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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10440: Ser solidário (137): Benjamim Durães, presidente da direção do núcleo de Setúbal da Liga dos Combatentes, sugere a trasladação das ossadas do cor inf Costa Campos para o talhão dos combatentes de Sesimbra ou de Setúbal


1. Recorde-se aqui o apelo feito há dias pelo nosso camarada Carlos Jorge Pereira [,membro da nossa Tabanca Grande, de quem infelizmente ainda não temos nenhuma foto]

(...)  No passado mês de Agosto, fui mais uma vez visitar o nosso antigo Comandante, [do COP 3,] Sr. Coronel de Infantaria Carlos Alberto Wahon Costa Campos,  que se encontra sepultado em Sesimbra.


Fez este ano, em 8 de Agosto, seis anos que o mesmo faleceu e a sua sepultura abandonada desde essa data.Dentro de um ano os seus restos mortais irão ser levantados e, caso não sejam reclamados pelos familiares, serão transferidos para uma vala comum.

Por essa razão, apelo a um ou dois antigos colaboradores e amigos do nosso Comandante e amigo que se juntem a mim, para falarmos com a família e, caso não mostrem interesse, sermos nós a tratar e a pagar uma sepultura condigna e perpétua. Para o efeito devem contactar-me para delinearmos a estratégia.

Carlos Jorge Pereira
Ex- Fur Mil IOI
Bigene- Guidaje 72-74
carlosjmpereira@hotmail.com (...)



2. O nosso camarada Mário Fitas, por sua vez, escreveu o seguinte, em comentário ao poste P10408 [, Recorde-se que o ex-fur mil o esp Mário Fitas pertenceu à CCAÇ 763, Cufar, 1965/67, onde teve como comandante o cap inf Costa Campos, o célebre "leão de Cufar"):

Caro Carlos Pereira,

Um abraço,  camarada. Como tu também eu me sinto envergonhado pela situação em que se encontra sepultado o Coronel Costa Campos, comandante da CCAÇ 763 em Cufar, anos de 1965/66.

A situação é muito complicada e estou mais ou menos dentro de toda a situação. O Coronel Costa Campos não foi sepultado no talhão da Liga dos Combatentes de Sesimbra porque,  sendo sócio da Liga, pagava as suas quotas em Lisboa pelo que não teria direito à utilização do respectivo talhão.

Carlos Pereira, entrarei em contacto contigo e falaremos melhor sobre o assunto, dado ser melindroso.

Não tenho dúvidas sobre o empenhamento de todos os componentes da CCAÇ 763 se disponibilizarão para resolução deste problema, aos quais irei de imediato dar conhecimento.

Um abraço, Mário Fitas


3. O nosso camarada e amigo Benjamim Durães, ex-fur mil op esp, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e que é o presidente da direção do núcleo de Setúbal da Liga dos Comnbatente, telefefonou-me há dias com uma proposta de solução para o problema das ossadas do cor inf Costa Campos. No dia 24 do corrente, mandei-lhe o seguinte email, com conhecimento ao Carlos Pereira (e que reencaminho também para o Mário Fitas): 

(...) Benjamim: Entra aqui em contacto com o Carlos Pereira (ou viceversa... Não tenho o telefone do Carlos. Pelo que percebi, na nossa conversa ao telefone, tens uma solução para as ossadas do cor Costa Campos, que poderiam ser trasladadas para o talhão dos combatentes em Sesimbra ou em Setúbal,. Fica aqui o teu telemóvel para o Carlos te contactar: 939 393 315. (..:)

4. Nesse mesmo dia, o Carlos Pereira contactou-nos, também por email, a mim e ao Benjamim:

Caros Amigos: Vou possivelmente na 5ª feira a Sesimbra tentar falar com a esposa do Nosso Amigo Cor Costa Campos para saber quais as suas intenções. Caso me autorize aser eu a tratar do assunto, contactarei todos os interessados para delinearmos a estratégia.

Um abraço, C Jorge Pereira


______________

terça-feira, 5 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 1 de Maio de 2012:

Respostas às perguntas formuladas pelo Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960* (1)

Comentário de Luís Graça

Camarada: 

Talvez nos possas ajudar a compreender melhor certas coisas que por aí aparecem escritas... 
Naturalmente que respondes só ao que quiseres (e puderes..., se bem que a guerra, dizem, já tenha acabado há 38 anos).

Pergunta: Por exemplo, quantos mortos teve a CCAÇ 19? E quantas dessas baixas mortais ocorreram no período de 8 de maio a 8 de junho em que costumamos (alguns...) balizar a batalha de Guidaje?

Resposta: Ficaram enterrados em Guidage 23 corpos, 8 brancos metropolitanos e 15 negros naturais da Guiné. Alguns foram mortos ou ficaram feridos: no quartel, na estrada, ou no ataque a Kumbamory, acabando por morrer no aquartelamento alguns dos feridos.

Os mortos da CCaç 19, foram sete:

Os 5 que ficaram no Cufeu e 2 no quartel, feridos graves do abrigo na madrugada do dia 25 de Maio 73:

- ANTÓNIO DOS SANTOS JERÓNIMO FERNANDES, Fur Mil AP, NM 0948627, CCaç 19
- ANTÓNIO TALIBÓ BAIO, Soldado At NM 82081071, CCaç 19, Morcunda – N. Sra da Graça – Farim.

Pergunta: Porquê só dois mortos no quartel ?

Resposta: Ocupavam as 4 casernas abrigo e os cerca de 5 abrigos que existiam. - Ser uma companhia amadurecida na guerra e habituada a flagelações e ataques ao quartel.

Pergunta: Havia malta da CCAÇ 19, nomeadamente camaradas nossos guineenses, entre os cadáveres espalhados nas imediações da bolanha do Cufeu, quando por lá passaram a 38.ª CCmds e depois a CCP 121/BCP12?

Resposta:

10 de Maio de 1973, Quinta-feira 

01,15 h da manhã, acordados com morteiro 82. Sem consequências.

É organizada uma nova coluna auto com 15 viaturas (a segunda), traz granadas de obus, morteiros, munições, e géneros alimentares. Transporta água para ceder aos soldados que dela precisem, o que não é fácil devido à posição estratégica e rigorosa que cada um ocupa no terreno e que pode ser distante… Este movimento saiu de Binta, ao amanhecer pelas 5,30 h.

Escolta:

2.º Gomb/1.ª CCaç/BCaç 4512 de Nema,
1 GComb da 2.ª CCaç/BCaç 4512 de Jumbémbem,
2 GComb da CCaç 14 de Farim,
1 GComb da CCaç Africana “Eventual” (milícia especial) de Cuntima,
2 GComb da 38.ª de Comandos (2.º e 4.º)
e 1 Sec/Pel Mort 4274.

Foi comandada pelo Cmdt do BCaç 4512,  de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, acompanhados pelo Sr Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos (“Águia”),  comandante do COP 3 e o seu adjunto Sr Fur Mil Infor e Op Inf do Cop3 Carlos Jorge Lopes Marques Pereira (“Lobo”). Bigene ficou sob o comando do Sr. Cap. Jaime Simões da Silva (Cmdt interino por morte do Maj Mariz).

Ao encontro da acção logística e para manter segurança, ao longo da via,  saem de Guidage 4 GCOMB: 1 bi grupo da CCaç 3 e outro da CCaç 19 (Os pelotões dos Alf Mil Leitão e Luciano Diniz). O da CCaç 3 marcha nas bermas, seguindo atrás e executando a picagem da estrada, o da 19 até ao Cufeu. O bigrupo da CCaç 3 progredindo proponha-se fazer a picagem até ao contacto com a coluna!...

Estas colunas (apeadas e auto) avançam ao compasso da lentidão dos “picadores”, podem ser alvo fácil da guerrilha que por vezes está emboscada muito perto, podendo o confronto armado acontecer repentinamente. Os condutores esforçam-se por pisar o rasto do carro da frente. Acontecendo o mesmo com os soldados, pisam onde o da frente pisou… A tensão é grande! As minas no terreno podem não ser detectadas…

Entre o UJEQUE e o CUFEU accionam uma mina anti-pessoal, cerca das 9h40, causando 1 ferido grave e 1 ligeiro.

Pouco depois, na vanguarda a CCç 3, passada a ponte no Cufeu, avista o IN contra o qual investe, encurralando-o na bolanha que corta a estrada; causando baixas prováveis ao adversário. Foi por pouco tempo… São atacados por grupo estimado em 100 turras que passa ao assalto, mostrando boa preparação e fazendo bom uso dos RPG, morteiro 60 e armas ligeiras  (armamento russo).  Elementos das NT afirmam que foram alvejados com canhão sem recuo, o que é provável. Já com escassez de munições não resistem e debandam as nossas forças. Os 2 Cmdts brancos, os Alf Mil At Inf José Soeiro e o José Pacheco, bem tentaram desesperadamente deter o avanço adversário: Notou-se na conversação via-rádio…

Esfarrapados, cansados e abatidos, os militares foram chegando ao quartel de Guidage e a Binta.

Mais atrás, a CCaç 19 não vai em auxílio da 3. Separados em consequência do accionamento da mina. Aguarda emboscada e montando segurança que a coluna chegue até eles.

Acaba por receber ordem de retirada, a marcha forçada, para Guidage, mas foi tarde… Emboscados na beira da estrada, avistam o IN e hesitam se seriam os da CCaç 3… Deu-se um contacto muito forte, com grupo de cerca de 70 a 100 elementos (?).  Sofreu 3 embates. Separados pela estrada. O último foi o mais violento, tendo os guerrilheiros avançando a descoberto, em terreno não favorável, procurando envolver-se com as NT para fugir ao bombardeamento da FAP, que procurava oportunidade para actuar, dificultada pela dispersão dos militares da CCAÇ 3, fugidos e perdidos na mata. Os nossos,  executando tiros de precisão,  alguns (principalmente os que morreram, pois acabaram envolvidos…) não aguentam o forte potencial de fogo adverso (morteiro 60, RPG e armas ligeiras) e dispersam, com baixas: 5 baixas africanos, que ficaram no terreno; 7 feridos graves e 16 ligeiros.

Os 5 mortos:

- Abdulai Mané, de Barro/ Bigene/ Farim,  1.º Cabo At, NM 820863/71, CCaç19/Cart 3521, enterrado em Guidaje;
- Jacom Turé, de Samba Condé/N.Sra. da Graça/Farim, Sold At, NM 82084271;
- Mamudu Lamine Sanhá, de Perim/ N.Sra. Fátima/ Catió, Sold Aux Enf, NM 82120372;
- Sadjó Sadjó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, Sold At, NM 82080371;
- Suleimane Dabó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, 1.º Cabo At, NM 82080471.

Obs: - Segundo o Braima Djaura, Soldado Condutor Auto, escondido, observou com o Soldado Mecânico Auto Ridel, após ter sido morto, o Mamudu Lamine Sanhá foi degolado e a cabeça colocada em cima de um tronco de árvore…

13 de Junho de 1973, terça-feira

A pedido dos Soldados da CCAç 19 e considerando não haver perigo o Maj Inf Carlos A.W. C. Campos ordenou o levantamento dos corpos dos 5 camaradas deixados para trás no Cufeu, foi um momento de grande emoção e foram dignamente enterrados junto das campas dos outros soldados anteriormente sepultados...

O 1.º Cabo Comando Amílcar Mendes,  da 38.ª CCmds, numa postagem no sítio da Internet do Luís Graça,  afirma que os 2 GComb da 38.ª C.Cmds enterraram 2 corpos que alegam pertencer à 19. Poderá tratar-se de 2 baixas do IN...

O PAIGC não se apercebeu da entrada em Guidage, ontem, vindos via corta mato, da zona de Samoge onde montavam patrulhamento e segurança, dos 2 GComb da CCaç 3 e pagou caro este facto, pensou estar a enfrentar apenas os 2 GComb da CCaç 19…

O IN retirou também, fortemente combalido: 10 a 12 a mortos que sofreu, e nove feridos. Segundo várias fontes de informação LERPOU o seu comandante (Solo Danfá?). Ao abandonarem a zona terão levado alguns dos seus mortos. Sentindo o aproximar da coluna fugiram também.

Viveram os contactos o 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Janeiro e o Soldado Trms Inf Carlos Alberto Valentão, este chegou esgotado ao aquartelamento. A aviação não acorreu rapidamente. Temos que ser compreensivos, a distância… Mas a nossa impaciência, leva-nos provavelmente a sair da realidade operacional… Foi requisitada para ajudar a CCaç 3 e acabou a tentar intervir, nos confrontos com a CCaç 19…


Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha. 

Foto ©: Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando/38.ª CComandos. Com a devida vénia


Soldado atingido numa perna amparado

Foto ©: http://tantasvidas.blog.pt/2006/4/ do ex-Alf Mil Comando V.Briote) Com a devida vénia.

Entretanto a coluna de auxílio progrediu com andamento acelerado, sempre que possível. Pelas 14h05, entre o GENICÓ e CUFEU accionou mina anti-pessoal de que resultou 1 ferido grave e 3 ligeiros. Contornou abatizes, ao longo do percurso. Num fornilho, situado perto da ponte no CUFEU, sofreu um morto: o Soldado At NM 06471572 Manuel Maria Rodrigues Geraldes, da 2.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, de Vale Algoso, Vimioso …

Chegados os militares, do bi-grupo da CCaç 19 que sofreu os confrontos na estrada, a guarnição ficou abalada, alguns chegaram em estado de choque e em pânico, que se pegou a outros que estavam no aquartelamento… As minhas tentativas em tentar acalmar e dizer que o auxílio acabaria por chegar, não davam resultado…

Na CCaç 19 nota-se a falta de um Comandante do Quadro, um oficial miliciano não é a mesma coisa.

Valeu, em parte, a calma do Fur Mil do SIM António Hermínio Camilo Sequeira que procurou conter a quebra dos restantes. Tomou a iniciativa de entrar em contacto com o Comando-Chefe, expondo a situação e pedindo o auxílio de Tropa Especial, de preferência pára-quedistas. A emoção aumentou, entretanto, com o choro das mulheres pelos mortos, em conjunto na tabanca.

Muitos não crêem que seja possível à coluna auto passar no CUFEU. A falta de esperança levou alguns a levantar a hipótese do abandono do posto fronteiriço, seguindo a corta mato para Farim, durante a noite. Se tal se concretizasse, teria sido um “suicídio” ou passaríamos por um pesadelo.

No meu entender não estávamos em condições de fazer uma marcha destas, com um efectivo pouco numeroso, para transportar os feridos e proteger a população, na mata. Os observadores do IN, davam pelo acontecido e possivelmente o PAIGC caía-nos em cima…

Em virtude destas atitudes, queimei toda a correspondência, parte do arquivo e o material cripto que estava a aguardar a destruição (algum que guardava para trazer para a metrópole, por me parecer interessante…). Envolvi o dinheiro que dispunha em plástico e alguns apontamentos sobre os acontecimentos de Guidage… enchi os bolsos de munições, preparando-me para seguir atrás deles, caso se concretizasse! Temia que a coisa fosse repentina…

É ordenada a separação auto e o avanço veloz, ao bigrupo da 38.ª CComandos, para Guidage. Ao atingir a povoação esta imagina tratar-se de viaturas dos turras e foi mais um sobressalto!..

É o primeiro grupo da coluna auto a atingir GUIDAGE e a quebrar o cerco, através da estrada!

Foi com muita alegria que os vimos entrar e a esperança voltar aos nossos espíritos.


Viatura a entrar em Guidage.

Foto ©: Adquirida ao 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro Alentejano

Estes comandos brancos estão equipados com material capturado ao PAIGC. Na estrada e na berma avistaram alguns dos nossos mortos e do PAIGC, não os levantaram por suporem serem do IN, ou estarem armadilhados…

Integrado na 38.ª, vinha um ex-companheiro e amigo de adolescência, de alcunha “Cachucho”, da Ribeira de Santarém. (Tomei conhecimento que outro companheiro de infância e do Cachucho, o Joaquim, também faz parte mas não veio por estar doente…).

Chegaram com uma viatura com o pneu rebentado por uma mina, um ferido grave decepado de um pé ao saltar da viatura e num Unimog que estacionou ao lado da antena do Posto de Rádio e próximo deste, com um morto envolvido num poncho.

Por volta das 18h, somos flagelados com morteiro 82, durou 10 minutos. Atingida a enfermaria que se encontrava a abarrotar de feridos. Não houve baixas. De realçar que as granadas alcançaram vários edifícios.

Pouco depois chegou a coluna, dando entrada para regozijo de todos, tropas e civis. Tendo havido gritos e vivas de contentamento. Foi uma festa-relâmpago.

O Ten Cor Cav António Correia de Campos (foto à direita), com um revólver à cintura, de galões, botas dos fuzos e bengala na mão, fez o percurso quase todo a pé.

No Posto de Comando, na presença dos oficiais, declarou que era ele que comandava o aquartelamento!

O Cmdt da coluna, do Batalhão de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, deitaram-se no dormitório do pessoal de transmissões, anexo ao Posto de Rádio, debaixo de chapa de zinco.

Um soldado condutor da Companhia de Transportes, de nome Dinis, é natural de Santarém. Saíu de Bissau para Farim e foi parar a Guidage… Foi meu colega na JOC. Passada a surpresa do encontro, perguntou-me onde poderia deitar-se em “sossego”? Disse-lhe que na minha cama não podia ser, pois estava no Centro Cripto. Indiquei-lhe o paiol, poderia deitar-se entre as caixas (cunhetes) de munições; tinha placa e paredes muito grossas em betão armado… mas rindo não ligou, dizendo que poderia ir pelos ares, talvez pensando que brincava… Eu falava a sério! Dormiu no banco da Berliett, na parada: Durante a flagelação das 22h40, cansadíssimo nem deu pelos rebentamentos, só acordando de manhã.

A CCaç 3 tem 6 homens desaparecidos: Os 2 alferes brancos José Manuel Levy da Silva Soeiro e o José Manuel Nogueira Pacheco; um 1.º cabo e 3 praças africanas negras.

A certa hora da noite um soldado da CCaç 19 atravessou a luz exterior e o arame farpado. Afirmou que foi apanhado pelos turras que o mandaram embora, depois de despido e completamente nú!… Não será um elemento do IN infiltrado nas nossas tropas? Não consigo lembrar o seu nome.

A escuridão é completa, para se andar é quase às apalpadelas…

Perto das 22h30 o Alf Mil Atir Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro, da CCaç 3 contacta via rádio que se encontra perto do quartel do lado de Quelhato. Informa que grupo IN se aproximou e montou base de artilharia e se preparava para flagelar Guidage… Cerca das 22h40 somos atacados e reagimos bem. O Alferes da CCaç 3 observador e camuflado na mata em contacto com o Ten Cor Cav Correia de Campos, que veio para fora do posto de comando com o rádio na mão demonstrando coragem, foram dirigindo o fogo da nossa artilharia para cima deles… Embora com muita dificuldade de comunicação em virtude estarem muito perto do IN e ao que parece com pilhas fracas ou sem antenas, que se soltaram, devido às correrias por entre o matagal… Parte do nosso fogo passou por cima dos guerrilheiros.

(Continua)
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9991: (Ex)citações (183): Comparandos os dois G, Guidaje e Guileje... (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9961: Efemérides (96): Guidaje foi há 39 anos: a coluna que rompeu o cerco, em 10 de maio de 1973 (Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Cmd, 38ª CCmds, 1972/74)


02 Novembro 2005

Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)

Caro Luis Graça, camarada comando Briote:

Vou-vos falar um pouco de mim. Assentei praça no longínquo ano de 1971 no antigo RAL 1, em Outubro. Ofereci-me para os Comandos onde cheguei em Dezembro de 1971 (CIOE/ Lamego). Completei o curso em Junho de 1972, mês a que cheguei à Guiné, a 26. Iniciei a 2ª parte do curso em Mansoa, na mata do Morés, onde tive o primeiro contacto com o IN. Recebi o crachá de Comando em Agosto, com o posto de 1º cabo.

Em Fevereiro de 1974 terminei a comissão mas só regressei a Portugal em Julho de 1974. As histórias pelo meio ficam para outra altura, e tambem as fotos, neste momento tenho o scanner fora de serviço.

Se quiserem saber mais alguma coisa é só perguntarem.

Um grande abraço para todos os ex-combatentes, em especial os Comandos.

Só mais um pormenor, a minha companhia foi a 38ª Companhia de Comandos, os Leopardos.A. Mendes
1. Amílcar Mendes é um dos nossos mais antigos 
grã-tabanqueiros. Publica-se acima uma cópia do poste de 2 de novembro de 2005 em que ele se apresentou ao pessoal do blogue, que na altura ainda só eram umas escassas dezenas de "tertulianos", como então chamávamos aos membros da nossa "tertúlia", hoje Tabanca Grande.  

O  ex-1º Cabo Comando,  depois de ter estado na 38ª CCmds (Guiné, 1972/74), ficou no Regimento de Comandos da Amadora até 1980, dando instrução.  Hoje tem um táxi na Praça de Lisboa. Há tempos confidenciou-nos: "Enquanto estive na Guiné fui escrevendo uma espécie de diário que, com muito gosto, irei aqui partilhar com toda a tertúlia, porque sei que muito do que escrevi apenas fará sentido para aqueles que trilharam os mesmos caminhos nesses longínquos, difíceis e já saudosos anos".


São o seu caderno de notas e as memória ainda bem vivas da sua atividade operacional no TO da Guiné que lhe permitem falar com autoridade da coluna que "rompeu" o cerco a Guidaje, em 10 de maio de 1973. Há questões de pormenor que ele pode ainda esclarecer, com a ajuda de outros camaradas "que estavam lá"... Por exemplo,  no portal da Liga dos Combatentes não há registo de mortos, em combate, no dia 11 de maio de 1973, por que ao que parece o PAIGC estava também ocupado em tratar dos seus mortos e feridos (,segundo a versão de Moura Calheiros).  Por outro lado, os cadáveres em decomposição na zona do Cufeu (o A. Mendes diz que contou 15 quando lá passou em 10 de maio de 1973, a caminho de Guidaje) (*) tanto seriam das NT como do PAIGC (, já que a zona fora bombardeada antes pela FAP, possivelmente a 8). 

Por outro lado, confirma-se que os 2 gr comb da valorosa 38ª CCmds regressaram a Mansoa, ao CAOP 1, não a 13, ao fim da tarde.  

Sobre esta coluna, vd. o que o Moura Calheiros escreveu no seu livro, A Última Missão, pp. 444/445; este autor diz que esta coluna, com 8 grupos de combate - incluindo os 2 da 38ª CCmds - partiu de Binta a 10, de madrugada; o mesmo diz o José Manuel Pechorro e a história da 38ª CCmds; o Amílcar também já me confirmar a data, que é 10 e não 11, como aparece por lapso nos postes de outubro de 2006. A 12, morrem  o Raimundo e o Viegas morrem a 12...).

De resto, só com a triangulação de fontes e uma aprofundada pesquisa de arquivo podemos esclarecer pontos sobre os quais pode haver pequenas divergências factuais (por ex, nº e data das colunas; nº total de baixas, mortos e feridos; forças que integraram as escoltas às diversas colunas). O objetivo da publicação destes postes sobre os 39 anos da batalha de Guidaje (uma das mais duras da toda a história da guerra colonial nos três teatros de operações) é também a de suscitar o aparecimento de novos depoimentos, de colmatar lacunas de informação e de sobretudo de homenagear os vivos e os mortos, todos os nossos camaradas que deram melhor de si  (algumas dezenas, a sua própria vida) no "inferno de Guidaje".

Juntamos aqui os 4 postes do A. Mendes sobre o "inferno de Guidaje" (*), publicados em outubro de 2006. Foram feitas correções de datas.







38ª CCmds (1972/74) > História da unidade > Excertos (documento disponibilizado pelo Amílcar Mendes)


 A CAMINHO DE GUIDAJE

por Amílcar Mendes
Resumo:

9 de Maio de 1973 > O 2º e o 4º grupos [da 38ª Cmds] vão hoje fazer uma escolta a uma coluna de Mansoa para Farim.

13 de Maio de 1973 > Regressei hoje a Mansoa. Cinco dias fora. Meu Deus, foram os piores dias da minha vida. Irei tentar descrever tudo o que passei. Os horrores da guerra! Nunca pensei que fosse possível acontecer o que vi. Terrível de mais para ser verdade.  




9 de Maio de 1973

Saímos de Mansoa [, sede do CAOP1,]  com destino a Farim, com uma coluna que leva abastecimentos para a fronteira. Íamos só com a missão de chegar a Farim e voltar. Passámos a noite em Farim, mas fala-se já que não iremos voltar. A coluna que viemos acompanhar, destina-se a Guidaje.


Guidaje, onde nenhuma coluna consegue chegar. Fala-se aqui que da útima coluna que tentou passar: ficaram pelo caminho mais de 20 mortos. Guidaje onde a situação é caótica, onde a aviação já não dá cobertura. 

Em Farim assisti à chegada do que restou da última coluna que tentou passar. Vi militares chegarem a pé, sozinhos, completamente aterrados com o que passaram.

Continuamos em Farim e com a chegada da noite ficamos a saber que somos nós quem vai seguir com a coluna para Guidaje.



pelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
GERALDES MANUEL MARIA RODRIGUES GERALDES SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
MANÉ ABDULAI MANÉ 1CabExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
REDONDO ANTÓNIO JÚLIO CARVALHO REDONDO SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
SADJÓ SADJÓ SADJÓ SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
SANHÁ MAMADU LAMINE SANHÁ SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
TURÉ JANCON TURÉ SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

 Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar













10 de Maio de 1973

Saímos de madrugada de Farim com destino a Guidaje. Primeiro a Binta, onde os picadores se irão juntar aos nossos grupos. Daí entramos na maldita da picada. Os picadores seguem na frente.

Nota-se na picada o efeito das minas, autênticas crateras. Serão 16 km de picada até Guidaje. Um pelotão de Binta irá conosco até meio do percurso, depois iremos sós. Na frente os picadores lá vão detectando e rebentando minas, a cada hora apenas andamos para aí 2 km. Sabemos que de Guidaje saiu a CCAÇ 19, africana, para vir ao nosso encontro.


Passar na bolanha do Cufeu é impossível descrever o que encontramos sem sentir um aperto na alma: dezenas de viaturas trucidadas pelas minas. Os cadáveres pelo chão são festim para os abutres. É uma loucura. Pedaços das viaturas projetadas a ezenas de metros pela acção das minas. Estrada cheia de abatizes. Tentamos não olhar. Nunca vi tanto morto, nossos e do IN, deixados para trás ao longo da picada.

A coluna, à saída da bolanha do Cufeu, pára. Ouve-se ao longe tiros e rebentamentos. A companhia que vinha ao nosso encontro [, a CCAÇ 19,], caiu numa emboscada na ponte. Pelo rádio ouvimos o oficial que comanda a companhia emboscada pedir apoio aéreo, porque o IN é em muito maior número e ele diz que está a ser dizimado. Chegam dois Fiats e tentam dar cobertura à companhia emboscada mas dizem que é impossível porque o IN esta demasiado próximo.


Ouço então o apelo mais dramático, ouvido em toda a minha vida: Pela rádio o oficial que comandava a companhia emboscada apela à aviação:

- BOMBARDEIEM TUDO! A NÓS, INCLUINDO! A SITUAÇÃO É DESESPERADA! ESTAMOS A SER TODOS MORTOS, POIS OS GAJOS SÃO EM NÚMERO MUITO SUPERIOR!

A aviação nega-se a cumprir o apelo. Nós estamos a cerca de 3 km da emboscada. Nem pensar em lá chegar para ajudar. Demasiado longe num local cheio de minas e outros obstáculos. Os Fiats sobrevoam-nos e avisam-nos de que o IN está próximo. Faz isso para evitar ser bombardeado.



Continuamos a caminho de Guidaje. Quem ainda seguia nas viaturas salta para o chão. Ouve-se um rebentamento! Foi uma mina! O 1º cabo Filipe ao saltar pisou uma mina! Ficou logo ali sem um pé! Recebe os primeiros cuidados na picada e é posto numa viatura.

Seguimos, seguimos a um ritmo alucinante para chegar antes da noite.

Mais um morto na picada. Pisou uma mina. Ficou irreconhecível, metade do tamanho. É enrolado num poncho, posto no estrado de uma viatura. E continuamos (Esse morto mais tarde iria ser sepultado em Guidaje onde ficou).


Uma viatura pisa uma mina mas só ficou sem o rodado e continua assim mesmo.

Chegamos ao local da emboscada da CCAÇ 19 (**). Só encontramos mortos. Mortos e mais mortos. Nossos e do IN. Ficam para trás. E ali irão ficar para sempre. Já andámos há cerca de 10h na picada e Guidage já não está longe.

Já com Guidaje à vista subimos para as viaturas e eu sigo naquela só com três rodados, e onde segue o morto.

Chegamos a Guidaje! É a primeira coluna a chegar de há três semanas a este tempo. A população vem receber-nos com gritos de alegria, dá-nos água, trata-nos com carinho, sentem que o isolamento acabou.


Assim que entramos no destacamento, somos brindados com um ataque de morteirada. Com a noite vamos para as valas, que é onde se vive em Guidaje! O Filipe está num abrigo a soro, fui vê-lo e ele delirava a chamar pela família.

Durante a noite iremos sofrer mais 4 ataques e um deles será mortal.

Chega a noite. Mais um ataque. Desta vez e canhão sem recuo e morteirada. O IN sabe que esta uma Companhia de Comandos na vala e vai tentar a todo o custo causar-nos baixas, o que infelizmente vai conseguir. Nas valas, em estado de alerta, é impossível dormir. De bom em Guidaje só o facto de não haver mosquitos.

[No dia 11 de Maio de 1973, não há registo de mortos no portal da Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar. ]

12 de Maio de 1973

Cerca das três horas da manhã rebenta um violento ataque ao destacamento que é de meter medo. O IN deve ter as coordenadas das valas pois o fogo acerta todo dentro das valas. O barulho rebenta com os ouvidos. Dura cerca de 30 m. São centenas de projécteis. É de dar em doido!

A nossa artilharia [, Pel Art 24, de Guidaje] (**) responde ao fogo e lá se consegue parar o ataque. Terminado o ataque vamos fazer a contagem e duas vozes não respondem. Um, o Soldado Comando Raimundo, meu camarada de grupo, um moço da [Azambuja], a quem nunca mais ouvirei a sua voz; outro, um soldado condutor [, o Viegas, do CAOP 1] que tinha vindo connosco. Ficaram os dois desfeitos na vala com morteirada 120 mm.



Apelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
RAIMUNDO JOSÉ LUIS INÁCIO RAIMUNDO SoldExércitoGuiné12/05/1973  Combate  
VIEGAS DAVID FERREIRA VIEGAS SoldExércitoGuiné12/05/1973  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar  









Ainda durante a noite iremos sofrer novo ataque mas mais ligeiro. Com a chegada da manhã os rostos de tristeza vão-se descobrindo mas é preciso reagir. Com um ano de guerra, o factor morte já não nos afecta assim tanto, já aprendemos a conviver com ela de perto, só temos de arranjar maneira de a ir iludindo.

Recebemos ordens para sair para a mata. Vem outra coluna a caminho, escoltada pelo Fuzos [ 1 gr comb da DFE 1 e um gr comb do DFE 4, comandados pelo 1º ten Meireles de Amorim, mais um gr comb da CCAÇ 3,] e nós vamos ao seu encontro para lhes dar apoio até  Guidaje. 

Antes de sair, fui ao abrigo-enfermaria (?) ver o Filipe: continua inconsciente, a perna começa a gangrenar e tem que ser evacuado com urgência, mas isso está fora de questão pois os misseis Strela estão à espreita da nossa aviação.

Fomos ao encontro da coluna e,  assim que chegamos ao destacamento, novo ataque. Pelas minhas contas tera sido o 6º. Com a noite voltamos para as valas.


O estado psicológico era tal que quando no silêncio se ouvia um barulho de alguma coisa a bater corríamos logo para a vala. No ataque à chegada dos fuzileiros, o furriel Marchão do meu grupo ficou crivado de estilhaços mas sobreviveu.

 
Amanhece em Guidaje. Logo ao alvorecer sofremos mais um ataque (o 8º). Recebemos ordem de saída para a mata. Vamos montar uma emboscada nos trilhos, já dentro do território do Senegal. Parece uma auto-estrada este trilho tal é o movimento de população. Revistamos ao acaso. Numa mulher encontramos documentação militar que apreendemos. Depois de cerca de três horas de controlo, retiramo-nos para o quartel.

A coluna vai hoje [, 13,] regressar a Binta-Farim. Ao meio do dia mais um ataque ao destacamento. A meio da tarde começa-se a organizar a coluna para o regresso mas durante os preparativos sofremos mais dois ataques e é a confusão, com as viaturas paradas no meio do destacamento e a morteirada a cair.


Assisti durante os ataques a um espectáculo insólito: enquanto durava o fogo, um oficial, nesta caso o Comandante, caminhava sereno pelo meio da confusão dando ordens e tentando manter a calma, alheio aos ataques e aos gritos. Esse senhor era o [Tenente-] Coronel Correia de Campos, que comandava o COP 3, ao qual a minha companhia ficou dependente enquanto esteve em Guidaje.

O Comandante achou perigoso a coluna seguir nesse dia [, 12,] pois fazia-se noite e concerteza o IN iria estar emboscado à nossa espera. Durante a noite sofremos mais ataques. Creio que no total e no curto tempo que aqui estivemos, sofremos pelo menos 15 ataques ao destacamento.

13 de maio de 1973


Logo ao alvorecer [, pelas 6h00,] a coluna põe-se a caminho. Fazemos a picada de volta e à medida que avançamos, voltamos a passar pelos cenários de morte. Os corpos estão a caminho de esqueletos, devorados pelos jagudis. O cheiro é insuportável, por vezes dá náuseas. Acho que pelo resto da minha vida nunca mais vou esquecer este local maldito!

Ao fim da manhã já estamos a chegar a Binta quando surge mais um acidente: um militar da tropa da Província pisa uma mina, dá por ela e fica com o pé lá em cima... É uma mina de descompressão e poucas hipóteses tem de lá sair com vida.

Põe-se areia a volta. Cobre-se o corpo de roupa mas ele salta rápido. Não morre mas fica sem o pé. Durante a minha viajem de regresso na Berliet que seguia à minha frente, ia o Filipe com a perna já em adiantado estado de gangrena. Irá sobreviver. Somos amigos, ele vive no Porto e ainda hoje recordamos esse tempo, o que nos dá vontade de chorar!


Chegamos a Binta e o Filipe é logo evacuado! A coluna não pára. Seguimos para Farim e daí logo em direção a Mansoa.

É a alegria geral! Que saudades da rapaziada! Chegamos a casa!...
- FORAM OS PIORES DIAS DA MINHA VIDA!- Pensava eu. 


A malta faz perguntas mas a nós não nos apetecia responder, só para não voltarmos a pensar naquele inferno. Ao diabo com Guidaje!~(Como eu estava enganado, mas ainda não o sabia!). [O Amílcar Mendes voltará lá em 29 de maio, na escolta a uma outra coluna logística].

Comentário: Ainda hoje sonho com Guidaje! Algumas coisas do que aconteceram foram tão reais que iriam ficar gravadas na minha memória até chegar ao STRESS!

Sentir na carne não é o mesmo que me sentar a escrever sobre um acontecimento. Isso é ficção e, pelo que vou lendo, há muitos ficcionistas que se arvoram em paladinos da verdade. Paz à sua alma!... (**)

A. Mendes


Texto e fotos: © Amilcar Mendes (2006). / Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. este e os postes anexos a este > 4 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2719: Guidaje, Maio de 1973: Só na bolanha de Cufeu, contámos 15 cadáveres de camaradas nossos (Amílcar Mendes)

(**) Segundo informação do nosso camarada José Manuel Pechorro, o pessoal da CCAÇ 19, do recrutamento local, era de etnia mandinga. O Pel Art 24, por sua vez, era constituído sobretudo por pessoal balanta.

Do José Manuel Pechorro, vd. também os seguintes postes:

19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

4 de Abril de 2010 Guiné 63/74 - P6105: (Ex)citações (63): O Ten Cor Correia de Campos foi um dos heróis de Guidaje (José Manuel Pechorro)


(***) Último poste da série > 28 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9954: Efemérides (61): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (2): Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu (António Dâmaso)

domingo, 27 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (94): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 25 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária) enviou-nos a primeira de quatro partes de um trabalho onde descreve a "Operação Mamute Doido" realizada no âmbito dos trágicos acontecimento que marcaram Guidaje** e as NT naquele fatícico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO "MAMUTE DOIDO" (1)

ESTADIA EM BINTA E SAÍDA ATÉ CUFEU

A. Dâmaso

Muito se tem dito e escrito acerca desta operação e dos motivos que levaram à mesma, contudo há indivíduos que nunca passaram pelo Cufeu, não têm conhecimento das condições do terreno na altura, no entanto falam como se tivessem por lá passado, para mim, militares que por lá passaram pertencentes à CCAÇ 19, Destacamentos de Fuzileiros, Companhias de Comandos, CCP 121, CCAV 3420 e outros que deixaram lá os corpos dos camaradas, sangue, suor e lágrimas, esses sim, assiste-lhes o direito de se pronunciarem sobre as suas vivências naquele local, desde que não divaguem porque se passou muito tempo.

Vieram dois militares que estiveram na emboscada dizer que tinha sido “aqui”, só que eles estavam na retaguarda da coluna, outro andava nas alturas, quem esteve na chamada zona de morte fui eu o “aqui” deles não corresponde com o meu, também disseram que morreram os três primeiros o que também não é verdade porque o 3.º era eu e estou cá, infelizmente morreram o 1.º, 2.º, 5.º e o penúltimo, seguindo as orientações do Blogue de Luís Graça, “não deixes que sejam os outros a contar a tua história”, segue a minha versão dos acontecimentos na primeira pessoa. Fui contactado pela TVI para lá ir em Fevereiro de 2007, de início acedi, tratei de passaporte e vacinas, só num dia levei quatro, mas por motivos de saúde declinei, acabando por ter ido o camarada Victor Tavares que pertencia ao 2.º Grupo que no momento em questão ia nas últimas posições na Coluna, julgo que o camarada Victor Tavares deu melhor conta do recado do que tivesse sido eu. Posteriormente quando foram entregues os restos mortais aos familiares, estava em Castro Verde uma repórter da RTP quando soube por alguém que eu tinha estado no local, tentou-me entrevistar mas quando eu lhe disse que não era capaz de falar no assunto sem me comover, foi compreensiva e não insistiu, ainda hoje tenho muita dificuldade em falar sobre o assunto.

Passando aos factos, depois de terminada a Operação Ametista Real, como comandante Interino do 3.º Grupo de Combate da CCP 121, ficamos em Binta à espera de uma coluna de viaturas de reabastecimento a realizar entre Farim e Guidage, a Companhia ir fazer segurança.

As conversas ouvidas em Binta no momento, eram que uma coluna de reabastecimento tinha sido emboscada pelos “turras”, que tinham feito um grande número de mortos, tinham incendiado as viaturas e levado as granadas de morteiro 81 e depois as devolveram pelos ares através dos morteiros 82, para o quartel de Guidage.

Em Binta não vi nenhum obus mas vi uma base de fogos de morteiros 81, já posicionados em várias direcções, sobre os morteiros dizia-se que em determinada altura em que o Aquartelamento foi atacado, quando foram para repelir o ataque, encontraram os tubos com terra no fundo, impedindo que as granadas percutissem, era este o “jornal de caserna”.

Em Moçambique, no ano de 1970, na operação “Nó Górdio”, em que por causa das minas, para se realizar uma coluna de viaturas era necessário a Engenharia abrir picada nova (estrada), fiquei pasmado como é que os chefes militares descoraram esse pormenor e até fiz um comentário em relação a isso a um tenente, que hoje é general que também lá estava nessa operação.

Agora passo a descrever a minha vivência nessa operação, que vale o que vale por se tratar da minha ”verdade”: 

No dia 22MAI73, tivemos um briefing na sala de operações da Companhia do Exército sediada em Binta, onde foram apresentados e discutidos os tópicos relacionados com a citada operação.

Foi-nos dito que no dia 23MAI73, a minha Companhia (CCP 121) ia fazer guarda avançada de flanco esquerdo, em protecção à coluna de viaturas de reabastecimento ao Aquartelamento de Guidage, junto à fronteira Norte.

Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50)  > Detalhes: posição relativa de Binta, Genicó, Cufeu e Ujeque (na picada Binta - Guidaje).

Depois de analisar a carta topográfica em questão, no quadro da sala de Operações da citada Companhia, vendo que a zona era bastante aberta, (com pouca mata) alertei o meu Comandante de Companhia para a utilidade de se levarem mais granadas de morteiro de 60mm, no que ele concordou e pedimos dois cunhetes destas granadas ao Comando de Binta, granadas essas que foram distribuídas pelos meus homens, atadas no equipamento com cordel, em virtude de calhar ao meu Grupo de Combate ir à frente na zona mais perigosa.

Seguidamente transmiti aos homens sob o meu comando, o tipo da missão, a perigosidade da mesma, a nossa posição no local crítico que era na frente da coluna, quanto à posição, testa da coluna na zona crítica, não me recordo se os critérios tiveram a ver com escala, rotação ou escolha.

Saímos de Binta no dia 23 pelas 6 horas da manhã, seguimos até ao cruzamento com a picada que vinha de Farim, tomamos posições defensivas e aguardamos pela coluna de viaturas que vinha de Farim, o que aconteceu cerca das 8 horas.

Iniciou-se a coluna tinha progredido pouco, a progressão era lenta, porque os picadores tinham de ir picando o terreno, para detecção de minas anti-carro e outras, como ia com atenção ao terreno, comecei a ver cepos de onde tinham sido cortadas árvores centenárias, talvez até milenares, apercebi-me que as viaturas se iam desviando para a direita para fugirem ao campo minado.

Quando atingimos a zona de Genicó, começámos a ouvir rebentamentos à nossa direita para os lados da picada, através do rádio ouvi que tinham deflagrado uma mina anti-carro e várias anti-pessoal que causaram várias baixas nos picadores, face a este incidente, houve um compasso de espera e passado muito tempo, o comandante do COP 3, Major Correia de Campos resolveu dar ordem para a coluna voltar para trás.

Ficámos um pouco parados em posição defensiva, até que o Comandante de Companhia recebeu ordem do PCA (Posto de Comando Aéreo) para continuarmos rumo a Guidage sem a coluna, no momento pensei que não fazia sentido continuarmos sem a coluna, mas ordens eram ordens e na tropa eram para serem cumpridas.

Continuamos a progressão sempre à esquerda da picada, mais ou menos a meio caminho entre Genicó e Cufeu, fizemos uma paragem para comer uma “bucha”, a mata era aberta e cheia de clareiras sentíamos o efeito do calor abrasador, traduzindo-se em suor e muita sede.

Continuámos a progressão cada vez mais sedentos, mais ou menos entre 500 e os 1000m do Cufeu, obliquamos para atravessar a picada para a direita e de seguida o meu pelotão passou para a frente como estava estipulado, calhando ser a 1.ª a secção a ir à frente, descemos uma encosta e já em terreno plano, obliquámos para a esquerda, na leitura de sinais, observamos algum silêncio anormal, pelo que foi dado sinal para se manterem atentos, a nossa progressão era como que em ziguezague.

O apontador de reserva do morteiro que passou a efectivo, tratava-se do Vitoriano, um Pára de alcunha Lisboa, e que quando o meu pelotão passou para frente, por ordem minha passou para a quinta posição na coluna, porque a meu entender, dadas as características do terreno e vegetação, por ser uma arma importante de defesa em caso de emboscada, o que se veio a verificar.

Era usual nas progressões a corta mato, que era o caso, ir um municiador à frente para abrir picada, se necessário, eu até cheguei a ir à frente para não serem sempre os mesmos, mas naquele dia, tendo em conta a mata ser aberta, com muitas clareiras, quem foi para primeiro lugar foi o apontador de metralhadora, da secção que calhava ir à frente, indo o municiador em segundo lugar e eu em terceiro. Não me lembro quem ia em quarto mas sei que em quinto ia o apontador do morteiro, por eu lhe ter dado ordem para ir nessa posição, recordo ainda que momentos antes da emboscada, ter olhado para trás e ver que o Comandante da Companhia seguia nos primeiros dez.

Acrescento que o Comandante da Companhia, conhecia bem os homens do 3.º pelotão, por quando em actuação de bigrupo que ele sempre acompanhou, ia muitas vezes neste pelotão, mesmo a nível de actuação de Companhia, quase sempre o vi no neste Pelotão, isto talvez se explique por ter na Companhia um Tenente do Quadro que ocuparia a posição da retaguarda, assegurando ele a posição da frente.

O Comandante de Companhia já tinha em 68/70, feito uma comissão de Serviço na Guiné como Comandante de Pelotão, onde passou por Gandembel. Eu estava na 3.ª comissão na Guiné, 2.ª em Companhia de Combate, tinha passado por Moçambique na Operação “Nó Górdio” e tinha em 1964 feito uma operação em Angola, portanto em termos de experiência acho que tínhamos mais que os outros graduados com funções de comando. Sem qualquer acordo prévio, optámos por ocupar aquelas posições na coluna como que a dizer aos homens, nós estamos aqui!

Provavelmente se eu tivesse lá o meu camarada Primeiro-Sargento Comandante da Secção, talvez eu tivesse ocupado uma posição mais à retaguarda, mas como o Cabo que ia a comandar a secção tinha sido ferido no Navio Patrulha e evacuado, resolvi estar em 3.º, quanto ao Comandante da Companhia deve ter pensado o mesmo que eu, e ir para os primeiros dez da coluna.

Eu ia com algum à-vontade, pensando que por ir a corta-mato me pudesse trazer alguma vantagem, contudo desconhecia em parte aquele terreno por ser a primeira vez que lá entrava, também desconhecia que a partir do momento que as viaturas voltaram para trás, os guerrilheiros do PAIGC passaram a vigiar toda a nossa progressão, por ironia do destino andamos às voltas e fomos ter mesmo ao local onde eles estavam treinados a fazer emboscadas, como tive oportunidade de verificar mais tarde.

(Continua)

Um Ab
A. Dâmaso
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Maio de 2012 Guiné 63/74 - P9939: Efemérides (59): A Operação Ametista Real foi há 39 anos (António Dâmaso)

(**) Vd. postes:

Guiné 63/74 - P9934: Efemérides (56): Guidaje foi há 39 anos: reconstituindo a 5ª coluna, de 22 e 23 de maio de 1973 (Victor Tavares e † Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P9935: Efemérides (57): Guidaje foi há 39 anos... Pergunto: Por que é que a FAP não bombardeou com napalm a área de Genicó até Ujeque ? Por que é que não se utilizou o obus 14 no apoio às colunas ? No cerco de Guidaje muito eu desejei ter uma antiaérea... (Arnaldo Machado Veiga)
e
Guiné 63/74 - P9937: Efemérides (58): Guidaje foi há 39 anos... Alguns pequenos reparos e a minha homenagem a Amílcar Mendes, Daniel Matos e Victor Tavares (Manuel Marinho)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 – P5534: Histórias do Eduardo Campos (1): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 1): Do Cacheu ao Cantanhez


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos em 22 de Dezembro, a primeira da sua série de histórias que nos prometeu ir enviando nos próximas dias.

Camaradas,

Depois de ler com muita assiduidade as histórias que diariamente são publicadas no Blogue e tendo eu também algo para contar, sob a minha passagem pela Guiné, chegou a hora de compartilhar convosco algum do material guardado no “disco duro” da minha memória:


CCAÇ 4540 – 1972/74 – SOMOS UM CASO SÉRIO

PARTE 1

No dia 28 Agosto 1972, teve início no Regimento de Infantaria 15 (RI 15), em Tomar, a concentração do pessoal que constituiria a Companhia de Caçadores 4540. Na sua grande maioria, os militares eram oriundos do Norte do País, sendo de realçar a presença de alguns que vieram de França, para cumprirem o Serviço Militar.

Foi-nos concedido o gozo de uma licença de 2 semanas, após a qual o pessoal da Companhia, se foi apresentando novamente no RI 15, tendo-se procedido á Cerimónia de Bênção e Entrega do Guião à Companhia no dia 15SET1972, seguido de um desfile das tropas, na parada do Regimento.

Às 02h00 do dia 19 desse mesmo mês, a Companhia embarcou em autocarros, em Tomar, dirigindo-se para o aeroporto de Lisboa, onde o pessoal transitou para um avião dos TAM (cerca das 09h00), após o que levantamos voo rumo aos céus da África Ocidental.

Após quatro horas de voo bastante confortável, durante as quais imperou a boa disposição, já que a quase totalidade do pessoal realizava a sua primeira viagem aérea, aterramos no Aeroporto de Bissalanca. Procedeu-se então ao desembarque, perante um calor tórrido e sufocante,  próprio das regiões equatoriais.

Terminadas as formalidades habituais destas rotinas, procedeu-se ao transporte dos militares e respectivas bagagens, numa coluna de viaturas com destino ao Cumeré onde ficamos instalados. No dia 22SET1972, de manhã, fomos chamados para uma formatura geral, a que se seguiu o desfile da Companhia recém-chegada, perante o Brigadeiro Silva Banazol que proferiu algumas palavras de boas-vindas. Nesse mesmo dia segui para Bissau, com destino ao Regimento de Transmissões, onde estive cerca de 15 dias a fazer o chamado IAO.

Terminado o IAO, houve lugar a nova formatura geral no dia 17OUT1972, desta vez frente ao General António Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Força Armadas do CTIG. A 18OUT1972, a Companhia partiu do Cumeré com destino ao porto de Bissau, onde se procedeu ao nosso embarque na LDG BOMBARDA, rumando á terra “prometida”, Bigene. 

E assim, lá fomos rio acima (Cacheu) desembarcando numa localidade chamada Ganturé, onde nos esperavam os camaradas da CART 3329, que iríamos substituir. Era notável a alegria com que nos receberam, tendo-nos em seguida transportado para Bigene (cerca de 6 ou 7 km), onde deparamos com vários dísticos e cartazes alusivos à chegada da nova Companhia de periquitos, espalhados pelas paredes e pela rua principal, cheios de humor e ironia.


Foto 1 – Bigene: Junto aos brasões das Companhias que por lá tinham passado





Foto 2 – Bigene: O descanso do “guerreiro” junto ao posto de rádio



Foto 3 – Bigene: Com um amigo de ocasião



Foto 4 – Bigene: De vez em quando dava para tomar banho



Bigene era bastante povoada, com gentes de várias etnias,  predominando os Fulas e os Balantas, havendo ainda bastantes Mandingas. A população europeia, além dos militares e do administrador de Posto, era praticamente inexistente, havendo apenas 1 português que era proprietário de uma casa comercial. Haviam mais 3 casas comerciais, propriedades de 3 libaneses.


No posto sanitário de Bigene acontecia algo que eu considerava surpreendente, que era receber e tratar populares do Senegal, que atravessavam a fronteira para receberem tratamento médico. Ao mesmo tempo, esta gente aproveitava para comercializar os seus produtos no mercado local.

No dia seguinte, começou o treino operacional em conjunto com a CART 3329, cuja finalidade era adaptar e capacitar o pessoal em situações operacionais semelhantes às que iria encontrar nas suas futuras actividades dentro do sector atribuído à Companhia. É de salientar que ainda no período de treino operacional a 23OUT1972, se ter verificado o 1º contacto de fogo com o IN, mesmo junto ao marco fronteiriço que separava a Guiné/Senegal.

Só me apercebi que a palavra guerra fazia aqui todo o sentido, quando saí pela primeira vez para o mato e assisti à implantação de um campo de minas, e algumas armadilhas, na zona Samoge-Sambuía.O primeiro baptismo de fogo aconteceu a 24OUT1972, próximo de Nenecó, sem consequências. O PAIGC pelas informações que tínhamos, não tinha estruturas dentro do subsector de Bigene, nem se encontrava implantado no mesmo.

Partiam de bases situadas no Senegal, principalmente em Kumbamori, crê-se que utilizando as variantes do corredor de Sambuiá, para “cambar” o rio Cacheu, transportando material e mantimentos até ás margens do rio Cacheu, que procuravam atravessar em canoas e botes de borracha, para o interior do território, sendo, por vezes, surpreendidos pelos fuzileiros que se encontravam em Ganturé.

Terminado o período de sobreposição com a CART 3329, foi transferida por esta Companhia, para a nossa, toda a responsabilidade administrativa e operacional. No dia 15NOV1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene.

Foi com muita emoção que os vimos partir, após um convívio comum de quase um mês, passado naquela localidade. Passou, desde então, a nossa Companhia a dar cumprimento às missões que lhe foram atribuídas, executando as directivas do COP 3. Uma semana depois recebemos a noticia que iríamos ser transferidos para Sul, sendo substituídos pela CCAÇ 3 e, de novo, lá fomos na LDG BOMBARDA.

Estávamos no dia 09DEZ1972, rio Cacheu abaixo, destino: Cadique/Cantanhez.


Foto 5 – A bordo da LDG “Bombarda”, com o João Pinto – Enfermeiro -, a caminho do Cantanhez


No dia 12DEZ1972, cerca das 08h00, avistamos pela primeira vez, terras do Cantanhez. Lugar onde parecia haver calma e paz, coisa que, ali, jamais encontraríamos.

Navegava-se lenta e demoradamente, connosco atentos a qualquer coisa suspeita, como se adivinhássemos a todo e qualquer momento o… imprevisto.

Posso afirmar que todo o pessoal, que até então tinha mantido um aparente estado de serenidade e bom equilíbrio psíquico, que evidentemente estava muito longe de existir na realidade, em cada um de nós, começava a exteriorizar-se através dos primeiros sintomas de medo, angústia e desespero, que se denotavam, nitidamente, nos nossos rostos. Tais sinais iam-se agravando, conforme se avançava no rio, e mais nos aproximávamos da zona que sabíamos de alto perigo.

A tomada de consciência desta crua realidade, que era “A EXISTÊNCIA IMINENTE DE PERIGO REAL DE MORTE”, despoletou em nós, instintivamente, a exigência da máxima vigilância a eventuais movimentos estranhos nas margens, que nos rodeavam, e a necessária manutenção do silêncio.

Chegados ao porto, onde se previa o desembarque, e mal a lancha alcançou terra firme, “A NOSSA TERRA PROMETIDA”, sem perda de tempo começaram a sair vários grupos de combate, para manter as seguranças, afastada e próxima, a fim de que o desembarque se fizesse sem grandes receios.

Logo que nos sentimos em terra do Cantanhez e nos familiarizamos com o lugar, onde iríamos “vegetar” durante quase uma dezena de longos e difíceis meses, tudo em nós se voltou a suavizar e a aparentar a habitual e perdida serenidade.

Finalizamos o desembarque sem percalços de maior, eram cerca de 09h00, (com o apoio da Força Aérea e dum bi-grupo da CCP 121), começando-se logo a trabalhar para instalarmos de imediato o pessoal, numa área que reunia as condições mais apropriadas á futura construção do aquartelamento.

Os primeiros dias da instalação do pessoal da Companhia foram penosos, em virtude de não existir nenhuma estrutura de que a tropa pudesse tirar partido, para implementar o seu futuro estacionamento.

Apenas existia uma mata exuberante, compacta e de difícil penetração, e algumas tabancas dispersas e ocupadas por população da área, predominando os velhos e as crianças. A pouco e pouco foi-se desbravando a mata e procedendo-se à colacação estratégica de todas as secções do Comando da Companhia e dos Grupos de Combate.

É de salientar o trabalho efectuado pela Força Aérea, Marinha, Pára-quedistas e outras forças, que dias antes do desembarque “limparam a zona” e acredito que só assim não tivemos problemas durante o desembarque, já que a região era considerada zona libertada pelo PAIGC.

A Companhia acabou por ter uma adaptação bastante boa e depressa se conformou com a sua sorte existencial “SITUAÇÃO DE TOTAL CARÊNCIA”. Todas estas operações tiveram o nome “GRANDE EMPRESA”, visando a recuperação do Cantanhez e, na hora do desembarque, compareceu o General Spínola, que acompanhou de perto o desenrolar das actividades no terreno.

Foto 6 – Cadique: Tratando da higiene das mãos


Foto 7 – Cadique: A mata começou a ser desbravada



Foto 8 – Cadique: A Bandeira já havia, vendo-se ao fundo os chalés “com ar condicionado”



Foto 9 – Cadique: Um abrigo também já havia



Foto 10 – Cadique: O que será feito destes jovens?


Após os primeiros dias de porfiado esforço,  dispendido na montagem do estacionamento, começaram os nossos Grupos de Combate a tomar contacto com o terreno, acompanhados por Grupos da CCP 121. Foi de grande utilidade para os nossos militares a observação do modo como se comportavam, e da preparação com que a tropa especial pára-quedista foi dotada para este tipo de guerra. Muito se aprendeu realmente no convívio estabelecido, dentro e fora do aquartelamento, entre os militares de ambas as  Companhias.

Os primeiros contactos com o IN foram obra da CCP 121, a qual nos transmitiu teoricamente os modos de actuação e as estratégias utilizadas pelo IN, e a sua estrutura de carácter militar, naquela zona operacional.

A situação sanitária era razoável, mesmo considerando as precárias as condições de higiene que se viveram nos primeiros tempos do baseamento da Companhia.

As condições climáticas eram as mais adversas.  A situação logística foi muito precária nos primeiros meses de vida no Cantanhez.  As nossas condições de adaptação foram melhorando, à medida que se foi desmatando a floresta, com a abertura de poços, a construção de um heliporto e de um cais.

À medida que o reordenamento foi evoluindo, começou Cadique a tornar-se uma povoação de fisionomia completamente diferente, permitindo assim beneficiar, em muitos aspectos, a população local e a tropa, nomeadamente, no que respeita a melhoria das instalações.

O agrupamento de Cadique ficava situado na península formada pelos rios Cumbijã e Cacine, no Sul da Guiné, o terreno é plano, dividindo-se em dois planos de carácter bem distintos: por um lado a bolanha e, por outro, a mata densamente arborizada.

A configuração do sector apresentava-se do seguinte modo: a Norte era delimitado pelo Rio Bixanque, que desagua no Cumbijã, a Sul pelo rio Macobum, a leste pela mata do Cantanhez até ao entroncamento de Jemberem, e, a Oeste, pelo rio Cumbijã.

Os dois mais importantes itinerários eram, na época, a via fluvial do Cumbijã e a via terrestre, que ia de Cadique a Jemberem (que quando lá chegamos era uma picada secundária), e, quando de lá saímos, era uma estrada principal e que ia entroncar na picada principal que vinha de Cabedu.

O principal aglomerado populacional era Cadique Nalú, existindo ainda, além dele, outro de menos importância que se chamava Cadique Imbitina (a cerca de 2,5 Km). Mais para Norte, existia um outro importante aglomerado populacional,  Cadique Iala. O quartel acabou por se construído em Cadique Imbitina.

Na época, o principal recurso desta zona era, sem dúvida, o arroz em virtude das enormes bolanhas, que existiam ao longo de todo o rio Cumbijã. Outro recurso que não era explorado, era a pesca no rio Cumbijã, que me pareceu ser rico em variedades de peixe e de crustáceos.

A população civil era quase toda de etnia Balanta, encontrando-se também alguns (poucos) Nalus. Mostrou-se a princípio muito pouco receptiva à presença da tropa e bastante temerosa.

À data, não existia população europeia além dos militares, mas, segundo informações colhidas na zona, teria existido alguma antes do início das hostilidades, que se sentiu obrigada a abandonar a localidade em virtude do agravamento da instabilidade.

Nesta zona iríamos sofrer bastante. Parecia-nos mais um lugar paradisíaco do que um campo de batalha, mas, dias mais tarde, iríamos ter a oportunidade de ver e sentir a triste e fatal realidade.

O pior estava para vir: o inferno da construção da estrada Cadique/Jemberem.

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Trms da CCAÇ 4540



Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.

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Notas de M.R.:

Este é o primeiro poste desta série "Estórias do Eduardo Campos".