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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20671: Agenda cultural (745): lançamento de mais um livro de um dos nossos últimos "lobos do mar", o capitão Valdemar Aveiro: "Apelos do Passado: Recordações da Pesca do Bacalhau"... Apresentação da obra: prof Álvaro Garrido. Local e data: Museu Marítimo de Ílhavo, 6 de março, 21h30.


Ficha técnica:
Apelos do Passado - Recordações da Pesca do Bacalhau
ISBN 978 972 780 714 7
Edição: 1.ª Edição - Fevereiro de 2020
Páginas: 98
Formato: 15x23cm
Preço de capa: €11,00


O autor: Valdemar Aveiro

Valdemar Aveiro nasceu em Dezembro de 1934, em Ílhavo, no seio de uma família de pescadores.

Terminada a instrução primária, começou a trabalhar como aprendiz de barbeiro, passados 10 meses empregou-se numa oficina de serralharia civil e, mais tarde, na construção civil.

Aos 15 anos concorreu à Escola Profissional de Pesca, ganhou uma bolsa de estudo que lhe deu acesso ao liceu e, posteriormente, à Escola Náutica, onde concluiu o Curso de Pilotagem. Embarcou como moço a bordo do lugre-motor Viriato para fazer uma viagem à pesca do bacalhau no sentido de suportar as despesas da sua formação.

Em 1957 embarcou como praticante de piloto no navio Santa Mafalda, da Empresa de Pesca de Aveiro, sendo promovido no ano seguinte a piloto, a bordo do mesmo navio. Passou a oficial imediato, do navio Santa Joana, em 1960.

Emigrou para o Canadá, em Abril de 1964, na persecução de se licenciar em Medicina, um sonho que não logrou cumprir, tendo regressado a Portugal no ano seguinte. Em 1966 embarcou no navio São Gonçalinho e no ano seguinte passou para um navio moderno, Santa Isabel, comandado pelo capitão David Calão.

Assumiu, em 1970, o comando do mais velho arrastão português, Santa Joana, e, dois anos depois, foi convidado para comandar o navio Coimbra, então em construção nos Estaleiros de S. Jacinto.

Retirou-se por doença em 1988.

Após a sua recuperação, foi convidado a colaborar com a administração da Empresa de Pescas S. Jacinto, SA, sendo, desde 1991, membro do seu conselho de administração.


Fonte: Âncora Editora >Autores > Valdemar Aveiro

O Valdemar Aveiro,ou capitão Aveiro,  como é carinhosamente conhecido e tratado,  é nosso amigo, meu e do José António Paradela. Tem cerca de uma dezena de referências no nosso blogue,ligadas à sua atividade como escritor e às suas memórias da pesca do bacalhau. Tem seis livros publicados na Âncora Editora.

Temos, por sua vez, 30 referências, no nosso blogue,  à pesca do bacalhau. (*)

Recorde-se que, e como aqui escrevemos em tempos (**), "já desde 1927, do tempo da Ditadura Militar, havia legislação que veio promulgar medidas de incentivo ao desenvolvimento da pesca do bacalhau, e nomeadamente facilitar (e tornar mais atrativo) o recrutamento do pessoal (vd. Diário do Governo, 1.ª série, Decreto n.º 13441, de 8 de Abril de 1927). "

Uma dessas medidas era justamente "a dispensa do serviço militar aos pescadores e marinheiros que tivessem cumprido um mínimo de seis campanhas de pesca consecutivas na frota nacional bacalhoeira". Frota heróica, diga-se de passagem!...

Havia ainda a possibilidade de os mancebos apurados para o serviço militar  beneficiarem de "adiamento até aos 26 anos"...  Além disso, "a falta à junta de recrutamento podia ser relevada desde que os faltosos fizessem prova de que estavam embarcados"...

Conclusão; a pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, durante todo o  Estado Novo,  era um verdadeiro "desígnio nacional"...
_____________

Notas do editor:


quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20291: Manuscrito(s) (Luís Graça) (171): Parabéns, mano Zé António Paradela... E toma lá um arrozinho de santieiros...










Tabanca de Candoz > 30 de outubro de 2019 > Os "santieiros" e o arrozinho do nosso contentamento... Vêm as primeiras chuvas e "eles", os cogumelos,  surgem, da noite para o dia, no fundo da terra, junto aos castanheiros e aos carvalhos... Estes são os primeiros cogumelos comestíveis deste ano...Aqui dizem-se "sentieiros"é um regionalismo... 

É um cogumelo comestível [Macrolepiota procera], com chapéu com 10 a 30 centímetros, muito apreciado na região de Entre Douro e Minho... Na região Centro, chamam-lhe "frade"... 


Atenção: há o "frade" comestível[Macrolepiota procera] e o falso "frade", venenoso [Macrolepiota venenata]...

Também se comem... (i) fritos com cebola; ou (ii) assados na brasa, só com uma "pedrinha de sal"!... Enfim, sabores da infância, um petisco, de comer e chorar por mais, dizem os tabanqueiros de Candoz.
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Parabéns, mano!...
E toma lá um arrozinho...
de santieiros!



Zé António Paradela,
Não t’fazia este alarido,
Se a vida não fosse bela,
E tu um amigo querido.

E tu um amigo querido,
Cheio de talentos e afetos,
À beira mar nascido,
Só te falta ter uns netos.

Só te falta ter uns netos,
Quanto ao resto és campeão,
Vida de anos repletos,
E amigos do coração.

E amigos do coração,
Que muito te querem bem,
Da Joana ao João,
E o Tibério também.

E o Tibério também,
Mais o capitão Aveiro,
E, se falta mais alguém,
É o teu filho bacalhoeiro.

É o teu filho bacalhoeiro,
Que não quis ser arquiteto,
Na Terra Nova é o primeiro,
E o mar é o seu projeto.

E o mar é o seu projeto,
Diz a mãe, que é 'madeirense',
Num barco não há chão nem teto,
Confirma o pai, ilhavense.

Confirma o pai, ilhavense,
Poeta do risco  e do mar,
Que o futuro a nós pertence,
E o resto é p'ra quem calhar.

E o resto é p'ra quem calhar,
Já não nos roubam o passado,
A chorar e a cantar,
Foi um tempo bem gozado.

Foi um tempo bem gozado,
Não me venhas cá com tretas,
Mesmo se às vezes mais stressado,
Não estavas mal das canetas.


Não estavas mal das canetas,
Nem te faltavam encomendas,
Agora é só maquetas,
E um gajo não ganha p'ras prendas.

E um gajo não ganha p'ras prendas,
Faz p'ros amigos uns versinhos,
E lá p'ras gregas calendas
Há de te papar uns almocinhos.

Há de te papar uns almocinhos,
Que a amizade não tem preço,
Com abraços e beijinhos,
Vou-me embora e me despeço.

Vou-me embora e me despeço,
Com este arroz de santieiros...
Vais-me dizer: "Eu mais mereço,
E vocês são uns lambareiros".

E vocês são uns lambareiros,
Comem tudo, não deixam nada,
Ainda dizem que são porreiros,
E a Matilde fica... augada!


Quinta de Candoz, 30/10/2019,
Os amigos Luís & Alice
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20115: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte III: a vida são dois dias e a festa são três: o 6º encontro da família Ferreira...

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P1940: Manuscrito(s) (Luís Graça) (150): No país dos poetas...(Homenagem ao José António Paradela)

Em homenagem 
ao Zé António Paradela
que, além de português e ilhéu, de Ílhavo,
é arquiteto e poeta
(e portanto, triplamente louco).

Tem vindo a cumprir religiosamente 
o guião da sua história de vida: todos os anos, a 30 de outubro, faz anos
e, uns dias depois,
junta à volta da mesa
a família e os amigos
para celebrar a vida, o amor,
a amizade e a poesia.

Como ele faz o favor o ser meu amigo,
e, mais do que isso, é meu mano,
eu costumo todos os anos
escrever-lhe uns versinhos.
Este ano não saiu um “sorneto”, 
de chocolate e morango,
mas um poema livre,
que é também a minha/nossa dedicatória
à prenda que eu, a Alice, a Joana e o João, 
 lhe trouxemos,
o livro de Walth Whitman (1819-1892),
“Leaves of Grass”, “Folhas de Erva”,
numa primorosa tradução portuguesa.

O criador do poema livre,
o poeta maldito,
o grande poeta da democracia americana,
é urgente relê-lo,
numa época em que os pais fundadores  da América
correm o risco de morrer pela segunda vez.

Como eu gosto de dizer
aos meus velhos camaradas,
combatentes de múltiplas batalhas e guerras,
Zé António, até aos 100 
é sempre em frente,
só tens que ter cuidado…
com as minas e armadilhas!

Agora vamos lá ao poema
que eu escrevi a pensar em ti,
que também és poeta como eu,
mas vives em Mira Flores, em Oeiras,
sendo por isso freguês do Isaltino.




No país dos poetas

para o Zé António Que Faz Hoje anos



No país da poetas,
Os poetas não se vendem.
Leya-se (com ípsilon): 
A poesia não se vende,
Mas também já não morre em baús e gavetas. 

No país da poesia,
A poesia nunca está em crise.
Muito simplesmente 
Porque a poesia não entra
Para as contas... nacionais.

Antes a poesia ainda se vendia 
Com os jornais
E servia para embrulhar as castanhas assadas
No verão de São Martinho.
E mesmo assim tinha a concorrência, desleal,
Das "Páginas Amarelas".
Hoje, nem isso, 

A bem da saúde pública, diz a ASAE.

Já não há poesia em papel,
Muito menos de jornal.
A poesia agora é digital.

Mas nunca um ministro..., ai,

Das finanças
Disse, no parlamento, um poema, em excel, 
Sobre o défice orçamental,
A dívida pública
Ou a carga fiscal.
Muito menos ainda sobre
A diferença semântica e conceptual
Entre a banca e o bordel.

Dos poetas se diz que
Não reza a história,
Nem dos fracos.
E os historiadores avisam:
'Pocos… pero locos!'…

Ora mal vai a economia de um país
Quando os poetas se venderem,
Quando a poesia se vender,
Por grosso, atacado ou a retalho,
A par do lixo e da carne do talho. 
E passar a entrar para o cálculo
Do Produto Interno Bruto,
O nosso mágico e bem amado PIB
De todas as Bem-Aventuranças,
Que o melhor do mundo são as crianças.

Mas, porque não ?, dirão
Os econometristas, 
 
Se a poesia tiver cotação na Bolsa ?!

E se o país dos poetas 
For eleito, pelos turistas,
Como o melhor túnel do mundo
Com luzinha ao fundo?! 

Meus senhores, 

Por favor não sejam fundamentalistas,
Não façam, como de costume, 

A vossa cena, canalha,
Afinal, não é o povo mas o mercado
Quem mais...orden(h)a!



Mas, alguém que nos valha, 

Poeta, fraco ou louco,
Desde que saiba

Apontar o dedo a (e rir-se de)
O rei que vai... de tranças e de bibe.

E se o poeta, do escárnio e maldizer,
Ficar sem a cabeça,
Como foi o caso daquela rainha que se riu
Do rei que ia nu, todo ladino,

Do Paço ao Terreiro, 
Mostrando à arraia miúda 
O seu real traseiro ?

O que faremos, afinal, senhores deputados,
Com a cabeça dos poetas decepados ?
Olhem, façam estátuas
E ponham-nas no Parque dos Poetas…
Do Isaltino!



Alfragide, 30/10/2018, v2

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19306: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (4): Jorge Picado (ex-cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá, e o CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72)



Ílhavo > Costa Nova > 21 de agosto de 2012 > De costas, o nosso grã-tabanqueiro Jorge Picado, nosso comum amigo, meu e do Zé António Paradela... Ultimamente tenho falhado: por exemplo, este verão não fui "partir mantenhas" com os meus amigos da Costa Nova: o Jorge Picado, o João Vizinho, o Tibério Paradela, o Zé António Paradela & família...


Ílhavo > Costa Nova > 21 de agosto de 2012 > Ao centro, eu e o Zé António Paradela, arquiteto; e à nossa esquerda, a Alice Carneiro e a Matilde Henriques (esposa do Zé António); à nossa direita, o Jorge Picado e o Jorge Paradela, o caçula do casal Zé António & Matilde. A foto foi tirada pelo filho mais velho, o Marco Henriques Paradela, que anda agora na "tropa do bacalhau"...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem, com data de ontem, 18 de dezembro de 2018, às 22:09, de Jorge Picado:

(i) ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72; 

(ii) tem mais de uma centena de referências no nosso blogue; 

(iii) entrou formalmente para a nossa Tabanca Grande há 10 anos; 

(iv) nasceu em 1937, em Ílhavo, e foi dos poucos que não fez a "tropa do bacalhau";

(v) engenheiro agrónomo reformado; avô babado; no verão a sua tabanca é a Costa Nova (*)


Aproveito para fazer a minha Prova de Vida (**), pois que, apesar de pouco "falador", por aqui vou passando quase diariamente e, quanto ao meu "estado", lá me vou aguentando e tenho mesmo de me dar por feliz, já que a saúde vai sendo bastante razoável para "as luas" que carrego.

Por isso, para todos vós, companheiros, amigos e camaradas, os meus Votos de Um Bom Natal, Feliz Ano de 2019, na companhia de todas as vossas Gentes e sobretudo com muita Saúde, Alegria e Poucos Roubos daqueles que parece que só vivem para isso. Vocês entendem.

Jorge Picado
________________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2736: Tabanca Grande (60): Apresenta-se o Jorge Picado, ilhavense, ex- Cap Mil, CCAÇ 2589, CART 2732 e CAOP 1 (1970/72)

Vd. também postes de:

28 de setembro de  2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

30 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10596: Memória dos lugares (194): Ilhavo, Costa Nova... a terra do meu amigo e irmão mais velho e, porque não ?, meu camarada, o arquitecto Zé António Paradela, que hoje celebra 3/4 de século de existência, antigo marinheiro da pesca do bacalhau, último representante de um povo que tem o mar no ADN!... (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 17 de dezembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19301: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (3): Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 (Xime, Pte R Udunduma e Mansambo, 1972/74)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18290: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (1): Em Setúbal, o restaurante "Baluarte do Sado", peixinho grelhado, pois claro!...(Hélder Sousa / Luís Graça)


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 > É uma festa"... Inaugurado em 1930, e construído em estilo "art déco", é um dos ex-libris da cidade... O mercado do peixe, ao sábado, em especial, é uma espectáculo ao vivo!... Em primeiro plano, uma das esculturas de Augusto Cid, a vendedeira de criação (aves e ovos).


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Um dos painéis de azulejos da entrada principal.


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Painel de azulejos, da parede do fundo, junto às bancas de peixe. Cenas do mar, do estuário do Sado e dos campos...



Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Percebes do alto mar... Ao sábado os preços inflacionam-se, devido à procura externa... Aqui há de tudo, do camarão de rabo azul à lagosta e ao lavagante, mas o que ainda mais enche o olho é o peixe fresco, dos salmonetes às cabeças de cherne!...



Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  Sapateiras  vivinhas da costa...



Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  O espadarte...


Setúbal > Mercado do Livramento > 3 de fevereiro de 2018 >  As mangas sem fios... que não são seguramente de Setúbal nem da Guiné...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Vamos inaugurar uma nova série: "No céu não há disto...Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande"...

A ideia ocorreu-me há dias, quando me convidaram para ir a Setúbal para um almoço de aniversário... Fazia anos (, vinte e seis, ) o filho de um casal nosso amigo, meu e da Alice. Setúbal é peixe e marisco, pois claro, mesmo que o rapaz seja da geração do "fast food", das batatas fritas e dos hambúrgueres (sic) (assim é que se escreve, em bom português)... 

O rapaz é aquariano, como eu, tem a sorte de não fazer anos no píncaro do verão, altura em que eu fujo da ponte 25 de Abril, da Caparica, de Setúbal, da canícula e de tudo o que aponta para o sul, o sal, o sol... (A2, A12...). 

Foi no sábado passado, não era de prever uma enchente, mesmo com sol de inverno,  mas, pelo sim, pelo não, era conveniente reservar mesa para sete. Em que restaurante, Zé António ? Os meus amigos ainda estavam em Lisboa, quando eu e a Alice chegávamos à terra do Bocage. Pois que escolham à vontade, queremos é peixinho do bom, a saber a mar, e não a aquário... 

Os meus amigos acabavam de me passar a bola, e eu não os queria dececionar. Ainda por cima gente da Costa Nova... Falo do Zé António Paradela, meu amigo, meu "mano" e nosso grã-tabanqueiro. Mas eu não tinha sequer feito o trabalho de casa, o TPC, como costumo fazer antes de ir almoçar ou jantar fora: ver na Net os sítios mais convenientes para se comer, as comidinhas, a relação preço/qualidade, o que fazer depois do almoço, os percursos, etc. 

E para mais não tinha trazido comigo o meu PC!...  Não gosto de fazer consultas à Net através do telemóvel... Sou um tosco com o telemóvel... detesto o telemóvel... Bem, a solução, ali à mão de semear, era chatear o meu amigo, camarada e ilustre régulo da Tabanca de Setúbal, o Hélder Sousa...

Por azar, não tinha o número dele no meu telemóvel, tinha havido,  há uns tempos atrás,  uma troca de cartões entre mim e a Alice. Eu fiquei com a lista dela, e ela com a minha!... O telélé da Alice tinha, felizmente,  na lista o número do Hélder... Fizemos então uma chamada, ainda  dentro do carro... E nada, silêncio do outro lado da linha. Às 11 e picos já são horas de estar de pé, para mais em terra de gente laboriosa, mesmo ao sábado que é o dia de descanso do Senhor... Podia, o senhor engenheiro estar a tomar o seu duche de sábado de manhã... Ter ido ao SPA... Estar a dar formação... Ir à missa era menos provável... Bem, volta a ligar-se dentro de minutos...

E desta vez ele atendeu mesmo,  mas com a voz baixa: eh!, pá, estou em Lisboa, num reunião da secção regional sul da Ordem dos Engenheiros Técnicos...Já me esquecia que ele pertencia a uma lista candidata aos órgãos sociais da sua Ordem... Eh!, pá desculpa lá, não estou a reconhecer este número!... Como já estou meio surdo, gritei-lhe: é o número da Alice, do Luís Graça, da Tabanca Grande, desculpa tu o mau jeito... Tá-se mesmo a ver que o nosso camarada Hélder estava longe de me imaginar, a mim e à Alice,  por aquelas bandas e àquela hora...

E lá fomos trocando uns mimos, até eu chegar à questão central: onde é que se come à maneira na tua terra ?...E onde é que tu e a Alice estão? Eh,pá, aqui parados, estacionados, por detrás do mercado do Livramento e do Pingo Doce...Não precisas de ir mais longe, tens já aí o "Baluarte do Sado"... Peixinho  fresco, grelhadinhos, sardinha assada no verão...Boa relação qualidade / preço... Pronto, não digas mais, não te maces, vou já lá marcar uma mesa para a 1 da tarde, redonda, 7 pessoas... E desculpa lá qualquer coisinha... Talvez a gente ainda se veja logo à tarde, quando regressar de Lisboa... Obrigado, mas não precisas, estou numa festa de anos, fica para a próxima...

Como havia tempo de sobra, fomos visitar o mercado do Livramento que é um regalo para os cinco sentidos... É um dos pontos obrigatórias de qualquer visita a Setúbal, exceto à segunda feira que está fechado, como todos os mercados tradicionais...De preferência, venham ao sábado, e cedo... Ao meio dia já começam a desmontar a tenda, os vendedores de peixe, feito o negócio...

Fui ver as bancas do peixe e marisco, fotografei os azulejos todos, apreciei o vaivém de gente que entra e sai, procurei não perder pitada da "idiossincrasia" dos/as setubalenses que ali ganham a vida...Mas, ó querida, essas mangas sem fios não serão transgénicas ?... Ó cavalheiro, vê-se mesmo que é turista!... Não me venha cá estragar o negócio!... Qual transgénicas, qual carapuça, chupe-me aqui este mel... e deu-me um bocado de manga sem fios na ponta de um palito...Enfim, gente autêntica, que tem sempre a resposta pronta na ponta da língua, afiada, com todos os ss e rr... E diz a filha ao lado: Ainda tenho muito que aprender com a minha mãe...(que a punha a filha a um canto, medida de alto a baixo...).

Mas vamos ao almocinho, que já são horas, depois de algumas comprinhas feitas... O que é vamos pedir ? Para entrada uns camarões à guilho (num molhinho com pão frito) e depois uma cataplana de peixe para 3 pessoas, um sargo grelhado para mim e uma posta de cherne também grelhadinha para a Alice, que está meio adoentada... E para os nossos jovens (o aniversariante e um amigo), o costume, umas "febras" de porco com arroz e batatas fritas e uma saladinha... No fim, temos um bolinho de anos, que é para cantar os parabéns a você, que o rapaz faz 26 primaveras e é do Benfica...

Ó queridos, mas a gente aqui faz tudo na hora!... Podiam ter pedido a cataplana na altura em que reservaram a mesa,,, É coisa para demorar 40 a 45 minutos... Venha a cataplana, até lá, vamos petiscando. E, oiça, mande-nos um "Terras do Pó", branco, fresquinho, da Ermelinda Freitas, que é cá da terra, isto é, da península...

E pronto, a cataplana chegou "just in time", eu e a Alice fomos para os grelhadinhos... A banca de peixe do restaurante é um regalo para a vista, variada e colorida, como não se vê em muitos restauarantes XPTO do "Boa Coma e Boa Mesa" do Expresso, rapaziada que come com garfo e faca, nunca lhe passou seguramemte  pelos dentes a "bianda" da Guiné nem conheceu os "petiscos" dos nossos "vagomestres"... 

O serviço é simpatiquíssimo e eficiente, a casa estava cheia (2 salas, uma delas para fumadores), o ambiente é familiar,  ruidoso como convém, onde há povo, onde há "tugas"... As moças andam todas numa fona, mas a cozinha despacha bem e depressa... Nada de requintes, as próprias instalações têm o ar típico de muitos restaurantes à beira mar, de "design" popular(ucho)... O peixe do dia anda na casa dos 40 euros /quilo (com exceção do cherne que ontem estava no "super" do Corte Inglês a 60 e tal, e chega aos restaurantes dos ricos a centos e tais...).

Não sei quanto é que o meu amigo Paradela pagou mas não deve a extravagância do rebento aniversariante ter ultrapassado os 20 euros por cabeça, sem sobremesa... ( A sobremesa foi o bolo de anos, revestido com o emblema do Benfica, coitada da Helena, que nos serviu, e que é ferrenha do Setúbal, nunca lhe tinha acontecido fazer um frete daqueles, atravessar a sala com a "águia nas mãos"!...O que uma mulher faz para ganhar a vida!).

O "Baluarte do Sado" (com cerca de duas dezenas de anos de existência)  está provado e aprovado, camarada e amigo Hélder, engenheiro de energia e sistemas de potência, cistagano de nascimento, transtagano por casamento...  Sei que não há conflito de interesses, gostas de lá ir e recomendas aos teus amigos, com o único senão do verão, em que o povo faz bicha à porta do "Baluarte do Sado"...

Para os nossos leitores aqui ficam as coordenadas do "Baluarte do Sado":

O que se recomenda: cataplana de peixe / caldeiradas, choco frito, peixe grelhado (, afinal, a comida mais primitiva do mundo, mas o "grelhar peixe"  tem os seus segredos...);
Horário: das 10h00 às 17h00 (isto quer dizer, que não há jantares!);
Localização: Praça da República, 1, Setúbal 2900-587, Portugal;
Parque de estacionamento: público;
Multibanco: tem;
Telefone +351 265 238 780;
Tem página no Facebook.

PS - Uma chamada de atenção para o incauto turista que vem do Norte:  o "choco frito" é uma das especialidades da terra, mas o choco que aqui se frita e come não é de cá, é da... África do Sul e de Marrocos... Duro que nem cornos, servido em pedaços industriais... No "Baluarte do Sado" não sei como é... Prefiro o "choquinho frito" do meu amigo Vitor, do Peraltabar, na praia da Peralta, Lourinhã (108 km a norte), a quem, de resto,  já dediquei em tempos uns versinhos (*)... Mas nisto de comes & bebes, as paixões não se discutem: eu detesto peixe cru, outros lambem-se por lampreia, outros ainda dão a volta ao bilhar grande só para comer peixe seco... Os fãs do "Choco Frito" de Setúbal também direito à mesa... Logo, nossos companheiros e confrades são, que no céu não há disto... (dizem que há outras "iguarias", eu não sei, afinal nunca ninguém lá foi e voltou)...


2. Quanto aos nossos "vagomestres", aqui chamados à colação... Deixem-me recordá-los: tínhamos com eles uma relação de amor & ódio... 

Dar de comer a milhares e milhares de homens em guerra, no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, não era tarefa fácil... Eram escassos os frescos, a carne era um luxo, e o peixe... resumia-se ao bacalhau, seco e feio, que nos chegava, de vez em quando, pela Intendência... Não havia câmaras frigoríficas, só coisas em lata e pó...

Em suma, passava-se fome na Guiné, nos nossos aquartelamentos e destacamentos, já não falo nas tabancas em autodefesa para onde éramos mandados às vezes, uma secção ou duas para reforçar o seu dispositivo de defesa... Os nossos soldados raparam fome, os graduados, esses, tinham um pouco mais de privilégios e de alternativas

Coitados dos nossos "vagomestres", entalados entre o "nosso primeiro" que era uma espécie de ministro das finanças da  companhia, e o batalhão de intendência que, de Bissau, nos fazia chegar os víveres, da cerveja ao chispe de porco, das batatas (um luxo!) às salsichas, da farinha para cozer o pão à massa, dos grelos em pó às conservas... 

A indústria conserveira deve ter ganho rios de dinheiro com a p... da guerra. Além dos mixordeiros do vinho a martelo que nos impingiram muito falso vinho verde... gaseificado à pressão, e vendido a peso de ouro!

Ainda me interrogo: como é que a minha/nossa geração suportou aquela maldita guerra ?!

Coitados dos nossos "vagomestres", obrigados a dar-nos massa com "estilhaços de frango", ou, invariavelmente arroz com filetes de cavala ou ainda arroz com salsichas... Hoje, voltei a comer conservas, sobretudo das boas, das nossas, mas durante anos e anos a fio não podia sequer suportar o seu cheiro... Conservas, salsichas, macarrão, chispe de porco... Como foi possível fazer uma guerra com a "barriga a dar horas" ?... 

No mato, em operações, muitos de nós estavam dois ou mais dias sem comer, porque eram incapazes de tragar as horríveis rações que nos davam... Eu pessoalmente nem sequer as levava para o mato!... Levei uma vez: ia ficando louco com a sede, provocada pelos "enlatados" e os "açucarados" (marmelada, fruta cristalizada)... Nunca mais quis a m... da ração de combate. 

Alguém fez fortuna com as rações de combate, intragáveis, que nos impingiam no TO da Guiné!... E nunca houve "levantamento de rancho" contra as malditas rações... O povo era manso...e tinha boa boca!

Claro que havia dias de festa!... Claro que havia dias em que se tirava a barriga de misérias!... Quando se arranjava um cabritinho ou um leitão, ou uns quilos de camarão ou lagostim do rio Geba...Ou quando o pai do Tony Levezinho lhe mandava, pelo barco da Sacor, a sua encomendida, em geral "bacalhau do especial" da Terra Nova...

É por estas e por outras que a gente tem o direito de, nesta caserna virtual,  mandar uns "bitaites" bem humorados e desabafar, sem risco de ser acusado de blasfémia: "Come, camarada, que no céu não há disto"...

Esperamos doravante que haja mais gente ("vagomestres da Tabanca Grande")  a ajudar a escrever roteiro gastronómico do país & arredores, respondendo ao nosso desafio: "diz-me lá, camarada, onde é que se come bem... e barato, na tua terra ?!"... De Ponta de Lima a Bissau, de Olhão ao Mindelo, todas as sugestões dos nossos "vagomestres", serão bem vindas... De resto, em matéria de comes & bebes, o "império" continua de pé, do Minho a Timor, o mesmo é dizer, o "império à mesa", da cachupa ao arroz de lampreia, das ameijoas à Bulhão Pato ao chabéu de galinha...

PS - A expressão "coma, que no céu não há disto", usava-a eu, muitas vezes, com o meu pai, mesmo na fase terminal da sua doença (,morreu de cancro no estômago, perto dos 92 anos)... A maior alegria, nessa altura, em que ele estava já num lar (entre 2008 e 2012), era levá-lo a almoçar fora, ao sábado (, peixinho, pois claro!, nunca vi aquele homem a comer um bife!), e depois beber um café e um cheirinho à beira mar... onde íamos os dois "lavar a vista"... 

Que saudades, meu pai, meu velho, meu camarada!...

3. Mais restaurantes em Setúbal

No "cartanito" que me deram, verifiquei que há mais dois restaurantes, do mesmo grupo, proprietário ou gerência... Tomem boa nota:

Baluarte da Avenida - Peixe grelhado | Av Luisa Todi 524, 2900-456 Setúbal | telef  265 573 470

Estuário do Sado - Choco frito e caldeiradas | R Guilherme Gomes Fernandes, 47 , 290-395 Setúbal | telef  265 573 068 (Aberto todos os dias da semana).
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 3 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13459: Manuscrito(s) (Luís Graça) (38): Que viva la (mo)vida... e o choco frito do Bar da Peralta!

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18010: Agenda cultural (612): Ílhavo, Biblioteca Municipal, domingo, 26 de novembro, 17h00, lançamento de "O Livro das Santinhas de Apegar: textos poéticos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário do nosso amigo José António Paradela, arquiteto)









1. O meu amigo José António Bóia Paradela  é daqueles que eu considero do "peito", um dos "manos" que eu não  tive, já que nasci rapaz, o primeiro, num família de três raparigas. É bom ter amigos do "peito",  manos não pelo sangue mas pelo coração, os afetos, as cumplicidades, a amizade. (*)

Ainda há dias lhe escrevi um extenso (12 páginas) texto poético, celebrando as suas maravilhosas e frutuosas 80 primaveras... Começava assim:

"Tratado sobre a amizade, para o meu amigo do peito
José Paradela, arquiteto, ilhavense,
que tem um “alter ego”, de nome Ábio de Láparo.

Sobremesa literária
em jantar comemorativo de uma bela amizade
que não precisa de pré-textos."


E acabava assim:

Antes de começares o trabalho ciclópico de mudar o mundo,
ao quilómetro oitenta da tua picada da vida,
dá três voltas dentro de tua casa de Miraflores...

E sobretudo não esqueças a lição
sobre a parábola da Sabedoria e da Asneira:
Para os erros alheios temos os olhos do lince;
para os nossos próprios, os olhos da toupeira.

(Com um xicoração fraterno…
Reserva-me um lugar, a mim e à Alice,
na tua festa dos 100 anos,
com vista de mar)

Luís, teu amigo, teu mano.


2. Pois, o meu amigo do peito, o meu mano Zé António vai lançar o seu quarto ou quinto  (já não sei ao certo) livrinho, desta vez sobre as "santinhas de apegar"... Eu sabia que ele era um grande colecionador destas "santinhas de apegar", à laia das decalcomanias do nosso tempo de infância, que usávamos para "personalizar" os nossos cadernos escolares. 

Na introdução do livro ele escreve (, aliás, o seu "alter ego", Ábio de Lápara, vd aqui a sua sempre surpreendente página do Facebook):

(...) "Na Vida, cada um escolhe as suas Santinhas como pode e usa-as para personalizar os cadernos das  contas que ajusta com Ela"...

É um livro, original, de textos poéticos (não "poemas"), muitos deles  audiovisuais,  interativos (alojados no You Tube). É uma belíssima edição de autor, ilustrada, de que foi feita uma tiragem de 300 exemplares. O livro, de 125 pp, teve a execução gráfica de Oficina Digital - Impressão e Artes Gráficas Lda, com sede em Aveiro.

O lançamento do livro é este fim de semana em Ílhavo, na Biblioteca Municipal, às 17h00. O livro é apresentado por Paulo Costa, antigo vereador da cultura da Câmara Municipal de Ílhavo,

Tenho pena de não poder lá estar, no domingo, em Ílhavo. Além do seu imenso talento e da sua vasta cultura, o Zé António é uma pessoa de grande sinceridade, honestidade e encanto.  Estar com ele é sempre um  prazer.  Espero que alguns dos nossos amigos e camaradas da região de Aveiro possam representar a nossa Tabanca Grande na sessão de apresentação de mais este "filho" do nosso Ábio de Lápara...

Do penúltimo livro, lançado em 2015, "A Rua Suspensa dos Olhos", reproduzimos, em três postes, o capítulo 7 ("O mar por tradição"), com a descrição da viagem de seis meses que ele fez aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau...

Deste último livro, reproduzo, com a devida vénia, o texto "O Verde", que evoca a primeira vez, em 1955, em que o nosso autor se meteu num dóri, num mar de aicebergues...  Tal como na guerra, na pesca do bacalhau também havia uma distinção entre os "verdes" (periquitos, maçaricos, checas) e os "maduros" (velhinhos")... O "verde" era um pescador ou marinheiro da frota do bacalhau que embarcava pela primeira vez...
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Notas do editor:

(*) Vd. 30 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10596: Memória dos lugares (194): Ilhavo, Costa Nova... a terra do meu amigo e irmão mais velho e, porque não ?, meu camarada, o arquitecto Zé António Paradela, que hoje celebra 3/4 de século de existência, antigo marinheiro da pesca do bacalhau, último representante de um povo que tem o mar no ADN!... (Luís Graça)

(...) O Zé António, como bom ilhavense, é, também ele, filho e neto de gente do mar, tendo passado, aos 16 anos, pela pesca do bacalhau, na Terra Nova... Foi verdadeiramente a sua tropa, a sua guerra da Guiné... Uma experiência, duríssima, de seis meses, que o marcou para sempre... Homem de múltiplos talentos, também ele acabou de escrever um livro - a pensar nos amigos - a que deu o belíssimo título Uma Ilha no Nome: Crónica dos Dias Líquidos, e que eu tive a honra e o prazer de prefaciar. (...)

(**) Último poste da série >  22 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18003: Agenda cultural (611): O nosso camarada José Ferreira da Silva, autor dos Volumes I e II de "Memórias Boas da Minha Guerra", vai apresentar os seus livros na sua terra natal, Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, no próximo dia 2 de Dezembro

terça-feira, 9 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17337: Agenda cultural (560): Apresentação da coleção "Recordações da Pesca do Bacalhau" (5 vols., Âncora Editora; autor: comandante Valdemar Aveiro, capitão Aveiro, uma lenda viva da epopeia da Terra Nova): Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, Paço de Arcos, Oeiras, 17 de maio, 4ª feira, 15h00




1. Convite da Escola Superior Náutica Infante D, Henrique e Âncora Editora, que nos chega através de um amigo comum,  o arquiteto José António Paradela, natural de Ílhavo e apaixonado pelas coisa do mar e da pesca:


No próximo dia 17 de maio, pelas 15 horas, será apresentado na sala 0.27 a coleção de livros "Recordações da Pesca do Bacalhau" da autoria do Cte. Valdemar Aveiro. 

A apresentação das obras será efetuada pelo Sr. Cte de Mar e Guerra Augusto Alves Salgado[, doutor em História dos Descobrimentos, professor na Escola Naval].


2. Sobre o autor, Valdemar Aveiro, o mítico capitão Aveiro [. foto à esquerda, cortesia da Âncora Editora]

(i) nasceu em dezembro de 1934, em Ílhavo, no seio de uma família de pescadores;

(ii) terminada a instrução primária, começou a trabalhar como aprendiz de barbeiro, passados 10 meses empregou-se numa oficina de serralharia civil e, mais tarde, na construção civil;

(iii) aos 15 anos concorreu à Escola Profissional de Pesca, ganhou uma bolsa de estudo que lhe deu acesso ao liceu e, posteriormente, à Escola Náutica, onde concluiu o Curso de Pilotagem;

(iv) embarcou como moço a bordo do lugre-motor Viriato para fazer uma viagem à pesca do bacalhau no sentido de suportar as despesas da sua formação;

(v) em 1957 embarcou como praticante de piloto no navio Santa Mafalda, da Empresa de Pesca de Aveiro, sendo promovido no ano seguinte a piloto, a bordo do mesmo navio, e em 1960 passou a oficial imediato do navio Santa Joana;

(vi) emigrou para o Canadá, em Abril de 1964, na persecução de se licenciar em Medicina, um sonho que não logrou cumprir, tendo regressado a Portugal no ano seguinte;

(vii) em 1966 embarcou no navio São Gonçalo e no ano seguinte passou para um navio moderno, Santa Isabel, comandado pelo capitão David Calão;

(viii) assumiu, em 1970, o comando do mais velho arrastão português, Santa Joana, e, dois anos depois, foi convidado para comandar o navio Coimbra, então em construção nos Estaleiros de S. Jacinto, tendo-se retirado por doença em 1988;

(ix) depois de recuperado, foi convidado a colaborar com a administração da Empresa de Pescas S. Jacinto, SA, sendo, desde 1991, membro do seu conselho de administração.

Livros publicados na Âncora Editora:

80 Graus Norte - Recordações da Pesca do Bacalhau

Ecos do Grande Norte – Recordações da Pesca do Bacalhau

Histórias Desconhecidas dos Grandes Trabalhadores do Mar - Recordações da Pesca do Bacalhau

Nómadas do Oceano - Recordações da Pesca do Bacalhau

Fonte: Âncora Editora

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Nota do editor: 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15554: Notas de leitura (792): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau: III (e última) parte


Ílhavo > Costa Nova > Popa do navio bacalhoeiro Novos Mares onde andou o meu irmão, Tibério Paradela, após o Cavaco Silva ter negociado a demolição da frota.


Lisboa > Rio Tejo > s/d > O mítico lugre Argus, um dos mais (senão o mais) emblemátricos navios bacalhoerios da frota portuguesa: "Na Primavera de 1950 o dapitão australiano Alan Villiers e reporter da National Geographic, a convite do Embaixador Teotónio Pereira embarcou com os pescadores portugueses numa campanha do bacalhau, cujo relato resultou no livro “A Campanha do Argus” (...)  , um clássico da literatura marítima mundial, que teve tradução em mais de uma dezena de línguas, e que relata a pesca do bacalhau por 'homens de ferro em navios de madeira', a mítica 'frota branca', a última grande actividade económica que fazia uso da navegação à vela para viagens transoceânicas." (...) (Fonte: Wikipedia).



S/l> s/d > "Lugre bacalhoeiro de casco de aço e com quatro mastros construído em 1923 na Dinamarca (...). Navegou com carga geral até 1935, ano em que foi adquirido pelos armadores portugueses da Sociedade de Pesca Oceano Lda, da Figueira da Foz. (...)  O lugre de 1935 apresentava 687 toneladas de arqueação bruta e media 60 metros de comprimento fora a fora por 9,90 metros de boca por 3,50 metros de pontal. Podia carregar mais de 11 000 quintais de peixe salgado. Foi-lhe adaptado, em 1937, uma máquina Deutz de 480 bhp de potência. A sua tripulação compreendia 69 homens entre marinheiros e pescadores. Foi seu primeiro comandante (até 1939) o capitão João de Deus. Depois de muitos anos de serviço útil nos longínquos mares do Canadá e da Groenlândia, o «José Alberto» perdeu-se -durante a campanha de pesca de 1968- na zona de Virgin Rocks (Terra Nova), devido a um incêndio que se declarou a bordo e que não foi possível extinguir. Felizmente todos os seus homens puderam colocar-se a salvo antes do soçobro deste malogrado navio bacalhoeiro, que deixou imensas saudades na população figueirense". (...) (Fonte: Alernavos)



Canada > Torra Nova > "O  Gil Eanes em St. Jonh's em 1975. O figurante não sou eu, mas a foto foi tirada por mim" (JAP).




Porto >  c. 1918 > "Uma foto lindíssima do meu pai, embarcado com 12 anos com o cão ao colo por trás da boia do Pátria, o navio em que embarcou. O capitão era o pai do Mário Castrim, o cap Fonseca, de Ílhavo." (JAP)

Fotos (e legendas): © José Amtónio Paradela  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Terceira (e última) parte da publicação do capítulo 7 (A viagem “O Mar por Tradição”, pp. 91-107), do livro A Rua Suspensa dos Olhos, de Ábio de Lápara (edição de autor, Aveiro, 2015, 164 pp.) (*)...



O artista quando jovem marinheiro, a nordo do "Lousado", em 1955



Capa do livro, da autoria de José A. Paradela. O livro não está no mercado livreiro,
tratando-se de edição de autor  Mas, contra reembolso (10 euros, preço de capa + 2 euros, para portes de correio), pode ser pedido autor, através do seu endereço pessoal. Ver igualmente a sua página pessoal no Facebook.


2. A Rua Suspensa dos Olhos > 7. A viagem “O Mar por Tradição”, de Ábio de Lápara (2015) > III (e última) Parte (pp. 99-107) (*)


A Viagem 

 (...) Todas estas situações de extrema dureza eram agravadas pelas erráticas condições meteorológicas que impediam a pesca: ora ventos, ora nevoeiros e, sobretudo, pela aleatória presença de peixe nos pesqueiros. A tensão gerada por essas circunstâncias era de molde a criar situações explosivas de conflito, nem sempre evitáveis e nem sempre… no interior do navio!

Um certo dia, após vários outros de mau tempo e pescas nulas, amanheceu radioso um mar estanhado, característico da Groenlândia, sem um risco de ave ou ligeira brisa.

Largados os botes, passadas poucas horas começam a chegar os sintomas de um abundante dia de pesca com alguns deles a regressarem carregados muito antes da hora de chamada, que costumava ser por volta das cinco da tarde. Eis senão quando, alguns dos pescadores nos botes mais afastados, desataram a fazer sinais para o navio acenando com o casaco oleado enfiado num remo!

Estávamos na hora de almoço. Chamado o capitão à ponte, ao observar pelo binóculo apercebeu-se imediatamente do que se passava: Um arrastão norueguês cruzava a sua rede de arrasto por cima das linhas de pesca estendidas no mar, obrigando os nossos pescadores a cortá-las para não serem rebocados.

Então… ah, homem de uma figa!
– Levantar ferro! – ordenou ao imediato.
– Máquina a toda a força!– gritou para a casa das máquinas.
– Prepara a lancha! – altifalou para o contramestre.

Chegados a uns duzentos metros do arrastão, praticamente imobilizado pela rede cujo saco estava a chegar à borda, mandou arriar a lancha e, completamente fora de si, meteu-se lá dentro com o Armindo Verdade ao leme do motor fora de borda. Entretanto pedira a espingarda ao piloto, mas este, ciente da gravidade potencial da situação, tivera o bom senso de a esconder.

Abordado o navio norueguês, saltou destemido para o convés sem ponderar a imprudência do acto…
– Where is the captain? Where is the captain? [Onde está o capitão ? Onde está o capitão ?] – pergunta aos estupefactos marinheiros do arrastão, atarefados na recolha da rede.

Uma silhueta “viking”, de cabeleira loira, observava cautelosamente por trás do vidro numa janela da ponte de comando.

Esbracejando sozinho sobre o convés, incitava-o a vir cá abaixo ajustar contas. De pé sobre parte da rede já recolhida no convés do “inimigo”, a figura do nosso capitão recortava-se sobre o fundo azul do céu boreal como uma silhueta imponente, desmedida e trágica… agora, sobretudo trágica na solidão do seu gesto. Como, após várias tentativas de chamamento, não conseguiu obter resposta, colocou as mãos em campânula à volta da boca, e gritou para o nosso navio:
– João, corta-o ao meio! João, corta-o ao meio!

E, ritmando o gesto, apontava a mão direita estendida ao meio da palma da outra.

João, era o imediato, Morais de Almeida, a quem seria fácil executar a ordem. Bastava pôr a máquina avante, porque estávamos aproados pelo través de bombordo do arrastão e este seria rapidamente abalroado e afundado.

Em extremo desespero perante a lentidão propositada do imediato, e sem resposta do capitão norueguês, saltou novamente para a lancha gesticulando com os braços, indicando o saco da rede ainda à borda. Formulou então uma alternativa menos radical mas que seria talvez suficiente para acalmar o seu desejo de castigar o insolente “viking que estragara o único dia de pesca boa em muitas semanas de resultados nulos e de sofrimento pela ausência de peixe no porão.
– Larga-lhe o ferro em cima da rede, João! Larga- lhe o ferro, João…

Esticando o tempo, o imediato manobrou de modo a recolher a lancha de regresso, permitindo ao arrastão colher o saco.

De novo no navio, retomou o comando e lançou-se na peugada do norueguês, mas o Lousado era menos veloz e a perseguição pouco durou, até porque era necessário minimizar os prejuízos e apoiar a situação dos pescadores atingidos pelo infeliz episódio.

Homem com porte poderoso, um dia o contramestre comunicou-lhe que já não tinha mais linhas para substituir as estragadas na faina. Feitas as contas,  achou que alguma coisa estava errada. Esperou que todos os homens regressassem ao navio e, pelas seis da tarde, ordenou-me que pedisse a marreta ao contramestre e fosse com ele ao rancho, onde a tripulação se preparava para jantar.

Ali, existiam cacifos e “locas” junto aos beliches, atribuídas a cada tripulante, para que guardassem os seus parcos haveres. Indicando os cacifos um a um, pergunta:
– De quem é este cacifo?

Alguns respondem:
– É,  meu senhor capitão…
– Abre!

Se nada houvesse de suspeito, passava à frente e voltava a fazer a pergunta perante novo armário. Quando não obtinha resposta, ordenava-me:
– Rebenta-lhe a porta!

Com duas marretadas, assunto resolvido… Outro moço ao meu lado, esvaziava o cacifo e as linhas iam aparecendo!

Não foi necessário castigar ninguém, porque para castigo aquela vida já era bastante e os filhos em terra não tinham culpa. E nunca mais faltaram linhas na viagem.

Competia-me contar estas histórias em memória deste capitão, um homem de craveira excepcional, profundamente conhecedor dos tripulantes e dos seus problemas, o que lhe permitia ter uma palavra de estímulo ou censura, sem nunca necessitar de aviltar ninguém.

Estimulava os seus homens um a um, tratando-os pelo nome, e ia ao convés apoiar a tripulação quando entendia ser necessário fazê-lo. A mim tratava-me, em tom que me parecia afectuoso, pelo nome próprio. Conhecedor através do imediato, de que talvez um dia eu pudesse vir a ser seu colega, chamava-me para a ponte em “impostas” mais longas. Eu não o conhecia antes e nunca mais o vi depois desta viagem.

Era de Ílhavo e morreu muito novo. Seu nome: António Capote Teiga, para que conste.

Bastante tempo mais tarde, no Armazém da Memória, encontrei um poema:

O Captain! My Captain!
Our fearful trip is done, …

Walt Whitman


Oh Capitão, meu capitão!
Irmanados na loucura,
Nossos olhos pairam além do horizonte,
Na pátria amarga, incerta sepultura.

Capitão, meu capitão,
Cavalga rumo ao norte
E põe de capa
O poema ancorado em noite escura!
Neste oceano de morte,
Nem a liberdade escapa…
Ao viscoso braço da ditadura.

Capitão, meu capitão,
Cavaleiro involuntário do regime,
Cavalga a onda e o mistério
Da prática consumada deste crime,
Tecido em malhas negras do império.

Oh Capitão, meu velho capitão.
Sobre o deque esquecido
Entre bandeiras e multidão
Ficou o prémio devido
No adeus do coração cansado e triste
Quando inanimado caíste

Oh, Coração! Coração,
A viagem acabou
para todo o sempre!
Navio destroçado, voga indómito,
Adornado nos temporais
Entre espasmos de agonia
Como um vómito!

Capitão, meu velho capitão
Mata a tua solidão no vinho da nossa fonte,
Irmão da sorte avara, atado por cegos nós!
Se Deus está por aqui, dorme na ponte!
Vivos ou Mortos, estaremos sempre sós!


Quando o Lousado regressou ao cais, em Lisboa numa amena manhã de meados de outubro [de 1955], sobre o convés amontoavam-se os sacos de marinheiro e todos os presentes comprados para os filhos e as namoradas durante as estadias em St Jonh’s para reabastecimento ou simples abrigo em dias de ciclone no mar.

Feitos os pagamentos a cada um segundo aquilo que tinha pescado, a alegria transbordava dos rostos agora ressuscitados para o mundo habitado, enfeitados com o boné novo e o fatodomingueiro guardado no cacifo desde a última estadia em terra.

Abraços de despedida aos mais chegados na amizade, talvez algo desatentos pela ansiedade instalada no desejo de pôr os pés em terra para abraçar os seus.

Como de costume, porque eu evitava dizer quando partia ou chegava, a mim ninguém me esperava. Gostava de surpreender quem amava e me amava. Tal como o meu pai fazia por vezes, aumentando a nossa ansiedade e o prazer de o ver chegar!

Aqueles últimos momentos gastei-os a relembrar em rápida sucessão, os sonhos de amor gravados com a minha “faca de trote” nas pedras que vinham presas nos anzóis e que depois devolvia ao mar onde ainda hoje moram; as saudades dos meus familiares, que não via há mais de sete meses e que em breve abraçaria; os laços de forte amizade que criara; as aventuras que vivera tão intensamente; o desejo imenso de pisar terra, que me levou um dia a enveredar pelos montes de St. Jonh’s com saudades dos silvados e das amoras, até ver o navio lá muito longe, tão longe que me parecia um brinquedo flutuando na água do banho… mas também os momentos de violento sofrimento físico causado pelos dedos gelados, trilhados nos roletes, quando o mar estava picado e era necessário “dar amor à boça” para que o pescador não caísse ao mar!

E, súbito, a recorrente imagem dela, ali presente, o meu amor adolescente, desmedido, enchendo todo o espaço sobrante dentro de mim e o medo permanente de que se tornasse evanescente ao primeiro sopro… o meu doce martírio.

Alguns moços tinham preparado na véspera uns embrulhos com a habitual “caldeirada” para os tripulantes da proa – umas caras de bacalhau salgadas – extraídas por nós durante toda a viagem enquanto os pescadores estavam no mar, e que depois salgávamos no interior das barricas vazias da farinha com que se fizera o pão.

José António Paradela, hoje.
Foto: LG
O imediato, já vestido a rigor, acompanhava agora a entrega e despedia-se dos que iam saindo para o cais ao encontro dos familiares que os esperavam. Quando chegou a minha vez, entregaram-me um pequeno “atado” com quatro caras de bacalhau!… A mim, um jovem moço de convés, que tinha preparado milhares de caras, e outros subprodutos do bacalhau nas horas sobrantes das tarefas de preparação do navio para novo dia de pesca, aolongo de mais de seis meses no mar! A Viagem terminara!

À minha frente, um imenso sentimento de esperança no futuro pela possibilidade de redenção do meu curto passado de mau estudante. Um novo oceano, de contorno inexprimível, que ansiava por explorar com a indómita vontade dos meus 17 anos…

De olhos húmidos, com voz presa na garganta, ainda consegui articular,
– Obrigado, senhor Imediato. Não tenho como levá-las… junte-as à sua caldeirada!

E saltei para o cais correndo para um táxi que me levaria a Santa Apolónia, tomar o comboio para Ílhavo, onde celebraria a alegria dos reencontros.

[Revisão e fixação de texto, ilustrações, links e notas, exclusivamente para efeitos de edição deste poste: LG]
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Nota do editor:

(*) Vd. psotes anteriores:

23 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15531: Notas de leitura (791): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1954, aos bancos de pesca do bacalhau: Parte I

29 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15551: Notas de leitura (791): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau: II parte

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15551: Notas de leitura (791): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1955, aos bancos de pesca do bacalhau: II parte


Foto nº 1 > O artista quando jovem, em 1955, com 17 anos... "Moço de convés", junto à bitácula no navio "Lusado". (A bitácula é, em linguagem náutica,  a caixa redonda de metal e vidro, geralmente assente em coluna de madeira, que contém a bússola da embarcação).




Foto nº 2 > Oito dias levava o "Lousado" a chegar aos pesqueiros da Terra Nova



Foto nº 3 > Um aspeto do convés do navio bacalheiro "Lousado"




Foto nº 4 > Alguns dos bravos marinheiros e pescadores que embarcam no "Lousado" em abril de 1955. Na segunda fila, ao centro, o terceiro a contar da esquerda, é o nosso autor...


Fotos: © José António Paradela (2015). Todos os direitos reservados.


1. Segunda parte da publicação do capítulo 7 (A viagem “O Mar por Tradição”, pp. 91-99), do livro A Rua Suspensa dos Olhos, de Ábio de Lápara (edição de autor, Aveiro, 2015, 164 pp.) (*)... 

É uma grande cortesia do autor, José António Paradela, velho amigo do editor do nosso blogue ... Ábio de Lápara é  o seu pseudónimo literário... Ilhavense, filho de marinheiro, o autor evoca e revive com enorme ternura e talento a rua onde nasceu e cresceu, e onde conheceu algumas das figuras humanas da sua terra, que marcaram a sua memória e o seu imaginário... Aliás, pelas  histórias da rua suspensa dos olhos perpassa muita da humanidade, ternura, inocência, traquinice, generosidade e poesia da nossa infância...

Refiro-me à infância daqueles de nós que nascemos nos anos 30/40 do século passado, toda uma geração duramente sacrificada que conheceu,  uns, a epopeia dos mares, incluindo a pesca do bacalhau (que chegou a ser alternativa à guerra colonial),  outros o exílio e a emigração, e outros ainda (a grande maioria) a guerra colonial e até a condição de prisioneiros de guerra (como foi o caso da Índia, em 1961/62).

Capa do livro, da autoria
de José A. Paradela
A sua passagem pela Escola Profissional de  Pescadores, em Pedrouços, Lisboa, acaba com uma  viagem de seis meses na safra do bacalhau, nas costas da Terra Nova e da Groenlândia. Era, por antonomásia, "A Viagem"  (*)...

Foi uma experiência, aos 17 anos, que o marcou para o resto da vida, não só pela dureza das condições de vida a bordo como pela descoberta e reforço dos laços de camaradagem, solidariedade e amizade entre a tripulação (marinheiros e pescadores) do navio-motor "Lousado", construído em 1954, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. [Características principais: comprimento: 62,04 m; boca: 11,07 m; pontal: 4,9 m; tonelagem líquida: 599,35 ton.; tonelagem bruta: 1176,95 ton.; capacidade de porão: 17 mil quintais; tripulação: 99 homens; material de construção: aço.]

Como já o dissemos anteriormente, a vida deu, entretanto, outras voltas e o autor não seguiu o destino dos seus antepassados...  Aluno brilhante, acabou por ficar em Lisboa, ganhar uma bolsa  e assim poder continuar a estudar, sendo hoje um nome de referência da arquitetura e urbanismo em Portugal. (Depois da tropa, feita na Marinha, entraria para o curso de arquitetura na Escola Superior de Belas Artes, no ano letivo de 1960/1961; fundou e geriu a empresa PAL - Planeamento e Arquitectura, com sede em Lisboa, e ainda em atividade;  tem obra por todo o país, e em especial na Região Autónoma da Madeira).

O livro A Rua Suspensa dos Olhos não está à venda no mercado. Mas, contra reembolso (10 euros, preço de capa + 2 euros para portes de correio), pode ser pedido autor, através do seu endereço pessoal. Ver igualmente a sua página pessoal no Facebook.

Publicamos hoje mais algumas páginas do capítulo 7. Haverá um 3º e último poste com o resto do texto (pp. 99-107). (**)


Foto do livro: cortesia do autor,
José A. Paradela
2. A Rua Suspensa dos Olhos > 7. A viagem “O Mar por Tradição”, de Ábio de Lápara (2015) > Parte II (pp. 91-99)

[Foto à esquerda: o autor quando jovem, ao meio, ladeado pelo pai, velho lobo do mar, e a irmã; um outro irmão, Tibério Paradela,  seguiu  a carreira de oficial da marinha mercante: tem um livro de ficção sobre a pesca do bacalhau, "Neste mar é sempre inverno", de que já aqui falámos (edição de autor, Aveiro 2014, 262 pp.)]



A Viagem

Num belo dia dos fins de março desse ano [de 1955], fui finalmente chamado para embarcar.

O Lousado era um navio-motor, construído em ferro, com dois mastros despidos de velas, com o casco pintado de branco como todos os navios portugueses da pesca à linha e comecei imediatamente a trabalhar. [Era a segunda viagem do navio aos bancos pesqueiros da Terra Nova e Groenlândia. (LG)].

A bordo encontrei tripulantes de Ílhavo, alguns dos quais meus conhecidos, com os quais viria a estabelecer fortes laços de amizade: o Armindo Verdade, o João Eugénio e o Francisco Serrão. O primeiro desempenhava funções de ajudante de motorista, o segundo, de ajudante de cozinheiro e o terceiro, de moço de convés, como eu, embora com maior experiência por ter feito várias viagens. Com este partilhei um dos pares de beliches em que o rancho se organizava.

Tinham-me avisado que “grande nau, grande tormenta”! Nesse aspecto o Gazela teria sido mais bonançoso (#),  mas a minha opção [, a de embarcar no Lousado] estava tomada.

Nesse primeiro dia a bordo, fundeado no Tejo, o almoço foi comido sentado num pandeiro de cabo, no convés em desalinho. O navio estava a receber materiais de toda a ordem para “A Viagem”.

 O rancho [espaço interior, debaixo do castelo da proa, onde se situam o refeitório e o dormitório do pessoal (LG)] não estava ainda operacional. A acompanhar a comida, servida num prato de alumínio, deram-me uma caneca de ferro esmaltado, de cor azul, com cerca de um quarto de litro de vinho tinto. À medida que o ia bebendo em pequenos goles, a minha nostalgia e o aperto no peito iam desaparecendo como por milagre. Não estava habituado a beber, e o estado ansioso que me afligia, foi substituído por uma exaltação eufórica inesquecível que me transportou para um patamar de lucidez que poucas vezes consegui repetir durante a viagem, apesar de não dispensar, a partir daí, a ração de vinho que me era atribuída.

Nesse estranho momento, muitas imagens do passado desfilaram como num filme: os momentos de solidão e temor nas minhas graves doenças infantis, a rejeição dos estudos nos dois anos que frequentei o liceu, o gosto da liberdade juvenil na comunhão dos amigos, as aflições da minha mãe com as minhas ausências, a recente partida da minha avó paterna para a cova do meu avô, onde eu ia com ela rezar em criança, e, sobrepondo-se a tudo isso, o manto roxo da minha paixão adolescente, pairando sobre aquela nau daí para o futuro, ao longo de seis ou sete meses, na ausência do poema amado!

Ia começar a aventura! Levantei-me e exclamei bem alto perante a perplexidade dos outros: “Um homem é um homem… uma mulher é um bicho!”.

Palpitava-me que não seria bem assim, mas, naquela altura, foi a consolação da raposa perante o cacho de uvas inatingível. Confortado pelo grito agarrei-me ao trabalho. Nesse tempo eu não conhecia a frase inscrita sobre o portão de Auschwitz [Arbeit macht frei,  (LG)] mas de facto sentia que o trabalho me libertava.

No navio deixei novamente de ser um número! [Na Escola Profissional de Pescadores,  era o Sessenta... (LG)]. Embora a obediência continuasse obrigatória mas não regulamentada, permitindo abusos de poder sobretudo dos poderes subalternos, os sentimentos de liberdade e autonomia experimentados, compensavam a angústia do “castigo” que se aproximava.

Até que chegou o dia, em abril [de 1955], em que os navios, fundeados em Belém frente aos Jerónimos, eram benzidos em cerimónia montada a preceito, como o regime [do Estado Novo, (LG)] sabia fazer, ritualizando os atos que, desse modo, passavam a estar sancionados pelo Altíssimo! Assim encomendados a Deus, no meio da tarde do dia seguinte, rumamos a Cascais.

Dia primaveril, onde nada fazia supor o que se passaria nessa noite, apesar da bênção. Saídos da barra, a ondulação começou a fazer-se sentir, e fiquei junto à amurada a ver a terra desaparecer, iluminada pela luz dourada do poente. À medida que o sol se punha, a linha da costa extinguia-se no lado oposto. Em pouco tempo era um fio de sombra, uma nuvem, uma névoa…Nada.

Para trás ficara enrolado,  em nostalgia, todo o meu quadro de referências físicas e espirituais. Era a primeira vez que isso me acontecia e as primeiras vezes têm, como se sabe, o sortilégio da permanência na memória. Era também a primeira vez que eu navegava no alto mar.

Ao reentrar no rancho perdi a referência estabilizadora do horizonte. A descoordenação de movimentos foi imediata e, a cada balanço do navio, as anteparas aproximavam-se de mim perigosamente. O esforço que tinha de usar para me manter na vertical tornou-se penoso. Faltava-me o andar de marinheiro!

Na véspera da partida, o contramestre comunicara-me instruções do imediato, explicando-me que a tripulação das máquinas era composta de três maquinistas e dois ajudantes. Faltava assim um ajudante para preencher o terceiro turno do serviço.

Conhecida a minha prática oficinal anterior, através de informação dada pelo Armindo Verdade, eu deveria abandonar as tarefas do convés e seria arvorado em ajudante do segundo maquinista, sempre que o navio tivesse de navegar por um tempo mais longo. Gostei do alvitre, era um desafio que não esperava. O meu turno de serviço começava às vinte horas. Fui tentar jantar qualquer coisa, mas o estômago não aceitou. Chegada a hora, dirigi-me para a casa das máquinas.

Naquelas primeiras horas, após a saída da barra, o tempo piorara de modo assustador. Tinha de me manter permanentemente agarrado aos corrimões, e o enjoo não tardou a chegar.

O segundo maquinista, um ilhavense avisado e muito afável, já me tinha indicado as tarefas a executar e o balde apropriado para vomitar. Pouco depois, através do “telégrafo” de bordo, veio da ponte de comando uma comunicação para reduzir a força da máquina. As coisas deviam estar a complicar-se lá por cima, pensei eu…

O navio ia ser posto de "capa", isto é, aproado ao vento e à ondulação, em baixa velocidade, para evitar estragos sobre o convés durante a viagem até aos pesqueiros, onde estavam peados os botes de pesca  e outros materiais para a laboração do peixe.

Depois de dois ou três dias de mau tempo e enjoo permanente, todos os cheiros eram repugnantes, quer fossem os dos vapores do óleo derramado pela almotolia sobre a cabeça quente do motor ao lubrificar os balanceiros, quer fosse o cheiro do pão quente ao sair do forno, quando no regresso ao rancho passava junto à cozinha.

O ruído contínuo das máquinas, a princípio difícil de suportar, transformava-se com o passar do tempo, numa monódia envolvente com modulação de ladainha religiosa e, lentamente, a adaptação foi ocorrendo.

Por alturas da passagem pelos Açores, avistou-se, a flutuar nas ondas, uma tartaruga de grande tamanho e manobrou-se o navio de modo a recolhê-la. A canja ficou deliciosa, e foi a primeira sopa que comi com verdadeiro apetite. Provavelmente hoje não conseguiria comê-la! Preconceitos…

As primeiras noites, deitado no beliche que me coubera no rancho inferior, foram infernais. Açoitado pelo mau tempo, o navio cavalgava o mar com balanços tais que faziam bater a amarra que suspendia o ferro (a âncora), no tubo metálico que a conduzia para o paiol respetivo. Só o profundo cansaço de muitas horas de trabalho permitia algum repouso, ajudado pelo efeito de berço de infância gerado pelo balanço do navio.

Entretanto o tempo foi melhorando e as agonias desaparecendo, tal como os sons da amarra, agora menos agitada no interior do tubo. As anteparas deixaram de me ameaçar e o andar de marinheiro foi-se instalando aos poucos.

Como quem mora ao pé da igreja, deixa de ouvir o toque dos sinos, habituei-me e aprendi mais tarde a reconhecer o estado do tempo pelo nível sonoro da amarra! Muitos dias de silêncio seguidos significavam outros tantos de cansaço na pesca. Assim, os ruídos fortes chegavam a ser bem vindos para obter o merecido descanso imposto pelo mau tempo!

A viagem até aos pesqueiros durava cerca de oito dias. As tarefas executadas nesse período formavam um manancial de conhecimentos muito diversos, tanto para os “moços” recém embarcados, como para os “verdes” [, o equivalente a "piras" (LG)], os pescadores que embarcavam pela primeira vez e eram obrigatoriamente orientados por um pescador sénior [, um "maduro", (LG)]. Eram os dias preparatórios daquela vida, antes de entrarmos na rotina da pesca.

Mas não quero aqui avançar por narrativas já conhecidas e mais competentes. Prefiro averiguar sobretudo aquilo que, ao fim de tantos anos, em mim resta daquela experiência.

Restarão certamente impressivas sensações onde já não habitam alguns nomes, tão pouco os seus rostos, gastos na erosão dos dias. De homens longamente afastados do fluxo normal da vida urbana, cultivando a saudade no meio de condições de sobrevivência infra-humanas, isto é, fora dos padrões sociais de convivialidade característicos da vida em terra. Ali, a comunicação ficava limitada ao passado, nas conversas do rancho, ou apenas grunhida com interlocutor imaginário no isolamento do bote, durante muitas horas por dia. O fatal embotamento da consciência motivado pelas poucas horas dormidas em cada dia, completava-se recorrendo à aguardente diariamente distribuída em duas tomas como se de remédio se tratasse: de madrugada, antes de saltar para o bote [, o chamado "mata-bicho", (LG)] e à tarde durante a longa “escala” do peixe.

Esta tarefa durava até que o convés ficasse limpo. Os pescadores iam então beber a “chora”, um caldo de peixe reconfortante, antes de caírem no beliche com a roupa que traziam no corpo, esgotados. Apenas a lembrança da família lhes permitia manter o “élan” vital, para suportar a dureza destas tarefas.

Sempre que o tempo estava calmo, a alvorada soava com os “louvados” [, ladaínha para despertar os pescadores, (LG)],  às 4 horas da manhã. O silêncio acontecia, por volta da meia noite. Eram assim vinte horas de vigília para quatro de descanso em cada dia. E este regime podia durar muitos dias seguidos, sem sábados nem domingos, com mar calmo ou agitado. Quantas profissões em terra se sujeitavam a semelhante regime?

Deixo-vos aqui um poema esquecido no fundo de uma “loca”, o lamento de um “verde” (pescador que embarcava pela primeira vez) que veio parar às minhas mãos no acaso de uma manhã.

O Verde

No dia em que, “verde”, me puseram entre tábuas
De um catafalco a que chamaram bote
E me disseram: salta, esquece as mágoas…
Senti, logo, na garganta um garrote!
Primaveril, meu coração bateu mais forte,
Ao cair na onda junto ao costado,
E remei, como quem enxota a morte,
De dentro do meu “fato oleado”.
“Senta-te, Zé, e rema enquanto a força durar!
Tens pão e peixe, e tens também café quente!
Segue-me quando o meu búzio roncar…”
Disse o “maduro”, comovido, ao ver-me imberbe,
Estendendo as linhas na corrente,
Junto à fria palidez do terrível icebergue.


(Continua)

[Revisão e fixação de texto, ilustrações, links e notas, exclusivamente para este poste: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15531: Notas de leitura (791): "A Rua Suspensa dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): reprodução do capítulo 7 com a descrição da viagem de seis meses, aos 17 anos, em 1954, aos bancos de pesca do bacalhau: Parte I

(**) Último poste da série > 28 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15548: Notas de leitura (792): “Bichos da Guiné, Caça, fauna, natureza”, por Júlio de Araújo Ferreira, Edição de Autor, 1973 (2) (Mário Beja Santos)