a guerra.

Foi, na verdade, um feito histórico de todo aquele pessoal que participou na célebre operação de Faquina onde foram capturadas 24 toneladas de material bélico, tendo sido o nosso amigo G Candé um dos protagonistas no meio daquilo tudo.

Na História dos Pára-Quedistas, Vol. IV, págs. 165 a 167 sobre este importante facto histórico é escrito o seguinte:

Operação Talião

A grande capacidade ofensiva e rapidez de aprontamento para o combate reveladas por mais de uma vez pelos homens do BCP 12, seriam novamente postas à prova durante a operação Talião.

No dia 12 de Agosto de 1969, durante um RVIS efectuado pelo Comandante da ZACVG, foi detectada uma viatura de carga pertencente ao PAIGC, na região de Faquina Mandinga, junto à fronteira norte.

Recebida a informação, foi imediatamente lançada a operação Talião, a cargo de um grupo de combate da CCP 121.
Helitransportados para a zona de acção, os homens da CCP 121 desembarcaram junto à viatura pesada com a matrícula FF556CN, que estava a ser utilizada pelo inimigo no transporte de material de guerra para as suas forças de guerrilha que actuavam no interior do território guineense.
Perto da viatura foi encontrado um morteiro 82 e várias caixas de munições, abandonadas precipitadamente pelos guerrilheiros em fuga.

Batida a zona, foram localizadas várias arrecadações contendo abundante material de guerra. Como não foi possível pôr a viatura em movimento, foi decidido incendiá-la, utilizando o combustível existente em vários bidões que se encontravam no seu interior.

No dia seguinte foi continuada a batida em toda a zona de acção, tendo o grupo de combate da CCP 121 sido reforçado com mais outro da CCP 122.

Foto extraída da História dos Pára-Quedistas, Vol. IV, págs. 166. Com a devida vénia

Quando a operação foi dada por finda, tinham sido recolhidas mais 12 toneladas de material de guerra, entre o qual se salientavam:
4 metralhadoras ligeiras Degtyarev, 1 Borsig, 1 morteiro 82, 4 espingardas semiautomáticas Simonov, 1 pistola-metralhadora Sudayev, 1 PPSH, 2 minas A/C, 209 granadas de canhão S/R B-10 e 7,5, 1110 granadas de morteiro, 82, 61 granadas de LGF RPG-7 e P-27, 8 granadas de morteiro 60, 114 granadas de mão F-1, 179.431 munições para armas ligeiras, além de grande quantidade de espoletas, cargas propulsoras e carregadores diversos.


Pista de Farim, Bombardeiros T6 que prestaram apoio aéreo


Na pista de Farim, os helicópteros que participaram na recolha e transporte do pessoal operacional e do material



Carta endereçada ao autor pelo Maj. Gen. Agostinho Ferreira sobre os factos do "Ronco das 24 toneladas” capturadas ao IN.

Face às referências atrás mencionadas, resulta claro, que houve uma participação conjunta das Unidades militares referenciadas que colaboraram na captura de grande quantidade de material ao IN e que foi designado pelo Ronco das 24 Toneladas”, sendo a maior quantidade capturada de uma só penada em toda a história da guerra na Guiné, pelo menos, até àquela data.



Esta captura de elevada de quantidade de material ao IN, não é referenciada globalmente e nem parcialmente pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África, do Estado-Maior do Exército, no Livro, cuja capa aqui se junta “ Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] – 7º Volume – Fichas das Unidades – Tomo II – Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002, pág. 127 ”, no que se refere à participação das Companhias do Batalhão de Caçadores nº 2879.

Estranhamos, por tal motivo, o fundamento da omissão da mencionada Comissão, em não se referir globalmente a este importante Ronco de 24 Toneladas de material capturado ao IN, pelas diferentes Forças intervenientes, principalmente pelas CCaç. 2547 e CCaç. 2549 do Batalhão Caçadores 2879, no Livro “ Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] – 7º Volume – Fichas das Unidades – Tomo II – Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002, pág. 127 ”, tal como faz referência à CCaç 2529 com 7 toneladas, na obra citada a pág. 375.

Em História não se omite os factos, conta-se a verdade.... tanto quanto possível.

13-08-1969, Quarta-feira

Eram 20H00 quando se desencadeou uma violenta flagelação do IN ao Aquartelamento de Canjambari. Caíram várias morteiradas e roquetadas dento do Aquartelamento, O Ataque foi repelido com o rebentamento de armadilhas comandadas. (4)
As NT sofreram 1 ferido ligeiro e a danificação de diverso material. (5)

25 08-1969 – Segunda-Feira



Cuntima, 1969 – Foto cedida pelo Ex. Fur. Fragoso

Ataque ao aquartelamento de Cuntima, provocando 1 ferido grave, milícia, e 5 ligeiros.
Um GComb/CCaç. 2529 foi flagelado durante 5 minutos na região de Tonhatabá.

(Outrora era a guerra. Hoje nesta povoação situada junto à fronteira com o Senegal, o comércio transfronteiriço na zona está bastante desenvolvido. Realizam-se ali grandes feiras, verificando-se trocas comerciais entre as populações dos dois países, designadamente vestuário, gado, produtos hortícolas, artesanato, etc. ). Nota de Carlos Silva.

29-08-1969, Sexta-feira
1 GComb/CCaç. 2533 detectou e levantou 1 mina A/C na região da Colina do Norte
O 3º GComb. saiu para o mato e quando ia a caminho do carreiro detectaram uma mina anti-carro num rodado feito pelas n/ viaturas, a qual foi levantada

30-08-1969, Sábado

O Pelotão de Nativos nº 58, mais 1 Sec./3º GComb/CCaç. 2533 foi emboscado na Cova do Barril, tendo sofrido 2 feridos graves metropolitanos, um dos quais veio a falecer.

30-08-69, Sábado

1ª Operação Dungal

Nos dias 30 e 31, pelas 15 horas, o Comandante de Batalhão, as CCaç 2547 (-), o GrCom Os Roncos e a CCaç. 2548, saíram para um reconhecimento à região do Dungal, junto da fronteira com o Senegal, compreendida entre os marcos 120 e 121.

Regressaram no dia seguinte, tendo capturado 2 mulheres.
(HB-Cap.I, págs. 5).

O ataque das formigas ao Tavares


Segundo ouvi um dia mais tarde contar, pelo próprio, o furriel Tavares, espinhense de quatro costados, a operação de reconhecimento à região do Dungal, povoação que fica situada a Norte de Farim e junto à fronteira com o Senegal, foi muito dura para o pessoal, ainda periquitos e não adaptados ao clima do território.

Segundo ele contou, aquando do regresso a Farim devido à longa caminhada e ao calor, parte da rapaziada caminhava de pernas abertas em consequência da micose entretanto surgida nas virilhas.
Ele próprio também foi vítima de tais queimaduras e mais, segundo ele contou.

Quando numa das pausas de descanso e quando ele estava confortavelmente sentado ou deitado a descansar, as célebres formigas atacaram-no sem dó nem piedade. Furando por tudo quanto é sítio, mordiam, picavam ferozmente o rapaz, até ao ponto de ele se despir todo, ficando apenas em cuecas, para assim, aliviado da roupa poder sacudir-se.

O desespero do pobre homem e as circunstâncias em que ficou, obrigou-o a ter de prosseguir naquelas condições o resto da marcha de regresso até ao aquartelamento em Nema.

Estou a imaginar a linda figura do Tavares ao entrar no Quartel em cuecas com o cinturão e cartucheiras à cintura e ainda com dilagramas e espingarda G 3 na mão.

Segundo contam os camaradas intervenientes na operação, o nosso Comandante de Batalhão, Ten. Cor. Agostinho Ferreira, também foi vítima de uma cena de ataque das formigas.

A propósito de formigas, o nosso camarada Alf. Roda, mais conhecido pelo alfero hipnotizador pelos africanos da CCaç 14, Companhia de soldados nativos que estava sedeada em Cuntima, nos convívios de confraternização, tem contado que certo dia estava no mato em interdição ao corredor de Sitató e que a certa altura viu um dos soldados fazendo grandes movimentos com o pénis, presumindo algo que vocês estão a pensar!...Mas que não era.

Vai daí, ele pergunta para a generalidade dos soldados ali presentes que estavam próximos do soldado aferroado, o que ele estava a fazer.

O visado apercebendo-se da pergunta maliciosa, responde de imediato à curiosidade do jovem alferes:

Ó nosso alfero, mim ká bate punhe, é firmiga, nosso alfero, firmiga murdi...

Algures na zona de Faquina> Sitató, em Dezembro, 1969.Foto cedida pelo Alf. Roda

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Notas de Carlos Silva:

(1) In Lourenço, Vasco - No Regresso Vinham Todos - Relato da CCaç. 2549 - Portugália Editora, 1975 p. 51, 52 e 90.
(2) Os marcos foram colocados em resultado das negociações luso-francesas para delimitar a fronteira entre o Senegal e a Guiné desde a parte Nordeste do território até ao Cabo Roxo -Varela, junto à costa atlântica. A implantação de marcos inicia-se de Leste para Poente.
Sobre a delimitação de fronteiras vid. Esteves, Maria Luísa – A Questão do Casamansa e Delimitação das Fronteiras da Guiné – Instituto de Investigação Científica Tropical – Lisboa, 1988 e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau 1988.
(3) GComb. Os Roncos de Farim. Este grupo de combate foi criado formalmente em 15-11-1966 de acordo com a Ordem de Serviços do Bat. Caç. nº 1887, comandado pelo Ten. Cor. Manuel Agostinho Ferreira e aparece referido pela 1ª vez no mês de Novembro de 1966 na História da CCaç nº 1585 que estava integrada no dispositivo de manobra daquele Batalhão, bem como aparece mencionado pela 1ª vez no mês de Dezembro na História desta Unidade.
Este grupo de combate, bastante conhecido pela bravura dos seus elementos, foi inicialmente comandado pelo Alf. Mil. Filipe José Ribeiro da CCaç. 1585 e do qual faziam parte o então 1º cabo Marcelino da Mata (hoje Ten. Coronel na situação de aposentado) e o 1º cabo Cherno Sissé, O Mandinga (hoje com o posto de 1º Sargento na situação de aposentado).
Em 1970, convivi de perto com os homens que integravam este aguerrido grupo de combate, na medida em que estiveram algum tempo em Jumbembem de reforço à nossa Companhia, sendo seu comandante o Fur. Cherno Sissé, bom camarada e amigo.
Ambos foram guerreiros natos, destemidos e corajosos, sempre prontos para combater. Aliás, combateram até ao limite das suas forças.
Ambos foram louvados e condecorados diversas vezes. Receberam a mais alta condecoração que o País concede em tais circunstâncias, a Torre e Espada.
Cherno Sissé, 1º Sargento do Exército Português, vários louvores averbados, condecorado com duas Cruzes de Guerra, promovido por distinção, medalha da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito com Palma.
Ferido por diversas vezes em combate, foi-lhe amputada uma perna e ficou cego de uma vista ao fazer accionar uma mina armadilhada algures na fronteira Norte da Guiné quando estava integrado na CCaç. 14.
1 - In, História da CCaç. 1565; Hist. da CCaç. 1585; Hist. do Bat. Caç. 1887; Hist. Bat. Caç. 2879
2 - In, Pais, José – Histórias de Guerra – Índia, Angola e Guiné, Ed. Prefácio, 2002, págs. 107 a 110
3 - Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] - 5º Volume – Condecorações Militares - Tomo I – Torre e Espada e Valor Militar - edição, Lisboa 1990 - p. 112 e 114
4 - Hist. CCaç. 2533 Cap. II pág. 24
5 - Hist. Bat. Cap. II pág. 5

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Notas de vb: vd tb artigos de:

10 de Fevereiro > Guiné 63/74 - P2520: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (6) (Carlos Silva)

1 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2496: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (5) (Carlos Silva)

30 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2491: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (4) (Carlos Silva)

24 de Janeiro>Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim : O Batalhão dos Cobras (3) (Carlos Silva)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva)

15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2520: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (6) (Carlos Silva)

Continuação da História do BCaç 2879.
Texto e imagens de Carlos Silva.

24 toneladas de material apreendido em Faquina, na zona de Cuntima, junto à fronteira com o Senegal (I)

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Actividade no TO - Teatro de Operações do Sector 02> Farim e do CTIG

Agosto de 1969

Durante este mês desenvolveu-se treino operacional intenso, manteve-se a actividade anteriormente delineada no que diz respeito ao esforço de contra-penetração nos corredores de Lamel e Sitató e começaram a alargar-se as zonas a patrulhar, com vista a um conhecimento mais profundo e à detecção de locais mais rendosos para a actividade operacional.

Paralelamente começaram a ser estudados pelo Batalhão, o problema relacionado com o reordenamento das populações e sua organização em auto defesa.

Neste mês salientam-se os seguintes factos.

10-08-69, Domingo:

O 4º GComb/CCAÇ 2533 que interditava o corredor de Sitató, na zona de Farincó, junto ao carreiro, teve contacto com um grupo IN avaliado em cerca de 15 elementos.

O 2º Gr Comb comandado pelo Cmdt da Companhia, Cap Sidónio Ribeiro da Silva, saiu de imediato em socorro daquelas forças e no caminho tiveram também contacto com o IN, causando-lhe 1 morto e alguns feridos confirmados e capturado:

1 Esp Aut Kalashnikov;
1 Caçadeira de 2 canos;
Munições diversas e
Saco de roupa e documentação.

11-08-69, Segunda-feira

Às 14h 30m o 3º Gr Comb/CCAÇ 2533 saiu para interditar o corredor de Sitató, na região de Farincó. Ao chegar lá, fez uma batida na zona de contacto havido com o IN do dia anterior e quando se preparavam para voltar para trás, avistaram um grupo IN composto de 5 elementos.
O pessoal imediatamente se instalou e quando o IN atravessava a zona de morte abriram fogo. Desse encontro resultou 1 morto e 2 ou 3 feridos para o IN.

13-08-69, Quarta-feira

Eram 20h quando se desencadeou uma violenta flagelação do IN ao aquartelamento de Canjambari do lado Este e Oeste. Caíram várias morteiradas e roquetadas dentro do aquartelamento. O ataque foi repelido com o rebentamento de armadilhas comandadas à distâncias e instaladas fora do perímetro do arame farpado. As NT sofreram 1 ferido ligeiro e a danificação de diverso material.

O Ronco : 24 toneladas capturadas ao IN na região de Faquina Fula>Faquina Mandinga (povoações junto à fronteira com o Senegal)

13/14-08-1969 - Operação Talião em Faquina - Subsector de Cuntima.

Tomaram parte nesta operação:

O Cmdt do BCAÇ 2879
Forças pára-quedistas
CCAÇ 2529 (-) reforçada com 1 Gr Comb da CCAÇ 2549
CCAÇ 2547 (-)
CARt 2478
Gr Comb Os Roncos




Faquina Mandinga, localização onde se desenrolou a acção

Capturada elevada tonelagem de material entre o qual avultou:

Granadas de canhão sem recuo : 185
Granadas de morteiro 82 : 123
Granadas de morteiro 60 : 63
Metralhadoras ligeiras : 5
Espingardas automáticas : 1
Espingardas semi-automáticas : 10
Pistolas-metralhadoras : 23
Lança-Roquetes : 1
Granadas de mão defensivas : 140
Granadas de LGF : 26
Granadas anti-carro : 19
Minas anti-carro : 7
Minas anti-pessoal : 83
Munições de armas ligeiras : 149.244
Munições de armas pesadas : 2.550



Cuntima, 13-08-1969 – Pista – Foto cedida pelo ex Fur Carlos Fragoso, da CCAÇ 2549.
Armamento capturado ao IN em consequência da operação Talião podendo-se observar diferentes espécies de armas, tais como: Espingardas automáticas (AK-47, Kalash), semi-automáticas, metralhadoras ligeiras, pistolas metralhadoras, lança-roquetes, pistola-metralhadora Shpagin (PPSH ) (ou costureirinha)

Durante a manhã do dia 14, o IN flagelou as NT que sofreram 3 feridos metropolitanos, 4 feridos milícias e 2 feridos caçadores nativos.



Cuntima, 13-08-1969 – Descarregamento do material na Pista. Transporte do material capturado nas bolanhas de Faquina Fula e Mandiga. Curiosidade e satisfação dos militares que não participaram na operação. Fotos cedidas amavelmente pelo camarada ex- Furriel Fragoso da CCAÇ 2549.


Descarregamento do material capturado na Pista de Cuntima. O armamento capturado seguiu depois para Bissau no Dakota.

Sobre este ronco consta na História da CCAÇ 2529 (1) o seguinte:

"... No dia 12 de Agosto pelas 15 horas observámos movimentos de vários helicópteros em direcção a Faquina. Inicialmente não sabíamos o que se estava a passar, mas decorrido algum tempo chegavam a Cuntima carregados de material capturado ao IN. Informaram-nos que junto à bolanha de Faquina havia uma viatura IN carregada de material que forças pára-quedistas se incumbiram da sua segurança a fim de ser retirado dali o mesmo.

Como regressaram a Bissau as forças que se encontravam no local, a nossa Unidade recebeu ordem para com os obuses do Pelotão de Artilharia bater a zona onde estava a referida viatura. Posteriormente recebemos ordem de deslocação para a região de Faquina a fim de no dia seguinte (13-08-1969) reforçar e permitir que fosse retirado o restante material não evacuado na véspera.

Sob o comando desta CCAÇ o 1º e 4º Grupo de Combate reforçado com um grupo de combate da CCAÇ 2549 e com um Pelotão de Milícias de Cuntima, pelas 3 horas e 30m do dia 13 saíu em direcção a Faquina Mandinga onde devíamos estar às 6 horas e 30m. A noite encontrava-se bastante escura o que dificultou a progressão.

Chegámos a Faquina Mandinga às 6 h e 15m onde instalámos e aguardámos ordens. Pelas 9 horas, os hélis transportando forças pára-quedistas desceram em Sare Demba Chucael iniciando a retirada do material.

Os bombardeiros sobrevoaram a zona e do PCV foi-nos dada ordem para batermos a zona em frente a Sare Demba Chucael (povoação senegalesa, situada junto à fronteira, marco 99, zona compreendida para Norte de Faquina Mandinga e Faquina Fula, na direcção de Sare Demba Chucael).

Iniciada a batida à bolanha encontrámos material de guerra (granadas de morteiro e de canhão s/r, LGFog, munições e minas), material escolar, sacos de sal e arroz, material este que foi evacuado em dois hélis.

Continuando em direcção a Faquina Fula e a 100 metros da bolanha, debaixo de uma árvore, havia certa porção de terra que parecia ter sido ali colocada há pouco tempo. Verificado o local e depois de serem tomadas medidas de segurança, concluímos tratar-se de uma arrecadação de material IN com apreciáveis quantidades.

Esteve no local o Com-Chefe, Gen Spínola, que observou a arrecadação e o material que lá se encontrava.

Faquina Fula foi totalmente batida encontrando-se várias casas de zinco que destruímos, retirando material de uso corrente (esteiras, arroz, açúcar e panelas) e mais, distribuídos pelo pessoal milícia que tomou parte na operação.

A fim de serem efectuadas batidas pormenorizadas a toda a zona e por ordem do ComChefe, foram deslocados para a área dois Grupos de Combate e CCAÇ 2547 e o Pel Milícias ”Os Roncos” de Farim.
Ao anoitecer e por ordem do Cmdt do BCAÇ 2879, foi montada segurança ao estacionamento, entre Faquina Mandinga e Faquina Fula. No local encontravam-se as forças sob o comando desta Companhia, um pelotão de pára-quedistas, 2 grupos de combate da CCAÇ nº 2547 e "Os Roncos” de Farim sob o comando do Cmdt do Batalhão, Ten Coronel Agostinho Ferreira.

A noite decorreu normalmente, apesar das enormes chuvadas que caíram a partir das 2 horas. Pelas 6 horas e 30 minutos do dia 14 o IN iniciou uma flagelação ao estacionamento, tendo duas granadas de Mort. 61 rebentado na zona em que se encontrava o 1º Gr Comb desta Unidade, de que resultaram 9 feridos graves e 1 ligeiro. As NT reagiram imediatamente pelo fogo e movimento, tendo "Os Roncos” de Farim saído em perseguição do IN.

Nos locais de retirada havia indícios sangrentos que nos levaram a concluir ter havido baixas para o IN. Durante este dia efectuaram-se batidas na área, não tendo sido encontrado qualquer vestígio nem material IN.

Pelas 16 horas iniciou-se o regresso ao aquartelamento de Cuntima pelo itinerário Faquina Mandinga - Jajalvo - Tendito – Tonhataba - Cuntima, enquanto os obuses batiam toda a zona em que decorreu a operação.

Esta Unidade (CCAÇ2529) capturou ao IN cerca de 7 toneladas de armamento e munições sendo de salientar o seguinte:


Metralhadoras ligeiras Degtyarev DP : 3
Carregadores circulares de Met Lig Degtyarev DP : 3
Metralhadoras Degtyarev - RDP : 1
Metralhadoras Degtyarev - mod. 52 : 1
Pistola metralhadora M-52 : 5
Pistola metralhadora Sudayev : 6
Pistola Met Shapagin (PPSH) ("ostureirinha” ): 11
Carregadores Pist Met Shapagin (PPSH) : 8
Espingarda semi-automática Simonov (SKS ) : 10
Espingarda automática Kalashnicov ( AK ) : 1
LGrFog - RPG 2 : 1
Pistola metralhadora M-23 : 1
Minas anti-carro A/C TMD : 3
Minas anti-carro A/C : 4
Minas anti-pessoal A/P G1 : 80
Granadas A/C do L. G. F - RGP 2 : 26
Granadas de canhão sem recuo S/R : 29
Granadas de canhão sem recuo S/R T-21 : 48
Granadas A/C c/ bem. canhão S/R 82 : 108
Embalagens vazias de gran A/C 82 : 7
Granadas de morteiro 82 : 123
Granadas de morteiro 61 : 63
Caixas de espoletas ( 25 cada ) : 12
7 caixas com um total de espoletas : 70
Granadas de mão defensivas F 1 : 140
Caixas de detonadores gran. de mão defensivas F 1 : 7
Cartuchos propulsores de morteiro 82 : 100
Munições 7,62 normal : 61.360
Munições 7,62 tracejantes : 23.680
Munições 7,62 tracejantes verdes : 880
Munições 12,67 : 1530
Munições 9 mm : 3000
Diversas : 2015
Caixas met. c/ cartuchos propulsores : 8
Cargas suplementares redondas : 163
Very lights : 18
Tubos c/ espoletas de bazookas : 4
Cunhetes met. transporte gran morteiro : 9
Peças de culatra do canhão S/R : 2
Caixas para transporte de espoletas : 2
Caixas c/ detonadores : 70

Foto do ex-Alf Mil Carmo Ferreira da CCaç 2549 (Cª do Cap Vasco Lourenço)

As populações da área de Cuntima receberam com entusiástica manifestação de alegria as notícias dos êxitos obtidos, colaborando activamente no transporte do material capturado.

Esta operação foi designada por Operação "Talião", tendo esta Unidade a honra de capturar 7 das 24 toneladas que foi a quantidade total de material apreendido.

Em consequência dos ferimentos obtidos nesta operação faleceu no dia 19 de Agosto no H.M.P, o soldado M. F. Gouveia.

Entretanto recebemos várias visitas, salientando-se a de um jornalista inglês que observou e fotografou o material capturado.

Definimos ao IN a nossa posição e valor dentro do sector, aguardando no entanto a sua reacção que não se fez esperar, pois a 25 de Agosto pela 1 hora, durante vários minutos, flagelou de 3 frentes o aquartelamento e a povoação de Cuntima, com canhões S/R, Mort 82, Mort 81, LGFog e armas automáticas, que, como de costume actuavam numa cadência infernal. A reacção das NT foi imediata e o fogo coordenado forçou o IN a pôr-se em retirada na direcção do Senegal.

As NT efectuaram a perseguição e batida, não tendo tido qualquer resultado.
Foram encontrados vestígios abundantes de sangue. As NT sofreram 6 feridos ligeiros...."



O nosso camarada Carmo Ferreira, Alf Mil da CCAÇ 2549, no seu trabalho “A Luta Pelo Regresso, 1975” ainda não publicado, a págs. 23 a 28 refere-se a este Ronco nos termos seguintes:

“....Chegou, enfim, a altura da actuação na qual, em simultâneo, somos actores e assistentes. O palco, esse era pisado pela primeira vez.
Faquina. Zona limítrofe do território, encostada à linha de fronteira, correspondente a uma grande bolanha cuja linha média é a própria fronteira com o Senegal. Constituía, para a grande maioria da malta estacionada em Cuntima, como que um bicho de sete cabeças. Na verdade, sempre que se entrava na zona, dizia-se, havia 'choça' É que o IN , acolhido do lado de lá, montava as suas baterias de morteiros e desancava uma vez que nem sequer se podia reagir. Os nossos morteiros 60, pouco mais de meia bolanha atingiam e para isso era necessário sair a campo aberto.

A 12 de Agosto, a acalmia da tarde soalheira igual a outras já passadas, ainda que poucas, é quebrada pelo ensurdecedor aparecimento de dois Fiat que sobrevoavam o quartel e daí seguem para leste em direcção a de Faquina. Duas centenas de interrogações, quatro centenas de olhos, seguem as evoluções dos aviões que a cada picagem vão metralhando o solo. Um rebentamento mais forte assinala o lugar de uma “ameixa” de maior calibre.
Uma palavra vai correndo, entretanto, de boca em boca, ao mesmo tempo que se divisam, ao longe, 7 helicópteros Alouette, em formação rumando para o mesmo objectivo.

- É “ronco”. Agora são os páras que vão acabar o “rancho”.

Havia “ronco” na verdade. O IN detectado no Senegal a descarregar material de uma viatura, havia sido posto em fuga pelo piloto que os detectara, abandonando o material. Entretanto, a tarde vai caindo. As primeiras evacuações de material vão aparecendo se bem que a grande maioria siga directamente para Bissau. É um delírio ver, apalpar, fotografar aqueles brinquedos mortíferos arrancados às mãos do “turra”.

E a noite cai calma, serena e quente. O jantar decorreu, como normalmente, na cubata indígena a que tínhamos a veleidade de chamar messe. O pensar, nestas alturas, nos “senhores” que às suas secretárias e nos seus gabinetes arejados pelo indispensável ar condicionado, exigiam sempre mais e mais esforço, fazia-nos já rilhar os dentes, desejar tudo virar às avessas.

O calor é tal que, enquanto se come, o suor vai caindo pingo a pingo dentro do prato. O ambiente, pouco a pouco, torna-se sombrio. Todos advinham que daí a nada a operação complemento será delineada.

Retiro para o quarto juntamente com outros camaradas. Sobre um esqueleto de ferro, que papelões de caixotes de bebidas amaciam, deitamos os corpos alagados de suor. Não notam a dureza. Um treino de cerca de uma vintena de noites consecutivas tornaram-nos já moldáveis.

Havia adormecido há pouco quando oiço:
- Meu alferes, meu alferes Ferreira, chegue ao nosso capitão.
Esfregando os olhos, estremunhado, adivinho o que se passa, ao mesmo tempo que sigo o Salgado – o “impedido” do capitão. Olho o relógio. São onze (23) horas quando entro na messe apertando ainda as calças.

- Ferreira, prepare-se para sair a qualquer hora - diz-me o capitão Lourenço.
- Para onde, meu capitão? – pergunto, adivinhando qual a resposta.
- Para Faquina.
- Vou eu – adianta o Capitão Homem da Costa – o pelotão de milícias, o do Costa, o do Rocha e o seu.
- Okay. Terei então de ir prevenir a maralha. Até já.

Passo a notícia ao Nunes e ao Ferreira, os furriéis do meu grupo de combate. Ponho-os ao corrente do que irá passar-se. Bem pouco, aliás, pois que, muito pouco, também sabia. Entretanto os soldados continuam a dormir despreocupados, não adivinhando que a qualquer momento serão acordados e mandados preparar para uma operação que, para os meus homens, seria talvez o baptismo de fogo e donde alguns poderíamos não voltar.
Com violência, irrompe então verdadeiramente a luta contra o medo de poder ser julgado covarde. O medo de ter medo, é enorme. O medo de poder com esse acto prejudicar outras lutas semelhantes é ainda maior. O sono falha-me e desgasta-me.

São três da manhã quando está tudo pronto para a arrancada. É dia 13. Como habitualmente a noite é breu, opaca, obrigando o pessoal a repetidas paragens e a constantes interrupções na coluna a fim de se evitarem perdas de contacto. Três horas nos separam ainda do objectivo, caminhando noite dentro, cruzando o rio Carantabá e bolanha adjacente, ainda com pouca água. Todo o peso da noite nos envolve. Cerca das 5h 30m da manhã, a coluna pára e a palavra de ordem vai passando até à cauda da coluna.

- Cuidado. Olhos e ouvidos atentos. Nada de ruídos. Estamos já muito próximos do objectivo.

Uns minutos mais e a coluna pára desta feita por completo. Instala-se aguardando as 6h 30m, hora em que chegará a Força Aérea. Na nossa frente, silenciada e misteriosa, Faquina, o objectivo, a incógnita das próximas horas. O mito e a realidade estavam frente a frente.
Os nervos, de tensos, parecem estalar ao primeiro ruído. Então quando uma manada de javalis, atravessa a coluna num estardalhaço do demónio....Uf!

São já nove horas. O pessoal aguarda impaciente o apoio aéreo que apesar das duas horas e meia de atraso, parece não mais chegar. O Comando decide que se avance e avança-se. Num vaivém contínuo, os olhos correm a mata, as árvores, o chão. Nenhum tiro. O inimigo fugira possivelmente para solicitar auxílio ou então, algures, espreita e mede a força com que terá de bater-se.

Chega finalmente o apoio aéreo: um heli-canhão e dois T6. No terreno e espalhado por todos os lados, começa a aparecer o material precipitadamente abandonado: cunhetes de granadas de mão , munições das mais diversas, candeeiros a petróleo, folhetos, livros, etc.

- Meu capitão, meu capitão, manga di ronco. Manga dele mesmo. Pessoal encontra “arrecadação”. Grita eufórico um milícia, o Faram, para o Capitão Homem da Costa.

Um toco oco, servindo de respiro e espetado no alto de um pequeno morro, havia sido detectado por um milícia que, intrigado, havia vasculhado o terreno acabando por encontrar a chapa que cobria o poço servindo de arrecadação. Dentro, várias centenas de granadas de morteiro 82 e canhão sem recuo, meia centena de armas, dois lança granadas e cerca de uma centena de minas anti-carro e anti-pessoal de todos os tamanhos, gostos e feitios. Quanto a munições era um nunca acabar. Desde as de calibre 7,62 às de 12,7 havia de tudo. Talvez umas 150 mil, sem exagero.

- Manga di ronco mi alfero.. Manga dele – vai-me dizendo o carregador.

E o frenesim da recolha continua. O grupo de milícias parte, entretanto, a fazer uma batida a Faquina Mandiga. Aí, a recolha de meios é em moldes diferentes, dado que, se encontram simplesmente géneros alimentícios que são destruídos – umas boas centenas de quilos de arroz foram transportadas de helicóptero – sacos de campanha de origem soviética, de óptima qualidade em comparação com os quais os nossos bornais se sentiam envergonhados, tachos, panelas, cantis, enfim, artigos dos mais diversos.

Com o aproximar da noite e com o levantar do último helicóptero, monta-se a segurança para aí ficarmos instalados até ao dia seguinte. A noite, calma e serena, passou sem que nada houvesse a registar. A presença inimiga, contudo, pairava constante. Sentia-se no ar.

Pela manhã, cerca das 6h e 30m, eles aí estão na sua “visita” já esperada de há muito. Com uma série de morteiradas logo de imediato acompanhadas pelo matraquear feroz das “costureirinhas” (como eram denominadas as metralhadoras ligeiras PPSH, de fabrico soviético)desencadeiam o ataque, feroz e certeiro. A reacção, de nossa parte, é imediata e em força.

- Cheguem-lhes duro. Protejam-se e dêem-lhes forte – grita o Ten Cor Agostinho Ferreira, Comandante do Batalhão (conhecido pelo metro e oito, em face da sua baixa estatura) que entretanto, chegara durante a tarde e que connosco quisera partilhar a situação.

Logo ao início da refrega alguns feridos há a lamentar. O fogo certeiro e objectivo dos seus morteiros, correndo quasi toda a linha defensiva, havia apanhado com estilhaços os nossos apontadores de morteiro que, um pouco recuados, cumpriam a sua missão de cobertura.
De soslaio observo o Reguila, o apontador do meu grupo de combate. Furibundo e urinando dentro do morteiro, roga pragas sem conta. Deixa entrar terra para dentro e agora o percutor não funcionava. Entre o desenroscar e enroscar frenético da parte inferior para a necessária limpeza do percutor vão uns segundos que, contudo, parecem uma eternidade. Com satisfação o vejo depois , a meter as granadas e, com um sorriso nos lábios, seguir a sua trajectória!
Bastante desenrascado sem dúvida. Aquilo que constantemente lhes havia sido dito e redito para terem cuidado com a terra e o pó dentro dos morteiros e outras armas teve a sua prova dos nove na altura mais imprópria. Como sempre as coisas acontecem quando menos se espera. Felizmente, foi possível ultrapassar o percalço.

A fuzilaria é enorme. Cada disparo parece ser um empurrão na má sina que se quer afastada. Pouco mais de meia hora volvida (uma eternidade para quem a viveu), tudo volta a acalmar. A evacuação dos feridos é imediata. São eles 3 metropolitanos, 4 milícias e um caçador nativo. Pela batida feita, logo de seguida, e pelos numerosos rastos de sangue, constata-se que o inimigo também tivera baixas e não poucas.

Pouco depois, é apanhado um nativo senegalês que se encontrava na zona . Com umas “carícias” ei-lo cantando. Dois outros depósitos se encontram, enterrados, a poucas dezenas de metros da arrecadação que localizáramos no início. Duas centenas mais de cunhetes de munições a juntar a tudo o resto já apanhado.

Porém, é do outro lado da linha de fronteira que se encontra a arrecadação-mãe. Esta informação, por isso, mobiliza de imediato as atenções para o assalto que se impunha, sem delongas.

Com o pelotão de milícias, sob o comando do Cherno, que entretanto chegara, em reforço, com outros elementos da CCAÇ 2547, passo a bolanha. Levávamos como missão trazer o mais possível e de seguida estoirar com tudo. A travessia não é fácil. Penosa, lenta e cansativa expõe-nos, abertamente, ao inimigo. Sem problemas, contudo, chegamos ao lado de lá. Emboscados. Junto à mata, no limite da bolanha, protegemos a entrada das milícias “ Os Roncos” além-fronteira.

Tropas senegalesas, contudo, fazem-lhes frente. Cherno não hesita. Aprisiona o comandante da força e quer avançar a todo o custo contra tudo e contra todos.

Pela rádio o Ten Cor Agostinho Ferreira é posto ao corrente do que se passa. Após várias trocas de impressões o rádio avaria-se. É por isso necessário alguém vir, pessoalmente, bolanha fora, narrar o que se passa. Venho eu.

A cada passo, com a arma acima da cabeça, as pernas enterram-se-me até às coxas no lodo negro e mal cheiroso. Analisada a situação, a retirada é ordenada, a fim de se evitarem complicações políticas a nível internacional. Retorno, portanto, para junto dos meus homens levando a ordem a cumprir, com toda a precaução. O esforço despendido no regresso ao convívio dos camaradas além bolanha é enorme. O nosso olhar não disfarçava a frustração que vivíamos... Quando regresso e cruzo a bolanha pela terceira vez, as energias vão-se faltando. Já não ando, arrasto-me, arrastam-me. A espaços, exausto , tombo de costas e deixo-me repousar.

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Notas de Carlos Silva:

(1) - História da Unidade da CCAÇ nº 2529 (Caixa nº 115 - 2ª Div./4ª Sec, do AHM)
(2) - Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África
Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974]
7º Volume - Fichas das Unidades- Tomo II - Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002 - p. 375

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Notas de vb: vd tb artigos de:

1 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2496: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (5) (Carlos Silva)

30 de Janeiro de 2008>
Guiné 63/74 - P2491: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (4) (Carlos Silva)

24 de Janeiro>
Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim : O Batalhão dos Cobras (3) (Carlos Silva)

20 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva)

15 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2496: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (5) (Carlos Silva)

O guião alternativo do BCAÇ 2879, o Batalhão dos Cobras.

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Continuação da História do BCAÇ 2879


Farim, a sua história e as suas gentes.

O Carlos Silva dá a oportunidade, até agora única, aos que passaram por Farim, Jumbembem, Canjambari, Cuntima e K3, de reverem gentes e terras, inesquecíveis para tantos de nós.

Fixação do texto: vb

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Farim, 1969 - Vista aérea

Localização

A Vila de Farim situa-se a cerca de 150 Kms a Norte de Bissau e a cerca de 50 Kms. a Sul da fronteira do Senegal e na margem direita do Rio Cacheu.

É constituída por uma dúzia de ruas perpendiculares umas às outras e de terra batida, cor de fogo, junto a zona ribeirinha, onde existem casas térreas construídas em alvenaria, de traça colonial, com os seus alpendres e jardins, não tão bem tratados como os existentes em Bissau.

Circundando esta zona urbanizada, para o lado Norte, existem os bairros conhecidos por Sintchã(2), Morcunda, Bantadjam e Nema, situado à saída da Vila e junto à estrada que dá acesso à localidade fronteiriça do Dungal.

Podemos considerar o terreno plano, existindo uma pequena elevação a caminho de Nema onde tinha sido construído um aquartelamento.

“Debruçada sobre o rio Cacheu, Farim tem já o aspecto de uma pequena cidade, animada por um intenso movimento comercial.

Fundada em 1641 por Gonçalo Gamboa Ayalla, é uma das mais antigas povoações da Guiné.”(
3)

Mapa com a localização de Farim.

Mapa do sector de Farim, que tem a configuração de um coração achatado
Ver a partir da fronteira Dungal>Farim>Ionfarim>Canjambari>Sitató

No dizer de Armando de Aguiar, (4) Farim é das maiores circunscrições. Aproximadamente 5.000 Kms2 e cerca de 58.000 habitantes distribuídos pela sede e postos de Bigene e Cuntima, perto da fronteira com o Senegal, Mansabá e Olossato, no interior.

É das mais ricas regiões da Guiné, e foi há três décadas um dos mais importantes centros comerciais. A população europeia fugiu, abandonando a luta diária, atraída por outras miragens. E, no entanto, a evoluída Vila de Farim, velha praça-forte onde os capitães Lima Júnior e Jaime Falcão se firmaram em mais de uma circunstância arriscada, é sede de uma importante circunscrição.

Tem uma escola onde se ensina a língua portuguesa aos habitantes da região. Há enfermarias e na principal praça pública ergue-se um monumento aos aviadores Pinheiro Correia, Sérgio da Silva e Manuel António, que em 1952 realizaram, com êxito, a primeira viagem aérea Lisboa-Guiné.

Mas Farim, cuja fundação data de 1640, servida pelo porto fluvial de Binta, ainda é o principal centro comercial daquela região, onde se transaccionaram em larga escala madeiras, mancarra, coconote, óleo de palma e outras oleaginosas que abastecem os mercados da Metrópole e os portos do Norte da Europa, levados também por barcos da Noruega e da Suécia que subiam o rio de S. Domingos e iam a Binta carregar produtos para a Escandinávia.

Hoje (1964) esse tráfego diminuiu, mas dia virá em que Farim há-de readquirir a importância que teve (talvez, actualmente fala-se que Farim está assente sobre grandes jazidas de fosfatos e que tende a desaparecer, caso venham a ser explorados. Devendo ser transferida mais para Norte, no sentido de Lamel-Jumbembem ou para a margem esquerda do rio Cacheu).

A exportação da mancarra atingiu no 2º semestre de 1960 cerca de 12.000 toneladas. Os seus cinco celeiros trabalham sempre em pleno, distribuindo pelos agricultores milhares de quilos de semente de mancarra e de arroz, que mandingas, fulas e balantas, as principais tribos que habitam aquela região, sabem aproveitar.

Os rendimentos que revertem para os cofres da província com a exportação de produtos da região foram da ordem dos três milhares de contos. E mais podia ser se os agricultores se dedicassem, afincadamente, ao amanho da terra, utilizando as sementes das granjas e os ensinamentos da moderna agricultura que lhe são ministrados, pois o Estado possui na circunscrição de Farim uma série de granjas com o intuito de obter sementes e plantas para distribuição.

Uma capela a Nossa Senhora das Graças, erguida em 1949, é outra afirmação de fé nas antigas terras pagãs da Guiné, onde Farim, vila progressiva, debruçada sobre o rio Cacheu, com a sua vida social agradável, o seu clube recreativo e a sua piscina, espera a construção da tão almejada ponte a ligar com a estrada para Mansabá, onde ela se bifurca para Bissau ou Bafatá.

Então Farim ganhará, extraordinariamente, como importante centro comercial que já é. E esse dia, com o ritmo de trabalho verificado em toda a Província, não estará felizmente longe....”.

(Nota de C. Silva: decorridos mais de 40 anos, e após a independência do território, a ponte não foi construída e constitui apenas uma miragem para daqui a muitos anos e Farim não progrediu, mas regrediu).


Infraestruturas


Podemos considerar que Farim tinha uma razoável autonomia e vida própria, na medida em que tinha razoáveis infra-estruturas situadas na zona ribeirinha, designadamente: pista de aviação, cais de acostagem para barcos de a média dimensão, escola primária, igreja, correios, clube recreativo, piscina, campo de voleibol, um lindíssimo jardim com um coqueiral tombado na direcção do rio, monumentos.

Tinha também uma razoável actividade comercial e de restauração.

Existiam alguns estabelecimentos comerciais, Mharon Saad, libanês, Pintozinho, Pinheiro, e outros onde a malta comprava os seus relógios, Breitling, Rolex, Yema, gravadores, ventoinhas, tapetes, bandeirolas com motivos orientais, etc.

A população nativa do sexo feminino comprava aqueles panos de cores garridas, lindíssimos, que usavam enrolados da cintura para baixo e os homens compravam para o seu vestuário as célebres "sabadoras" (5), túnicas amplas, largas e compridas (fazendo lembrar o traje dos advogados “as togas” e dos juízes “as becas”), tipicamente africanos, além de outras coisas, o que prestava à Vila um colorido muito peculiar.

Havia também uma escola de condução, onde a rapaziada aprendia a conduzir e ali tirava a sua carta de condução, bem como, havia um estabelecimento de fotografia “ Foto Brigadeiro”.

Na esplanada do Pedro, também conhecido por “Pedro Turra” comia-se uma boa mariscada, ostras e uns bons frangos assados com piri-piri bem regados com as ditas “bazucas”, cerveja grande bem geladinha.

Apesar de tudo isto, podemos considerar que Farim, se mostrava degradada e infelizmente com tendência para uma maior degradação.


Farim, 1969 > Casario junto ao jardim, e piscina e capela. Zona Ribeirinha, junto do Campo de Volei.

Farim , Novembro de 1969 > Alferes periquitos observando o trabalho do artesão de tecelagem


Farim, 1969 > Alferes André e Marques da CCAÇ 2548 e Alf Capelão Manuel Gonçalves em convívio com a população e aprendendo a jogar o jogo típico das damas.



Fotos cedidas pelo ex-Alf Mil André , da CCAÇ 2548 (1969/71)


Farim > Bairro de Bantadjam na estrada para Lamel-Jumbembem.

Farim, 1970 > Vista aérea do Bairro Morocunda.

Farim em 1970 > Zona do Cais, o campo de volei e a piscina.

Farim, 1970 > Coqueiros, próximo do Pelotão de Morteiros e junto ao rio Cacheu.

Farim > Área do cais, jardim e piscina.

Farim > Jardim, igreja e monumento.

Farim, a piscina em Janeiro 1970.

Farim, 1970. Escola Marechal Carmona. Antes dos CTT e Estrada para Nema .

Fotos: Carlos Silva (2008).

População civil

O aglomerado populacional da Vila de Farim, sede do concelho, em finais de 1967, cifrava-se em cerca de 3900 elementos de diversas etnias. A Vila concentrava, portanto, um aglomerado razoável de população nativa, constituída por várias etnias, principalmente, mandigas, fulas, e alguns balantas, pelo que se considerava chão mandinga e fula.

A população nativa vivia concentrada mais a Norte das ruas ribeirinhas onde estavam implantados os edifícios que albergavam os militares e a população civil europeia, libanesa e cabo-verdiana.

Residiam nos chamados bairros de Morocunda, Sinchã, Bantadjam e de Nema, que ae estendiam para Norte, na direcção das estradas do Dungal e de Lamel, Jumbembem e Cuntima, ficando a primeira e última povoação situadas junto à fronteira senegalesa. Habitavam em casas construídas de adobe de terra e cobertas de palha (capim). Ao conjunto de habitações de um agregado familiar, designava-se por morança (6) e ao conjunto das moranças existentes no local, designava-se por tabanca (7) (aldeia).

No entanto, a Vila de Farim não era designada por tabanca e a sua divisão estava estruturada pelos mencionados bairros.

População civil europeia, praticamente não existia. Basta dizer que além dos militares e suas famílias, apenas existiam duas famílias europeias, compostas por seis elementos, presumo que apenas a família do comerciante Pinheiro e o Brigadeiro, fotógrafo.

Os poucos metropolitanos que ali viviam, ou eram funcionários ou dedicavam-se ao comércio.Ali viviam também alguns libaneses e cabo-verdianos, mas em número pouco significativo. Aqueles dedicavam-se exclusivamente ao comércio. Os cabo-verdianos, uns eram funcionários da Administração Colonial e outros dedicavam-se ao comércio.



1969 – Em Farim também havia bajudas muito lindas.



O menino e a virgem e menino rezando

Farim, 1970 – Quem não se acredita que não havia hipopótamos no rio Cacheu? Aqui está o malandro que dava cabo dos arrozais

Farim, 1970 – População regressando dos trabalhos das bolanhas do K3.

Fotos: Carlos Silva (2008).

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Notas de Carlos Silva :

(1) Farim – Na língua mandinga significa governador. "...Assim o Estado do Mali, diferentemente do Ghana, pode ser qualificado de Impéio; aos países povoados de mandingas, juntaram-se numerosas províncias exteriores, cujas populações pagavam um tributo [ por acaso muito fraco ] ao Mansa « Imperador » e onde este era representado por governadores que tinham o título de 'Farim'...”, pág. 35.

"...O Gabú torna-se assim uma província do Império do Mali, dirigida por um governador 'Farim' escolhido entre os membros dos Mané e Sané, descendentes de Tiramakhan....”, pág. 54.

"...Cada província era dirigida por um governador 'Farim', o qual recebia o seu boné de comandante dado pelo Mansa. O farim, pelo seu lado, ordenava aos chefes de distrito e aos Kanta Mansa 'guardas do mansa – Imperador' que se estabelecessem nas fronteiras do reino, que eles tinham por missão proteger. ", pág. 55.

PAIGC, 1974 - História da Guiné e Ilhas de Cabo Verde, Edições Afrontamento, págs. 32, 54 e 55

(2) Sintchã – Significa tabanca nova – Álvaro Nóbrega, A luta Pelo Poder na Guiné-Bissau, ISCSP, pág. 98.

(3) In, Fernando Lindley – Missão em África, Angola, Moçambique e Guiné: Percursos de uma História, p.207.

(4) In, Armando de Aguiar – Guiné, Minha Terra, Agência Geral do Ultramar, Lisboa, 1964, págs. 98 a 100.

(5) Sabadora - Peça principal do vestuário dos autóctones maometanos. Amplo, de grandes mangas, e preferentemente branco. Também denominada camisa, vuvu, cabaia ou balandrau.(dialecto mandinga).

(6) Morança - Numa tabanca, a morança é um conjunto de casas, próximas umas das outras, pertencentes a pessoas com uma ligação consanguínea, agregado familiar.

(7) Tabanca – Local constituído por todo o aglomerado de casas - aldeia, unidade de base da família alargada, conjunto de várias moranças. A palavra também poderia significar a casa, também por nós chamada de palhota.
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Notas do co-editor:

vd artigos de:

30 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2491: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (4) (Carlos Silva)

24 de Janeiro>Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim : O Batalhão dos Cobras (3) Carlos Silva)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva)

15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim: O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

1. Mensagem do Camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil do BCAÇ 2897 (1969/71) (*):

Meu caro Virgínio Briote:

Tal como pedes, envio-te aqui o 1º fascículo da História do BCAÇ 2879, que vou enriquecendo com a minha vivência na Guiné e a dos meus camaradas. O 2º fascículo seguirá brevemente.

Era bom se houvesse possibilidade de englobar toda a matéria sobre o sector de Farim. Caso contrário, será difícil a busca, porque os estranhos ao blogue desconhecem em que pacote estão arquivados os Postes, para poder abri-los. Uma pequena história ou trabalho isolado não há problema, mas um trabalho substancial já se torna mais complicado para se fazer a busca, se ficar disperso.

Bato nesta tecla, porque tenho um acervo grande de documentos, fotos e 600 páginas escritas. Tal como disse ao Luís Graça num mail anterior, tenho tema para um bate-papo e para vos dar ou partilhar o meu arquivo.

Pelas fotos que vos enviei, e por este pequeno resumo que junto, já poderás avaliar do trabalho que anda por aqui.

A minha sugestão era de aglutinar todos os trabalhos sobre o sector de Farim, mas vai-se fazendo o que se puder.

As minhas fotos e dados pessoais para a Tertúlia, para vocês inserirem no Blogue caso entendam, já enviei para o vosso mail principal.

Tenho insistido mais contigo relativamente ao tema de Farim, devido ao facto de termos pisado o mesmo chão.
(...)

Recebe um abraço,
Carlos Silva

2. Comentário de vb:

A ordem do blogue é cronológica, por data de edição, não é temática. O blogue é uma espécie de diário ou de jornal. O arquivo dos postes é semanal. Podes sempre, utilizando a janelinha ao canto superior esquerdo, fazer pesquisas por palavra-chave: por exemplo, "BCAÇ 2879" + Farim. Ou: "Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira". É importanmte usar aspas para conjuntos de palavras. Atenção às abreviaturas que nós usamos no blogue: por exemplo "Cap Mil" e não "Capitão Milº", "BCAÇ 2879" e não "Bat. Caç. nº 2879"...

Temos links (ligações para clicar) para Mapas, Memórias dos Lugares e Postes, tanto da 1ª Série (Abril de 2005 a Maio de 2006) como da 2ª Série (a partir de Junho de 2006) do nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Com tempo, vagar e documentação (fotográfica) faremos uma página sobre Farim, para a secção Memória dos Lugares... O problema é que não há tempo para tudo, Carlos... Aqui não há editores profissionais, apenas gente voluntária, que dá um pouco do seu tempo a esta causa comum. De qualquer modo, obrigado pelo teu valioso contribuinte para a preservação das nossas memórias. vb
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INTRODUÇÃO

As Histórias das Unidades, presumo que eram escritas em execução de normas regulamentares, emanadas das autoridades militares, não só com o objectivo de constituir um acervo de documentos e fontes históricas sobre a Guerra Colonial que se desenvolveu nos três teatros de operações das ex-Províncias Ultramarinas de Angola, Moçambique e Guiné, bem como, presumo também que eram documentos que serviriam às Unidades e não só, que iriam render outras em fim de comissão, para estudo e conhecimento sobre os antecedentes de actuação das NT, conhecimento do terreno, para no futuro definir estratégias ou tácticas face à postura de actuação e poder do In.

Nesta lógica e por imperativo de tais normas que desconheço, a História do Batalhão de Caçadores nº 2879 (1), que presumo foi escrita pelo então Maj. de Infª Calisto Aires, oficial de operações e informações do Batalhão com base nos factos que eram entendidos como relevantes e descritos em relatórios remetidos para a sede do Batalhão.
Tive apenas conhecimento deste documento histórico, quando o Coronel Calisto Aires, teve a amável gentileza de me oferecer um exemplar em Maio de 1990, aquando da realização do almoço de confraternização que teve lugar no restaurante O David da Buraca, que li sofregamente de princípio ao fim.

A págs. 91 do Cap. II deste documento, consta a seguinte passagem, que passamos a citar:

Chegamos assim ao fim da História do Batalhão de Caçadores nº 2879.
É uma história árida, seca, verdadeira nos factos. Mas a verdade total não foi apresentada, nem podia ser. Essa constará da segunda parte da história, que não será, escrita, mas será falada por todos quantos viveram e sofreram nela, e enquanto as recordações que de modo algum podem ser boas se mantiverem vivas no seu espírito.
Perdurarão amizades criadas, algumas. Recordar-se-ão momentos de camaradagem, bastantes. Ficam com a consciência tranquila os que a tiverem tranquila.
Termina-se esta história com um voto de BOA SORTE para o BArt 3844 que rendeu o BCaç 2879.
Deixa-se um abraço e votos de felicidades para todos que nele participaram e que regressem às suas terras e às suas famílias.
Recorda-se com saudade aqueles que tombaram no cumprimento do seu dever.

Ora, como é referido, a nossa História não está completa nem temos a veleidade de a completar, no entanto, tendo sido eu um dos protagonistas, enquanto elemento de tão glorioso Batalhão, e na medida em que contribuí, embora modestamente, para ELA, porque não “ deitar mãos à obra” e passar a escrito alguns dos bons e maus momentos vividos e que vão sendo contados pelos intervenientes dela, ou seja , por todos os camaradas do Batalhão?

Embora, por ocasião de reuniões e convívios com os nossos familiares, amigos e camaradas, se vá recordando os momentos bons e mais difíceis, por que passámos durante a nossa estadia em terras da Guiné, durante os anos de 1969 a 1971, e, nesse contexto se vá falando de certos factos passados, isto é, sobre factos que integram a “história falada e não escrita “ conforme acima é mencionado, resolvi dar o meu contributo, para o desenvolvimento da nossa História escrita, e, assim, ficar para a posteridade um testemunho dos factos, mais amplo e tão próximo quanto possível da sua veracidade, contribuindo deste modo para o aperfeiçoamento da nossa já conhecida História do Batalhão nº 2879.

Porque não lançar mãos a este desafio, enquanto for possível, enquanto por aqui andarmos por este planeta e tivermos o testemunho dos actores reais que são os nossos camaradas?
Apesar de terem decorrido mais de 37 anos sobre os factos e situações vividas, vamos tentar exprimir o que nos vai na alma, os nossos sentimentos de alegria e de tristeza gravados na nossa memória, os quais jamais esqueceremos.
Deste modo, lançaremos mão a algumas notas que registamos, a factos que fomos ouvindo ao longo da nossa comissão de serviço, assim como a recordações volvidas em conversas com ex-camaradas e amigos que ficaram para sempre.

No entanto, advertimos desde já que este trabalho que passamos a desenvolver, incluindo transcrições, segue uma ordem cronológica muito próxima da nossa História depositada no Arquivo Histórico Militar, no que concerne à formação, embarque e actividade operacional do Batalhão até ao nosso regresso à Metrópole, embora não corresponda ipsis verbis ao mesmo, porquanto, por um lado, há situações irrelevantes que não se transcreve por ser despiciendo e por outro, são acrescentados outros factos e situações que não constam do texto original.
Algumas dezenas de camaradas já possuem o documento.

Acresce dizer, que para além do nosso testemunho ou depoimentos de outros camaradas ou outras referências a livros e outras publicações, sempre que possível, apesar de parecer repetitivo, invocamos o texto da História do Batalhão correspondente, a fim de corroborar os factos.

Acresce dizer também, que este trabalho surge apenas agora, 37 anos após o nosso regresso, devido a um amadurecimento de ideias, a fim de poder reflectir sobre os factos vividos e conhecidos, bem como, devido à eventual possibilidade de confrontar com outros escritos, onde por vezes se encontram omissões e contradições, comprovadas, sobre factos narrados neste trabalho, como resulta por exemplo de entre alguns casos aqui salientados, o caso dos acontecimentos que envolveram o Ronco, captura das 24 toneladas de material bélico ao IN, em Agosto de 1969, junto à fronteira do Senegal, em Faquina Fula e Mandinga, em que o nosso Comandante e duas Companhias (CCaçs 2547 e 2549) do nosso Batalhão, ao nível de pelotão, participaram na apreensão de parte desse material e nem sequer mereceram um mínimo de referência num Livro com o peso Histórico, cuja autoria é da Comissão para o Estudo das Campanhas de África, edição do Estado Maior do Exército, apesar de ter sido alertada por mim para tão grave omissão histórica.

Depois, seguem-se os capítulos relativos às características da Província, estadia e actividade operacional no CTIG e respectivo regresso à Metrópole.

Por último, convém referir que é preciso que cada um registe para a História tudo o que souber.
Daí a importância de escrever. Daí a importância de editar. Sem complexos.
Por isso, mãos à obra.
Massamá, 10 de Janeiro de 2008

Carlos Silva

Ex Fur. Mil. Bat. Caç/CCaç 2548


HISTÓRIA DO BATALHÃO DE CAÇADORES 2879 (1)

GUINÉ 1969/1971

Texto: Adaptação de Carlos Silva – ex-Fur Mil CCAÇ 2548

fixação de texto: vb



Guião do Batalhão 2879. Foto de Carlos Silva.

CAPÍTULO I

Mobilização, Composição e Deslocamento para o CTIG

No mês de Janeiro de 1969 foram mobilizados os quadros destinados a várias Unidades entre as quais estava incluído o BCAÇ 2879. Como Comandante foi designado o Ten Cor Inf Manuel Agostinho Ferreira, regressado do Comando de um Batalhão na Guiné havia menos de 1 ano . (Nota nº 2273 da 1ª Sec. da RO/DSP/ME de 22-01-1969).

Foram atribuídas ao Batalhão as CCAÇ 2547, 2548 e 2549.




Abrantes > Regimento de Infantaria nº 2 > 1969 > Edificio do Comando e Museu

Foto cedida pelo ex-Alf Mil Carmo Ferreira, da CCAÇ 2549.

Como Unidade Mobilizadora foi designado o Regimento de Infantaria nº 2 – Abrantes.

A Nota-Circular nº 896/PM – Pocº nº 18/2876 a 2883 e 18/2538 a 2583 da Sec Adm e Mobilização de Pessoal da 1ª Rep do EME/ME, de 19 de Fevereiro, atribui o BCAÇ 2879 ao CTIG.

Em 23-02-69, o Comandante de Batalhão apresentou-se no CIM – Santa Margarida a fim de tomar parte no 1º Turno de Estágio de Observação Aérea.

Em 02-03-69 seguiu para o CIOE – Lamego, onde tomou parte no 2º Turno de Estágio de Actualização sobre o Ultramar.

Em 10-03-69 apresentaram-se na Unidade Mobilizadora os oficiais, sargentos e cabos milicianos que iriam tomar parte na Instrução Especial do 1º Turno/69.

Em 11-03-69, começou a Escola de Aperfeiçoamento de Quadros e nela tomaram parte os seguintes militares:

Ten Cor Inf Manuel Agostinho Ferreira
Maj Inf Alexandre Augusto Durão Lopes
Maj Inf Lourenço Calixto Aires
Tenente do SGE Elias Garcia da Saúde Raio
Asp Of Mil Secret António Luís Rodrigues Cabral
2º Sargento Inf João Baptista Cipriano

1ª Companhia de Instrução (destinada a enquadrar a CCAÇ 2547)

Cap Mil Art José Fernando Covas Lima de Carvalho
Asp Of Mil Joaquim Manuel Gomes da Silva
Asp Of Mil Luís Filipe da Paiva Nunes
Asp Of Mil José Manuel Tavares Castilho
Asp Of Mil Duarte Joaquim das Neves Pinto
2º Sargento Inf João Gardete Cabaço
2º Sargento Inf Viriato Gomes de Castro
1º Cabo Mil António Maria dos Santos Teixeira
1º Cabo Mil Joaquim Luís Saramago Glórias
1º Cabo Mil Manuel Dias de Carvalho
1º Cabo Mil António Rufino Correia
1º Cabo Mil João Carlos de Macedo Lourenço
1º Cabo Mil José Machado Pacheco
1º Cabo Mil António de Freitas
1º Cabo Mil Manuel Rocha
1º Cabo Mil João António Sampaio Vaz Monteiro

2ª Cª Instrução (destinada a enquadrar a CCAÇ 2548)

Cap Mil Inf Alcino de Sousa Faria (3)
Asp Of Mil António Gil Dias André
Asp Of Mil João Abel Rebelo
Asp Of Mil Manuel Fernandes Pinheiro
Asp Of Mil Horácio João de Sousa Marques
2º Sargento Inf Martinho da Silva
2º Sargento Inf José Leitão Sombreireiro
1º Cabo Mil Jorge Manuel Gomes da Conceição
1º Cabo Mil Idino Claudino Silva Évora
1º Cabo Mil Fernando Amado Vitorino
1º Cabo Mil Dionísio Frazão Galo
1º Cabo Mil Aníbal Manuel Leça Marques da Silva
1º Cabo Mil António José Lopes do Nascimento
1º Cabo Mil Domingos da Silva Tavares
1º Cabo Mil Manuel de Oliveira Pontes

3ª Companhia de Instrução (destinada a enquadrar a CCAÇ 2549)

Cap Mil Inf Luís Fernando da Fonseca (3)
Asp Of Mil João Borges Frias Sampaio
Asp Of Mil Luís Fernando da Silva Carvalho
Asp Of Mil Manuel do Carmo Ferreira
Asp Of Mil Joaquim Manuel Baptista
2º Sargento Infriato Correia Gonçalves
2º Sargento Inf é Luís de Jesus Varanda
1º Cabo Mil Joaquim Alberto Sequeira Fortes Vaz
1º Cabo Mil António Manuel Mano Nunes
1º Cabo Mil Francisco António Brotas
1º Cabo Mil Armindo Aníbal Pinto da Costa Paulo
1º Cabo Mil António Simões Biscaia
1º Cabo Mil António Francisco Almeida Couto
1º Cabo Mil Victor José Martinho Ferreira
1º Cabo Mil Carlos Manuel Pereira Fragoso
1º Cabo Mil Domingos Mário Barros de Miranda
1º Cabo Mil Nelson Jorge Ferreira Duarte

Em 09-04-69 começaram a apresentar-se no RI 2 os recrutas que iriam frequentar a IE/1º Turno/69 e que seriam a grande massa do Batalhão de Caçadores nº 2879.

Em 10-04-69 e até 31-05-69 entra-se no período de organização do Batalhão de acordo com a Nota-Circular nº 02.611/PM – Proº 18/2879, 18/2547, 18/2548 e 18/2549 de 22-05-69 da Sec Adm e Mob de Pessoal da 1ª Rep do EME.

Em 09-06 e até 14-06-69 teve lugar a EAQ/IAO.

Em 16-06-69 e até 5-07-69 decorreu a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional – IAO, na região de Arreceadas – Rossio ao Sul do Tejo, pois o terreno escolhido tinha algumas características semelhantes às da Guiné.

A instrução decorreu com entusiasmo e bom rendimento apesar das dificuldades materiais com que se lutou.

Em 07-07-69 todo o pessoal entra de licença das NNAPU – Normas de Nomeação e de Apoio às Províncias Ultramarinas.

O BCAÇ 2879 é assim formado e organizado no R I 2 em Abrantes passando a ter por Divisa “Excelente e Valoroso”.

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Texto e notas de Carlos Silva:

(1) Este documento histórico pode ser consultado no Arquivo Histórico Militar situado em Santa Apolónia – Lisboa, sob o título “ História do Batalhão de Caç. nº 2879 - Guiné 1969/1971 – Farim “ - [ 2ª Div/4ª Sec, Caixa nº 110 nº 3, do AHM ]

(2) O Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira, falecido a 29-10-2003, com a patente de Major-General ficou conhecido pela rapaziada do Batalhão pelo Metro e oito.

Distinto oficial, inteligente e corajoso, que, sendo Comandante de Batalhão, não se poupava a esforços nem a sacrifícios, assim como não hesitava em participar nas operações, a fim de poder apreciar in loco a justeza dos factores de planeamento, quantas vezes abstractos, que os manuais forneciam.

Esta postura do nosso Comandante que, por um lado, era altamente louvável, por outro ncutia na rapaziada uma confiança que fazia ultrapassar o medo que porventura existisse. Tal atitude granjeou-lhe da nossa parte uma grande simpatia e admiração que ainda hoje se faz sentir e há-de perdurar ao longo dos tempos até ao último sobrevivente do Batalhão. expressão de tal sentimento resulta bem claro nos almoços de confraternização do Batalhão.

(3) Os Capitães Alcino de Sousa e Luís Fernando da Fonseca, que inicialmente haviam sido nomeados para o Comando das CCAÇ 2548 e CCAÇ 2549, em virtude de terem feito a comissão anterior na Guiné, foram por autorização ministerial substituídos respectivamente pelos Capitães Luís Fernando da Fonseca Sobral e Vasco Correia Lourenço, que antes estavam nomeados para Angola.
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Nota de vb:

(*) Vd. postes de:

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2417: Tabanca Grande (51): Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem 1969/71)

20 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1976: Tabanca Grande (27): Carlos Silva, mais um 'apanhado do clima' (CCAÇ 2548, Jumbembem)