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domingo, 10 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)



Foto nº 1 - Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 > 1964... "Esquálidos, esgrouviados..."


Foto n.º 2 > 2019 > Alenquer > 55 anos depois (em relação à foto n.º 1)...  31.º Convívio anual da CCAÇ 557... 20 presentes na "foto de família"... (Na  primeira fila, a contar da esquerda, o José Colaço é o 3.º, sentado... o  poeta da companhia, o Francisco Santos, é o quinto, de pé.)


Foto n.º 3 > 2018 > 30.º Convívio anual  da CCAÇ 557, em Sarilhos Grandes, Montijo... Vinte e dois os presentes na "foto de família".


Foto n.º 4 >  2017 > 29.º Convívio anual da CCAÇ 557, Sobral de Monte Agraço, 23 os presentes na "foto de família"...  À porta, do lado esquerdo, de camisola cinzenta, vemos o nosso saudoso camarada Jorge Rosales (1939-2019), que se associou ao evento.

Fotos (e legendas): © José Colaço (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem enviada pelo José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fidelíssimo membro da nossa Tabanca Grande desde junho de 2008:

Data - 10/11/2019
Assunto - Almoço anual de confraternização da  CCAÇ 557: o tempo e a sua verdade.

No dia 09/11/2019 teve lugar o evento de confraternização do almoço anual de convívio da companhia de CCAÇ 557, cognominada com vários “epitáfios”.:

(i) a começar, foi batizada pelos nativos da Guiné como a "companhia do Como"

(ii)  a seguir também lhe chamaram "os audazes do Cachil", "os invencíveis do Cachil";

(iii) a CCAÇ 728, que nos rendeu no Cachil,  batizou-nos como "esgrouviados e esquálidos". 

Passados cinquenta e cinco (55) anos (!!!),  o tempo desmistifica tudo: se hoje perguntassemos a um qualquer guineense qual era a companhia do Como a resposta seria não sei, ou um encolher de ombros. 

Audazes ou invencíveis hoje mais parecem o antónimo dessas palavras. Por fim esgrouviados e esquálidos comparem as fotos que anexo, uma do tempo de 1964, e a última tirada ontem, em 9 do corrente..

Dá para rir.

José Colaço

PS1- Segue, por outro mail, os versinhos que o nosso bardo, Francisco Santos, nunca se esquece de fazer, antes, durante e depois [, e que serão publicados amanhã, noutro poste]

PS2 - Este ano foi no Carregado, Alenquer, Quinta do Canavial,  restaurante Dom Nuno. Aconselho, estava muito bem servido e confecionado: entradas, prato de peixe e carne, com lanche 30 € tudo sem restrições. E temos um camarada, de nome João Casímiro Coelho, que traz sempre um garrafão de vinho do Porto, bolos, figos para aqueles que chegam mais cedo, além disso traz também um saco de castanhas para o restaurante assar para acompanhar com o lanche e este ano trouxe para todos os camaradas uma garrafa de tinto reserva da quinta da Veiga, ou seja da quinta dele, e para mim, que sou aquele amigo extra.
_____________

Nota do editor:

Último poste da série >  9 de setembro de 2019   > Guiné 61/74 - P20158: Convívios (908): Os "meninos da Linha": estão bem e recomendam-se... Parabéns ao José Miguel Louro e ao João Pereira da Costa, a quem se cantou hoje os parabéns (Luís Graça)

Vd. também poste de:

22 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19221: Convívios (882): Almoço anual da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 10 de Novembro, em Sarilhos Grandes (José Colaço, ex-Soldado TRMS)

6 de novembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17941: Convívios (830): Os "últimos moicanos", o pessoal da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fizeram prova de vida em 4 do corrente, em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço / Francisco Santos)

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20216: Tabanca Grande (486): Manuel Viegas, algarvio de Faro, ex-fur mil, CCAÇ 1587 (Cachil, Empada, Bolama e Bissau, 1966/68)... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 798. Padrinho: José António Viegas, régulo da Tabanca do Algarve.


Lisboa > T/T Uíge > 30 de junho de 1966 > CCAÇ 1587 > Partida para o TO da Guiné. O primeiro da esquerda é o fur mil Manuel Viegas, novo membro da Tabanca Grande. Ao fundo, vê-se a ponte sobre o rio Tejo, na véspera de sua inauguração (em 6 de agosto de 1966).

Foto (e legenda): ©: Manuel Viegas (2019). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas, um dos régulos da Tabanca do Algarve,  membro da Tabanca Grande, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54, tendo passado por vários "resorts" turisticos erm 1966/68  (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura,  colónia penal):

Data: segunda, 7/10/2019 à(s) 16:17
Assunto: Pedido de inscrição no blogue

Pede-me o meu Camarada,  ex-Furriel Manuel Rosa Viegas, para aderir ao blogue pelo qual junto alguns dados.

"Manuel Rosa Viegas, ex-Furriel da Companhia de Caçadores,  nº 1587, Empada , Catió e ilha do Como, entre 1966 e 1968-

"Junto envio uma foto actual  [, acima , à esquerda], e outra do dia do embarque no Uige em 30 de julho de 1966. "Sou o 1º da esquerda",diz ele. "De futuro contarei algumas histórias desta viagem á Guiné.  Cumprimentos. Manuel Viegas".


2. Comentário do editor Luís Graça:


Obrigado, Zé Viegas. E obrigado, Manuel Viegas, por quereres vir engrossar as fileiras da Tabanca Grande. 

Vejo pela página do Facebook que o nosso novo membro da Tabanca Grande, a quem reservei o nº 798, é algarvio de Faro, Andou na escola Escola Secundária Tomás Cabreira, e trabalhou na hotelaria, na Quinta do Lago.

Devidamente apadrinhado pelo Zé Viegas, o Manel fica muito bem sentado, à sombra do nosso poilão, para mais sendo o único representante, ao fim de mais de 15 anos de existência do nosso blogue, da CCAÇ 1587 (!!!)....

De facto, temos menos de meia dúzia de referências a esta subunidade, e até agora não havia quem a representasse. De acordo com os elementos disponíveis na nossa base de dados (*), sabemos o seguinte a respeito da CCAÇ 1587:

(i) teve como Unidade Mobilizadora o RI 2 (Abrantes);

(ii) o Comandante foi o cap mil inf Pedro Eurico Galvão dos Reis Borges;

(iii) embarcou em 30 de junho de 1966, no T/T Uíge, e regressou em 9 de maio de 1968;

(iv) Síntese da atividade operacional:

Em 6 de agosto de 1966, foi colocada em Cachil, a fim de efectuar uma Instrução de Adaptação Operacional com a CCAV 1484 e seguidamente efectuar a rotação com esta subunidade.

Em 8 de setambro de 1966, assumiu a responsabilidade do referido subsector de Cachil, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1860.

Em 20 de novembro de 1966, por troca com a CCAÇ 1423, iniciada a 21 de Novembro de 1966, assumiu a responsabilidade do subsector de Empada, com um pelotão destacado em Ualada, no sector do mesmo Batalhão e depois do BART 1914.

A partir de 29 de novembro de 1967, tomou parte na Operação Quebra Vento, com vista à construção do destacamento de Gubia, guarnecido por um dos seus pelotões, a partir de 24 de dezembro de 1967.

Em 24 de janeiro de 1968, foi rendida no subsector de Empada pela CCAÇ 1787, tendo seguido, temporariamente, para Bolama, a fim de efectuar a segurança e protecção da visita presidencial.

Em 13 de fevereiro de 1968 foi colocada em Bissau, na dependência do BCAÇ 2384, onde substituiu a CCAÇ 2313 na segurança e protecção das instalações e das populações.

De 8 a 15 de maio de 1968, após chegada parcelar da CCAV 1615, foi rendida sucessivamente por esses efectivos, recolhendo então a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

(v) Tem História da Unidade [Caixa nº. 70 – 2.ª Div/4.ª Sec. do Arquivo Histórico Militar, Santa Apolónia – Lisboa]

Este resumo também consta do Livro do Estado-Maior do Exército – Comissão para o Estudo das Campanhas de África 1961-1974, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, 7.º Volume, Tomo II Guiné, pág. 358.

Camarada, Manel Viegas, ficamos à espera das tuas fotos e memórias. Muita saúde e longa vida, para poderes usufruir da nossa amizade e camaradagem, aqui na terra, que no céu (dos amigos e camaradas da Guiné) esse privilégio  já está garantido... (**).

______________

Notas do editor:


sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20205: Notas de leitura (1223): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (26) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
A BVAC 490 retirou da ilha do Como, vem bastante mal tratada, fica em Bissau até partir para Farim e redondezas, em maio.
Era incontornável a referência a Armor Pires Mota, um diarista do Como, a ele nos iremos socorrer nas etapas seguintes.
Mas ao sair do Sul havia uma referência, brejeira e burlesca, inescapável, saída da pena de um grande escritor, José Martins Garcia, aquele alferes miliciano que deixou um romance brilhante "Lugar de massacre", continuamente a ser estudado em instâncias universitárias.
Tudo se passa entre Catió e o Cachil, e por vezes as fraquezas dos homens até permitem ir à procura de um responsável inexistente...

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (26)

Beja Santos

“Todo o pessoal louvado,
pouco tempo descansámos.
Noutra saída, novamente
para Farim abalámos.

De novo metidos ao mar
no Vouga, Lanchas e Dragão,
todo o nosso Batalhão
irá ao cais atracar.
Vamos nós aquartelar
no quartel amuralhado.
Onde o Batalhão é formado, havendo grande reunião
e pelo Comandante da operação
todo o pessoal é louvado.

Em Bissau a passear,
para ver as matulonas
mas elas são tão mazonas
que à tropa não querem ligar.
Levando o tempo a andar,
as solas dos sapatos estragamos.
Muitas vezes chegámos
a faltar à comida.
Com esta tão boa vida,
pouco tempo descansámos.

Os médicos inspeccionaram
para ver os que estavam capazes.
Tivemos muitos rapazes
que para a guerra não abalaram.
Eu fui um dos que cá ficaram
junto a quem estava doente,
pois ficou cá muita gente,
que estava muito mal,
mas quase todo o pessoal
noutra saída, novamente.

Ao mês de Maio se chegou
e os batelões foram carregar.
Com os rebocadores a puxar,
pelo mar se navegou.
Muitos dias se demorou
porque grande carrada levámos.
Para muito tempo nos destinamos,
enfrentando sempre a morte,
e ansiosos por melhor sorte,
para Farim abalámos.”

********************

Vamos despedir-nos em grande dessa batalha do Como, temos um vate, um cronista, um diarista que por ali andou e deixou páginas de indelével impressão. Trata-se do “Tarrafo”, de Armor Pires Mota. Logo no Como, em 15 de janeiro:  
“Quando o sol, suavemente, se aconchegou vermelho no seio verde e agitado das ondas do mar, a distância que nos separava da ilha tão falada, era pouca, a indispensável para não quebrar a surpresa. E o barco ancorou, durante a noite estrelada, ao sul. Em cada rosto, em cada palavra, havia a incerteza do dia seguinte e o perigo do desembarque, pois há tempos que a tropa não punha ali os pés (…). E fez-se a noite do primeiro dia, escura e cheia de medos e fantasmas. Qualquer folha ou fruto caindo das árvores ou bulindo no chão, qualquer sapo saltitando, caindo no abrigo, lembrava um passo estranho que arrepiava. Em frente, na mata, separada de nós por uma pequena bolanha encharcada, duas ou três fogueiras crepitavam cinicamente.”

No mês seguinte, 8 de fevereiro, deixa estas considerações no seu diário: 
“A manhã correra bem. Os bandidos foram levados de rompão na tabanca grande de Cauane. E de lá trouxemos um crucifixo, cujo Cristo tinha um braço despregado. Uma explosão súbita de granada atroou os ares. Que seria, que não seria? Mas, logo, gritos de dor magoaram os ouvidos. Era o Quítalo que, alucinado, corria, a manquejar, gemendo, rosto mascarado de sangue e lama, peito ensanguentado e sem uma das mãos, enquanto a outra apresentava apenas dois dedos esfacelados. Correram a ampará-lo. Parecia uma visão terrível, um homem de calvário. A armadilha, que ele costumava montar todas as tardes para os terroristas, hoje, traiu-o, disparando-se-lhe nas mãos. Junto do buraco aberto pela explosão, pedaços de carne, terra avermelhada de sangue, uma alpercata desfeita, e, mais ao largo, o barrete e farrapos da farda”.

Armor Pires Mota
Estamos a 24 de fevereiro, regista o seguinte queixume:
“Há quarenta dias que o mundo para nós é incerteza da hora seguinte a devorar-nos a fronte atormentada. O mundo para nós é de luta, uma terra de sangue e fogo. Há refeições em branco, porque nada apetece senão a paz, o regresso. Há pesadelos e estonteamentos, cansaço. Uma grande parte da tropa está já inoperacional”.

O último texto do Como data de 15 de março:  
“A guerra esconde-nos as estrelas e faz-nos selvagens. Um tecto feito de troncos de palmeira, coberto de meio metro de terra, pesa, dói-me e sinto-me um condenado num exílio. Enfim, um abrigo à prova de morteiro, porque, de vez em quando, eles nos pregam uns sustos valentes. Tem 60 dias o meu abrigo. Da seteira larga olho, apreensivo, o dia seguinte, a mata densa e cheia de segredos”.
Nesse domingo houvera missa ao cair da noite, e ele despede-se dizendo: “Deus desceu à guerra para a paz”.
Só retomará o seu diário no mês de maio.

É importante voltar à história da unidade, sabemos que o BCAV 490 veio do Como em muito mau estado, estadeou em Bissau, cabe-lhe a partir de maio, com sede em Farim, proteger eixos como Cambajú – Sitató – Cuntima ou Canhamina – Canjabari – Junbembem. As atividades do PAIGC tinham-se alargado, excediam largamente o Oio. Ao BCAV 490 caberá a ocupação territorial da área da sua responsabilidade, irá mover-se entre Barro – Bigene – Farim – Cuntima, ocupando posições em Jumbembem e Cuntima, Binta, Bigene, Barro e Guidage. A seu tempo voltaremos a “Tarrafo”, de Armor Pires Mota. Iremos é despedir-nos da região Sul e nomeadamente de Cachil, o tal aquartelamento onde se posicionaram forças portuguesas depois da batalha do Como.

Temos à nossa disposição um importante escritor, José Martins Garcia, de um dos contos de “Morrer devagar”, de 1979, há para ali notáveis parágrafos brejeiros, onde o vitríolo mais mordaz é prática frequente:
“Na vila de Catió, lá para o Sul, onde a mosquitagem crescia delirante na estação das chuvas, o Batalhão de Caçadores tinha agora novo comandante, o Tenente-Coronel Galvão, um ser tratável, quase bondoso, um tanto sentimental, um tudo-nada neurasténico antes de se lançar nos uísques. O antigo comandante, o insuportável Tenente-Coronel Barradas, cuja paranoia crescera na proporção directa do entupimento dos tímpanos, havia sido afastado do activo, finalmente. E não deixara saudades aos militares nem aos civis respeitáveis do burgo.
Respeitáveis civis em escasso número, acrescente-se. Havia um comerciante transmontano, o único civil português totalmente branco da vila, o Barreiros, pequenino e rijo como um ouriço, que vendia arroz, aliás vianda, e amendoim, aliás mancarra, mais peixe seco e pano para blusas, saias e calções, e também vinho, aguardente e mistelas exóticas. (…) Os Fulas viviam quase todos em Priame, a um quilómetro de distância, sob autoridade feudal de João Bacar Jaló, Alferes de segunda linha do Exército Português. Os Nalus haviam desertado na totalidade. Só os Balantas adornavam as tardes rápidas de Catió, caindo bêbados de aguardente de cana e elevando ao crepúsculo uns risos lamentosos que os cães vadios, sarnosos, chagados, seguiam uivando horas a fio.

José Martins Garcia
No começo da guerra, em 1963, ordens e contraordens haviam produzido em Catió desusados movimentos de ida e volta. Um estratega iluminado decidira-se pela ocupação minuciosa das redondezas, fragmentando o batalhão, dispersando as companhias, fragmentando companhias, dispersando os pelotões, fragmentando pelotões, dispersando secções. O resultado foi desastroso, pois todas as ligações se mostravam extremamente complicadas, tanto por via rádio, como por via terrestre ou marítima, sucedendo-se às minas as emboscadas e às emboscadas as flagelações, com abundantes morteiradas alta noite. Confirmada a inoperância do iluminado estratega, logo lhe sucedeu um comandante de ideias diametralmente opostas, o qual, para demonstrar que a união faz a força, mandou recolher a Catió, com armas e bagagens, o batalhão que o antecessor havia disseminado. (…) Em Catió, onde os ataques nocturnos foram, por alguns anos, relativamente escassos, ouviam-se muito bem os rebentamentos das morteiradas vizinhas, desferidas contra Bedanda, Cachil, Ganjola e, mais raramente, Priame, ali mesmo ao fim da recta de um quilómetro, onde João Bacar Jaló, senhor de muita mancarra e de sete mulheres, valia, com a milícia Fula, por um exército inteiro. (…) O ataque à ilha de Como, onde posteriormente se instalaria a chamada Companhia do Cachil, nunca foi registado por cronistas. (…) O Cachil erguera-se, porém, nas imaginações. No passado recente, quando o surdo Tenente-Coronel Barreiros comandava o batalhão de Catió, a ameaça que mais insistentemente se lhe desprendia da boca era:
- Olha lá, ó militar! Queres ir prò Cachil?... 
Depois, quando o convivente Tenente-Coronel Galvão tomou conta daquela recalcada guarnição, logo um problema bicudo lhe veio pousar sobre a secretária: o Capitão Lourenço, comandante da companhia do Cachil, fora declarado incapaz para qualquer serviço militar, por conjugação de questões pulmonares com uma psicose verdadeiramente depressiva. (…)

Do Cachil não vinham nem bons ventos nem bons hóspedes, nem sequer boas notícias. A última irregularidade cometida por essas bandas rezava da alquimia operada no interior de um barril, cujo conteúdo vínico se revelara água, diante dos olhos crédulos e incrédulos. O comandante Galvão abominava as pequenas trapaças. E, por pensar em reabastecimentos, fez-lhe espécie, pela primeira vez, o facto de o Capitão Clemente, oficial de cavalaria, se ter enconchado na manutenção, superintendendo na batata, no vinho, no arroz, no bacalhau, como se fosse um desses da Administração, um ‘padeiro’. O Capitão Clemente empalideceu quando soube da decisão do Tenente-Coronel Galvão: mandá-lo para o Cachil, na qualidade de comandante interino da companhia, encarregando-o, ao mesmo tempo, mui honrosamente, de apurar a verdade acerca da transformação do vinho em água, alquimia tanto mais escandalosa quanto invertia a regra dos Evangelhos.

- Mas, meu comandante – gaguejou o Capitão Clemente – , logo agora, que a minha mulher veio para cá…
- Mas você fica lá só uns dias, homem! Há meses que não se ouve um tiro para aquelas bandas…
O Capitão Clemente partiu desmoralizado e começou a portar-se mal diante da escolta que o acompanhou ao cais, chegando ao ponto de gemer de voz embargada:
- Agora é que não torno a ver a minha mulher nem os meus filhos.

(…) O jantar foi servido ao ar livre, sob um poilão gigantesco. As escassas lâmpadas, tão débeis como o rumorejar irregular da geradora eléctrica, mais concentravam do que dispersavam os temores. (…) Mais tarde, quando deu as boas noites aos alferes e se fechou no quarto, voltaram-lhe à memória as fábulas incertas, tão incertas quanto divulgadas em terras da Guiné: dezenas de mortos e feridos, a cavalaria a atolar-se, a artilharia a esquivar-se, a infantaria a imolar-se. Tudo por uma questão de estratégia, ou por falta dela, na sinistra ilha do Como. (…) O Capitão Clemente começou a sentir dores de barriga. Tinha medo, é certo; mas a causa daquelas cólicas devia ser o mau estado do jantar: uns feijões embrulhados em farrapos de carne duvidosa… E era evidentemente um atentado à dignidade de um capitão não terem construído uma retrete, que diabo!, ali ao lado, uma retrete privativa, porque, se não há distinção entre o comandante e os subordinados, está em crise a hierarquia, a autoridade, a civilização…
O capitão Clemente dormiu pessimamente, revolvendo-se na cama dura, sentindo-se atolar na água negra do canal. Muito cedo, a passarada desatou a chilrear. O Sol, finalmente, viria trazer-lhe um pouco de alento, depois do horrível negrume daquela noite memorável.
O capitão Clemente espreitou por uma nesga da porta e avistou a sentinela. Com um berro indignado, onde perpassavam a aspereza e o peso do comando, mandou que o militar se aproximasse: - Entra, que temos de conversar!
O soldado mal abria os olhinhos atordoados, pois acabara de render um camarada:
- Estás a ver aquilo, pá!
Hirto, solene, o Capitão Clemente apontava um canto do quarto onde alguns cagalhões se cavalgavam.
- Põe-te em sentido! – uivou a indignação do bravo Capitão Clemente.
O soldado obedeceu, boquiaberto.
- E agora – rematou o bravo capitão, mais que fera – responde! Quem foi o filho da puta que fez uma coisa destas?”.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 27 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20183: Notas de leitura (1221): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (25) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20190: Notas de leitura (1222): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20127: Notas de leitura (1215): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (22) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
O bardo continua na ilha do Como, chora amargamente os camaradas que partiram e que ficarão no cemitério de Bissau. É o momento propício para dar um pano de fundo da Frente Norte, já se falou de Mansabá e Bissorã, a seguir à batalha do Como o destino será Farim, importa esclarecer o que na região aconteceu ao longo de 1963, aí se passarão muitas coisas que o bardo a seguir irá contar.
Feitas as contas, a batalha do Como assegurou uma retirada estratégica dos elementos do PAIGC, não podiam resistir ao potencial de fogo e à capacidade ofensiva das forças portuguesas. Só que o Como acabou por deixar de ter interesse estratégico, o PAIGC ganhou posições no Sul muito mais influentes. O mesmo PAIGC que usou o Como como arma de arremesso propagandístico, mentiu até dizer basta.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (22)

Beja Santos

“Ao virem para o Ultramar
seus paizinhos abraçaram.
Grande azar os perseguia,
ao Continente não voltaram.

O 820 falou
pouco antes de morrer
dizendo: - “é má de vencer
a força que nos enfrentou”.
Com coragem rastejou,
para conseguir escapar.
Ele e o 311 com azar
levaram muita rajada,
tinham a vida determinada
ao virem para o Ultramar.

Acabaram sua lida.
Aqui a lutar na guerra
ficaram debaixo da terra
tão longe da família querida.
Já não gozam mais na vida,
a mocidade deixaram,
pela nossa Pátria lutaram
com prazer e com orgulho.
Em 63, no mês de Julho
seus paizinhos abraçaram.

Ao abraçarem seus pais
foi uma coisa amargurada.
Na hora da abalada
deram suspiros e ais.
Já não tornam a ver mais
quem os trouxe à luz do dia.
Foi tão grande a agonia
quando este caso se deu.
Pinto e o condutor: morreu
grande azar os perseguia.

Na Província da Guiné
foi este acidente passado,
o condutor era Soldado
e o 1.º Cabo Henrique José.
Foi na mata de Uncomené,
que as amarguras passaram.
Para Bissau se evacuaram
onde foram enterrados.
E assim, estes malfadados,
ao continente não voltaram.”

********************

Enquanto o bardo exprime a sua dor pela morte dos camaradas, penso que chegou o momento azado de introduzir duas obras como pano de fundo para este PAIGC que desencadeara uma luta armada consequente logo no início de 1963 e ouvir um ponto de vista sobre a utilidade desta batalha do Como, do lado de investigadores portugueses, deixando para mais adiante a opinião de Basil Davidson, num trabalho panegírico sobre a libertação da Guiné.

Em “Os Anos da Guerra Colonial”, Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, a propósito da expansão da guerra, lembram que em junho de 1963 o PAIGC instalava-se na região que liga o Morés à fronteira norte, e escrevem:
“O comando militar português não esperava que essa actuação fosse desencadeada com tanta agressividade, nem que os grupos guerrilheiros do PAIGC dispusessem de armamento tão aperfeiçoado e em tal quantidade. A seguir a esta acção sucedem-se várias outras, reveladoras do potencial de combate e das capacidades militares do PAIGC”.
E vem um rol de datas com eventos: viaturas alvejadas entre Binta e Farim; grupos guerrilheiros a tentar destruir com explosivos diversas pontes e pontões nas estradas Olossato-Farim, Olossato-Mansabá e Mansoa-Nhacra; ataques a Binar e Olossato, aqui saquearam-se casas comerciais; emboscada a uma força militar de Mansabá; ataque a Encheia.
E os autores comentam:
“Era evidente que a atuação do PAIGC obedecia a um plano bem definido. A PIDE de Bissau tinha informações de um plano para o desencadeamento de acções armadas na zona norte da Guiné e de que as acções seriam desencadeadas por guineenses residentes no Senegal. O PAIGC contava nessa altura, na região de Zinguinchor, com perto de 300 elementos em Samine, e a PIDE estimava existirem no interior do território cerca de 6500 elementos treinados para a luta. Era ainda conhecida a existência de um depósito de armamento em Biambe, concelho de Bissau, e que estavam a aguardar mais material para distribuir nas áreas de Bula e Canchungo, onde, em princípio, pensavam desencadear as ações militares. O plano do PAIGC que a PIDE descobriu incluía ainda sabotagem de aviões e barcos".

Voltemos ao Morés, onde o PAIGC estimava poder manter no centro do Oio um quartel-general. Em poucas semanas, todas as pontes da região circundante do Morés foram destruídas e as estradas cortadas com abatises, em especial a de Bissorã-Mansabá. O PAIGC pretendeu inutilizar eixos rodoviários de interesse económico, o principal dos quais era a estrada Mansoa-Mansabá-Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida no leste da Guiné.
E adiantam os autores:
No final de agosto de 1963, a situação na região-chave que abrangia Bissorã, Binar, Encheia, Mansoa, Mansabá e Olossato era idêntica à de grande parte do sul da Província: populações fugidas, tabancas abandonadas ou destruídas, estradas obstruídas, a vida administrativa e a atividade comercial profundamente afectadas.
Amílcar Cabral emitiu um comunicado difundido em Agosto pelas emissoras de Dacar e de Conacri sobre este alastramento da actividade militar, confirmou que a luta estava a ser intensificada para tornar mais sólidas as suas posições no sul da Guiné ao mesmo tempo que se estendia a acção armada ao centro e ao norte.
A intensificação da luta, anunciada por Amílcar Cabral, correspondeu à realidade. No sul, o PAIGC, além de continuar a obstruir as estradas com abatises ou vales, aumentou o número de acções contra aquartelamentos militares, tendo sido especialmente visados os de Fulacunda, Catió, Buba, Cacine, Chugué, Empada e Bedanda. Estas acções foram quase sempre realizadas de noite e com maior ou menor violência. Para responder a esta situação de grande violência, as Forças Armadas deslocaram para a Guiné cerca de 5 mil homens durante o ano de 1963.”

O bardo e camaradas a caminho da Ilha do Como.

E chegamos agora à batalha do Como, evento militar maior, quase coincidente com o congresso do PAIGC em Cassacá. O PAIGC ocupava desde fevereiro de 1963 as ilhas de Como, Catunco e Caiar, ilhas estrategicamente importantes, a sua posse pela guerrilha dificultava a navegação pelo sul e facilitava-lhe ataques ao lado continental da colónia. Os autores de “Os Anos da Guerra Colonial” descrevem a Operação Tridente, a retirada de todo o contingente do PAIGC em que as suas bases foram destruídas após 71 dias de operação. Foi posteriormente construído um aquartelamento em Cachil onde ficou instalada uma companhia, com o objetivo de assegurar o controlo da ilha. Como seria de esperar, o PAIGC regressou à ilha e não deu vida fácil a quem estava em Cachil. Só que o Como acabou por perder a importância estratégica na justa medida em que a guerrilha se consolidou em vários locais do continente. Feitas as contas à batalha do Como, do lado português pôde dizer-se que os guerrilheiros resistiram e depois fugiram e a propaganda do PAIGC usou a batalha como uma grande vitória, falando sem pudor de centenas de mortes do lado português e de uma retirada das forças portuguesas perseguidas pelo PAIGC.

Se demos um pano de fundo sobre os acontecimentos da abertura da Frente Norte é para enquadrar o que, depois da batalha do Como, se irá passar com a atividade operacional do BCAV 490. E referir o livro “A libertação da Guiné”, por Basil Davidson, que teve a sua edição original em 1969 e edição portuguesa em 1975 é para ter uma imagem da profunda admiração sentida pelo jornalista e escritor britânico pelo pensamento e ação de Amílcar Cabral e como ele fez eco da batalha do Como. Prefaciou o livro Amílcar Cabral, fica demonstrada a conivência, a afinidade ideológica entre ambos, começara em 1960, quando Cabral se deslocou a Londres para pedir apoios políticos, deixando ali um importante documento.

Basil Davidson caminha no interior da Guiné ao lado de Cabral, fala-se da história da colónia, das bombas de napalm, colhe testemunhos de guerrilheiros, regista as tiradas tribunícias proferidas por Cabral junto das populações afetas, visita a região do Boé, descreve os princípios políticos do PAIGC: “É um movimento revolucionário que se baseia numa análise marxista da realidade social”. Dá como adquirido que organização política é uma democracia participativa, o PAIGC aceita apoio militar, formação profissional, nomeadamente na área da saúde e cita Cabral, a propósito do apoio internacional: “Não queremos voluntários. Conselheiros militares ou comandantes ou qualquer outro pessoal estrangeiro seria a última coisa que aceitaremos. Roubariam ao meu povo a sua única oportunidade de conquistar significado histórico pelos seus próprios meios, de reafirmar a sua própria história, de recapturar a sua identidade própria”. Mais adiante descreve a evolução dos meios militares sem antes, porém, enunciar as diligências perpetradas por Cabral para tentar negociar um processo de independência com o Governo Português. E assim chegamos à batalha do Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20109: Notas de leitura (1213): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (21) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20116: Notas de leitura (1214): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1627), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19971: (De)Caras (133): Faz hoje um ano que morreu um dos "bravos do Cachil", o ex-alf mil José Augusto Rocha (1938-2018), destacado dirigente estudantil (em 1962) e depois advogado, defensor de muitos presos políticos sob o Marcelismo. Tinha uma posição radical sobre a guerra colonial, a da denúncia ativa, razão por que declinara, em 2015, delicadamente, o nosso convite para integrar a Tabanca Grande.


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Fotos falantes...que não precisariam de legenda... Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Fotos do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) >  'Trabalho forçado': o transporte dos toros para a construção da paliçada e casernas. Foto do fur mil Vitor Neto, da CCAÇ 557.

Foto (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 > Mata destruída e a vista parcial do quartel do Cachil do lado do cais....É visível a  paliçada, vista da  entrada com cavalo de frisa, para quem vinha do cais .... porque no lado oposto seria muito perigoso para o fotógrafo, nunca se sabia quando é que um turra poderia estar na mata grande do Cachil... Uma das baixas que a companhia teve logo quase à chegada foi de um tiro isolado quando o soldado estava a cavar o abrigo. Além disso era uma zona que estava armadilhada e pessoal estava avisado para não a usar, embora durante o dia e nos dias em que havia batidas à mata do Cachil, as armadilhas eram desactivadas para evitar acidentes.

Foto (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 > A construção da paliçada...

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) >  1964 > Tourada no Cachil... Um camarada a demonstrar os seus dotes tauromáticos.. A malta dava largas à imaginação para se distrair...e não dar em doidos!...

Foto (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 > Abrigo "Cova do Comando" da CCAÇ 557 no Cachil. Alguém chamou a esta subunidade, que também participou na Op Tridente (jan/mar 1964), "a esquálida e esgroviada Companhia de Caçadores 557". Por detrás desta foto estão cinquenta e cinco dias a ração de combate, cerca sessenta dias sem mudar de roupa nem tomar banho, e com água racionada para beber

Legenda: a começar da esquerda para a direita o 1.º Cabo Enfermeiro Leiria; 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Robalo Dias; Dr. Rogério Leitão, que já partiu; atrás o 1.º Cabo Enfermeiro António Salvador, e por último, de quico, a sair do buraco, eu, Soldado de Transmissões José Colaço. As barbas com cerca de 90 dias. Os cabelos já tinham levado um corte para melhor se aguentar o calor. Aquela "divisória" entre o 1.º Cabo Dias e dr. Rogério, é uma cobra que durante a noite se lembrou de nos assaltar o abrigo e que só de manhã com a luz do dia foi detectada a um canto da cova. Foi condenada à morte pela catana de um milícia.

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A notícia da morte do José Augusto Rocha, amplamente noticiada pela comunicação social , (Público, Expresso, Diário de Notícias, RTP...), chegou-me, em primeira mão, por mail do José Colaço de 12/7/2018, às 13h32, a dizer telegraficamemte o seguinte: "Morreu o Dr. José Augusto Rocha, ex- alferes miliciano e 2º comandante da companhia de CCAÇ 557, 1963/65." (**)

 É justo que relembremos aqui, um ano depois, a sua morte deste nosso camarada que, depois da Guiné, acabou o curso de advocacia e foi um dos mais notórios defensores de presos políticos ao tempo do Marcelino. Defendeu gente de diferentes quadrantes político-ideológicos da esquerda, sem nunca levar um tostão.  Reproduzimos também parte do seu depoimento sobre a sua vida na tropa e  no TO da Guiné.

Algumas notas biográficas sobre este nosso camarada:

(i) foi director da Associação Académica de Coimbra, em 1962;

(ii) foi expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na sequência da crise académica de 62;

(iii) esteve preso no Forte de Caxias; liberto sem culpa formada, ao fim de 4 meses;

(iv) cumpriu o serviço militar e foi mobilizado para a Guiné, como alferes miliciano (CCAÇ 557, 1963/65);

(v) termina a licenciatura em direito, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois de ter regressado do TO da Guiné, em novembro de 1965:

(vi) inscreve-se na Ordem dos Advogados, em 13 de agosto de 1968 [, foto acima, à esquerda, reproduzida do respetivo boletim de inscrição, cortesia do portal da Ordem dos Advogados]

(vii)  participou em numerosos julgamentos e processos no Tribunal Plenário Criminal de Lisboa, onde defendeu vários presos políticos, nomeadamente Victor Ramalho, Francisco Canais Rocha, João Pulido Valente, António Peres, Diana Andringa, Fernando Rosas, Maria José Morgado, José Mário Costa, Paula Rocha, Isabel Patrocínio Saldanha Sanches, José Maria Martins Soares, Amadeu Lopes Sabino, Sebastião Lima Rego e Paula Metelo (Fonte: Esquerda.net)


2. Excertos, com a devida vénia,  do blogue "Caminhos da Memória" > Segunda feira, 19 de outubro de 2009 > Memória breve da história da Guiné > Um texto de José Augusto Roch

[Aconselha-se a leitura na íntegra deste depoimento, na fonte original; os excertos que reproduzimos levam subtítulos da nossa responsabilidade. LG]

(i) expulso da Universidade, ém 1962, é chamado para a tropa e mobilizado para a Guiné, em 1963

(...) A 25 de Novembro de 1963, embarquei no cargueiro «Ana Mafalda» (...), adaptado à pressa para transportar outra e nova carga – homens soldados – rumo à guerra colonial da Guiné. (...)

Nos anos sessenta, a ordem de incorporação e a ida para a guerra colonial estava indisfarçavelmente ligada à repressão política e à PIDE. Esta articulação era particularmente visível em relação ao movimento estudantil e em especial aos seus dirigentes. As medidas de repressão do aparelho do Estado, ao nível das forças armadas, eram várias e diversificadas e iam desde a incorporação em estabelecimentos militares disciplinares de correcção, como o de Penamacor, onde foi internado, por exemplo, o Hélder Costa e o João Morais, até incorporações antecipadas e transferências arbitrárias de quartéis, de acordo com estritas ordens da polícia política (PIDE).

No meu caso, libertado do Forte de Caxias, em Julho de 1963, fui incorporado logo em Setembro, para minha total surpresa, no Regimento de Lanceiros 2, conhecido como o quartel da polícia militar, unidade de confiança do regime político do Estado Novo.

Vim a encontrar aí outro dirigente associativo, da Associação dos Estudantes da Faculdade de Letras, o João Paulo [Gomes] Monteiro [1938-2016], filho do exilado político Adolfo Casais Monteiro. A surpresa de imediato foi esclarecida. O treino militar do 1º ciclo, naquele Regimento, era muito duro e de verdadeiro castigo e, logo que terminou, ambos fomos transferidos para a Escola Prática de Infantaria de Mafra, por despacho do então Ministro da Defesa Nacional, General Mário Silva [, ministro do exército, de 13 de abril de 1961 a 4 de dezembro de 1962, sucedendo-lhe o general Joaquim  Luz Cunha, até  19 de agosto de 1968]

Cumpre assinalar que ambos gozávamos de forte simpatia entre os cadetes instruendos e mesmo dos Alferes instrutores do Quadro. Fui chamado ao Comando e aí o Capitão Semedo (irmão do actor de teatro, Artur Semedo) fez questão em dizer que a convocatória queria expressar o seu profundo desacordo pela transferência, mas que ela era exterior ao Regimento e provinda de ordens do poder político. Terminada a instrução em Mafra, fui colocado, como Alferes Miliciano, no Quartel de Caçadores 5, em Lisboa.

Esta unidade militar era a unidade da confiança política do governo e comandada pelo Major Portugal, conhecido elemento da Legião Portuguesa. Tal como tinha acontecido no Regimento de Lanceiros 2, cedo gozei de grande simpatia junto dos Alferes Milicianos e do próprio Capitão da Companhia, Capitão Vieitas. Por força disso, fui escolhido pelos oficiais milicianos para integrar a mesa do Comando no dia oficial da Unidade e para em nome deles fazer o discurso oficial.


(ii)  feito 2º comandante da CCAÇ 557 (Bissau, Cachil, Bafatá, 1963/65)

Não tardou que novo despacho do mesmo General Mário Silva ordenasse a minha transferência para Évora, para a Companhia de Caçadores de Infantaria 557 [CCAÇ 557], rumo à Guiné, sendo que a Companhia donde fui transferido embarcou para um lugar relativamente calmo, a cidade da Beira, em Moçambique.

Esta transferência foi muito controversa, com oposição, por escrito, do próprio Comandante da Companhia. Sincero ou não, por sua vez, o Major Portugal chamou-me ao Comando onde manifestou o apreço que os oficiais tinham por mim e sugeriu que apresentasse uma exposição escrita, que ele a remeteria às autoridades superiores. Recusei e lá fui para a Guiné, no «Ana Mafalda».

Cheguei à Guiné em 3/12/63 e, logo em 14 de Janeiro de 64, a Companhia 557, comandada pelo Capitão João Luis Ares e de que eu era o segundo comandante, por ser o Alferes Miliciano mais classificado, foi integrada na maior operação de toda a guerra colonial, a Operação Tridente, destinada a libertar a Ilha do Como, onde o PAIGC tinha a sua bandeira hasteada, simbolizando a primeira região libertada da Guiné Bissau.

Fui, então, transitoriamente retirado da Companhia e fiquei em Bissau como elo de ligação, para o envio de alimentos e o mais necessário à sua sobrevivência.

Em Bissau, acabei por formar uma espécie de tertúlia no «Café Bento» – à data, frequentado também pelo hoje Major Tomé e pelo advogado Orlando Curto – com o cirurgião do Hospital Militar de Bissau, António Almeida Henriques, que conhecia de Viseu, donde ambos éramos naturais, e o reanimador daquela equipa cirúrgica, António Rosa Araújo, que mais tarde, muitos anos depois, viria a defender, como advogado, no conhecido processo judicial «caso dos hemofílicos», também conhecido por «processo do sangue contaminado».

Estes dois oficiais médicos não escondiam a sua discordância com a guerra colonial (...).


(iii) A Op Tridente (Ilha do Como,  jan / mar 1964), em que participou a CCAÇ 557

Existe informação vária sobre as batalhas e forças militares que integraram a Operação Tridente, mas nenhuma sobre a CCÇ 557, de que eu era, como referi, o segundo Comandante. A Operação Tridente, assim chamada por integrar os três ramos das forças armadas portuguesa, implicou efectivos na ordem de 1200 homens, aviões, fragatas e lanchas de desembarque.

Na rigorosa descrição feita pelo oficial do exército da república da Guiné Bissau, Queba Sambu, a ilha do Como tem uma superfície de 210 kms quadrados, 166 dos quais são lodo das marés, sendo constituída por um litoral de tarrafe, lamaçais que, na maré baixa, chegam a atingir quatro kms entre a terra firme e os canais, de fluxo e refluxo marítimos. Seguindo-se ao tarrafe, estendem-se as bolanhas (arrozais) com alguns palmares, sendo o centro da ilha de matagal. Nas bolanhas, de largos canais de irrigação, o nevoeiro só permite uma visibilidade de três a cinco metros.

Foi nesta ilha que, no dia 14 de Janeiro de 1964, desembarcaram os 145 soldados e oficiais da CCAÇ 557, numa operação muito arriscada em que os soldados foram salvos de asfixia e atolamento completo no lodo, por cordas lançadas pelas lanchas de desembarque. O médico da Companhia, de nome [Rogério] Leitão – aliás um bom fotógrafo – tirou fotografias do acontecimento, mas o rolo acabaria por ser confiscado e perdeu-se esse testemunho documental.

A operação terminou de forma dramática para as populações da ilha, tendo sido destruídas e queimadas as tabancas (aldeias indígenas) aí existentes, e abatidas centena e meia de vacas e tudo o mais que constituía a forma de viver daquelas populações, como máquinas de costura, camas, roupas, etc…


(iii) A construção do aquartelamento do Cachil, pela CCAÇ 557

As tropas regressaram a Bissau e foi deixada na mata do Cachil a CCAÇ 557, num aquartelamento feito à pressa com troncos de palmeiras na vertical e em tudo parecido a um aquartelamento índio. Sem água potável, sem alimentação e expostos à malária e a severas condições de carência e sofrimento, estes homens, totalmente isolados e comendo meses a fio só rações, dependiam do mundo exterior de uma barcaça que, de vez em quando, ia ao centro de Comando situado na povoação de Catió.

Encurralados naquele curto espaço de mata, lamaçais e bolanhas, estes homens viveram uma verdadeira odisseia de isolamento e condições infra-humanas de sobrevivência, acossados por acções de ataques ao quartel e flagelações das forças do PAIGC, entretanto regressadas à Ilha, após a retirada das tropas da Operação Tridente para Bissau.


(iv) Regressado de Bissau, comandante interino da CCAÇ 557, no Cachil, sofre um ataque por engano da FAP

(...) Quando o capitão da Companhia foi de férias, vim de Bissau para o quartel de Cachil, para assumir as funções de comando, tomando contacto com homens destruídos psicológica e humanamente por condições tão duras de sobrevivência e onde situações de saúde física e mental se agravavam, dia a dia, à espera do dia redentor de uma substituição por outros efectivos.

Vivia-se este ambiente, quando um dia apareceram, lá no céu, dois aviões [F 86] [no original, Fiats lapso do autor, já que ainda não havia o Fiat G-91], que, para surpresa nossa, começaram a picar sobre o quartel e a metralhar toda aquela zona, nomeadamente junto ao improvisado cais do rio, onde estacionava a barcaça de ligação a Catió.

Em desespero, ordenei que fossem lançados para o ar very-lights e um grupo avançasse com a bandeira nacional, para mostrar que éramos tropa amiga, ao mesmo tempo que por via rádio comunicava com o Comando de Catió, para que o engano fosse desfeito. Os aviões desapareceram no horizonte e ninguém ficou ferido.

Na minha vida já tive dois acidentes graves de viação, mas aviões a jacto a picar sobre a minha cabeça, é acontecimento digno da linguagem própria de uma crónica de Fernão Lopes, quando no cerco a Lisboa, dizia: «era coisa espantosa de ver…».

Junto ao cais, entretanto, ficaram os destroços dos garrafões de vinho, grades de cerveja e rações de combate, que tinham sido abastecidos naquele dia à companhia!!!… O médico da companhia [, o Rogério Leitão, ] tirou fotografias do ataque, que infelizmente não disponho para ilustrar esta minha memória.

Fui a Bissau e protestei junto do Comando e encontrei-me com os aviadores que me informaram que tinham acabado de chegar à Guiné e faziam uma operação de reconhecimento, pensando que se tratava de forças inimigas… Que eu saiba, só houve dois enganos em ataques da aviação: este e um outro sobre os fuzileiros navais, de que resultaram, tanto quanto me lembro, dois mortos.

Acabámos por ser rendidos por outra Companhia e enviados para a zona da vila de Bafatá, donde regressei a Portugal a 24 de Novembro de 1965, para terminar o curso de Direito, que a minha expulsão da Universidade de Coimbra e de todas as escolas nacionais, por dois anos, tinha impedido de concluir.(...)

[Revisão / fixação de texto / subtítulos / hiperligações : LG]

3. O José Augusto Rocha e o nosso blogue:

(i) Comentário do nosso editor Luís Graça:

(...) Conheci, pessoalmente, o José Augusto Rocha em 15 de outubro de 2009 (**). Foi-me apresentado pela Diana Andringa, na estreia, no Doclisboa 2009, do seu filme Dundo, Memória Colonial.

Tivemos um conversa cordial, mas dise-me logo que não era homem de blogues nem pretendia "alimentar" o nosso banco de memórias... De resto não gostava de falar da Guiné e da guerra, a não ser no contexto das suas memórias políticas que estava a (ou tencionava) elaborar.. Falou-me do texto que estava a escrever (e de que reproduzimos acima  uma parte substancial), para o blogue "Caminhos da Memória", uma promessa que tinha feito, "a título excepcional"... Um dos autores que alimentava esse blogue era justamente a Diana Andringa. [Este blogue deixou de estar ativo a partir de 16 de maio de 2010, embora esteja "on line" e seja consultável.]

Falou-me por alto da Op Tridente, e de vários nomes do seu tempo: Cavaleiro Ferreira, Barão da Cunha, Saraiva... Fiquei a saber, por outro lado, que, na altura, em 1962, aquando da crise académica, e quando foi ele expulso de todas escolas do país, tinha a frequência do 5º ano do curso de licenciatura em direito... Só depois de regressar da Guiné, em finais de 1965, é que pôde completar o curso.

(ii) O José Colaço, nosso grã-tabanqueiro, ex-sold trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) acrescentou o seguinte a respeito do nosso camarada José Augusto Rocha:

(...) O ex-alferes miliciano Rocha era o meu comandante de pelotão, o 4º, ou seja, o pelotão de armas pesadas. Ele era também o 2º comandante da companhia.

Guardo dele, durante a nossa estada na guerra da Guiné, bem como de todos os oficiais e sargentos e restantes camaradas, as melhores recordações. Mas, para este ambiente funcionar como uma máquina bem oleada, houve, e ainda há, um homem que, além de militar com a sua patente de capitão, via no seu subordinado, no homem que estava à sua frente, outro ser humano como ele... Este homem dá pelo nome de João da Costa Martins Ares, hoje coronel reformado.

O Rocha possivelmente não te contou esta passagem: no início da nossa comissão é recebida uma mensagem dos serviços da PIDE com o seguinte teor, mais ou menos: que o capitão deunciasse o dia a dia do alferes Rocha pois ele era elemento a ser vigiado na sua conduta diária. As palavras não eram exactamente estas mas o sentido era vigiar o Rocha e informar os serviços da PIDE.

O capitão toma a seguinte resolução: chama o alferes Rocha, tem uma conversa séria de homem para homem, mostra-lhe a mensagem; o Rocha, por sua vez, conta-lhe todo o seu passado politico de oposicionista ao governo de Salazar, mas dá um voto de confiança ao capitão, o qual poderá contar com ele e, mais, que nunca seria atraiçoado.

Deste modo, o capitão conseguiu mais um amigo para levar a bom porto aquela nau durante vinte e três meses. (...)


(iii) Mensagem de email do José Augusto Rocha para o nosso editor Luís Graça, com data de 22/10/2009 :

(...) Sensibiliza-me o que diz sobre o depoimento que fiz para os Caminhos da Memória, mas permita-me que lhe diga que o seu depoimento sobre a guerra colonial é uma reflexão corajosa e muito lúcida. Se o termo não fosse controverso, acrescentaria: bela!

Bem, agora sim, estive a ler tudo o que consta do seu blogue, que se reveste de importância decisiva para a história da guerra colonial... ainda por fazer, ou não totalmente feita.

E a leitura que fiz, deu-me conhecimento de que, afinal, havia mesmo já alguém (o José Colaço) que tinha escrito sobre o Como e CCaç 557, ao invés do que digo no meu depoimento… Só me admiro que ele [não] fale do engano da aviação, até porque penso que foi ele que enviou o meu pedido de socorro para o Comando de Catió! ...

(iv) Três dias antes, a 19 de outubro de 2009, o José Augusto Rocha tinha esclarecido, sem qualquer margem para dúvidas, qual era a sua posição face ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande, razão por que emtendi não fazer sentido vir eu depois decidir, a título póstumo, sentá-lo à sombra do nosso poilão... Seria trair a sua confiança, desrespeitar a sua vontade e fazer batota, violando as nossas próprias regras do jogo...

(...) Quanto ao seu blogue, tenho as maiores dificuldades em nele colaborar. Tenho alguma radicalidade quanto a estas coisas da guerra colonial e sempre entendi que os encontros e confraternizações, a propósito dela, tendem a contar só meia memória, a memória boa, vista do lado de cá… Embora não pretenda julgar quem quer que seja, penso que compreender o passado implica um juízo de valor sobre o certo e o errado e, muitas vezes, nessas manifestações de convívio não é possível esconder a nossa discordância em relação ao que se ouve e isso cria um ambiente pouco propício ao encontro. Fui duas vezes a coisas dessas e jurei não mais ir!

(...) Por estas e por outras, quanto à guerra colonial, vou ficar-me pela “curta memória da guerra colonial das Guiné”, a publicar nos Caminhos da Memória, dando, quanto a este capítulo, por encerrado o meu dever de memória (...) 

(v) O último email que troquei com ele, nestes últimos 3 anos, em 8 de maio de 2015, e em que já nos tratávamos por tu, tirou-me as derradeiras ilusões sobre a possibilidade de ele vir um dia aceitar o nosso convite para se juntar ao nosso blogue, enquanto coletivo de ex-combatentes da guerra da Guiné. A sua posição sobre a guerra colonial era firme, coerente e definitiva, aos 76 anos, e só tive que respeitá-la... 

Tenho hoje pena de, não obstante a nossa troca de emails, nunca termos podido, em tempo útil, ou seja, em vida, sentarmo-nos, à mesa para uma conversa mais franca, "tête-à-tête", olhos nos olhos, sobre a nossa experiência enquanto combatentes e as nossas posições político-ideológicas face à guerra colonial:

(...) Quanto ao mais, tudo é mais difícil e diria mesmo impossível. A minha posição em relação à guerra colonial, a única que entendo possível, urgente e inadiável, é a sua denúncia activa, nela tendo um grau de responsabilidade incontornável, todos quantos assistiram e até participaram nos massacres( e depois até foram condecorados por esses feitos em nome da Pátria) de todo um povo cujo único crime foi existir. Ainda hoje vivo memórias horrorizadas de tudo que vi e presenciei e me foi narrado. 

Daí que pense que blogues como os "Camaradas da Guiné”, usando uma expressão de Roland Barthes, “ tendem em instituir-se como exteriores à História” e “é lá onde a História é recusada que ela mais claramente age”. Daí que a minha tribuna só possa ser política e ideológica, o que, como é evidente, não cabe no âmbito neutro e apolítico do teu blogue. Mas será que, bem vistas as coisas, existem blogues apolíticos a falar de acontecimentos de uma guerra, mesmo a propósito de camaradagem entre os seus autores e actores? Conversa longa que não cabe neste escrito. Não estaremos perante uma operação mitológica?

Espero que compreendas e não leves a mal esta minha posição, mas as minhas memórias da Guiné são políticas e como tal estão a ser escritas e delas darei justo testemunho cívico e republicano. (...)


Quando ele morreu, três anos depois, com 79 anos,   eu tive pena de não ter tido feito um esforço adicional, não para o convencer, mas pelo menos, para clarificar a missão (talvez impossível) do nosso blogue e sua íntrínseca ambiguidade. É possível fazer pontes, tentando concilitar o que é inconciliável ? Sem querer entrar em polémica, acho que sim, e é desejável.

Afinal, ao fim destes anos todos (mais de meio século), os combatentes de um lado e do outro nunca chegaram a fazer as pazes... Pôs-se uma pedra no sapato e, pronto!... À boa maneira portuguesa!... Onde está "reconcialiação" entre os inimigos de ontem ? Onde há espaços para falarmos, cada um à vez, das suas experiências de guerra ? O Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" provavelmente vai acabar sem o ter conseguido... Vai seguramente acabar um belo dia destes, porque estamos velhos e cansados... Como acabou, demasiado cedo, o blogue "Caminhos da Memória"... Espero, ao menos, que o nosso deixe alguma saudade...

Há 15 anos que o tentamos, recusando as posições radicais do tudo ou nada... Guardo, do José Augusto Rocha, a memória do homem e do cidadão,   afável,  coerente, inteligente, corajoso, solidário e frontal.  Foi seguramente também um dos "bravos do Cachil", ou seja, um camarada nosso. (***)
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Notas do editor:

(*) Alguns dos muitos postes que já publicados sobre o Cachil, ilustrados com fotos:

4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13188: Memória dos lugares (266): Cachil, o meu suplício de Sísifo durante 30 dias (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

 4 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13688: Fotos à procura de uma legenda (36): Uma vacada... no Cachil (Victor Neto / José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)

5 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13692: Álbum fotográfico do Victor Neto, ex-fur mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Cachil: parte I

(**) Vd. poste de 13 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18842: In Memoriam (318): José Augusto Rocha (1938-2018), ex-alf mil, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65... Um camarada cuja tribuna só podia ser "político-ideológica"...

(***) Último poste da série > 4 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19948: (De) Caras (108): Manuel Barros Castro, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), natural de Fafe, nosso grã-tabanqueiro nº 793..... Assumiu a paternidade da sua filha guineense, Maria Biai Barros Castro (1964-2009): uma história aqui (re)contada por Jaime Silva

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19967: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte IX: O 'bu...rako' do Cachil (set 1965 / jan 1966)



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. set 1965  >  Cachil, na ilha do Como, um "resort" de muitas estrelas: a cozinha (1).




Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. set  1965 >  Cachil, na ilha do Como, um "resort" de muitas estrelas: a cozinha (2).


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966  >  Cachil, na ilha do Como: aspeto parcial das instalações (1).



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966  >  Cachil, na ilha do Como: aspeto parcial das instalações (2).




Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966  > Da esquerda para a direita, João Sacôto, João Bacar Jaló e Cap Alexandre... No espaldão do morteiro 81  (1)


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966 > Da esquerda para a direita, João Sacôto, João Bacar Jaló e Cap Alexandre... No espaldão do morteiro 81 (2)


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966 > Da esquerda para a direita, alf João Sacôto, alf Gonçalves, João Bacar Jaló e Cap Alexandre (1).



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966 > Da esquerda para a direita, alf João Sacôto, alf Gonçalves, João Bacar Jaló e Cap Alexandre (2).



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966 > Da esquerda para a direita, João Bacar Jaló, cap Alexandre e alf Sacôto (1)




Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966 > Da esquerda para a direita, João Bacar Jaló, cap Alexandre e alf Sacôto (2)




Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966  >  Da esquerda para a direita,  cap Alexandre,  João Bacar Jaló e alf Sacôto (1).



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 617 (1964/66) > c. 1965 / 1966  >  Da esquerda para a direita,  cap Alexandre,  João Bacar Jaló e alf Sacôto (2).

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC (Direção Geral de Aeronáutica Civil). Foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.


Estudou no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF, hoje, ISEG) . Andou no Liceu Camões em 1948 e antes no Liceu Gil Vicente. É natural de Lisboa. É casado. Tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo seguido por mais de 8 dezenas de pessoas). É membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011. Tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue.


2. Neste poste mostramos algumas fotos que documentam a passagem do alf mil João Sacôto pelo destacamento do Cachil, na ilha do Como, um dos famigerados "bu...rakos" do CTIG. (*)

Lembre-se que a CCAÇ 617 esteve em Catió de 1 março de 1964 até 22 de setembro de 1965, altura em que assume a responsabilidade do susector do Cachil, por troca com a CCAÇ 728. Será rendida pela CCAÇ 1424, em 16 de janeiro de 1966. Regressa a Bissau, aguardando embarque para a metrópole.

A última companhia a passar pelo Cachil foi a CCAÇ 1620, do nosso camarada Manuel Cibrão Guimarães, de 20 de março de 1968 a 1 de julho de 1968, altura em que foi extinto o aquartelamento e o subsetor do Cachil (**), por ordem de Spínola, por manifesta falta de condições de habitabilidade e segurança: por exemplo, não havia água potável; o abastecimento era feito a partir de Catió, através de uma lancha, que vinha num dia, na maré-cheia, e só podia regressar no dia seguinte... Era um verdadeiro inferno na época das chuvas, um piores lugares do TO da Guiné, a par de Beli, Madina do Boé, Cameconde, Sangonhá, Ponta do Inglês e outros "resorts"... bélico-turísticos.

Temos mais de 70 referências ao mítico topónimo Cachil.

A primeira subunidade a ocupar o Cachil, depois de ter participado na Op Tridente (Ilha do Como, jan-março 1964),  foi a  CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), dos nossos camaradas José Botelho Colaço,  Francisco Santos e Rogério Leitão (1935-2010), membros da nossa Tabanca Grande.

 À CCAÇ 557 também pertenceu  o José Augusto Rocha (1938-2018), director da Associação Académica de Coimbra, em 1962, expulso da universidade por 3 anos, preso pela PIDE e mobilizado mais tarde para a Guiné,  enfim, um camarada cuja tribuna só podia ser "político.ideológica": foi defensor, como advogado, de muitos presos políticos do Estado Novo...Recusou delicadamente, ainda em vida, o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande. Morreu, vai fazer um ano, em 12 de julho de 2018.

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Vd. postes anteriores:

28 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19628: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VII: Catió e arredores: contactos com a população civil

20 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19604: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VI: Em Príame, a tabanca do João Bacar Jaló (1929 - 1971)

3 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19546: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte V: Catió, o quartel e a vida da tropa

28 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19539: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte IV: Catió: as primeiras impressões

17 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19502: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte III: O meu cão Toby, que fez comigo uma comissão no CTIG, e que será depois ferido em combate no Cantanhez

10 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19488: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte II: Chegada a 15/1/1964 e estadia em Bissau durante cerca de 2 meses

4 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19468: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte I: A partida no T/T Quanza, em 8/1/1964

(**) Vd. poste de 26 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18257: Memória dos lugares (372): Cachil, na altura da extinção do aquartelamento, em 1 de julho de 1968 (Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, CCAÇ 1620, Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68)