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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19240: (Ex)citações (346): Ainda e sempre 'o inferno do Xime'... A propósito da Op Abencerragem Candente (25 e 26 de novembro de 1970) ( Vitor M. Amaro dos Santos, 1944-2014; José Nascimento, António Duarte, Luís Graça; António J. Pereira da Costa)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Xime > Madina Colhido > CART 2520 (1969/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > Op Boga Destemida > 9 de fevereiro de 1970 > A helievacuação de feridos em Madina Colhido, no regresso ao Xime ...


É uma imagem que se repetia ao longo dos meses, sempre ou quase sempre que havia operações à península da Ponta do Inglês, nomeadamente na época seca. Como acontecerá em 26/11/1970 (*), já no tempo da CART 2715 / BART 2917, a subunidade de quadrícula do Xime que foi render, em maio de 1970, a CART 2520. Era comandada pelo cap art  Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos (acabados de fazer em 22 de novembro)...

Na Op Abencerragem Candente, que envolveu 3 destacamentos (CART 2714, CART 2715 e CCÇ 12), num total de 8 grupos de combate (c. 250 homens), a CART 2715 e a CCAÇ 12 apanharam uma das mais sangrentas emboscadas na história do subsetor do Xime (e até do setor L1), com 6 mortos e 9 feridos graves. Os mortos foram penosamente transportados até ao Xime, em macas improvisadas, os feridos foram encaminhados para Madina Colhido e dali helievacuados para o HM 241, em Bissau... Não temos fotos desse dia de inferno...

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Ando a viver o inferno do Xime [em caixa alta].
Minuto a minuto.
Ambos sofremos isso.
[Você] sabe tudo [o] que fiz para evitar a tal op[eração]…
Sem a CCAÇ 12 talvez tivesse “acampado” [sic]
em Gundagué Beafada.
Não existia estrada [Xime-Ponta do Inglês]….
Era tudo mata densa…
Qual dispositivo [?!].
Aceito que o estado maior do CACO [sic, gen Spínola]
tenha feito relatório
[, incriminando-me,]
porque não denunciei [a] discussão c[om] Anjos [sic, major Anjos de Carvalho]
[, 2º cmdt do BART 2917].

Aliás [a] História[da] Unidade diz
embos[cada] [na] estrada.
[O] relatório [da] op[eração]
[foi] feito [por] Anjos e cap[itão] Brito [sic, Carlos Brito]
[, cmdt da CCAÇ 12].

Evacuado [, em 1 janeiro de 1971], fui bode expiatório.
Essa op[eração] alterou para sempre
[o] meu (des)equilíbrio [sic] psico[lógico].


Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, ex-cmdt CART 2715 (Xime, 1970/72). Excerto de mensagem, enviada por telemóvel ao editor do blogue, em 2 de março de 2012, às 10h15, dois anos antes de morrer, em Coimbra, aos 69 anos. Membro da Tabanca Grande, nº 781, a título póstumo.


1. Comentários dos leitores e do editor do blogue:

(i) José Nascimento [ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71)


Lamento muito a morte destes camaradas, principalmente do Cunha, com o qual estabeleci uma relação de amizade no tempo de sobreposição das companhias, mas também me lembro do Senhor Capitão [Amaro dos Santos] ironizar: "Isto aqui não há guerra", pelo facto de nos primeiros 15 dias em que as duas companhias [, a CART 2520 e a CART 2715]  estiveram juntas, não ter acontecido nada.

José Nascimento
26 de novembro de 2016 às 01:33 

[Foto acima: Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Enxalé > CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) > O José Nascimento na margem direita do Geba]..

Foto (e legenda): © José Nascimento (2017). Todos os direitos resevados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



(ii) António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola]


Impressionante a dor que se percebe no texto da mensagem enviada [, pelo ex-cap da CART 2715]. Aquela referência de que teria "acampado" antes do objetivo, se não estivesse presente outra unidade, menciona uma prática corrente, (pelo menos no meu tempo,  dez 71 a jan 74).

Curiosamente não me recordo do assunto tratado no nosso blogue. (**)

Já agora recordo uma emboscada que a CCAÇ 12 teve perto de Madina Colhido, em 1973, onde apanhámos, com surpresa, para as duas partes, um grupo do PAIGC, que supostamente iria atacar o Xime. Parámos praticamente, logo que o último homem da coluna deixou de avistar o quartel. Iam dois pelotões. A operação era para ser feita através de "rádio".

Explicando melhor, à medida que o tempo ia passando informava-se o aquartelamento da nossa falsa posição, "percorrendo-se" todo o itinerário. Riscos deste procedimento, era os obuses fazerem fogo para locais onde estava a nossa tropa. Suponho que até ao nível de capitão todos percebíamos o tema, pelo que nada de grave aconteceu... que seja do meu conhecimento.
Abraços a todos e renovando a memória dos camaradas que tombaram nesse malfadado dia.

António Duarte

Cart 3493 e CCAÇ 12

26 de novembro de 2016 às 19:05 


(iii) Tabanca Grande [editor LG]
CCAÇ 12, 2º Gr Comb, c. 1969/70.
Foto de Humberto Reis (2006)


António Duarte. essa famosa discussão com o 2º cmdt do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), dizem, terá terminado com o célebre ultimato: "O nosso capitão vai e torna a ir [, à Ponta do Inglês,] nem que seja a reboque de uma GMC!"...

Só me lembro de ver o Amaro dos Santos, completamente transtornado a entrar na messe de sargentos, com a malta pronta a sentar-se, e ele lançar um salto de felino sobre as garrafas de vinho que estavam 
alinhadas para a refeição (, deve ter sido 
à hora do almoço!)...

Há imagens que não se apagam... Está a ver o efeito devastador que cenas como esta tinham sobre o moral do pessoal... E, sem o sabermos, tinha acando de decorrer, em 22 de novembro de 1970, a Op Mar Verde... Estávamos todos em "alerta máxima" sme saber a razão... E o subsetor do Xime era "pressuposto" estar desfalcado, em termos de efetivos do PAIGC...

27 de novembro de 2016 às 09:12 


(iv) Tabanca Grande  [editor LG]

António, a tua o observação é pertinente: a técnica de "acampar" (recusando-se a ir ao objetivo ou não cumprir a missão) era usada com maior ou menor frequência pelas NT, e nomeadamente pelas subunidades de quadrícula...

A nível da CCAÇ 12 era mais difícil, porque éramos pau para toda a obra, "pau para a colher" do comando de batalhão do setor L1... Quando se fazia operações com PCV e vários destacamentos (caso desta, Op Abencerragem Candente: 3 destacamentos, 8 grupos de combate, 250 homens...) era mais dífícil fazer batota e acampar... Além disso, o nosso capitão, 38 anos, em vésepra de ser promovido major, também alinhou, o que estragou os planos do Amaro dos Santos de "acampar" em Gundagué Beafad... Além,d a avaria do rádio, que nos obrgiou a seguir juntos, os dois destacamentos, B e C... O A era o de Mansambo...

No fundo, era um técnica para gerir o mosso próprio esforço de guerra e fazer o "curto circuito das besteiras" do major de opeerações... Uma das técnicas que se usabva era o silêncio rádio, para evitar que o PCV nos localizasse... Arranjava-se a desculpa da falha nas transmissões...
27 de novembro de 2016 às 09:32 

 
(v) Tabanca Grande  [editor LG]

António:

Em boa verdade, desenvolveram-se, no TO da Guiné, diferentes formas de "pôr um pauzinho na engrenagem”... Não direi que se tratava de “contestação” política da guerra, insubordinações ou revoltas de caserna ou coisas do género…. mas sim de simples “contestação” da autoridade dentro do quartel…

Ao longo da guerra (1961/74), em diferentes unidades e lugares, todos teremos exercido (em maior ou menor grau, com maior ou menor regularidade, com maior ou menor “acordo tácito” dos nossos capitães…), o mais elementar direito à resistência passiva face a comportamentos de prepotência do comando (em geral do setor ou batalhão) ou a processos reiterados de uso e abuso do nosso "coirão": excesso (e elevado grau de risco) de operações, de saídas para o mato, de emboscadas, patrulhamentos, colunas, etc.

Além da técnica de "acampar" na orla da mata (referida pelo cap art QP Amaro dos Santos) ou a uns escassos quilómetros do quartel, fora das vistas do “comando”, havia ainda outras, mais ou menos encapotadas, umas mais fáceis, outras mais arriscadas, não pondo todavia em risco a segurança imediata de ninguém…

Algumas que me vêm à cabeça: “falsificar” os relatórios de ação, sobrevalorizar o número de baixas causadas ao IN, sabotar os planos de operações, evitar o contacto com o IN, “inventar” avarias nos rádios ou dificuldades de ligação com o PCV (posto de comando volante), fazer silêncio-rádio, reportar “enganos” do guia (ou até fuga do guia-prisioneiro) nos trilhos levando ao não cumprimento das missões, simular problemas de saúde do pessoal (obrigando a um regresso antecipado ao quartel), etc.

Claro que era mais fácil "fazer batota" a nível de um simples pelotão ou grupo de combate ou até de um companhia, desde que o capitão e os alferes alinhassem… Era mais difícil "fazer batota" quando as operações eram a nível de batalhão, e havia PCV (com o major de operações ou 2º comandante a dar ordens lá de cima, da DO-27)...

Toda a gente sabe o "ódio" que tínhamos ao PCV por denunciar no mato a nossa posição...
27 de novembro de 2016 às 17:46 


(vi) Tabanca Grande  [editor LG]

Já aqui se escrevu, por diversas vezes, que a malta começava a "cortar-se", a partir dos 18 meses de comissão, para evitar sofrer mais baixas... Precisamos de recuperar esses escritos... A ideia que se tem vindo a transmitir seria a seguinte: (i) nos primeiros seis meses, "os piras" são cautelosos, respeitam as normas de segurança, estão-se a "aclimatar", a "ambientar" a conhecer as manhas do IN e do comando do setor (ou batalhão); (ii) nos dozes meses seguintes faz-se a guerra pura e dura; e (iii) os últimos 3 a 4 meses, com o fim da comuissão á vista, a começa-se a fazer a "gestão do coirão"...

Verdade ?

27 de novembro de 2016 às 17:58



(vii) António José Pereira da Costa [ cor art ref, ex- alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; autor da série A minha guerrra a petróleo"]

Olá, Camaradas

Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo (***). Era arriscada para ambos lados. Por um lado informávamos falsamente o comando, dizendo que fazíamos uma guerra que não fazíamos; por outro deixávamos de criar no inimigo o respeito em que tinha da nos ter para não vir à porta-de-armas perguntar: "corpo di bó?

Quando fui colocado no Xime, em 22JUN72, informei lealmente o comando de que se me mandasse a qualquer lado e eu aceitasse a missão escusava de ir verificar porque era verdade. Porém, se eu dissesse que não ia era escusado empurrar. Dei-me bem com o sistema, embora sentisse que da parte do comando houvesse sempre essa dúvida. Numa das tais operações com PCV cheguei a ser mal guiado e isso custou um embrulhanço sem consequências, mas sem vantagens.

De outra vez fui sobrevoado por um DO-27 mas não fui visto embora fosse a atravessa (mal) uma superfície lateritizada (ferruginosa e sem mato). Ou íamos bem camuflados ou o observador era coxo dos olhos. Inclino-me para a segunda hipótese, dado o sucedido na operação com PCV.
No caso da operação à Ponta do Inglês diria que não vejo a vantagem, a menos que houvesse elementos de informação importantes a explorar... Nunca lá fui, mas sei que se tratou de um destacamento ao nível grupo que se tornou insustentável, o que já diz qualquer coisa.

No fundo poderemos concluir que a lealdade e a inteligência deveriam andar juntas naquela "Guerra a Petróleo". Tapar o Sol com a peneira dá mau resultado. (****)

Um Ab.
António J. P. Costa
________________

Notas do editor:

(*) 26 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

(**) Vd. poste de 5 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16800: Inquérito 'on line' (93): "Batota no mato" ... ou no blogue ?... Esperávamos 100 respostas, obtivemos apenas 45... Resultados: as três formas mais frequentes de batota: (i) emboscar-se perto do quartel (37%); (ii) começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista (37%); e (iii) “acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo (24%)... Só não fazíamos batota era com o Natal no mato...

(...) Estamos a falar de "batota no mato"... Afinal, "pequena batota", da arraia miúda, os filhos do povo que fizeram a guerra (e a paz)... Treze anos de "sangue, suor e lágrimas".. Um milhão de homens, portugueses e africanos,,,

Nunca vi um oficial superior, de G3 na mão, oito carregadores, e dois cantis de água, a meu lado, em operações a nível de batalhão (!)... Falo de oficiais de posto superior a capitão, majores ou tenentes coronéis !...

Onde estavam os nossos comandantes, os nossos líderes ? Não passavam de burocratas, chefes de secretaria, alguns deles!... E no máximo, andavam lá em cima, de DO-27, no chamado PCV, a quem tínhamos, nós, os infantes, um ódio de morte!

Acredito que, pelo menos no TO da Guiné, eles já eram demasiados velhos para alinhar no mato connosco!... Tinham idade para ser nossos pais!...

Só conheci um, que foi comigo, connosco (CCAÇ 12), explorar as "imediações" do famiegrado inferno do Xime, no início de 1971, quando já estávamos em fim de comissão: chamava-se Polidoro Monteiro, era tenente coronel de infantaria, oficial da confiança de Spínola, e honrou-nos a todos, honrou as melhores tradições do exército português!..

Já morreu há muito: que descanse em paz! (...)



(****) Último poste da série > 16 deoutubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19106: (Ex)citações (345): a Pátria, a classe social, a cunha, o mérito, os "infantes"... e que Santa Bárbara nos proteja!... (C. Martins / Luís Graça)

domingo, 26 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)


Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015,  582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).

Seleção de comentários ao poste P18949 (*)

(i) José Nascimento:

O saudoso alferes Joaquim da Costa Marques,  comandante do 3.º Pelotão da Cart 2520  (Xime e Quinhamel, 1969/70) também foi oriundo do seminário.

Pouco fiquei a saber dele, era uma irmandade de 9 ou 10 elementos, creio que de uma família modesta. Ainda me lembro que, no dia do meu aniversário em 1969 na Guiné, fez o seu voto de felicidades em Latim. Obrigado Marques, até um dia.

(ii) Juvenal Amado:

Seminarista: o capitão Lourenço do Saltinho. [Referência à CCAÇ 3490, que esteve no Saltinho (1971/74) e que teve uma trágica história (a emboscada do Quirafo em abril de 1972)]...

Seminário: para além do "Cabra Cega", temos o livro "Gente Feliz Com Lágrimas" de João Melo. Niassa, o cheiro no porão a vomitado, urina, nafta e maresia, o nosso miserável regresso 27 meses depois...

(iii) Anónimo:

É uma entrevista? Um diálogo entre dois camaradas seniores com muita experiência de vida? A sua leitura entusiasma, todas as questões humanas, sociais, laborais, políticas, religiosas, de guerra, são abordadas com o realismo, a lucidez, a verdade, de quem é adulto e sabe que a vida é finita.

Virgílio Ferreira no livro "Manhã Submersa" retrata bem o pesadelo desses garotos de doze anos, sobretudo dos meios rurais do interior do país, sem liberdade religiosa e sem liberdade de expressão por imposição dos pais, dos professores, dos padres e dos governantes, quando entravam nos espaços limitados e claustrofóbicos dos seminários e ficavam privados da liberdade de circulação pelas ruas das aldeias e pelos caminhos de terra dos campos onde a sua natureza de potros selvagens se expandia e conseguia nesse contacto sem barreiras com a natureza mais agreste da Terra sacudir o peso de imposições familiares e sociais.

Passei lá um ano, os meus irmãos, três, também passaram por lá, eu confesso que foi o pior ano de "tropa" da minha vida. Quase todos os filhos de lavradores, pequenos, médios e até grandes, da minha aldeia, da minha geração e da seguinte, fizeram essa malfadado tirocínio. Também é verdade que a maior parte se não o fizessem ficariam para sempre a lavrar e cavar a terra. Dessas gerações nenhum saiu padre.

Porque como os outros que procuram fazer a paz com a consciência, a verdade e o passado, eu confesso que só fui para a Guiné, por falta de coragem. Digo falta de coragem, porque eu nesse tempo para lá de alguma agricultura pouco ou nada sabia fazer.

Fui para lá convencido de que era uma guerra perdida e admirei muito os que pensando assim deram o "salto". O espaço do Blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné é um espaço livre, ninguém dúvida disso. Eu gostaria que pelo menos alguns desses "fugitivos" fizessem alguns depoimentos neste espaço.

Muito obrigado ao Luís Graça e ao outro camarada quase anónimo, que eu desconheço, sou doutros anos. Fico à espera da segunda parte e doutras se quiserem.

(Comentário de Francisco Baptista, não assinado por lapso)

(iv) António J. Pereira da Costa:

Ainda gostava de saber por que é que o número de ex-seminaristas era tão elevado nas companhias.

Em 1968, em 4 alferes possíveis 3 eram ex-seminaristas e havia mais nas outras CArts do BArt 1896. Mais tarde, em Mansabá, dos 3 existentes um era ex-seminarista e bastante avançado nos estudos. Quando no encontrámos recentemente fiquei a saber que quando ele saíu do seminário, só lá ficaram 10.

Era uma "crise de vocações" ou a Igreja que tinha deixado de responder às necessidades espirituais das pessoas, neste caso dos jovens seminaristas e futuros padres?

Jogo nesta última hipótese à qual teremos de adicionar o ambiente sócio-psicológico que se vivia em Portugal e a conivência da hierarquia com "o sistema". Era frequente encontrarmos "dissidentes" e críticos, mas só na parte baixa da estrutura, como era o caso do capelão do BCaç 4612. Mas era um fenómeno inexorável a deserção do seminário. Claro que a "tropa" aproveitava-se... atiradores, com alguma tendência para liderar (que se aprendia desde o início no treino dos seminários) faziam sempre falta.

(v) Virgílio Teixeira:

Eu julgo, em resposta ao António Costa, que existiam muitos seminaristas nos batalhões e companhias, mas a nível de furriéis e alferes, devido à escolaridade, pois no seminário era fácil fazer o 5.º para furriel e o 7.º para alferes, e depois deram o salto do seminário porque cá fora já podiam ter uma vida melhor, com a escolaridade que trouxeram do seminário.

Não contavam, talvez, que iriam fazer uma missão bem pior na guerra, do que a de seminarista e depois padre. Se bem se lembram, nos anos 60 não havia assim tanta gente com escolaridade para as funções na tropa de furriel e alferes, o mesmo não se pode dizer do soldado raso, pois desta matéria não faltou durante uns tempos.

Sei alguma coisa, mas não muito, o meu pai também esteve no seminário, saiu com uma grande escola de vida, que nunca teria se não o metessem no seminário, mas pouco mais sei, porque ele sempre muito fechado, nunca se abriu muito sobre estas questões.

Eu próprio, poderia ser hoje um ex-seminarista, ou um ex-padre, pois quando acabei a primária, acho que o meu pai tinha ideia de me mandar para lá, só que eu era rebelde demais para isso, e entretanto como foi mobilizado para a Índia, em 1955, não houve tempo para essas formalidades, e quando voltou passados quase 3 anos já era tarde demais, e assim me safei dessa!

Estou a falar nisto pela rama, mas pormenores não os sei, era tudo muito fechado.

(vii) A. Marques Lopes:

Só uma observação: não considero que o meu "Cabra-cega" seja "romance"... Usei, eu próprio, um pseudónimo como autor e outro como personagem do livro, dei também nomes fictícios a outras personagens reais. Mas os factos são reais, não são romance.   (**)
 ______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18949: A galeria dos meus heróis (8): os seminaristas (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 23 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18865: (Ex)citações (342): O patacão da guerra: 1043 contos de 'ajudas de custo [de embarque] e adiantamento de vencimentos' foi quanto levantei em agosto de 1967 para o meu batalhão (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

domingo, 29 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18579: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (11): Fazer uma centena de quilómetros ao volante já é obra para alguns de nós (José Botelho Colaço)... Não vou dia 5 a Monte Real, mas vou dia 19, à Lourinhã... e talvez encontre alguns dinossauros (José Nascimento)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca> Xime >  Enxalé > CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) > O José Nascimento na margem direita do Geba...

Foto (e legenda): © José Nascimento (2017). Todos os direitos resevados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário (*) de José Nascimento ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) 


Água do Geba nunca bebi, mas dei uns bons mergulhos nele, quando me atirava do cais do Xime. Não vou dia 5 a Monte Real, mas espero ir dia 19 de Maio à Lourinhã conviver com os meus camaradas da CART 2520, talvez com alguns dinossauros.

Um abraço para todos, José Nascimento.



2. Comentário (*) do José [Botelho] Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65):



Luís,  a casa, a Tabanca Grande, em Monte Real,  a meio gás ou meio petróleo... parece-me que um dos maiores motivos não será a crise mas sim os entas dos tertulianos e as dificuldades na deslocação.

 Eu por mim digo,  muitos sentem já uma certa dificuldade em aguentar uma centena ou mais de quilómetros,. ao volante. Alguns já nem carta têm.  (**)

Um alfa bravo. José Botelho Colaço. 

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quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17736: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (12): O enfermeiro (Costa), o atirador (Nascimento) e o armas pesadas (Soares): uma partida... de Carnaval



Guiné > Região de Bafatá > Setor L12 (Bambadinca) > Xime > CART 2520 (1969/70) >  José do Nascimento em Madina Colhido (à esquerda) e o fur mil enf Costa (à direita) [Augusto Tavares Ribeiro Costa]



Guiné > Região de Bafatá > Setor L12 (Bambadinca) > Xime > CART 2520 (1969/70) > Saída  para o mato, o fur mil at José Nascimento (à esquerda) e o fur mil enf Costa (à direita) [Augusto Tavares Ribeiro Costa, de seu nome completo, já falecido].



Guiné > Região de Biombo > Quinhamel  > CART 2520 >   José do Nascimento como Costa à direita


Guiné > Região de Bafatá > Setor L12 (Bambadinca) > Xime > CART 2520 (1969/70) > Hora do jantar


Guiné > Região de Bafatá > Setor L12 (Bambadinca) > Xime > CART 2520 (1969/70) > No cais em construção, o José Nascimento (à direita) e o Costa (à esquerda)



Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1º srgt Vaz à direita, furriéis Soares e Nascimento à esquerda. [O Manuel Soares era fur mil armas pesadas.]



Fotos (e legendas): © José Nascimento (2017). Todos os direitos resevados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data 17 de junho último:


Aos camaradas da Tabanca Grande, ao Carlos Vinhal e em especial ao Luis Graça.

Muitos dos combatentes esquecem ou ignoram os especialistas que também estiveram no Ultramar Português, como é o caso dos mecânicos, condutores, transmissões e enfermeiros. Alguns foram autênticos heróis no desempenho das sua missão, como é o caso do furriel enfermeiro Costa, de seu nome completo Augusto Tavares Ribeiro Costa, infelizmente já não pertencendo ao mundo dos vivos, a quem dedico esta pequena história, embora noutro contexto. Estávamos com três ou quatro meses de comissão e os intervenientes são: O Costa. o Nascimento e o Soares.


Leiria, Monte Real > Palace Hotel Monte Real > XII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 29 de abril de 2017 > Uma agradável surpresa:  Manuel Viçoso Soares (hoje empresário, no Porto), ex-fur mil armas pesadas, ma mesa com o  Fernando Sousa (exº cabo aux enf, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) (e que vive  na Trofa)... O Manuel Soares ia ter o encontro da sua companhia, CART 2520 (Xime e Quinhamel, 1969/71) em 20 de maio, em Almeirim. Na mesma mesa, ficou o nosso editor, Luís Graça.  O Manuel Soares ficou convidado para integrar formalmente a nossa Tabanca Grande.

Foto: © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



2.  Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (12) >O Costa, o Nascimento e o Soares.




À memória de Augusto Tavares Ribeiro Costa, ex-fur mil enf


Augusto Costa era o furriel responsável pela equipa de enfermeiros da CART 2520. Além de cuidarem do estado de saúde do pessoal da Companhia, também faziam tratamentos à população do Xime, tais como pensos e injecções. Um médico não faria melhor.

Quando chegou à Guiné este especialista já tinha mais de dois anos de experiência como enfermeiro em Hospital Militar.

Uma divisão de uma antiga quinta de um ex-fazendeiro alemão acolhia a enfermaria de que era responsável, sempre apetrechada com os equipamentos possíveis e os armários com os medicamentos necessários, por isso clientela não lhe faltava, a seringa manejava com perícia, com as agulhas suturava as feridas. Todos foram tratados com grande desvelo e cuidado.

Numa outra divisão mesmo em frente à enfermaria habitava o José Nascimento, furriel. A sua especialidade era de atirador, pertencia ao 3º. pelotão da CART 2520, quando chegou à Guiné já tinha quase ano e meio de serviço militar. Preferia ter que correr para um abrigo em caso de ataque inimigo e residir com mais algum conforto e privacidade neste compartimento.

No abrigo virado para a bolanha do Xime e para a estrada de acesso ao rio Geba, morava o Manuel Soares, furriel e operacional de armas pesadas. Pertencia ao 3º. pelotão da CART 2520, também com vários meses de serviço militar cumprido antes de chegar à Guiné e desde sempre granjeando da amizade dos outros camaradas. Jogava à defesa e, como o seguro morreu de velho e cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, dava preferência a um abrigo em caso do inimigo resolver atirar com algumas ameixas.

Com alguma frequência o Nascimento enfiava-se na enfermaria, conversava e assistia a alguns tratamentos. Outras vezes era o Costa que procurava dialogar e deixar correr o tempo. Devido a esta proximidade não foi difícil estabelecer uma grande amizade e também alguma cumplicidade.

Uma noite, já tinha escurecido havia algumas horas, o silêncio do quartel era apenas cortado pelo roncar do gerador eléctrico, quando em serviços diferentes e por mero acaso os dois se encontram. Depois de uma troca de palavras lembraram-se de fazer uma "partida" a um camarada, apesar do Carnaval ainda demorar a chegar.

A "vítima" foi escolhida. Dirigidos à enfermaria foram preparados os adereços, seguiram depois para o objectivo. Sob a luz ténue do abrigo e resguardado pelo mosquiteiro o sacrificado dormitava a ganhar forças para combater as agruras do dia e da semana seguintes.

Quando é levantado o mosquiteiro, o Soares vê na sua frente o seu camarada de pelotão, de braço ao peito e a cabeça envolta em ligaduras tintas de sangue, (na realidade não passava de mercurocromo). De olhos escancarados, completamente surpreendido pergunta:
- O que aconteceu?
- Fui passar ronda e caí numa vala, amanhã vais sozinho com o pelotão para a ponte -foi a resposta, (o pelotão iria sem alferes e sem o outro furriel para o rio Udunduma no dia seguinte.)

À entrada do abrigo ficou um expectador atento ao desenrolar dos acontecimentos. A cena saíra perfeita, o Costa mijava-se a rir.

Na manhã do dia seguinte o Soares dá de caras com o Nascimento completamente são que nem um pero e pronto para seguir viagem, mas quem pagou pela brincadeira foi a sua mãe, que a milhas na Metrópole pedia a Deus a protecção para o seu filho ausente na Guiné. Ao percebar que tinha caído que nem um passarinho, em tom áspero o Soares, furriel, solta um impropério:
- Ah filho da puta e eu que não dormi nada a noite inteira!

Para todos os camaradas da Tabanca Grande, um grande abraço

José Nascimento

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17111: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (11): Enxalé, a outra margem do Geba

Postes anteriores:

19 de novembro de 2016 >  Guiné 63/74 - P16737: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (10): A música das nossas vidas: "Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle, mon amour"... ou o braço de ferro entre o fur mil Renato Monteiro e o nosso primeiro Vaz, cuja amada esposa se chamava Isabel e vivia a 5 mil km de distância, em Vila Real, Portugal...

23 de setembro de 2016 >  Guiné 63/74 - P16518: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (9): "Rã Teimosa", a última Operação da CART 2520

17 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15870: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (8): Quem não se lembra do antigo ditado que diz: "em tempo de guerra não se limpam armas"

13 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15742: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (7): O Soldado João Parrinha, natural de Cabeça Gorda, Beja

14 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15490: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (6): A Bandeira

27 de julho de 2015 Guiné 63/74 - P14936: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (5): Idas a Bafatá para comprar vacas

24 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14517: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (4): Primeiro dia no Xime

31 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14422: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (3): Eu e o malogrado fur mil mec auto Joaquim Araújo Cunha, da CART 2715, em Amedalai, em junho de 1970, de bicicleta a pedal

14 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14362: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (2): Viagem até Mansambo

10 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14341: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (1): Os Cabos também faziam Planos de Operações

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17262: Convívios (794): XV Encontro do pessoal da CART 2520, dia 20 de Maio de 2017, em Almeirim (José Nascimento, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 19 de Abril de 2017:

Caro camarada Carlos Vinhal, 
A CART 2520 vai realizar o seu 15.º convívio no dia 20 de Maio em Almeirim. 
No intuito da convocatória chegar ao máximo número de combatentes desta Companhia, agradeço a divulgação da mesma na nossa Tabanca Grande. 

Um grande abraço do 
José Nascimento


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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17232: Convívios (793): XXII Encontro do pessoal do BCAÇ 2885, dia 20 de Maio de 2017, em Coimbra (César Dias, ex-Fur Mil Sapador)

terça-feira, 7 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17111: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (11): Enxalé, a outra margem do Geba


José Nascimento, um olhar sobre o Geba


1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 27 de Fevereiro de 2017:


ENXALÉ, A OUTRA MARGEM DO GEBA


O Enxalé começou a fazer parte da zona operacional do Xime e da CART 2520 em outubro de 1969. O rio Geba separava estes dois aquartelamentos, assim como uma bolanha intransponível na época das chuvas, portanto com um elevado grau de dificuldade para se estabelecer a ligação entre as duas unidades.

A travessia do Geba era uma completa aventura e dependia sempre da maré cheia, podia-se fazer esta cambança a bordo do  Sintex ou pelas pirogas manobradas por um indígena, cujo remo situado na sua popa servia de força propulsora e simultaneamente de leme.

Ao 3.º pelotão da CART 2520 também  coube a missão de permanência no Enxalé. No segundo dia após a nossa chegada, o alferes Lapa que foi em substituição do comandante de pelotão, o alferes Marques, regressou ao Xime, ficando o pelotão apenas com dois graduados, os furriéis Nascimento e  [Rentao] Monteiro, passando o comando para o mais "velho" destes elementos, que era eu.

Este destacamento era constituído por um aglomerado de antigas casas, pertença de um fazendeiro que se refugiou em Bissau com o eclodir da guerra. Este fazendeiro era possuidor de uma destilaria de cana de açúcar, que foi totalmente destruída, restando apenas alguma sucata [, o Pereira do Enxalé, pai da nossa amiga, grã-tabanqueira Maria Helena Carvalho]. Havia uma tabanca com seis centenas de moradores, composto maioritariamente por balantas e mandingas, cabendo a nós,   militares,  fazer a sua protecção de possíveis ataques do PAIGC, o que chegou a acontecer no dia 10 de Fevereiro de 1970, dia de Carnaval.

Quando se ouviram os primeiros disparos, já a noite havia caído, também eu disparo numa corrida a sete pés para o abrigo mais próximo, só que assim que saio dos meus aposentos ouço o rebentamento de uma granada de RPG7, num mergulho à peixe atiro-me ao chão entre uns bidões cheios de terra, que eventualmente nos protegiam dos projécteis do IN. Um dos estilhaços ainda em brasa, caprichosamente veio estacionar a um palmo do meu nariz. Enceto nova corrida até ao abrigo da Breda, penso ter batido o recorde mundial dos 30 metros. Já agarrado à Breda, chega o "Espanhol" e berra:
- Deixe isso comigo,  meu furriel, fazendo de seguida umas rajadas que ajudaram o IN a ir jogar ao Carnaval para um outro lado.

Resultou deste ataque: ferimentos com alguma gravidade na perna de uma habitante, outro elemento da população perdeu uma mão e um rapaz sofreu ferimentos ligeiros. Todos foram evacuados de héli para Bissau no dia seguinte. Arderam também várias tabancas.



Enxalé após o ataque


No dia anterior a este ataque, decorreu na outra margem do Geba, a operação Boga Destemida [, em 9 de fevereiro de 1970,] na qual as nossas tropas sofreram uma brutal emboscada na zona de Gandagué Beafada por parte do inimigo, sendo perfeitamente audível à distância em que nos encontrávamos, o matraquear das armas de fogo e o rebentamento de granadas.

Sabendo via rádio da gravidade da situação, solicito para ser transportado para a margem esquerda do rio, a fim de poder dar a minha ajuda no que fosse possível. Na enfermaria presto a minha colaboração ao furriel enfermeiro Augusto Costa, o ferido que mais me impressionou e que seria evacuado para Bissau, juntamente com outros elementos, foi o furriel Pestana, as suas costas estavam rasgadas por estilhaços de granada, numa das feridas cabia perfeitamente um dos meus punhos fechados. Este camarada jamais regressaria para a CART 2520, recuperou, mas as mazelas ficaram para sempre a marcar o seu corpo e o seu espírito.

Quando passava uma guia de livre trânsito para um dos habitantes da tabanca se deslocar a Bissau, o chefe de tabanca dos mandingas falou em francês, fiquei surpreendido e perante a minha pergunta porque falava naquela língua respondeu-me que tinha estudado no Senegal antes da guerra começar, mais perplexo ainda fiquei.

Com uma frequência quase diária, um puto da tabanca com cerca de 10 anos, de uma tez muito clara, vinha conversar connosco e fazer-nos alguma companhia, nós em troca demos-lhe a nossa amizade. Para ti,   Dingue, se ainda pertenceres ao número dos vivos, aqui vai um fraterno abraço.


Com o amigo Dingue


Era normal os nossos militares darem uns tirinhos à caça das rolas, quando o faziam na zona frontal ao destacamento virada para bolanha, não havia qualquer problema,  mas nas traseiras da tabanca isso representava algum perigo e foi o que aconteceu com o nosso apontador de metralhadora, de caçador ia sendo caçado. Valeu-lhe o seu sangue frio e coragem, que ao aperceber-se de que alguns guerrilheiros se preparavam para lhe deitar a luva, sacou de uma granada de mão e lá vai disto, escapando-se de imediato para o quartel e desta maneira o Martins deixou de ser um possível prisioneiro de guerra nas mãos do PAIGC e de fazer um passeio turístico até Conakri.

De vez em quando chegavam mensagens codificadas vindas do Xime, que eu decifrava através do Codoper, com ordens para montar uma emboscada ou fazer um patrulhamento a determinado local. Eu falava baixinho com os meus botões, capitão Maltez cá tem cabeça. Temos que assegurar a protecção do destacamento e da população, como é que vamos montar uma emboscada com meia dúzia de gatos pingados? Na volta do correio eu respondia: "montada" emboscada ou  patrulhamento "efectuado".

E assim se passaram dois meses com relativa tranquilidade, mas com muitas dificuldades. Matar a fome às nossas barriguinhas não foi tarefa fácil. Receber e enviar correspondência por vezes demorava mais de uma semana. O isolamento era enorme, os nossos contactos com o mundo exterior só eram possíveis através do Xime e com o Xime foi muito difícil e arriscado devido à travessia do rio. Cada vez que passava de uma margem para outra, pensava sempre que algum dia poderia servir de pequeno almoço a um qualquer jacaré se na eventualidade acontecesse algum incidente e a nossa embarcação nos mandasse a banhos.  Neste espaço de tempo só eu e mais dois ou três elementos do pelotão é que saímos do Enxalé até à sede da Companhia.



Enxalé

Fotos: © José Nascimento (2017). Todos os direitos reservados

Para todos os nossos camaradas de armas um grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16737: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (10): A música das nossas vidas: "Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle, mon amour"... ou o braço de ferro entre o fur mil Renato Monteiro e o nosso primeiro Vaz, cuja amada esposa se chamava Isabel e vivia a 5 mil km de distância, em Vila Real, Portugal...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16960: (Ex)citações (322): não havia "praias de Biombo" para todos, em fim de comissão... Contavam-se pelos dedos os "oásis de paz", os "pequenos paraísos": Ondame, Varela, Contuboel, Cansissé, Bafatá, Bubaque...


Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Foi na fonte de Semba Uala, que os nossos corpos se retemperaram de energias abaladas. Também, com exasperados desejos, se buscavam encontros de encantos.

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > “Sintra de Bafatá”. Caminho que ia de junto do Mercado até à Mãe d’Água e casa do comandante do Esquadrão. Todo o percurso era ensombrado, como os caminhos da mata de Sintra. Na foto, o Fernando Gouveia, à civil.

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Zona da Mãe d’Água, também chamada “Sintra de Bafatá”, onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, a esposa do comandante Esquadrão organizava uns almoços dançantes em que eram convidados além dos alferes, e penso que alguns furriéis (16 B), todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e outras.

[O Fernando Gouveia não quis identificar o Esquadrão, mas o último do seu tempo, foi o Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga; reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro].

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Contuboel > A dolce vita dos dois primeiros meses de comissão... Luís Graça (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11), em passeio pelo Rio Geba, em junho ou julho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba... Nunca soube quem nos tirou esta foto... fabulosa. Levei 40 anos a tentar recordar-me do nome do barqueiro...

Foto  (e legendas) © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do José Nascimento, ex-fur mil da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) publicámos há dias um poste com fotos do destacamento de Ondame e praia de Biombo, a que ele chamou "um pequeno paraíso, um oásis de paz" (*)... Aqui passou os últimos meses da sua comissão, tendo escrito o seguinte sobre este lugar:

"Adeus, meu pequeno quartel do Biombo, adeus a este pequeno paraíso por onde a guerra não passou, adeus aos mais belos tempos desta parte da minha juventude, parto para a Metrópole, mas deixo aqui o meu coração".

Era um "pequeno paraíso", um "oásis de paz", para quem, como ele,  tinha vindo do "inferno do Xime"... Foi uma bela prenda de fim de comissão... Só que não havia "praias de Biombo" para todos...

(i) Contuboel

Falando de "oásis de paz", eu só conheci um, em junho/julho de 1969, quando fomos (a CCAÇ 2590, meia centena de "tugas") dar a instrução de especialidade e a IAO aos nossos soldados do recrutamento local (uma centena), formando mais tarde a CCAÇ 12... Esse sítio chamava-se Contuboel (região de Bafatá). E havia um corredor Bafatá - Contuboel - Sonaco, "livre da guerra", nessa altura...

Em Contuboel funcionava nessa época um Centro de Instrução Militar... E num raio de 15 km eu achava que se podia ainda andar desarmado... Fizemos a IAO com cartuchos... de pólvora!

2. Será que havia outros pequenos paraísos e oásis de paz no TO da Guiné, ao longo dos anos de guerra em que lá estivemos? Parece que sim, alguns já aqui foram referidos (e documentados) no nosso blogue:

(ii) Susana / Varela / Praia de Varela (no Cacheu)

Ainda há dias encontrei o antigo comandante da CCAÇ 1791, que hoje deve ser coronel reformado, o então cap inf António Maia Correia, pai de uma amiga e colega minha. Só temos uma referência sobre esta companhia, que também fez a Op Lança Afiada, em março de 1969, no setor L1 (Bambadinca). Acabou a comissão (abril / agosto de 1969) em Susana, e o antigo comandante disse-me que, como prémio, cada pelotão passou um mês em Varela, que era "a Sintra da Guiné"...

Antes de Susana, a CCAÇ 1791 / BCAÇ 1933 passou por Encheia, Contuboel, Geba, Empada, Biambe, Bula, Bambadinca...

(iii) Cansissé

Outro oásis de paz terá sido Cansissé, pelo menos para quem vinha do "inferno de Gandembel", como foi o caso da CCAÇ 2317:

Ver aqui os postes do Idálio Reis:

2 de agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

(iv) Bafatá

Tirando os Bijagós (onde não havia sinais de guerra), com destaque para Bubaque..., não haveria muitos mais "oásis de paz" na Guiné, durante a guerra... Talvez Bafatá, no tempo do Fernando Gouveia (1968/70):

Vd.poste de de 12 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12434: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (10): A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras

Mas os nossos camaradas, nossos leitores,  talvez saibam de outros "secretos paraísos", "oásis de paz", perdidos pela pequena e bela Guiné do nosso tempo... Vamos lá desenterrar essas memórias (**)..
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quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16949: Memória dos lugares (357): Biombo - Ondame, um pequeno paraíso, um oásis de paz... (José Nascimento, ex-fur mil, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71)


Foto nº 1 > A praia do Biombo e o farol abandonado 


Foto nº 2 >  Praia do Biombo



Foto nº 3 > Biombo > A criançada



Foto nº 4 >  Biombo > Com elementos da população


Foto nº 5 > Biombo >  Destacamentio de Ondame > Aula de condução


Foto nº 6 >  Biombo > Na tabanca


Foto nº 7 > Biombo > Durante um passeio pela tabanca


Foto nº 8 >  Biombo, a "fisga"


Foto nº 9> Biombo > Dia de domingo

Guiné > Região de Biombo > Destacamento de Ondame > CART 2520 (1969/1)

Fotos (e legendas): © José Nascimento (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, c om data de 27 de novembro de 2016, do José Nascimento (ex-fur mil art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71):


Assunto - Biombo-Ondame Um pequeno paraíso

Caros camaradas Carlos Vinhal e Luis Graça,

No tempo em que estive na Guiné nem tudo foi mau, é o caso do Biombo, onde permaneci mais de seis meses.

É certo que as condições não eram as melhores, a iluminação era feita com candeeiros a petróleo, tínhamos de ir buscar água a mais de 500 metros a um poço insalubre, a cozinha era pouco mais do que um pequeno telheiro e as nossas próprias instalações não passavam de um barracão em alvenaria com uma cobertura em telhas de zinco, que quando chovia tocava uma orquestra verdadeiramente desafinada e ensurdecedora.

Mas graças ao nosso poder de improvisação, ao nosso espírito de sacrifício e à nossa camaradagem, as dificuldades foram ultrapassadas.

A guarnição não chegava a um pelotão, pouco mais de 20 elementos, eu era o único graduado.

Contávamos ainda com uma secção de milícia. Também havia um grupo de alguns rapazes muito jovens que,  a troco de alguma comida, voluntariamente ajudavam na cozinha e noutras tarefas e por quem nós nutríamos muito respeito e muita amizade, espero que tenham sido muito felizes, pois bem o mereciam, alguns até andavam na escolinha.

A parte boa desta estadia era a tranquilidade do local, não havia guerra, praticamente não andávamos armados, só quando nos afastávamos mais do nosso pequeno destacamento é que levávamos as nossas G3. Podíamos andar nas tabancas com total liberdade, na prática eramos como civis [Fotos nºs 6, 7, 8 e 9]. Até a minha relação com o pessoal deixou de ser como se estivessemos no mato, ficando quase de parte a componente militar.

Ainda me lembro do nome de algumas tabancas; uma era Ondame a que dava o nome ao destacamento, outra era Blim-Blim e uma outra era Blom.

O régulo deste grande aglomerado de tabancas com uma enorme população, chamava-se Mansoa e com o qual estabelecemos uma boa relação, ajudou a livrar-me certa vez de uma pequena encrenca com o capitão Maltez que um nativo criou com uma queixa no posto administrativo. 


Guiné > Região de Biombo > Mapa de Quinhamel  (1952) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de praia do Biombo, Ondame, Blimblim e Blom. Quinhamel, hoje a capital da região, ficava a norte.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)




Mapa das regiões da Guiné-Bissau. O Biombo (2) inclui os setores de Prabis, Quinhamel e Safim. Adaptado de Wikipedia, com a devida vénia.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


Já lá vão alguns anos escrevi um pequeno texto sobre o Biombo/Ondame, que tenho mantido em rascunho e que recentemente passei para o meu portátil, com algumas ligeiras adaptações.

Ora aqui vai:

Aí vêm eles, saiam daí, avisa um dos nossos militares. Não, não é necessário, porque o inimigo não ataca por mar, também não são tubarões, são apenas simpáticos golfinhos que se aproximam da praia do Biombo e nos vêm fazer uma visita, enquanto nós militares do Exército Português, elementos da CART 2520,  nos banhamos nas cálidas águas da costa da Guiné Bissau, à época Guiné Portuguesa.

A praia do Biombo ficava a escassos dez minutos do nosso aquartelamento, onde dezenas de palmeiras se baloiçavam suavemente sobre as suas águas ao sabor de um vento, quiçá português. Também não faltava um farol abondonado (como numa conhecida canção) para compor esta maravilhosa paisagem tropical [Fotos  nº 1 e 2].

Regressamos ao quartel, ao longo da estrada de terra batida,  veem-se bandos de pelicanos e flamingos de belas plumagens rosa e que procuram alimentos nos pequenos lagos ou braços de rio, onde os africanos se dedicam à apanha de saborosas ostras e apetitosos camarões.

No Biombo a nossa vida de militares decorre tranquila, não há actividade operacional e entre idas à praia e pequenas caçadas, convivemos com as populações nativas  [foto nº 4] e jogamos umas peladas de futebol. Também prestamos cuidados de saúde tais como pensos e tratamentos contra o paludismo, O nosso cabo enfermeiro é um excelente profissional. .

Hoje é dia da minha primeira lição de condução [foto nº 5],  simultaneamente sou aluno mas também instrutor. Coloco o motor da viatura a trabalhar e meto a 1ª..., à segunda ou terceira tentativa lá consigo arrancar e assim vou picada fora; a experiência adquire-se noutras lições...

Fui ao "Centro Comercial" que funciona junto à picada e resolvo comprar ostras, por pouco patacão,  a caixa do nosso Burrinho de Mato fica cheia. Foi um dia em pleno tanto para mim como para os meus soldados e ao almoço juntou-se o lanche que foi regado com umas belas "bazucas" que o nosso cantineiro fazia jus de as manter sempre bem fresquinhas.

Todos os dias a bandeira verde rubra sobe bem alto naquele mastro do quartel do Biombo içada pelos nossos dedicados milicias, vaidosa vai-se balouçando aos quatro ventos como que a murmurar; "aqui é Portugal... aqui é Portugal"... À noite repousa tranquila no meu pequeno gabinete, muito orgulhosa de ser portuguesa.

É dia de partida, vamos em breve regressar aos nossos lares, o nosso pequeno pelotão permaneceu seis meses neste local, depois de termos estado um ano na zona operacional do Xime no centro da Guiné, com uma passagem de cerca de três meses por Safim e João Landim, junto ao rio Mansoa.

Adeus,  sargento Aliu Indini, adeus soldados Quessane Quebá, Andinho Có e outros dos nossos leais milicias. Adeus professor Paulo,  da pequena escola primária do Biombo, adeus aos seus pequenos alunos; ainda hoje parece que os ouço cantar em coro [foto nº 3]

"Gira a roda, gira a roda,

Gira a roda sem parar...

Salta a bola, salta a bola,

Salta a bola sem parar"...

Adeus, meu pequeno quartel do Biombo, adeus a este pequeno paraíso por onde a guerra não passou, adeus aos mais belos tempos desta parte da minha juventude, parto para a Metrópole, mas deixo aqui o meu coração.

O Uíge levanta ferros e zarpa rumo a Lisboa, ainda no canal do Geba o meu peito contrai-se, ao longe pela última vez os meus olhos enxergam o pequeno farol abondonado a me "dizer" o seu adeus.

Adeus Biombo, adeus Guiné.

Para os meus camaradas desta aventura o meu grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor:

Último poste da série de 12 de Janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16947: Memória dos lugares (356): A Ponte dos Três Arcos, de Leiria, por onde passava a estrada real Lisboa-Coimbra (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16759: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (107): meninos do Xime: a Sene Sancó era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta (José Carlos Mussá Biai, engenheiro florestal, Lisboa)



1. Mensagem do José Carlos Mussá Biai, "menino do Xime" em 1970, hoje engenheiro florestal radicado em Lisboa, membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora:

Data: 25 de novembro de 2016 às 13:39

Assunto: fotos de José Nascimento e Domingos Fonseca

Olá, Luís, viva
Foto nº 1

O pai da minha prima Sene Soncó, chamava-se Ansu Soncó, nunca foi picador, era mais ou menos da idade do meu pai.

O meu pai tinha um irmão (do mesmo pai e mãe),  de nome Mancaman,  e um primo-irmão (os pais é que são dois irmãos) com o mesmo nome. Foi este último que era picador, o Mancaman Biai.

A Sene era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta.

O meu irmão que casou com ela era o Fodé Biai,  o primeiro a contar da direita para esquerda nesta foto do Domingos Fonseca [foti nº 1].

Um abraço e bom fim de semana,
Zé Carlos

Foto nº 2 

2. Pergunta anterior do editor:

Zé Carlos:
O pai da tua prima Sené Sancó era o picador e guia que aparece na foto [nº 2]? Se sim, era o teu tio Mancaman Biai ? Ou a Sene era tua prima pelo lado materno, da tua mãe? Donde lhe vinha o apelido Sancó? E qual dos teus irmãos casou com ela ? [oto nº 1]...