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terça-feira, 27 de abril de 2021

Guiné 63/74 – P22145: Estórias avulsas (105): Pequemo almoço às 2 horas da manhã (Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil Arm Pes Inf, CCAÇ 3460, Cacheu, 1971/73)

Tavira > Quartel da Atalaia > Antigo CISMI. Belo exemplar da nossa arquitetura militar, fica situado na Rua Isidoro Pais. Imóvel classificado como de interesse público, segundo o excelente síio da Câmara Municipald e Tavira


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Ascenção (ex-Fur Mil de Armas Pesadas de Infantaria da CCAÇ 3460/BCAÇ 3863, Cacheu, 1971/73), com data de 21 de Abril de 2021, trazendo mais uma das suas estórias que bem caracterizam as nossas atribulações enquanto instruendos do CSM.


Pequeno almoço às 2 horas da manhã

Nos meses de janeiro, fevereiro e março de 1971, estive no CISMI em Tavira a fazer a especialidade de Armas Pesadas. Aplicação militar, marchas, crosses, muitos crosses, instrução e formação teórica e prática de regulação de tiro era intensa, o desgaste físico era directamente proporcional á intensidade do esforço despendido.

Tudo isto ia aguentando mas o que me fazia “saltar a tampa“ era:
1 - dormir ou tentar dormir ouvindo discursos de políticos da época ou ao da música “Angola é nossa”.
2 - formar na parada às 2 ou 3 da manhã para ouvir uma dissertação militar do Major-Comandante de Instrução.
3 - formar para saber as missões para o dia.


A alvorada era todos os dias às 06,30 horas da manhã e a formatura para o pequeno almoço às 7,15. Já não estou seguro deste horário. Para esta formatura todos os formandos levavam dependurado no cinto o copo do cantil no qual era servido o café com leite.
Quem passou por lá sabe os pormenores
.

Até que um dia o motivo desta história aconteceu.
Regra geral a primeira formatura era para o pequeno almoço, mas naquele dia era para uma das palestra noturnas. Eu, um homem sempre prevenido, cheio de sono e fome, vou com o copo do cantil ao cinto para a formatura preparado para o pequeno almoço.
Quando estava na formatura cumprindo as ordens de:
Firme!
Sentido!
À vontade!


Com o movimento do corpo deixei cair o copo do cantil o que provocou uma curta gargalhada geral.
Quando terminou a palestra fiquei à espera de levar nas orelhas mas nada aconteceu. Fui para a caserna meio cheio de medo esperando pelo início da instrução para saber o que me iria acontecer, mas mais uma vez nada aconteceu nem veio a acontecer.
Assim se passou uma história da minha vida de militar em formação.


Cumprimentos
Joaquim Ascenção

____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 63/74 – P22052: Estórias avulsas (104): O melhor brunch da minha vida, numa longa viagem de 21 horas de comboio, entre Leandro e Tavira, já lá vão 50 anos (Joaquim Ascenção, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 3460, Cacheu, 1971/73)

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21719: (Ex)citações (382): Tavira, CISMI, por quem nenhum de nós morreu de amores... (João Candeias da Silva / Carlos Silva / Luís Graça)


Facebook > Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora > Carlos Cordeiro > 17 de janeiro de 2017

(...) Há 49 anos dava entrada no CISMI - 4.ª companhia. Deixo de lado as coisas menos boas para olhar com ternura o tempo de juventude. Foto: regresso da Semana de Campo. À excepção do cabo miliciano (...) todos os recrutas são naturais de S. Miguel - Açores. Da esquerda para a direita: Carlos Alberto Pereira Rangel; José Luís Vasconcelos Botelho; cabo miliciano; Domingues e eu,  Carlos Cordeiro  [, saudoso membro da nossa Tabanca Grande, 1946-2018]  (...)




Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora  > Carlos Cordeiro > 9 de março de 2015 

 
(...) CISMI. 1.º turno de 1968 (recruta). Um dos pelotões da 4.ª Companhia (não me lembro o n.º), "foto de família". Regressámos da "visita" às salinas já tarde e não havia muito tempo para vestir a farda n.º 2, tirar a foto e a seguir formar para o almoço. O aspirante (que talvez tivesse feito com que chegássemos tarde de propósito) disse então para vestirmos a parte de cima da farda n.º 2 e ficarmos com as botas e calças como se pode ver pela foto. 

Sou o terceiro a contar da direita na fila do meio [, assinalado com cercadura a amarelo[. Ao meu lado direito está um amigo aqui de S. Miguel,  Açores. De resto, infelizmente, não me lembro do nome de mais ninguém, ainda que todos tenham assinado a foto. O aspirante era bastante reguila, o que era temperado pelo cabo miliciano, excelente pessoa. Oxalá algum camarada se reveja na foto. (...) 
 

1. Comentários do João Candeias e do Carlos Silva ao poste P217092 (*):

(i) João Candeias da Silva [ex-fur mil at inf, de rendição individual, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1973) e CIM Bolama (1973/74)]

CISMI, Tavira. Terceiro turno de 1971.

Depois da recruta no Hotel das Caldas, rumámos a sul até Tavira para fazermos a especialidade de atirador de infantaria.

A viagem longa e demorada foi feita sem paragens em vilas onde pudessemos dar ao dente, a excepção era para fazer xixi no meio do mato.

Em Tavira, no CISMI, destaco 3 personagens:

(a)-Tenente Moleiro, que no primeiro dia aparaceu no campo da feira, conhecido por Atalaia. O pelotão formou e depois do blá, blá da retórica, tirou o quico e disse: "é este o corte de cabelo da companhia;

(b) Caifás, o barbeiro onde nos iríamos apresentar e dizer #corte à tenente Moleiro":

(c) O capitão capelão que dava palestras aos sábado ao fim da manhã no refeitório.

O pessoal estava exausto, sentado e com o queixo apoiado ao cano da G3, não tardava em adormecer. A palestra que alertava para o "respeito" pelas meninas e ameaçava que quando tal não acontecia termimava em casamento na parada. E dava como exemplo o que, na recruta / especialidade, anterior, tinha acontecido.

Depois era ouvi-lo: "tu aí ao fundo levanta-te e castiga-te a ti próprio".... "Sim tu que estavas a dormir"...

A malta como não sabia a quem ele se dirigia, levantavam-se dois ou três. Então dizia: "não és tu, ele sabe quem é". À segunda ou terceira acertava.

A malta que sabia tocar e cantar e fosse "actuar" na missa de domingo tinha tratamento VIP. Também havia outros VIP por serem futebolistas, destaco o Vaqueiro, um dos chamados bebés do Varzim. Havia mais.

A salina era onde os mais tesos eram humilhados por resistirem onde não havia hipótese de vencer. Terminava quando todos estavamos encharcados de água podre e mal cheirosa. O cheiro ficava presente por dias.

Na Guiné, onde fui dos primeiros a chegar por ir em rendição individual, encontrei vários camaradas. Destaco o Penedos, que tocava trompete e em Tavira já tinha um Renault.

João Silva, terceiro turno de 1971, com passagem por Beja, Depósito de Adidos e Guiné.

(ii) Carlos Silva  (ex-Fur Mil Inf,  CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71), Régulo da Tabanca dos Melros]

Meus Amigos & Camaradas:

Entrei no dia 8/1/1969 no RI 5 nas Caldas da Rainha e fiquei integrado na 2ª Companhia comandada pelo Ten Bicho Beatriz, Capitão de Abril, infelizmente já falecido, homem de bom trato.

Integrei o 2º Pelotão, comandado pelo Ten Carneiro, também um militar respeitador. Os Cabos Milicianos, um deles era o Moreira que encontrei na Guiné e posteriormente muitas vezes em Lisboa, um tipo porreiro. O outro, cara de mauzão, mas bom rapaz e quem era ele ? Quem era ele ? Todos o conhecem aqui no Blogue, nem mais nem menos, o nosso amigo & camarada o Humberto Reis.

Das Caldas, para além de vários episódios, lembro-me do mais importante, que foi o sismo de 28 ou 29 de Fevereiro de 1969 e da audição em parada das Ordens de Serviço com o final de " O Comandante ... Giacomino Mendes Ferrari "...

Daqui deram-me a guia de marcha para apanhar o comboio e parar em Tavira onde nos esperavam os autocarros de turismo do Exército para nos transportar até ao designado quartel da Atalaia - CISMI onde dei entrada no dia 9/4-/969, 2º Turno, para aí tirar a especialidade de Armas Pesadas, ficando integrado na 2ª Companhia, comandada pelo Cap Viegas, bom homem, que nunca mais ouvi falar dele. talvez o Carlos Alberto Nascimento, se lembre dele.

O pelotão era comandado por um Aspirante Miliciano do qual não me lembro o nome, coadjuvado por dois Cabos Milicianos, sendo um de nome Soromenho, cara de mauzão, o outro não me recordo o nome.

A instrução e aplicação militar, claro, era exercida no campo da Atalaia e para os lados da Conceição de Tavira ou nas encostas do rio Gilão, para os lados da ponte nova EN.

Falam muito do Ten Madeira, do "Trotil", etc., etc, não me lembro deles, pois a nossa convivência era restrita. Lembro-me de um Tenente, do qual não me recordo o nome, um tipo magro e alto, que nos dava as aulas teóricas, nada acessível, militarista, que andava sempre com um pingalim e um outro Ten Coelho Lima, do Norte, indivíduo de bom trato.

Episódios não são muitos, mas recordo-me de uma cena de uma barata que vinha no prato de arroz de um dos camaradas, que percorreu os pratos todos, pois foi passando de prato em prato, porque nenhum de nós era chinês.

Lembro-me também de quando íamos fazer marchas, sempre que íamos para o lado de lá do rio, ao passar junto às esplanadas, ouvíamos a ordem de comando: "Pelotão... olhar... direita" !!! "... para saudar o 2º Comandante, Maj Teixeira que por ali estava sentado acompanhado ...

Nunca mais ouvi falar deste senhor, nem do Comandante do CISMI que não sei quem era. A rapaziada aqui nunca se referiu aos altos Comandos.

Um outro episódio que me recordo, foi termos um castigo colectivo, privação de fim de semana, dado pelo Maj Teixeira, porque lhe foram fazer queixinhas que os instruendos tinham participado numa operação de assalto a um laranjal ... Pudera!, as laranjas do Algarve tinham fama...

Quanto às meninas e aos casamentos, também eram falados, mas não sei se alguém do meu Turno ficou por lá perdido. Creio que apenas houve por lá um episódio relativo à "espanholita" (?)...

A semana de tiro foi normal, fomos com os canhões e morteiros 81 para Cacela fazer fogo para a Ilha de Tavira. Do CISMI fui parar ao RI 10 Aveiro, mas nem aqueci o lugar, fui logo mobilizado para a Guiné, o que não esperava, pois tinha sido bem classificado.

Foi o meu azar, os camaradas maus classificados foram mais tarde mobilizados, mas foram integrados em pelotões de canhões ou de morteiros e não alinhavam para o mato. Encontrei-me com alguns na Guiné, já eu andava por lá há 6 ou 8 meses. Talvez fosse essa a minha vantagem. Bem, Tavira já vai longe.

Abraço para todos com votos de um Bom Ano 2021 com saúde.

(iii) Luís Graça, editor:

Lembram -se do Carlos Alberto Dores Nascimento, 1º cabo miliciano, e monitor do CSM, entre 1967 e 1969 ? Há uns anos, em 9 de setembro de 2010, escreveu-me o seguinte email:

"Alô, Luis. Sou o Carlos Alberto Dores Nascimento, estive em Tavira de Janeiro de 67 a Dezembro de 69. Especialidade de atirador... e por lá fiquei até ao fim como monitor. Conheci o Robles e o Trotil. O Trotil era Óscar. Conheci-os de alferes a capitães.

"Também gostava de encontrar alguns companheiros daquele tempo (,agora somos avós, ) mesmo que tivessem sido 'meus' intruendos. Sei que todos os anos em Outubro fazem lá no quartel um convívio com todos os que passaram por lá. Eu este ano quero ir pois nunca fui. Estou inscrito no Facebook, tenho lá algumas fotos do nosso tempo para ver se há alguém que se identifica.

"Bom, um grande abraço."


De facto, o Nascimento, algarvio, que é natural de Alagoa, e vive em Portimão, é (ou era, em 2014) um dos elementos mais ativos do Grupo (aberto) do Facebook, Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora.

Segundo o Carlos Nascimento, a 2.ª companhia era "a companhia das várias especialidades",  incluindo a de armas pesadas de infantaria. Ou seja, o ten Esteves Pinto  foi meu comandante de companhia, no CISMI, no último trimestre de 1968.
  

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21702: (De)Caras (167): o ten inf Esteves Pinto (1934-2020), que foi instrutor de alguns de nós no CISMI, em Tavira, e que morreu no passado dia 18, com o posto de cor inf ref



Tavira > CISMI > Parada > Outubro de 1968 > Atiradores de infantaria > 6º Pelotão, 3ª Companhia  > Da esquerda para a direita, de pé: Eduardo Estrela (, futuro fur mil. CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71), Fonseca, Pereira, João, Torres, Chichorro (já falecido)  e Joaquim Fernandes (, futuro fur mil, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Na primeira fila, tambémda esquerda para a direita: Santos, Chora, Salas, Paulo , Loureiro e Saramago.

Foto (e legenda): © Eduardo Francisco Estrela (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tavira > Quartel da Atalaia > Antigo CISMI, hoje RI 1 > 1 de fevereiro de 2014 > Belo exemplar da nossa arquitetura militar, fica situado na Rua Isidoro Pais. Imóvel classificado como de interesse público, segundo o excelente síio da Câmara Municipald e Tavira

 O Quartel da Atalaia, um dos mais antigos do país, foi começado a construir em 1795, sob o reinado de D. Maria I. Mas a sja construção foi entretanto interrompia e só retomada em 1856 devido á conjuntura nacional desfavorável (ida da corte para o Brasil, invasões napoleónicas, revolução liberal de 1820, guerra civuil de 1828-1834, etc.). Com a extinção das Ordens Religiosas, é entregue ao exército o antigo Convento de Nossa Senhora da Graça, que alguns de nós também conheceram. O Quartel da Atalaia, ainda por concluir, serviu ainda de hospital das vítimas de peste de cólera que se abateu sobre a cidade (e grande parte do país, a começar pela capital) em 1833, em plena guerra civil. Em boa verdade o edifício só ficará concluído  nos primeiros anos do século XX, sendo  então para lá transferida a guarnição de Tavira. Sofreu alguns alterações funcionais em 1950, 1954 e 1970.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tavira > CISMI > Julho de 1968 >   A chegada ao quartel da Atalaia dos novos instruendos do 1º Ciclo do CSM, vindos de todo o país.  Fila do pessoal para receber fardamento, Foto do Fernando Hipólito, gentilmente cedida ao César Dias e ao nosso blogue.

Esta rapaziada de finais da década de 1960 já tem um outro "look", a começar pelo vestuário... Presume-se que as belas cabeleiras, à moda dos "Beatles", já tinham ficado ingloriamente no chão do barbearia lá da terra ou de Tavira... Muitos fotam tosquiados à máquina zero, suprema humilhação para um jovem da época!... Não, já não é a mesma malta que parte, de caqui amarelo e mauser, para defender as Índias & as Angolas, uns anos antes ... O velho Portugal onde tínhamos nascido,  estava a mudar, lenta mas inexoravelmente.  E a nossa geração já não estava disposta a suportar os mesmos sacrifícios dos seus pais.


Foto (e legenda).  © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: logue Luís Graça & Camaradas da Guiné]]

 


1. Através do nosso leitor e camarada cor inf ref Manuel Bernardo tivemos a triste notícia  do falecimento do cor inf António Rebordão Esteves Pinto, instrutor no CISMI, em Tavira, no tempo em que alguns de nós, membros da Tabanca Grande, lá fizemos a recruta e/ou a especialidade. (Estou-me a lembrar de camaradas como o César Dias, o António Levezinho, o Humberti Reis, o Eduardo Estrela, o Joaquim Fernanses, o José Fernando Almeida, o Manuel  Carvalho, o Carlos Silva, u próprio e tantos outros.)

O cor inf ref  Esteves Pinto faleceu no dia 18 do corrente mês. Nunca esteve no TO da Guiné. Mas queremos lembrá-lo aqui, na qualidade de nosso antigo instrutor e comandante de companhia no CISMI, Tavira. À família enlutada a Tabanca Grande apresenta as suas condolências. (****).

De acordo com o seu currículo militar, o cor inf Esteves Pinto:

(i) era natural do Fundão;

(ii)  estudante na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa,  em 1957, foi  chamado a cumprir o Serviço Militar Obrigatório, tendo assentado praça em Mafra;

(iii) fez uma primeira comissão de serviço (1961/63), em Angola como o posto de alferes miliciano;

(iv) foi condecorado em 1963 com a Cruz de Guerra de 4ª classe, por atos de bravura em combate;

(v) de regresso à Metrópole, foi convidado a frequentar a Academia Militar,. tendo seguido a carreira militar:

(vi) tenente do quadro, foi  colocado, em 1965 (e até 1969), juntamente com o ten Fernando Robles, em Tavira, como instrutor do CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos;

(vii) foi mobilizado, de novo  desta vez para Timor, terra que ficou no seu coração, como comandante da CCAÇ 2682 (1970-1972);

(viii) terminou a sua carreira militar com o posto de coronel, não sem ter passado ainda por Angola, em 1975.

Uma nota biográfica mais detalhada está disponível no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, 1954-1975.


2. Da notícia do falecimento do cor Esteves Pinto demos conhecimento de alguns camaradas que o conheceram, em Tavira, e que comentaram, em resposta ao meu mail de 26 do corrente:

(i) César Dias (ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, Maio de 1969 / Março de 1971)

Luis, lembro-me do Esteves Pinto (Tenente), foi o nosso comandante da 2ª companhia, tentava moralizar as tropas, " O militar é a parte válida do povo", daí ter que ser forte, "não há fim de semana para ninguém",,, ,  isto na formatura de 6ª feira após o almoço.

Fiquei com boa impressão dele, embora os nossos caminhos não se tivessem cruzado mais
Presto-lhe homenagem.. Aos seus familiares e amigos manifesto o meu pesar.


(ii) Eduardo Estrela (ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71)

Morreu o (do nosso tempo no CISMI ) ten Esteves Pinto, que comandava no último trimestre de 1968 a 2ª  Companhia. O homem que, nas marchas finais de Dezembro de 68, perto do Cerro da Cabeça em Quelfes/Moncarapacho , perante o dilúvio que se abateu sobre a zona do acampamento dizia: " o rei manda marchar, não manda chover ".

Á família enlutada os meus pêsames. Que descanse em paz.


3. Algumas referência no nosso blogue ao nosso antigo instrutor ten Esteves Pinto e a outros instrutores do CISMI de Tavira (1965/69), militares que, de uma maneira ou de outra, nos marcaram, tal como nos marcou a passagem por Tavira, na recruta e/ou especialidade. 

Temos meia centena de referências ao CISMI  e sessenta a Tavira


(i) Eduardo Estrela [ fez recruta no CISMI,  e a instrução de especialidade de atirador de infantaria, integrado  no 3º Pelotão da 4ª Companhia, no 2º semestre de 1968; foi fur mil, CCAÇ 14, Cuntina, 1969/71]:

(...) O comandante da 3ª Companhia do CISMI, Tavira, era o cap Eduardo Fernandes, militar íntegro e respeitador.

O ten Madeira era o adjunto e era uma flor sem cheiro. Mau e sádico. Uma vez, levou durante a noite a  
companhia para as salinas (, o capitão estava ausente). Dei-lhe a volta e vim de lá com trampa só até aos joelhos. 

Já tive o privilégio de lhe dizer isso pessoalmente num almoço no CISMI. O homem agora é coronel reformado e mora, como sempre morou, em Castro Marim. (...) (*)

(ii) César Dias:

(...) Concordo com os adjectivos de classificação atribuídos quer ao Capitão Fernandes quer ao seu adjunto nesse terceiro turno de 68, e no caso do Tenente Madeira os adjectivos poderiam ir mais além. 

Também integrei esse grupo nessa noite das salinas,  aproveitando a ausência do Comandante foi uma diversão para ele, já passaram quase 52 anos mas são coisas que não esquecem, apesar de tudo o que se passou na Guiné. 

Já agora digo que era do 7º pelotão do Aspirante Coelho, outro homem integro. (...) (*)

(iii) Eduardo Estrela:

(...) Acabo de ver o comentário do César Dias no blogue, a propósito do agora coronel Madeira e a sua referência ao Aspirante Coelho. O Asp Coelho era realmente um homem íntegro e respeitador. Lembro-me bem dele e da sua já visível falta de cabelo á época. Abraço fraterno a todos. (...) (*)

(iv) Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70):

(...) Também andei por Tavira no verão de 67, 3º turno,  Armas Pesadas.

Tenho algumas memórias do dia em que fizemos fogo para a ilha de Tavira a partir da costa. O comandante de companhoa era o Cap Madeira,  natural de Cabo Verde,  e de Pelotão era o Alf Chumbinho,  exigente mas que nos tratava com respeito,  por 'senhor instruendo'. 

Quando íamos iniciar o fogo de canhão sem recuo 10,6 vimos que estavam na zona dois barcos pequenos com um pescador cada. o Chumbinho disse que resolvia o problema com uma canhoada e resolveu,  embora um oficial superior que lá estava tivesse dito:  não me arranje problemas".

Ainda hoje me rio com a cena dos dois homens a remar cada um para seu lado e nem a recolha do material fizeram. Na ilha havia um silvado que foi incendiado com uma granada de fósforo e depois apagado com uma normal que atirou areia para cima do lume. Alguém pôs um burnal velho atrás do canhão para vermos o efeito e vimos que não é lugar para se estar.

Também fui dos que escolheram Armas Pesadas a pensar que ficaria mais resguardado mas tinha uma secção distribuída como qualquer Atirador e muitas vezes o Pelotão todo, é a vida. (...)

(v) Luís Graça:
 
 (...) Passei pelo RI 5 (Caldas da Rainha) (15 de Julho de 1968) e CISMI (Tavira) (29 de Setembro de 1968)... 

De quem me lembro, [em Tavira,] foi do Tenente Esteves [Pinto], que era o comandante da minha companhia [, a 2º,]  (estava a tirar a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria), e do parvo de um alferes miliciano, lateiro, que nos dava instrução, no campo da feira (adorava, o sádico, pôr-nos a rebolar em cima da bosta de boi, enquanto ele passava o tempo a "namorar" à janela, uma das meninas ou coironas lá da terra....). Era algarvio, com sotaque, nunca pusera os pés em África... Deve ter apodrecido nos CISMI...

 (...) Do Esteves recordo-me apenas a sua lengalenga patrioteira e já gasta, lembrando-nos, a propósito e a despropósito, que "nós éramos a fina flor da nação"... Nós: emendávamos, entre dentes: "a fina flor do entulho"...

E, claro, não posso esquecer o inefável comandante do CISMI que me proibiu, a mim e mais um camarada, a inauguração de um exposição documental sobre a II Guerra Mundial (que estávamos a organizar, na caserna, e estava praticamente pronta...) com o argumento, mesquinho, safado, de que "para guerras já bastava a nossa" (...) 
 (**)

(vi) Mário Fitas (ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67);

(...) Fui para o CISMI em Agosto de 1963 e acabei o curso em Dezembro do mesmo ano. O curso de sargentos milicianos era composto de dois meses de Instrução Básica e mais dois de especialidade.

Não esperava ir parar ao Ultramar, nem tão pouco à Guiné. Pois...só que precisamente em Janeiro de 1964 os cursos passaram a seis meses. Aqui tens como o teu camarada Mário Fitas foi fornicado e ir parar com os costados na Guiné. Fomos os últimos a envergar a célebre farda colonial amarela.

(...) Por curiosidade, o comandante do meu pelotão em Tavira foi o então alferes, hoje coronel Cadete, que esteve em Mejo,  julgo que com o José Brás, já mais tarde em Moçambique o Cadete levou um tiro no ventre. Um dos instrutores de Lamego, o alferes hoje tenente general Rino, que comandou a CCAÇ. 764 em Cumbijã. O mundo é muito pequeno! (,,,)

Hoje em dia o meu amigo coronel Manuel Amaro Bernardo,  dos comandos e escritor, era o comandante da 1ª. Companhia de instrução em Tavira.(...) (**)


(vii) José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

(...) Aqui, neste terraço de que se avista o quadriculado da antepara, vivi eu uma aventura imoderada.

Sexta-Feira, formutura para saída, o oficial de dia, Ajferes Cadete, olha-me na cara e diz que tenho as botas mal engraxadas. 

Formatura desfeita, volto à caserna e, ainda que sabendo da mentira, ponho as botas a brilhar. Nova formatura e lá vou eu de novo e o gajo olha-me para as botas e diz que tenho a barba mal aparada. De novo na caserna, espero por nova formatura para tentar ir passar o fim de semana na Ilha, de novo entro para a revista e o bicho diz-me: 'você é parvo, não viu já que não sai?'

 A minha vontade era mesmo partir-lhe o focinho e, nessa altura, sendo o que era, juro que o machucaria bem. Contive a raiva e puz-me a estudar a forma de sair dali, aparecendo-me o terraço como a única salvação. Disfarcei, andei por alí, subi as escadas, atrás de mim veio um camarada amedrontado mas desejoso de sair também. Passei para fora da antepara, desci para uma das janelas ainda agarrado acima, ajudei o camarada medroso a descer e saltámos correndo de imediato dali para fora. 

No Domingo, na praia, camaradas que sairam nesse dia,  avisaram-me que o Cadete dera pela minha falta e andara de bicicleta a ver os riscos da borracha das botas na parede, jurando que me esperaria na entrada na Segunda de manhã. De facto, apesar da apreensão, entrei sem problemas e ninguém me perguntou por onde tinha andado. Já antes, eu havia tido uma questão com o Cadete que não era o Comandante do meu Pelotão mas tinha metido o bico numa pega comigo. Acabei por reencontrá-lo quando a minha Companhia saiu de Aldeia Formosa e, por troca com a dele, fomos para Medjo onde ele estava antes. (...) (***)
__________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

 (***) 10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (1-6 pp.)

Vd. também:


21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12750: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhidi por Fernando Hipólito o digitalizado por César Dias) (3) : Parte III (pp. 13-16)

22 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12759: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (4) : Parte IV (pp. 16-18): Regime disciplinar; Pretensões, dispensas e licenças


terça-feira, 17 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20742: Memória dos lugares (405): Cacela, a fadista Lucinda Cordeiro e o grupo "Cantar de Amigos", num vídeo do Zeca Romão (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73)


Vídeo (2' 58'') > Alojado no You Tube > Romão José

Título: Cantar de Amigos - Lucinda Cordeiro - canta: Miúdo da Rua

Sinopse: Um pequeno vídeo dedicado à nossa amiga Lucinda Cordeiro, uma das maiores fadistas,do nosso concelho [, Vila Real de Santo António[. Acompanhada pelo seu esposo, José Gonçalves e por Toy Dourado, Lucinda, canta "Miúdo da Rua", fado gravado no CD nº 9 de "Cantar de Amigos" [, grupo fundado em 1993]. As fotografias são de Cacela Velha, localidade que faz parte do concelho de Vila Real de Santo António. Vídeo: realização de Zeca Romão, 17 de março de 2010.


José Romão no Bachile, c. 1972/74
Arquivo do autor (2010)
1. O nosso camarada José Romão, de Vila Real de Santo  António, tem um especial carinho pela sua terra (e tem uma segunda terra, a Guiné-Bissau, e em especial o "chão manjaco", do qual  guarda "recordações inesquecíveis" do tempo em que foi Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73).  Tem 16 referências no nosso blogue. 

Há dias mandou-nos um vídeo seu, de 2010, e que é um tripla homenagem a três "joias" vila-realenses:  Cacela, a fadista Lucinda Cordeiro e o grupo Cantar de Amigos. 

Os nossos camaradas, que fizeram o Curso de Sargentos Milicianos, no CISMI em Tavira, a recruta e/ ou a especialidade, nos anos 60/70, vão adorar a música e as imagens, que lhes vão avivar memórias...

Obrigado, Zeca Romão!


2. Sobre Tavira, e o sítio onde fizemos os fogos, no último  trimestre de 1968, escreveu o Eduardo Estrela o seguinte  comentário ao poste P20732 (*):

"Bom dia Luís! É uma alegria enorme ouvir falar da nossa terra com tanto carinho e amor. Obrigado pelas tuas palavras elogiosas. Façamos votos que haja coragem de preservar a autenticidade desta parte do Algarve denominada Sotavento.

Seguindo o percurso da EN 125, no sentido Tavira-Vila Real Sto. António, passamos Conceição de Tavira e, cerca de 3 km mais á frente,  há uma estrada à direita que vai ter ao sítio do Lacem. Foi neste sítio, local de confluência dos concelhos de Tavira e Vila Real, que fizemos os fogos reais, numa arriba sobranceira á ria e ao mar. Dista de Cacela Velha em linha recta, mais ou menos 1 km. 

O fabuloso tasco da Fábrica era do Costa, onde se comiam todas as iguarias da Ria, com a particularidade de saberem divinalmente. O Costa era compadre do meu sogro, pois era padrinho de baptismo duma das minhas cunhadas. 'O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande.' Abraço fraterno.

P.S. Fica pois o Lacem para a direita da fotografia da fortaleza de  Cacela Velha. A estrada da ilha é a das quatro águas."


3. Comentário de Luís Graça (*):

Fantástico, Eduardo!...Tens uma invejável memória topográfica!... É certo que jogas em casa...Esse é o teu reino, mas já me deste uma ajuda estupenda para "relocalizar" o sítio onde fizemos os nossos fogos reais, no final da instrução do 2º ciclo do CSM, no último trimestre de 1968... Que, reconheça-se, foi importante para nós, que fizemos fogo, pela primeira vez (, os que nunca foram caçadores...) na carreira de tiro e depois no tal sítio do Lacem. Quando aí voltar, ao teu/nosso querido Sotavento, quero revisitar esse sítio. E, se possível, contigo, se estiveres por aí, disponível, como cicerone!

sábado, 14 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20732: Memória dos lugares (404): Tavira, o CISMI, e Cacela A Velha... (Eduardo Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71)


Vila Real de Santo António  > Cacela A Velha  > Fortaleza de Cacela A Velha (séc. XVII) com vista sobre a Ria Formosa


A conquista de Cacela


As praças fortes foram conquistadas
por seu poder e foram sitiadas
as cidades do mar pela riqueza

Porém Cacela
foi desejada só pela beleza


Livro Sexto (1962, Lisboa, Livraria Morais Editora)

Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 1920 - Lisboa, 2004)


Foto (e legenda): © Eduardo Francisco Estrela (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Eduardo Estrela (2012)
 1. Mensagem do Eduardo Estrela [ ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]

natural de Faro, vive em Cacela (que já não é Tavira, mas Vila Real de Santo António, entre Tavira e a Manta Rota);  estivemos juntos no CISMI, em Tavira, no último trimestre de 1968, ele a na 3ª companhia (a "tirar" a especialidade de atirador de infantaria), eu na 2º companhia, do tenente Esteves Pinto, a fazer uma inútil especialidade de armas pesadas de infantaria; foi comigo e mais umas centenas de camaradas para o TO da Guiné, no T/T Niassa, em 24/5/1969; também ia connosco o camarada  Jerónimo de Sousa, Soldado Condutor Auto da Companhia Polícia Militar  (CPM) 2537 (Bissau, 1969/71): mas só soubemos uns dos outros muitoso anos depois; é membro da nossa Tabanca Grande desde o início de 2012; faz teatro, integrando o Grupo de Teatro Lethes, também gosta de ler e escrever poesia (, obrigatório paar quem ama Cacela  A Velha).

Data: 13 mar 2020, 17:28

Assunto: Cacela

Fotografia acabada de fazer [segue, em anexo].

O comandante da 3ª  Companhia do CISMI, Tavira,  era o cap Eduardo Fernandes, militar íntegro e respeitador. 

O ten Madeira era o adjunto e era uma flor sem cheiro. Mau e sádico. Uma vez, levou durante a noite a companhia para as salinas (, o capitão estava ausente). Dei-lhe a volta e vim de lá com trampa só até aos joelhos. 

Já tive o privilégio de lhe dizer isso pessoalmente num almoço no CISMI. O homem agora é coronel reformado e mora, como sempre morou, em Castro Marim. 

Abraço. Eduardo Estrela

2. Comentário de LG:
Capa do "Livro Sexto" (1962)

Eduardo, quando estive em Tavira, no CISMI, entre outubro e dezembro de 1969, devo ter ido a Cacela A Velha (como eu gosto de "grafar"), e lá ter lido e  relido aquele e outros poemas do Livro Sexto de Sophia (que levei comigo para a Guiné, numa mala cheia de livros, convencido que ia passar umas férias tropicais... pobre de mim!).

Tavira ficava longe da minha terra, o comboio era ronceiro, parava em todas as estações e apeadeiros, perdia-se o fim de semana em viagens... Depois de chegar ao Barreiro, era preciso apanhar o barco e depois a camioneta, na Rua da Palma,  que ia até à Lourinhã, último concelho do distrito de Lisboa, e eram mais horas três de caminho!...

Penso que só fui a casa uma vez quando estive em Tavira, na minha instrução de especialiidade... Valeu-me a beleza da ria Formosa, Tavira, Cacela e a poesia dos poetas, como a Sophia,  que se encantaram pela tua terra... Obrigado pela tua foto: aquela ria Formosa e aquela fortaleza parada no tempo são um mar de emoções e de sabores...Foi lá que comi o melhor  arroz de lingueirão do céu e da terra, no sítio da Fábrica, num tasco que tinha um telheiro...

Voltei a Tavira, algumas vezes (poucas...), a última em abril de 2014 (*)... Aí, sím, com olhos de ver e rever... Mas não tive tempo de revistar Cacela. Não ia sozinho, em grupo temos que abdicar de algo de nós.... Escrevi, nesta altura no blogue, um conjunto de seis textos, e à laia de conclusão o seguinte:

(... ) Damos por encerrado aqui o roteiro (breve) de Tavira, aonde regressei, com "olhos de ver" e sem "mágoa no coração", 45 anos depois de ter feito o 2º Ciclo do CSM, no quartel da Atalaia, CISMI, no último trimestre de 1968 (...)

Fiquei alojado dois dias no Convento das Bernardas Residence, acessível na época baixa... É um notável projeto de recuperação arquitetónico, com a assinatura de Eduardo Souto de Moura... Aproveitei, obviamente, para percorrer o caminho que ia dar à ilha de Tavira, a famosa estrada dos Quatro Caminhos, onde se toma o barco para, atravessando o Gilão, se chegar à ilha de Tavira que alguns de nós conheceram, no tempo da recruta e/ou especialidade...

Essa estrada era também uma das estações do calvário dos milicianos, havendo instrutores que adoravam pôr-nos de salmoura, nas salinas.. Também fui (...)  a Santa Luzia, zona piscatória de Tavira, para provar as especialidades gastronómicas de Tavira onde o polvo continua a ser rei... E ainda houve tempo para dar um salto à pombalina Vila Real de Santo António...

Faltou, por manifesta escassez de tempo, revisitar a Cacela Velha, um dos lugares mais mágicos da costa algarvia (, pertence já ao concelho vizinho, de Vila Real de Santo António, ) e sobre o qual escreveu a nossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andersen (Porto, 1919-Lisboa, 2004) [o poema antológico que acima se reproduz] (...)


Mas já dexei, em tempos, no blogue,  em jeito de  confissão uma das minhas "penas" (**):

(...) Dos sítios que nos calhou, a alguns de nós, no nosso percurso militar, da metrópole até à Guiné, Tavira é possivelmente um dos quais com que mantemos uma relação de amor/ódio.

(....). Nos escassos dois meses e meio em que lá fiz a especialidade de armas pesadas de infantaria (na 2ª companhia, em set/dez de 1968), não tive condições físicas e psicólogicas para descobrir a cidade, as suas ruas, o seu património e as suas gentes... O fantasma da Guiné (, não sei porquê nunca pensei em Angola ou Moçambique) já estava na minha cabeça...

Claro que deambulei pela cidade e arredores (Santa Luzia, Ilha de Tavira...) mas não tinha cabeça para aprofundar o conhecimento da sua história e do seu património... Voltei lá há um mês, com outra disponibilidade mental... Passei lá um fim de semana, dois dias, alojado no Convento das Bernardas, junto às salinas, (...) e depois fui visitar o velho quartel da Atalaia onde funcionou o CISMI, e por onde passámos, muitos de nós furriéis milicianos, antes de irmos parar à Guiné (...)


Obrigado, Eduardo, por este "regalo", nesta sexta feira, 13, em que estou/estamos trancado(s) em casa por causa da maldita pandemia do Covid-19. Mas olho a ria Formosa e vêm-me à lembrança aquele tempo em que havia ali, talvez mais à direita, uma nesga de terra e de mar, onde fazíamos fogo real, com as armas pesadas, a Breda, o morteiro 81, o canhão s/r...

Era uma dor de alma,  para mim,  ter que violar toda aquela beleza de areal e mar... Será que ainda te lembras desse sítio da costa onde se fazia fogo real  de armas pesadas ? Havia lá, em baixo, muita sucata, incluindo granadas por explodir... Tinha que ser uma faixa da linha costeira,. sob estrita jurisdição militar. Já não tenho ideia se era mais à esquerda ou à  direita de Tavira... Ou não seria na própria ilha ?... Não, não, devia ser, tenho uma vaga ideia de estar a fazer a fogo de Breda ou Browning, de uma arriba para o mar... (***)   
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Notas do editor:



sexta-feira, 13 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20728: Em busca de... (302): instruendos do CISMI, Tavira, a tirar a especialidade de atiradores de infantaria, 6º Pelotão / 3ª Companhia, outubro de 1968: "Eu, o Torres, o Joaquim Fernandes, o Loureiro e o Saramago fomos todos para o CTIG...mas dos outros gostava de saber do paradeiro"... (Eduardo Francisco Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71; vive em Cacela)




Tavira > CISMI > Parada > Outubro de 1968 > Atiradores de infantaria  > 6º Pelotão, 3ª Companhia > Da esquerda para a direita, de pé:

(i) Estrela (1), Fonseca (2), Pereira (3), João (4), Torres (5), Chichorro (6) e Joaquim Fernandes (7)

(ii) Santos (1a), Chora (2a), Salas (3a), Paulo (4a), Loureiro (5a), Saramago (6a)

Foto (e legenda): © Eduardo Francisco Estrela  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Eduardo Estrela [ ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]


Data: 9 mar 2020 21h42
Assunto:  Por onde andam eles ?

Meu caro Luís!
Junto fotografia tirada na parada do CISMI, Tavira,  em outubro de 1968. São os "galardoados " com a especialidade de atirador de infantaria que tinham acabado a recruta integrados no 6º Pelotão da 3ª Companhia.

Sempre a contar da esquerda, o 1º  de pé sou eu,  o Torres é o 5º  e o Joaquim Fernandes, o último. Em baixo o Loureiro é o 5º,  e o Saramago o último. 

Todos fomos para a Guiné e sabemos do paradeiro uns dos outros.

O Salas, o  3º [a]. em baixo, vive em Vila Real de  Sto. Antônio e foi para Angola. 

Gostava de saber do paradeiro dos outros que são a contar, da esquerda  e de pé,   o Fonseca (2), o Pereira (3),  o João (4),  e  o Chichorro (6) e Joaquim Fernandes (7); e em baixo   o Santos (1a), o Chora (2a) e o Paulo (4a).

Publica no blogue por favor, pode ser que algum camarada saiba por onde eles andam. 

Abraço fraterno. Eduardo Estrela.

2. Comentário do editor:

Há dias, à procura do João Barrote, ex-alf mil, da CCAÇ 16 (Bachile, 1971/72), troquei mensagens e telefonemas com o Eduardo Francisco Estrela, um "rapaz do meu tempo" (de Tavira e da Guiné), eu da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) e ele da CCAÇ 14 (Cuntima, 1969/71). Fomos no mesmo navio, o T/T Niassa, em 24 de maio de 1969.

Estivemos no CMS,  no CISMI, em Tavira, a tirar a a especialidade, no último trimestre de 1968, antes de nos mandarem para a Guiné. Ele era atirador de infantaria, eu de armas pesadas de infantaria, nunca cheguei a perceber a diferença, porque lá na guerra deram-nos, a cada um de nós, uma G3.

Reencontrámo-nos através do blogue, comprovando aquilo que gostamos de dizer, que o  Mundo, afinal, é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. (Os CISMI tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue.)
Fiquei a saber que o Eduardo Estrela, natural de Cacela (, tendo feito a sua vida escolar e profissional em Faro,) concelho de Tavira, a escassos quilómetros do João Barrote (que vive em Tavira, há 40 e tal anos, embora seja de Olhão). Trocámos coordenadas e disse-lhe, ao telefone, que "adorava Cacela, a ria, Tavira (locais deslumbrantes, mágicos, do nosso Portugal, não os deixes estragar!)".
E ele respondeu-me, por email, nestes termos, começando por citar um dos muitos poemas que foram dedicados a Cacela (, sendo este da sua autoria):

Cacela tem aroma de mulher
e a elegância perfumada de um arbusto.
Seus olhos da cor da lua
bailam ao som da música do mar.
Cacela é sonho luz poema.
É vontade de não partir
e de sempre voltar.


E ele aproveitou para acrescentar algo mais sobre o que tem feito na vida:

(...) "Dividi a minha actividade profissional entre uma empresa de venda de automóveis durante 20 anos e como profissional de seguros na área da regularização de sinistros no resto do tempo, até atingir a idade da reforma.

"Desde 1965 sou amador de teatro, integrado no Grupo de Teatro Lethes, que é um dos grupos mais antigos do país. Actualmente temos apresentado a "Relíquia", do Eça de Queiroz [, adaptação teatral de Sttau Monteiro e Artur Ramos]. O último espectáculo foi há duas semanas. O próximo estava previsto para amanhã [, dia 7 de março,], mas imponderáveis fizeram adiar o mesmo. 

"Se vieres fazer algum 'patrulhamento' cá para baixo, dá um toque. Abraço fraterno. (...)"

Voltando agora ao seu pedido, confesso que só reconheço o Joaquim A. M. Fernandes, meu camarada de armas da CCAÇ 12, e que depois trabalhou, profissionalmente, na Quimigal, Barreiro, como engenheiro técnico. Já não nos vemos há uns largos anos. Temos aqui no blogue algumas referências a ele (e fotos).


Castro Daire > Freguesia de Monteiras > Zona Industrial da Ouvida > Restaurante P/P > 30 de Maio de 2009 > 15º Convívio do pessoal de Bambadinca, 1968/71, CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades adidas

Três camaradas da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Junho 69/ Março 71): da esquerda para a direita; (i) o ex-Fur Mil Joaquim Fernandes, (ii) o ex-1º Cabo Aux Enf Fernando Sousa;  e (iii)  o ex-Fur Mil António Marques... 
O Fernandes e o Marques foram vítimas de explosão de minas A/C, à saída do reordenamento de Nhabijões, a 13 de Janeiro de 1971, com vinte meses de comissão... O Marques, que teve às portas da morte (se não fora a evacuação Y para o Hospital de Bissau), "ganhou" mais "dois anos de comissão" (desta vez, no "estaleiro")...
Foto (e legenda): © Luis Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de fevereiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20682: Em busca de... (301): Raul Fernandes Coelho, natural de Braga, piloto de Heli AL III e de caça-bombardeiro T 6, do meu tempo (Francisco José Rato Mendonça, ex-1º cabo esp MARME, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20299: Efemérides (313): Na Guerra da Guiné, há 55 anos: A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964

1. Em mensagem de ontem, 31 de Outubro de 2019, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos um texto lembrando uma emboscada lavada a cabo no 1.º de Novembro de 1964, a uma coluna auto na estrada Mansabá-Farim, comandada por Osvaldo Vieira.


Na Guerra da Guiné, há 55 anos: 
A emboscada comandada por Osvaldo Vieira à escolta sob o meu comando, na estrada Mansabá-Farim, ao cair da tarde daquele 1.º de Novembro de 1964

A malta do 2.º Curso de 1963 do CISMI – Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, – merecerá o registo da história de excelente colheita.
Começámos em Agosto, saímos Sargentos tirocinados em Dezembro, mas, por “criatividade” dos nossos chefes militares, com o posto de Cabos Milicianos – para fazermos o serviço de Sargento ao custo do soldo de Praça.

Em 4 meses de recruta/especialidade, a “Academia Militar de Tavira” superiorizou 1200 instruendos a Hitler – ele saiu da tropa com o posto de Cabo “chico”.

A minha classificação final foi de 12,26 valores – só não tive notação negativa nos “trabalhos de estrada” – e, 0,2 de valor terão feito de mim o mais infortunado furriel da CCav 703, na Guerra da Guiné: não tive grupo de combate certo, fui obrigado a substituir todos os furriéis operacionais e 2 dos 4 alferes e acabei a comissão como comandante de 2 Grupos de Milícias. O Manuel Simas, que já nos deixou, era o segundo classificado, com 12,24 valores, e, na nossa interacção, se não foi a minha sorte grande foi a sua terminação – era mais capaz que eu.

A primeira substituição foi a do vagomestre, Furriel Aurélio Cunha, que dias após o desembarque baixou ao Hospital Militar 241.
O Aurélio Cunha será um prestigiado repórter, chegou a redactor principal do “Jornal de Notícias” e é autor do notável livro “Um Repórter Inconveniente”, está vivo e recomenda-se; o Manuel Simas será um escultor brilhante nos Estados Unidos, acabou professor no Ensino Secundário em Ponta Delgada e deixou-nos há 2 anos.

E foi no desempenho de vagomestre que eu e mais 11 nos vimos confrontados pelo carismático comandante Osvaldo Vieira e a sua malta, naquela emboscada, – a primeira sofrida pela CCav 703. Até então, apenas havíamos operado cercos, assaltos, etc.
O Comando-Chefe desencadeara a “Operação Confiança”, na sua pretensão de “limpar“ o Oio, à CCav 703 coube a missão do desimpedimento da estrada Mansabá-Farim, que o MLG e não o PAIGC havia pejado de abatises, desde 1962, o primeiro movimento armado independentista da Guiné, com o assalto e a vandalização de Susana, Varela, etc a seu crédito.

Montámos barracas cónicas chamadas “tendas coloniais” num descampado, arredores de Bironque, de dia uns faziam de militares-madeireiros, outros faziam patrulhas operacionais e de reconhecimento por água, em duas noites “embrulhamos” morteiradas de 82 – a sua segunda ou a terceira ocorrência na Guiné.
Levámos apenas atrelado-tanque de 10 000 litros de água, mas em Bironque não havia esse precioso líquido (viemos a saber que Teixeira Pinto se havia queixado do mesmo), não tivemos uma côdea de pão, passámos do rancho quente a rações de combate, as moscas passaram a enxamear o amontoado de marmitas não lavadas e, quando já tínhamos menos dum cantil per capita, o pequeno heli Alouette II das evacuações sanitárias, poisou com o Brigadeiro Sá Carneiro (tio do futuro fundador do PPD). O nosso enérgico Capitão Fernando Lacerda não era dado a tibiezas fizera subir o tom nas reclamações da falta do reabastecimento de água e o Comandante Militar, em vez de nos mandar gerricanes de água mandou-nos a sua presença – mas para admoestar e ameaçar o capitão com uma “porrada”. Mas deixou-nos um ensinamento: - Em tempo de guerra, as marmitas lavam-se com terra…

Nada tive a ver com a “Ordem de Operações” ou o estacionamento em Bironque, mas a sua falta de água sobrara para mim. A Guerra da Guiné também foi assim.
O nosso capitão disponibilizou-me o camião Mercedes, o seu condutor Domingos Pardal e uma esquadra, reforçada com os três elementos da cozinha, deu-me liberdade para acrescentar até 4 voluntários de folga (os outros operacionais tinham uma missão operacional), arregimentei apenas 3 voluntários, formei uma escolta de 12 fiz a lenga da praxe e lá fomos à água ao BArt 645, sediado em Mansabá. Eh, malta! Estou a sentir arrepios, à medida que vou recordando e evocando o acontecido, evidência que temos uma espécie de “disco rígido” que grava para a vida as nossas emoções fortes – o medo, no caso.

Troço da estrada Mansabá-Farim, com o Bironque sensivelmente a meio do caminho
Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

O Domingos Pardal dobrou o para-brisas, pusemos os óculos à aviador, tapamos as fuças com os lenços verdes, avançamos para Mansabá, a grande velocidade, levantado e deixando nuvens de pó, recebeu-nos um capitão “águia negra”, murmurou que só um maluco mandaria tão pequena escolta e disse-me, indicando 2 obuses 8.8 apontados para os lados de Bironque: - Vocês acabaram de passar no meio “deles”! A malta “águia negra” foi muito hospitaleira, emprestaram-nos toalhas para o banho, atestaram-nos o atrelado-tanque, abonaram-nos “vianda”, eu aviei meio casqueiro, uma lata de conserva de perdiz das Conservas Brandão e uma “bejeca” gelada.

O comandante de Mansabá mandou um pelotão escoltar-nos até meio do caminho, o seu Unimog avariou em plena mata, gastamos tempo a arranjar maneira de o ultrapassar, a noite tropical é rápida a chegar, o seu alferes disse-nos que o seu comandante permitia que regressássemos a Mansabá – mas a malta de Bironque desesperaria mais um dia sem água!
Como não era uma ordem, levantei os queixos e o olhar aos nossos, não houve reacção negativa, afivelei a máscara de sujeito decidido, saltei para o camião, lembrei-me e repeti a bravata do Henrique Galvão, no caso do Santa Maria: - Prá frente é que é o caminho!

Cerca de um quilómetro depois, desabou uma trovoada de rajadas e de rebentamento de granadas, todos voamos para o chão a ripostar, as balas faiscavam no taipal metálico e chicoteavam-me aos ouvidos, os sacos de areia em parapeito vertiam-na, um soldado dizia que estava cego, e, afortunadamente, as granadas rebentavam do outro lado da estrada. Dada a densidade da mata, os atiradores e granadeiros atacantes estavam-nos muito próximos, mas o outro lado era-nos seguro e campo da explosão das granadas deles.

O condutor Domingos Pardal continuou em 1.ª velocidade, deitara-se e orientava a condução pela porta aberta do seu lado, acelerava com uma mão e guiava com a outra, fiz-lhe o sinal convencional para arrancar e ao cabo da esquadra meu adjunto (lamento não me lembrar do nome) para retirarem a rastejar pela valeta, os atacantes encarniçaram o fogo sobre o camião e eu e mais 3 ficámos uns momentos na retaguarda, a dar segurança. Nesse momento e manobra localizámos os seus ninhos de tiro, os 4 despejamos 2 carregadores cada sobre eles, 160 balas, ouviram-se gritos e ruídos, deduzi que retiravam e também retiramos, a rastejar pela valeta.
 E já o Pardal vinha de marcha atrás com a malta, de regresso à “zona de morte”, porque ficáramos para trás. Rapaziada valente! Ao nosso encontro veio uma coluna de auxílio, comandada pelo capitão. Foram cerca de 10 minutos, que nos pareceram uma eternidade!

Moral da estória: O camião Mercedes, novinho em folha, tinha 17 impactos de bala na cabine, o taipal do lado do ataque estava todo cravado, os sacos de areia do seu peitoril estavam desfeitos, a primeira rajada atirara areia aos olhos daquele soldado, que recuperou, - mas o atrelado-tanque estava intacto!

Troço da estrada Mansabá-Farim em Fevereiro de 1971, pouco tempo após terminado seu asfaltamento. Ainda persiste o pó branco com que era coberto o alcatrão acabado de aplicar.

Foto e legenda: Carlos Vinhal

Sou recorrente nesta narrativa como preito de memória à malta que já partiu e de homenagem à malta ainda subsistente do BCav 705, do BCav 490, do BArt 645, da BCaç 507, do “Capitão do Quadrado”, com quem interagimos no norte da Guiné – no Oio e Morés.

E também não esqueço o Osvaldo Vieira, morto em desgraça, em Janeiro de 1974 e os bissau-guineenses que nos afrontaram de armas na mão, tão convencidos quanto nós, “por uma Guiné Melhor”.
Mereciam melhor sorte!
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20248: Efemérides (312): Mina anticarro em Canturé, regulado do Cuor, 16 de Outubro de 1969 (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52)

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19736: (Ex)citações (352): In illo tempore, o Alferes José Cravidão, no CISMI de Tavira (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)


Quartel da Atalaia - Vista geral, 2010
Com a devida vénia a Património Cultural


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 1 de Maio de 2019:


In illo tempore:

Em que a nossa servidão ao Exército Português foi iniciada no CISMI, Tavira, sujeitos de tratamento abaixo de escravos, os seus oficiais da AM eram da “geração de Abril”, e, quase seis décadas passadas, lembramos alguns e evocamos o malogrado e então alferes José Cravidão[1].

O CISMI de Tavira foi o maior viveiro de sargentos da guerra ultramarina, não só do EP, mas também dos Movimentos de Libertação, lembro-me do monitor e inefável furriel “charrua” Jorge Tembe, que foi ministro da Agricultura do primeiro governo da FRELIMO.

A segunda incorporação de 1963 arregimentou cera de 1500 mancebos, dos quatro cantos de país, distribuídos por 4 Companhias de Instrução, comandadas pelos tenentes, Dias Pinto (miliciano), que transitará para Comandante da Guarda-Fiscal na fronteira de Vila Real de Santo António, Bernardo, que passará do posto de comando na Pontinha do MFA para perseguido deste, Serro, com prestação na descolonização de Angola e Branco, de quem perdi o rasto.

A instrução era ministrada por cerca de 20 alferes da AM [, Academia Militar], logo durões, exigentes e até sadistas, e a caserna tributou alcunhas a quatro dos que mais que se distinguiam: o Cadete era o “Patilhas”, o Simões era o “Bem-amado”, o Portugal era o “Cagarim” e o Cravidão era o “Escravidão”, esta mais por metafonia que pelo seu perfil.

O nosso trabalho, tão duro e exigente, isento de horário, dia e noite, era correspondido com péssimo passadio, a raiar a fome, e só não chegamos à subnutrição, a esqueletos humanos, graças ao “negócio” da cantina regimental e às idas aos tascos da cidade que, na circunstância, também não nos correspondia com a melhor hospitalidade.

Os programas da instrução eram comuns, era-se sargento ou oficial consoante a escolaridade formal de cada um, 2.º e 3.º ciclo liceal, respectivamente.

Além da Ordem Unida e da Ginástica de Aplicação Militar, éramos dia e noite industriados em Organização Militar – Táctica Geral – Combate – Protecção contra ataques aéreos, forças aerotransportadas, blindados e ABQ – Armamento - Tiro – Organização do Terreno – Topografia – Informações – Transmissões – Higiene – Escrituração Militar.

E ficamos versados em todas estas matérias em 4 meses! Houve poucos chumbos, teremos sido os melhores do mundo – e massivamente! Haja em vista que Hitler foi comandante-chefe das FA da poderosa Alemanha e o maior patrão da II Guerra Mundial, andou 5 anos na tropa e não passou de 1.º cabo R/D…

No referente ao passadio, o grão-de-bico chegava à boca do caldeirão autoclave em sacos de juta dependurado num cadernal, levantava uma nuvem de pó enquanto era esvaziado e por regra era servido cru; as batatas eram descarregadas aos sacos em máquinas de descasque, praticamente podres; o feijão e arroz tinham gorgulho (bichos) e este era servido como argamassa. Mas o café da manhã e o casqueiro eram aceitáveis

Os sanitários eram formados por uma bateria de bacias turcas de grés, de noite a parada era atravessada por fantasmas em pelote para os frequentar e só eram limpas e desinfectadas a creolina quando a imundice fisiológica passava da porta de acesso ao espaço. Num contexto de sururu em surdina, um lavatório colectivo amanheceu com a válvula entupida e com um grande “cagalhão” flutuante e anónimo. O alferes Cravidão estava de oficial de dia, soubemos ter posto água na fervura, a companhia mereceu o epíteto de “Companhia do Cagalhão”, mas escapou ao castigo colectivo.

José Cravidão, alf inf
O acesso ao refeitório era por turnos e em fila indiana, havia um lavatório colectivo junto do portão de entrada, eu e outro demos conta que um brincalhão metera lama nas nossas chávenas polivalentes de alumínio, que levávamos dependurada no cinturão e saímos da fila para os lavar. O oficial de dia era o alferes Cravidão, regressado de lua-de-mel, mais calmo e sereno, a conduzir um Simca 1000, de design arredondado e novinho em folha, estava de olho em nós e ordenou, com o seu peculiar sorriso, a descair para o cínico:
- Oh, “funcionários”! Tu, tu e tu venham aqui ao paizinho. Quem os autorizou a sair da fila?

Deixou-nos pregados ao chão e já toda a gente comia quando, dando-nos o seu recado, no sotaque alentejano mais autêntico.
- Para a próximas ides comer “raspas de cornos”!

Se tivesse acontecido com o “Patilhas”, este não perdoaria a ida e volta em cambalhota em frente, do refeitório, junto a porta da Atalaia à Porta de Armas.

O tradicional juramento de caserna de “juro e jurarei, que ao pré e ao rancho nunca faltarei”, não funcionava no CISMI desse tempo.

Enquanto soldados-instruendos, percebíamos o pré de 40$00. No primeiro mês não só não recebemos como tivemos de pagar 2$50; no segundo mês, idem, e tivemos de pagar 1$00. Éramos a flor da Nação, sem a condição de escravos, mas no tempo da escravatura legal, o dono do escravo podia passar privações, mas ele era alimentado de 3 em 3 horas, por exigência da produção. Só pagava com o corpo; não pagava mais nada!

O comandante elitista foi rendido pelo major Cardeira da Silva, ex-prisioneiro da invasão da Índia Portuguesa - e tudo mudou rapidamente, para melhor, não só fomos logo reembolsados do que nos fora sonegado e cobrado, como também passamos a receber 60$00 mensais, e seremos aumentados para 90$00, após a promoção a cabos milicianos. [90 escudos, em 1963, equivaleria a 38 euros, a preços de hoje.]

Soubemos que os relatórios de oficial de dia do alferes Cravidão tinham influenciado essa melhoria.

Descansa em paz, malogrado Capitão José Cravidão!

Manuel Luís Lomba
____________

Nota do editor

[1] - Vd. poste de 26 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19718: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXII: José Jerónimo Silva Cravidão, cap inf, cmdt CCAÇ 1585 (Nema e Farim, 1966/68) (Arraiolos, 1942 - Bricamal / Farim, Guiné, 1967)... Morreu, heroicamente, em combate, no dia em que fazia 25 anos... Ninguém lhe deu uma condecoração, por mais singela que fosse.

Último poste da série de 6 de março de 2019 > Guiné 63/74 - P19557: (Ex)citações (351): Manel Pereira, amigo e camarada. Reencontro em Monte Real. (José Saúde)

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)


Imagem extraída do sítio Centro Pai João de Angola, Maringá, Paraná, Brasil (com a devida vénia...). Este portal está ligado à religão Umbanda (, afro-brasileira). Mártir cristã, nascida (c. 280) e morta (c. 317) em Nicomédia (atual Izmit, Turquia),  Bárbara de Nicomédia (, hoje Santa Bárbara) é venerada por católicos, cristãos ortodoxos e seguidores das religiões afro-brasileiras (em especial a Umbanda). É padroeira dos artilheiros, mineiros e dos que lidam com o fogo (bombeiros); protetora contra tempestades, raios, trovões, incêndios e explosões. É particularmente popular, o seu culto ou devoção, em Portugal e no Brasil. Mas, lá diz o ditado, "só se lembram de Santa Bárbara quando troveja"...

Oração a Santa Bárbara, reproduzida na Wikipédia, em língua portuguesa:

"Santa Bárbara, que sois mais forte que as torres das fortalezas e a violência dos furacões, fazei que os raios não me atinjam, os trovões não me assustem e o troar dos canhões não me abalem a coragem e a bravura. Ficai sempre ao meu lado para que possa enfrentar de fronte erguida e rosto sereno todas as tempestades e batalhas de minha vida, para que, vencedor de todas as lutas, com a consciência do dever cumprido, possa agradecer a vós, minha protetora, e render graças a Deus, criador do céu, da terra e da natureza: este Deus que tem poder de dominar o furor das tempestades e abrandar a crueldade das guerras. Por Cristo, nosso Senhor. Amen."

1. Comentário de C. Martins  (ex-alf mil art, cmdt, 23º Pel Art, Gadamael  Gadamael, 1973/74), com data de 11 de fevereiro de 2014  (*)


"O rico é para o escritório...O pobre é para a enxada"...

Para lá caminhamos... O gajo que proferiu esta pérola, na inauguração da escola da minha terra em 1938, ia levando uma carga de porrada, disse-me o meu Avô.

Não estive em Tavira [, no CISMI,] mas parece-me que aquilo era destinado para "infante",  defensor da "pátria", sofrer...

O "pobre", ou sem cunhas ía para "infante", defender a... a...isso..

O "remediado" para cavalaria. O "remediado intelectual"...ah, ah.. para artilharia..

O "rico", ou com uma grande cunha,  para aquelas especialidades... mais ou menos..., não precisava defender a dita... que isso é para "pobre".

Vivam os infantes e também Santa Bárbara.

Ámen!

C. Martins

2. Comentários de LG (*):

(...) O "pobre" ou sem cunhas ía para "infante"...defender a... a...isso.. O "remediado" para cavalaria. O "remediado intelectual"...ah ah... para artilharia... O "rico",  ou com uma grande cunha,  para aquelas especialidades...mais ou menos... não precisava defender a dita... que isso é para "pobre" (...)

C. Martins: levantas uma questão interessante, que deveria merecer a atenção de sociólogos e historiadores da guerra colonial: a composição e a estratificação sociais das Forças Armadas Portugueses...

Em tempo de guerra, quem é que ia integrar as fileiras do Exército, Marinha e Força Aérea ?... Quem é que preenchia os "quadros de complemento" do Exército ? Ou quem é que ia para a "Reserva Naval" ?

Não sei exatamente em que altura foram introduzidos os "testes psicotétnicos"... A noção relativa de "mérito" já existia, mas eu tenho a impressão de que uma "valente cunha" se sobrepunha a tudo e a todos... E a "cunha" era usada a todos os níveis, ou pelo menos por quem podia... Por exemplo, às vezes a melhor cunha era ser-se filho... do rendeiro de um coronel ou general, lá do Norte... Ou de um político influente lá da terra... Ou então ter-se 200 contos, em "cash", para pagar a um médico do Hospital Militar Principal... Com 200 contos, comprava-se um apartamento em Lisboa...

Eu sei que o assunto é delicado, e que quem foi à Guiné não tem  em princípio histórias para contar sobre este tópico, na primeira pessoa do singular... Quem foi parar com os quatro costados à Guiné, como infante, artilheiro ou cavaleiro, é porque decididamente não tinha "cunha".... Mas no nosso blogue não há tabus... Ou não devia haver. (...)

 (...) "O soldado de infantaria é aquele que vive, vigia, sofre e combate na lama, no pó e no sangue, aquele que tirita sem abrigo e sofre privações, fadigas e horrores de toda a espécie. É aquele que no ardor da luta vê o inimigo cara a cara, que não combate só com as suas armas, mas com toda a sua alma. Ele é a verdadeira sentinela da Pátria.” 

[Fonte: "Guia do Instruendo",  CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, c. 1968] (*)

Confesso que nunca tinha lido (ou já não me lembrava de) esta lapidar e dramática definição de um infante... Cai que nem uma luva em muitos de nós que, infantes ou não, conhecemos o duro teatro operacional da Guiné, as picadas, as savanas arbustivas, as florestas galeria, os rios e braços de mar, as bolanhas...

Só pode ser da autoria de um poeta, que tenha feito a guerra das trincheiras em La Lyz, em 1918... Na guerra de contraguerrilha era difícil ficar de cara a cara com o IN, a não ser quando morto ou aprisionado... Quanto ao resto, estão lá os ingredientes todos: o lodo, o tarrafe, o sangue, a merda, mais os mosquitos, as formigas, as abelhas, as balas das "costureirinhas", as minas, os roquetes, as morteiradas... (**)

Camaradas: toda a gente, fosse "rico", "remediado" ou "pobre", do Exército, da Marinha ou da FAP,. tem opinião sobre este "tópico"... Tirem a "máscara" e comentem... 50 anos depois não vale a pena levar segredos para a cova... E um gajo, a ter de confessar-se, deve ser agora, aqui e agora, à sombra do poilão da Tabanca Grande... antes do Parkinson, do Alzheimer, do AVC, da morte macaca ou do cancro da próstata... (De que Deus nos livre!)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (1-6 pp.)

(**) Último poste da série > 30 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19058 (Ex)citações (344): os canhões... de Bigene!... No tempo da CART 3329 (1970-1972) e depois no meu tempo, de outubro a dezembro de 1972, havia 3 obuses 14 (140 mm) e 5 morteiros 81 (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74)