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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16052: Os nossos seres, saberes e lazeres (153): O novo livro do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa, "Onde a Cegonha Poisou - Contos Autobiográficos do meu Manuel", já está disponível (O autor)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa, Sargento-Ajudante Reformado da GNR (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74), com data de 25 de Abril de 2016, anunciando a publicação do seu segundo livro, este com o título ONDE A CEGONHA POISOU – Contos Autobiográficos do "meu Manuel":

"Amigo Carlos Vinhal: 
Recebi recentemente um e-mail do nosso camarada Luís Graça, que tu também deves ter recebido, manifestando a sua preocupação em chegar ao ponto de recear telefonar para qualquer um de nós, temendo que o seu contacto seja já inoportuno, pedindo para dizermos "Ok, ainda estamos cá", como prova de vida. 
Estando a rapaziada toda já "entradota", compreendo a sua preocupação. Pela parte que me toca, aqui estou a dizer "OK, ainda estou por cá", enviando-te em anexo um texto para, se o entenderes, o publicares. É um excerto do meu novo livro autobiográfico, prestes a ser editado, que contém uma mensagem de Natal, embora já um pouco extemporânea, para todos os companheiros. 

Agora, amigo Carlos, com a publicação deste texto, ou a rapaziada gosta e vai adquirir o livro, espicaçada que foi, assim, a sua curiosidade, ajudando-me a escoar os livros que as editoras me "obrigam" a adquirir, mesmo sendo o autor, ou não gostam mesmo nada deste naco de prosa e o destino dos livros, além de um ou outro que vou por na estante, é uma pilha a um canto da garagem. 
Como vês amigo, ainda cá estou e com algum sentido de humor. 
Envio-te também uma fotografia para ilustração. 

Um abraço para ti e para todos os companheiros, e respectivos familiares. 
Bom Ano de 2016 
Manuel Sousa"

Foi assim o meu anúncio de que estava a escrever um novo livro, juntando o excerto de um texto que dele é parte integrante, como conto de Natal dirigido a todos os companheiros ex-combatentes da "tabanca grande", fazendo, ao mesmo tempo, a minha prova de vida de 2016, que deu lugar ao Poste 15596.

O companheiro e "patrão" do nosso blogue, Luís Graça, no seu comentário no mesmo post recomendou:
"...Manda notícias sobre o livro quando estiver pronto!... 
Luís Graça". 

Pois bem, aqui estou eu, portanto, a "dar ao rol" o meu novo "rebento", de quem acabei de cortar o "cordão umbilical", que se chama ONDE A CEGONHA POISOU – Contos Autobiográficos do "meu Manuel".

Ei-lo:


Sendo este livro de cariz autobiográfico, como o próprio subtítulo sugere, é um livro simples, que eu sou suspeito em avaliar, mas que, no fundo, eu considero o meu "curriculum vitae", como agora a gente mais nova diz, que eu apresentei quando fui admitido na tropa, que culminou com a tormenta do terror de guerra, na qual nos vimos envolvidos, em que, apesar de todo o sofrimento que isso implicou, redundou em toda esta amizade de que comungamos.
Ao longo da minha escrita vou deixando ilustrações de coisas que me marcaram na infância, adolescência e juventude consubstanciadas em desenhos da minha autoria, em vez de fotografias, que lhe confere, creio eu, alguma originalidade.
Por exemplo, quando descrevi aquele meu conto de Natal não quis deixar de apresentar a morada daquele generoso Menino Jesus, que é a Capela de Santa Luzia na aldeia da Carrapatosa, Linhares, Carrazeda de Ansiães, a terra da minha mãe, fazendo questão de reproduzir também o fontanário em ferro fundido, situado em frente à capela, onde, em criança, me empoleirava a beber água directamente da torneira:


Também ao descrever a minha escola, cujo edifício hoje está afecto à sede do Grupo Desportivo, Cultural e Recreativo de Folgares, a minha terra:


E assim, sucessivamente. Contudo os desenhos aparecem na obra a preto e branco, visto que a edição a cores se tornava muito mais onerosa, aí pelo triplo.
Aqui deixo a apresentação que fiz do livro no facebook, destinados a todos os meus amigos, considerando que também tenha interesse para outros que não estão em contacto comigo através daquela rede social, que é o caso da maior parte dos nossos "camarigos" deste blogue.
Alguns dos seus nomes, para lhes despertar a curiosidade, estão registados nesta obra, no contexto do seu enredo, principalmente através de comentários que fizeram a alguma da minha "literatura" que tem vindo a ser publicada no blogue:

"Finalmente, a edição do meu novo livro está concluída e ele aí está, bem fresquinho, pronto a ser lido por quem o desejar. 
Sendo um livro de contos, é como que uma peça de teatro em vários actos, cujos actores, em que eu estou incluído, evoluem num vasto palco, tendo como fundo bonitas terras do nordeste transmontano, particularmente a minha aldeia, os meus Folgares, não fosse o livro autobiográfico, Freixiel, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, e zonas do Douro e do Tua, entre outras, em que é retratado o quotidiano das suas gentes dos anos 50, 60 e 70 do século passado. 
Teria o maior prazer em oferecer um exemplar a cada um dos meus amigos, mas, como são tantos, felizmente, isso significaria ter de pedir ao tribunal para ser decretada a minha insolvência económica (risos). Isto só para ilustrar o preço em que ficam os livros, mesmo para o autor. 
Depois, pelo que aprendi aquando da edição do meu livro anterior, oferecer um livro poderia provocar três coisas distintas junto de quem o viesse a receber: - Uma leitura atenta e interessada, o que aconteceria na maior parte dos casos; 
- A “coacção”, ou seja, a obrigação de o ler, se, de facto, não tivesse o gosto e hábitos de leitura; 
- Nunca viria a ser lido, ficando, na melhor das hipóteses, apenas a fazer parte da decoração da estante lá de casa. 
Assim, deixo ao critério de cada um para que, livremente, decida se o quer adquirir ou não. 
Em caso afirmativo, com a sua compra, é uma prova inequívoca de que essa pessoa tem a curiosidade e o gosto de o ler. O barómetro fiel da sua receptividade junto dos leitores. 
É claro que, mesmo assim, ainda vou oferecer alguns. 
Boa leitura para quem o vier a obter. Da minha parte, esforcei-me para que essa leitura seja agradável. Não sei se o consegui. 
Onde o adquirir? Já muitos amigos me perguntaram. 
Para já pode ser adquirido através da internet, utilizando as palavras-chave (Onde a Cegonha Poisou sítio do livro); 
Dentro em breve pode ser comprado também na livraria FERIN (Ferã), na rua Nova do Almada, n.º 70, ao Chiado, em Lisboa, directamente na livraria ou fazendo a encomenda por telefone, 213424422, das 10 às 20 horas; 
Em qualquer livraria do país, por encomenda."

Um abraço para todos, com votos de uma boa leitura para quem vier a adquirir o livro.
Manuel Sousa
Abril 2016

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2. Comentário do editor

Como é lógico, ainda não li este novo livro do nosso camarada e amigo Manuel Luís, mas pela leitura do anterior, "Prece de um Combatente", onde nos é dado "um cheirinho" da sua meninice, não me é difícil adivinhar, neste livro autobiográfico, uma narrativa cheia de vivências de autêntica luta diária contra, e a favor, da natureza, tão peculiar de Trás-os-Montes, onde os homens e as mulheres se fazem cedo. Histórias de um passado recente, que felizmente não são repetíveis porque se mudaram os tempos, as mentalidades e as formas de trabalhar a terra.

Caro Manuel, esperamos que o teu livro seja um êxito. És um homem de inúmeras facetas, e a de escritor está aí ao alcance de todos.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Maio de 2016 Guiné 63/74 - P16048: Os nossos seres, saberes e lazeres (152): A pele de Tomar (3) (Mário Beja Santos)

domingo, 31 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15691: Notas de leitura (802): "Genocídio Contra Portugal", edição SNI, Lisboa, 1961 (Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa, Sargento-Ajudante Reformado da GNR (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74), com data de 14 de Janeiro de 2016:

Amigo Carlos Vinhal:

Recentemente evoluía eu na escrita do meu livro, descrevendo em pormenor imagens que me marcaram profundamente na minha adolescência, ao ter acesso a imagens arrepiantes associadas ao massacre de Quitexe no Norte de Angola, decorria o ano de 1961.

Ao escrever, depois de já ter feito a descrição física da pequena publicação que continha essas imagens, mesmo não tendo dúvidas do aspecto daquele documento, embora na altura em que o vi ainda fosse muito novo, experimentei em fazer uma pequena pesquisa na Net, com o objectivo de encontrar algo associado àquelas minhas memórias. Para minha surpresa, tantos anos depois, encontrei mesmo a fotografia do pequeno livro, exactamente como eu o tinha descrito.

Assim, por entender que o assunto tem algum interesse em ser divulgado no nosso blogue, envio-te em anexo um pequeno excerto do livro que melhor descreve o que acabei de referir, e mando-te a fotografia visada para ilustração.

Um abraço deste teu companheiro e amigo
Manuel Sousa


"...Recuando alguns anos, tinha eu cerca de onze anos de idade, com a mesma tarefa de guardar o milho dos ataques do texugo, ia com o meu irmão Fernando dormir à nossa "Cabreira". Os mesmos receios da noite como atrás mencionei, embora este período coincidisse com as festividades da Nossa Senhora da Saúde na aldeia de Mogo de Malta, Carrazeda de Ansiães, em finais de Julho, cujo santuário se apresentava iluminado à nossa frente, lá no alto da encosta nascente do vale da Cabreira, que, de algum modo, tornava a noite menos tenebrosa. Porém, como criança que era, numa dessas noites, senti-me particularmente amedrontado com imagens horripilantes que se afiguravam de uma forma constante na minha mente.

Decorria o ano de 1961, estávamos em Julho ou Agosto, portanto, e aquele meu irmão tinha arranjado, não sei onde, uma pequena brochura com capas negras sarapintadas, graficamente, com manchas vermelhas, representando gotas de sangue. "Genocídio contra Portugal". Estava assim escrito na capa a letras vermelhas, configurando terem sido gravadas com sangue. Eram indescritíveis as imagens de terror que o interior daquele pequeno livro continha! Melhor teria sido se as não tivesse visto. Noite arrepiante aquela que eu passei! Para onde quer que olhasse no escuro que nos envolvia ou mesmo com os olhos fechados debaixo da manta que nos cobria, aquele espectáculo aterrador perseguia-me. Só alguns anos mais tarde tive a capacidade de ligar e associar estas imagens às primeiras investidas dos movimentos de libertação das colónias portuguesas de então. Tratava-se do massacre do Quitexe no norte de Angola que tinha ocorrido no mês de Março desse ano, por parte da UPA (União Popular de Angola).

Levado pela curiosidade, hoje fiz uma pesquisa na Internet e encontrei esse mesmo livro, exactamente com a forma que acabei de descrever, que alguém quer vender por 50 euros como documento histórico, cuja fotografia, pela crueldade que ela representa, não vou publicar neste livro".

Eis a apresentação da fotografia, para venda:


"GENOCÍDIO CONTRA PORTUGAL"
Edição SNI, Lisboa 1961
Livro com 16 páginas e muito ilustrado.
Em muito bom estado de conservação.
De muito, muito difícil localização.
MUITO RARO.

Documento editado pelo SNI (Serviço Nacional de Informação), de denúncia dos massacres efectuados pelos guerrilheiros da UPA, liderada então por Holden Roberto, no norte da ex-colónia portuguesa de Angola, a partir de 15 de Março de 1961, onde foram mortos centenas ou milhares de civis, homens, mulheres, velhos e crianças, brancos, negros e mulatos, com requintes de malvadez, conforme atestam as fotografias.
Trata-se pois de um documento histórico daqueles acontecimentos.
Preço: 50,00€

Com a devida vénia a Livros Ultramar - Guerra Colonial


 Manuel Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15685: Notas de leitura (801): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15596: Prova de vida (1): Fantasias de Natal... (Manuel Luís R. Sousa)

1. Porque o Natal é quando o Homem quer e porque o nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), quis fazer a sua prova de vida, aqui temos uma ternurenta Fantasia de Natal enviada ao nosso Blogue ontem, dia 9 de Janeiro de 2015.

Amigo Carlos Vinhal:
Recebi recentemente um e-mail do nosso camarada Luís Graça, que tu também deves ter recebido, manifestando a sua preocupação em chegar ao ponto de recear telefonar para qualquer um de nós, temendo que o seu contacto seja já inoportuno, pedindo para dizermos "Ok, ainda estamos cá", como prova de vida.
Estando a rapaziada toda já "entradota", compreendo a sua preocupação. Pela parte que me toca, aqui estou a dizer "OK, ainda estou por cá", enviando-te em anexo um texto para, se o entenderes, o publicares. É um excerto do meu novo livro autobiográfico, prestes a ser editado, que contém uma mensagem de Natal, embora já um pouco extemporânea, para todos os companheiros.
Agora, amigo Carlos, com a publicação deste texto, ou a rapaziada gosta e vai adquirir o livro, espicaçada que foi, assim, a sua curiosidade, ajudando-me a escoar os livros que as editoras me "obrigam" a adquirir, mesmo sendo o autor, ou não gostam mesmo nada deste naco de prosa e o destino dos livros, além de um ou outro que vou por na estante, é uma pilha a um canto da garagem.
Como vês amigo, ainda cá estou e com algum sentido de humor.
Envio-te também uma fotografia para ilustração.

Um abraço para ti e para todos os companheiros, e respectivos familiares.
Bom Ano de 2016
Manuel Sousa



Fantasias de Natal…

Sempre me disseram, em criança, alimentando a minha fantasia, que o Menino Jesus, que eu via habitualmente num dos altares da Capela de S. Luís, - Folgares, Vila Flor - muito pequenino, de feições angelicais, de cabelo loiro, vestido com umas vestes brancas e resguardado numa redoma de vidro, nos visitava na altura do Natal, entrando pela chaminé, para deixar uns presentes nos sapatos que ali encontrasse.

Como é que aquele ser tão frágil e indefeso, – pensava comigo próprio, embora criança – tinha o vigor físico para, pela calada da noite, ao frio, à chuva ou à neve, subir ao telhado da nossa casa e descer depois ao interior, com a dificuldade acrescida de ali não existir qualquer chaminé? As chamas da fogueira crepitavam livremente até ao tecto, saindo o fumo por entre as telhas.

Mesmo assim, pelo sim e pelo não, na noite de Consoada, à falta de sapatos, lá ia colocando os socos junto à lareira, condição essencial para Ele deixar os presentes, segundo me diziam, na expectativa de que aquele Menino seria mesmo capaz de vencer tais obstáculos e descer através das "lares" para me deixar qualquer coisa – um carrinho, uma gaita. Oh...! Que alegria seria a minha.

No dia seguinte, ansiosamente, bem cedo, ia ver os socos que, para minha decepção e tristeza, continuavam intactos e sem qualquer presente. A explicação dos meus pais era a de que ele não teria brinquedos suficientes para todas as crianças, mas que, provavelmente, no ano seguinte seria a minha vez, ou então, diziam-me, que ele não teria entrado pelo facto de a nossa casa não ter chaminé e de não querer "enfurretar" as suas vestes alvas de neve na fuligem das "lares".

Serviam-me de algum consolo estas explicações e consolidava-se em mim aquela ideia de que o Menino Jesus, tão frágil, correndo o risco de se partir o barro de que era feito, não seria capaz de subir ao telhado da nossa casa. Isto por um lado. Por outro, chegava a pensar que Ele discriminava os meus socos, visto que o habitual, segundo me diziam, era porem-se na lareira na noite de Natal os sapatinhos. Coisa que eu não tinha.

Num desses anos da minha meninice, também por altura do Natal, encontrava-me na aldeia da Carrapatosa, onde passava alguns períodos com a minha avó materna. Mais uma vez, na noite de Consoada, levado pela mesma fantasia, a minha tia Aninhas aconselhou-me a colocar os socos no canto da lareira antes de ir para a cama. Com alguma relutância o fiz, pela experiência anterior e visto que a casa da minha avó também não tinha chaminé.

No dia seguinte, bem cedo, "inspeccionados" os socos, para minha surpresa e alegria, estavam atacados de rebuçados. Como criança que era, rejubilei de felicidade! Perante esta realidade, e não perdendo tempo em trincar e chupar alguns deles, percorrendo com o olhar toda a altura entre o tecto e a lareira, não pude deixar de pensar que o Menino Jesus da Carrapatosa era muito mais audaz do que o da minha terra, e imaginava como as suas vestes teriam ficado negras pela fuligem do cadeado das "lares", por onde ele teria descido feito alpinista.

Logo nesse dia, na ida à missa de Natal com a minha avó, a tia Aninhas e os meus primos, à Capela de Santa Luzia, tive a curiosidade de reparar na sua imagem, supondo eu, pelo que fez durante a noite, que estaria toda enfarruscada de fuligem. Para minha admiração, estava imaculadamente limpa, como era habitual, o que me deixou pensativo, concluindo que aquele menino em nada se comparava a outro qualquer. A mim, por exemplo. Porque se eu fizesse o que ele fez, a minha roupa estaria que nem a de um carvoeiro, impregnada de pó negro da lareira.

Só mais tarde tive a noção de que o Menino Jesus, para não se sujar e não apanhar o frio da noite, fez o cambalacho com a tia Aninhas, que era mordoma da capela, incumbindo-a de ali colocar os rebuçados, que Ele tinha requisitado na taberna, do Eugénio ou do Cassiano de Campelos, para serem debitados na Sua "conta". Aqueles a que eu tinha direito – os socos estavam repletos – em compensação dos anos anteriores que não me tinha trazido nada.

Que Menino Jesus nos abençoe a todos em geral e, especialmente, os ex-combatentes.
Manuel Sousa
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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14649: Os nossos seres, saberes e lazeres (95): Se fosse presunto... (Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 17 de Maio de 2015, com um trecho do seu próximo livro, uma autobiografia, ainda sem nome.

Amigo Carlos:
Tenho o gosto de te comunicar que estou a escrever um novo livro, de cariz autobiográfico, cujo título ainda, por enquanto, não vou divulgar. É um projecto que visa, sob a forma de contos, descrever essencialmente tempos da minha infância e juventude, retratando, ao mesmo tempo, a vida daqueles tempos, no interior profundo transmontano, Folgares, Freixiel, Vila Flor, nos aspectos social, económico, religioso e cultural, entre outros aspectos. O "Panelo de barro preto", já publicado no blogue, integra este trabalho.
Envio-te em anexo um pequeno excerto do mesmo livro, já em fase adiantada, caso o queiras publicar na nossa "tabanca", para conhecimento de toda a tertúlia.
Envio-te também em anexo uma fotografia para ilustração.
Ao fazer este anúncio, é o assumir de um compromisso para não me dar à preguiça na prossecução e conclusão deste modesto projecto.

Um abraço
Manuel Sousa


Se fosse presunto...


"...Assim fui crescendo nesta azáfama da vida dura do campo até à minha chamada para o cumprimento do serviço militar.
Em campanha, na guerra colonial na Guiné, durante um mês de férias em Bissau, em Janeiro de 1974, tirei a carta de condução.

Regressei em Agosto desse ano apetrechado com este instrumento de trabalho e havia que retomar o ritmo, quer em casa dos meus pais, quer naqueles trabalhos sazonais em Freixiel, interrompido por aquela obrigação militar.
Voltei a integrar um rancho de azeitoneiros logo em Dezembro desse ano, a trabalhar numa das casas mais ricas de Freixiel, o senhor Ernesto Lima, que além dos olivais que possuía onde trabalhámos também tinha um lagar de azeite lá na aldeia para a transformação da azeitona, quer da sua colheita, quer a que se produzia na aldeia e noutras aldeias circunvizinhas, aliás, para quem quase sempre trabalhei durante a minha adolescência e juventude até ir para a tropa.

 Manuel Luís R. Sousa na apanha da (sua) azeitona

Conhecendo-me como conhecia e sabendo que já tinha a carta de condução, entregou-me logo uma carrinha Bedford, azul, de caixa aberta, de 3500Kg, para o transporte do pessoal para os olivais e da azeitona para o lagar ao fim do dia.

A partir daí, à noite, levava a carrinha para a minha aldeia, transportando toda aquela minha gente, que antes, como contei, andava a pé, e no dia seguinte voltávamos ao trabalho já com aquela comodidade.
Uma bênção para toda a gente, ter um motorista no grupo!

No primeiro dia que procedi ao transporte da camarada de regresso à minha aldeia, cerca de vinte pessoas, o senhor Ernesto Lima, preocupado, sabendo da minha pouca experiência e sendo a estrada que liga as duas aldeias muito sinuosa, íngreme e com curvas e contra curvas, além de algum gelo que se acumulava em alguns lugares, encarregou um motorista de Freixiel, que eu conhecia bem e de quem era amigo, com mais experiência para me acompanhar, para se inteirar do meu desempenho da condução naquelas condições, seguindo ele, o patrão, atrás, no carro dele. A viagem correu bem até ao cimo da encosta, no percurso de cerca de seis quilómetros, e chegámos assim à minha aldeia.
Regressou então o patrão e aquele motorista, o Chico António, a Freixiel no carro dele, ficando eu com a carrinha em cima para no dia seguinte transportar o pessoal para o trabalho.
Nesse mesmo dia seguinte, quando já descia a meio do percurso, verifiquei que o senhor Ernesto Lima, ainda preocupado, foi ao meu encontro no seu automóvel, seguindo atrás de mim depois até Freixiel, decorrendo a viagem sem qualquer problema.

Ambos tivemos sempre uma relação quase afectiva que ia para além da equidistância entre patrão e trabalhador, como, aliás, se pode verificar na sua preocupação em relação a mim que acabei de descrever. Sempre foi muito afável comigo nas nossas relações laborais, e não só. Estou-lhe eternamente reconhecido por isso.
A adaptação à condução da carrinha decorreu relativamente rápido e, passados alguns dias de se ter iniciado a apanha da azeitona, por ordem do patrão, deixei de fazer parte da camarada de azeitoneiros e fui incumbido de, acompanhado de um ajudante, o senhor Inácio, também da minha aldeia, proceder à pesagem da azeitona nas aldeias mais próximas e transportá-la na carrinha para o lagar para a transformação, entregando depois o azeite aos clientes.

O meu ajudante era uma pessoa com cerca de cinquenta anos de idade, de baixa estatura, de rosto miúdo e moreno, rijo, bem disposto e com muito sentido de humor! Tinha como missão transportar os sacos de azeitona às costas no local da recolha até à carrinha e depois da carrinha até à "tulha" no lagar.
Vergado debaixo daqueles grandes sacos de lona, com cerca de oitenta quilos, o senhor Inácio quase desaparecia. Não se via literalmente. Eu, sobre a caixa de carga da carrinha, ajudava-o a pôr os sacos às costas e, de vezes em quando, para o aliviar um pouco, carregava um saco ou outro.
O senhor Inácio, já muito vivido, e como não era o primeiro ano em que ele fazia aquele trabalho com outros motoristas, teve o cuidado de me prevenir, sendo eu novato naquelas andanças, que era costume os agricultores onde íamos buscar a azeitona a essas aldeias em redor, que ele já conhecia, aquando do final do carregamento da azeitona oferecerem um "taco", dizia ele.

Assim, no dia a dia, naquelas aldeias, Meireles, Vilas Boas, Roios, Samões, etc. no final do carregamento, as pessoas, muito francas, convidavam-nos a entrar em casa para comermos o tal "taco", altura em que, quase sempre, à socapa, o meu ajudante João Inácio me piscava o olho, como a dizer-me que era verdade o que antes me tinha dito.
Entrávamos então e, à boa maneira transmontana, eram postos no braseiro da lareira umas linguiças ou salpicões, acabados de tirar do estendal do fumeiro, que mais parecia um tecto falso da cozinha, que degustávamos depois de assados com bom pão centeio e vinho da casa.
Confirmei então que era assim, quase diariamente, a ponto de não comermos o nosso farnel que transportávamos no porta-luvas da carrinha.

 Uma merenda bem melhor que um "taco"

Um dia, no final do trabalho, regressámos à nossa aldeia, eu e o meu ajudante Inácio, dando também "boleia" a um rapaz lá da terra, muito mais novo do que eu, o António "Palancho", que trabalhava no lagar.
Nessa altura já a apanha da azeitona do patrão tinha terminado, embora o lagar continuasse a trabalhar, não tendo, por isso, a camarada dos azeitoneiros para transportar. O percurso de regresso a casa foi diferente do habitual, bastante mais longe, para passarmos por duas aldeias, Samões e Seixo de Manhoses, para entregarmos azeite de clientes.

Depois da entrega em Samões, em casa de um tal senhor Joaquim Madureira, foi cumprido o ritual habitual: presunto, pão e vinho na mesa com que todos os três nos saciamos com a voracidade natural do final de um dia desgastante de trabalho.
Partimos depois para Seixo de Manhoses entregar a colheita de azeite de um padre. Chegámos. Ele não estava em casa. Fomos recebidos por uma senhora ainda jovem. Não sei se era empregada ou familiar.
Abriu-nos a porta dos baixos duma casa alta, em granito, bem cuidada, e ali descarregámos o azeite num bidão. Terminada a entrega, a senhora, simpaticamente, com aquela hospitalidade transmontana, perguntou-nos se queríamos beber um copinho de vinho.
Antes que eu e o António "palancho" recusássemos, porque não éramos grandes bebedores e tínhamos acabado de comer e beber em Samões, o meu amigo Inácio, com a piscadela de olho habitual que me dirigiu, "atacou" logo:
- Bebia-se um copito..., se fosse com uma azeitonita...
- Que não seja por isso... subam, por favor.
Respondeu logo a senhora, franca e expedita.

Subimos então umas escadas altas em granito e entrámos numa grande cozinha, onde a senhora nos acomodou convidando-nos a sentar junto à fogueira que crepitava na lareira, num ambiente agradável e aconchegante, comparando com o frio que se fazia sentir na rua naquela época do ano.
Encontrava-se ali deitado, regalado ao calor da fogueira, um corpulento cão perdigueiro.

A nossa anfitriã colocou uma mesa pequena à nossa frente, coberta com uma toalha branca, onde dispôs um pão, uma malga de azeitonas e uma caneca de vinho, para que os três comêssemos e bebêssemos, deixando-nos ali sozinhos enquanto se ocupava nas lides da cozinha.

Eu e o António "Palancho", como não tínhamos fome, fomos debicando um pedacinho de pão uma azeitona por uma questão de cortesia em relação à hospitalidade da senhora. Fomos acometidos por um ataque de riso, que mal conseguimos disfarçar, vendo o nosso amigo Inácio também a debicar, a mastigar em seco, a olhar de soslaio para a senhora, a ver se trazia algo mais suculento, que era o fito dele.
Mas..., nada.

O cão perdigueiro, esse sim, é que estava com apetite, ávido de nos tirar a comida da mão.
Então o amigo Inácio, continuando visivelmente a engolir em seco, pegou num pedacinho de pão, atirou-o ao ar na direcção do cão e este com uma infalível precisão logo o apanhou no ar e o abocanhou.
Mais uma e outra vez e o cão não falhava. Eu e o António já estávamos ansiosos para sair dali porque estava a ser insuportável aguentar o riso, sabendo as intenções do Inácio.
Para cúmulo este pegou numa azeitona, atirou-a ao cão, e este, da mesma maneira, tal como fazia ao pão, com a mesma avidez, a deglutiu. Perante esta fome canina, o Inácio murmurou em sussurro:
- Se fosse presunto...!

Pronto. Foi um descalabro. Não conseguimos disfarçar mais aquele momento hilariante que rimos, rimos, abertamente, apressando-nos a dizer à senhora que o motivo da risada foi a graça que encontrámos ao cão. Agradecemos, despedimo-nos e saímos rapidamente. A caminho da aldeia, de regresso a casa, os três, continuámos a divertir-nos com aquela peripécia, com a certeza de que o Inácio, daquela vez, não conseguiu comer presunto.

O amigo Inácio já faleceu. Que Deus o tenha. Foi um privilégio, com aquela idade, com vinte e três anos, ter este estágio de vida orientado por ele..."

17 de Maio de 2015
Manuel Sousa

Fotos: © Manuel Luís Rodrigues de Sousa
Legendas da responsabilidade do editor
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14641: Os nossos seres, saberes e lazeres (94): Bruxelles, mon village (Parte 6) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14051: Conto de Natal (20): O "amor" de um bode ou a solidariedade entre animais (Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com um belo Conto de Natal em que o protagonista não é o burrinho nem a vaquinha mas um bode.


O “AMOR” DE UM BODE

Sim, isso mesmo, o “amor” de um bode! 

Como pretexto para vos cumprimentar, de ir ao vosso encontro, tenho-vos enviado alguns dos meus “postais”, como, por exemplo, “O Douro sob o meu olhar”, "Vila Flor em dia de noivado”, “Vila do Conde é um poema”, etc. Hoje, com o mesmo objectivo, por muito estranho que vos pareça, imbuído de espírito de Natal, tenho o gosto de levar até vós mais um dos meus “postais” alusivo ao “amor”, solidariedade, companheirismo, em que o protagonista é este ruminante. Esses sentimentos que, pelo que presenciei, não são exclusivos dos humanos.

Como reformado, e como transmontano que se preza, cultivo um pequeno quintal num terreno contíguo à minha residência. Entre as diversas culturas que ali granjeio, como não podia deixar de ser, fiel aos costumes de Trás-os-Montes, plantei uma centena de pés de couves de penca, cuja finalidade, para alguns deles, era acompanharem o bacalhau na noite de consoada.


Ali próximo existe um campo a pousio, cujo proprietário, para evitar que o mato ali crescesse, autorizou um vizinho, depois deste vedar todo o perímetro do terreno com uma rede de arame, a colocar ali cerca de duas dezenas de ovelhas e meia dúzia de cabras, entre as quais o dito bode, a figura principal do enredo desta história.


As ovelhinhas, mais pachorrentas, limitaram-se sempre à área circunscrita pela cerca, enquanto que as cabras, lideradas pelo imponente e chifrudo bode, amarfanhavam a dita cerca com as patas e, “upa”, saltavam para fora e todos os terrenos limítrofes eram deles, incluindo, para minha “desgraça”, o meu bem tratado quintal.

Na minha ausência, para meu desgosto, os assaltos à minha horta sucederam-se, não obstante eu ter avisado o proprietário dos bichos, a ponto de todos os pés de pencas terem sido dizimados e, portanto, “nicles”, não há, este ano, daquela horta, couves para a consoada. Com uma selectividade cirúrgica, porfiaram fazer desaparecer apenas as couves de penca até à última folha, até ao tutano, ignorando as nabiças e as couves galegas ali existentes, provavelmente por terem um trago mais amargo.

Perante este quadro, tão cioso da minha horta, escusado será dizer o “pó” que eu apanhei aos caprinos que já não os podia “enxergar” e entre as pragas que lhes roguei, a mais benévola, era que uma alcateia de lobos por ali passasse e os devorasse. Descarregava a minha ira, algumas vezes, quando os via aproximar do quintal, correndo-os à pedrada. Tal era a frequência das investidas, que até já tinha pesadelos de noite ao sonhar que as cabras me estavam a invadir a horta.


Recentemente, encontrando-me eu no mesmo quintal a proceder à sementeira de inverno, das favas e das ervilhas, constatei que uma das cabras, ao tentar transpor a rede da cerca, lutava para se desenvencilhar das malhas de arame que se lhe enlearam no pescoço e nos chifres. Quanto mais estrebuchava mais o garrote a apertava.

- Bem feito..., bem feito…, é para que te sirva de emenda para não vires cá para fora a abocanhar as couves dos outros - rejubilava eu em pensamento, enquanto a azougada cabra lutava cada vez com mais dificuldade, perante os berros desesperados do bode branco que a acompanhava e se movimentava inquieto de um lado para o outro, à sua volta, como a pedir ajuda para libertarem a companheira.

Como ninguém se aproximava, incluindo eu que estava ali próximo, o bode, continuando a berrar desatinadamente, correu pelo campo fora, para o extremo oposto, em direcção à residência do dono do terreno, deixando eu de o ver a partir do meio do percurso, por interposição de um bloco habitacional implantado junto ao terreno, facto que me intrigou e me fez ficar ainda mais atento àquela cena.

Ficou ali então a cabra sozinha a lutar com as malhas da rede, quase a sufocar, o que, não obstante a minha “raiva”, a minha indignação, pelo que já referi, com problemas de consciência, larguei a enxada e preparava-me para ir libertar o animal já prestes a abafar. Entretanto, volvidos alguns instantes, para minha surpresa, surgiu por detrás do referido prédio habitacional a esposa do proprietário do terreno em socorro da cabra, seguida do bode ainda a bramir como um desmamado.

Depois desta, muito a custo, a ter soltado das malhas da rede, ambos, a cabra e o bode, correram pelo campo fora como a festejarem a libertação.

Perante o que acabara de testemunhar, de tal modo o gesto do bode me tocou, embora revoltado por me terem rapinado as pencas do Natal, que não pude deixar de exclamar com esta “terna” expressão, aqui para nós que ninguém nos ouve, “…filho da puta do bode…” 


Não quis, portanto, deixar de partilhar convosco esta linda história de “amor”, à parte a “ternura” da expressão com que terminei, e de, aproveitando o contexto, levar até vós, como ilustração da mesma história, a bonita melodia Love Story, nostálgica para os menos jovens. Precisamente, uma história de amor.

Se bem reparastes ao longo do texto, falei-vos de amor, solidariedade, companheirismo, couves, bacalhau e animais. Como sabeis, tudo isto integra a festa de Natal que se aproxima. Aceitai, portanto, esta história como um postal de Natal. Um postal diferente, especial, que, só por isso, e porque a mesma história foi o motivo de ir mais uma vez ao vosso encontro, a perda das minhas couves de penca não foi em vão. Bem pelo contrário, foi até compensadora.

E, já agora, para terminar, sabeis como vou resolver o problema das couves para não deixar o bacalhau da ceia na solidão? Se não houver uma boa alma de um de vós, os mais próximos, que se tenha enternecido com a pungente história das minhas couves e me dispense uma “tronchuda” para a ceia de Natal, O mercado espera-me.

Feliz Natal de 2014 para todos os meus companheiros ex-combatentes e familiares.
Manuel Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14048: Conto de Natal (19): Uma viagem a outros Natais (Francisco Baptista)

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13424: Blogoterapia (256): "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", para que as minhas memórias não se percam no tempo (Manuel Luís R. Sousa)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luis R. Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 27 de Junho de 2014:


SENTIMENTAIS AUTÓGRAFOS

Como é do conhecimento de alguns de vós, em 2012, escrevi, editei e publiquei o livro com o título "PRECE DE UM COMBATENTE – NOS TRILHOS E TRINCHEIRAS DA GUERRA COLONIAL".

É frequente ouvir dizer a nossos camaradas ex-combatentes que guardam religiosamente na velha mala que os acompanhou em campanha na guerra colonial boas e más lembranças desse tempo, e que ela só é aberta em momentos especiais em família, que os leva a reviver esse tempo difícil da sua juventude, revendo uma carta, um aerograma, uma fotografia, um objecto, etc.

Como ex-combatente que sou, também guardo a minha velha e carcomida mala, que me acompanhou nesses tempos, com danos visíveis provocados pelos solavancos das viaturas em que era transportada pelas sinuosas picadas do norte da Guiné e ainda impregnada de pó da terra vermelha que caracteriza aquele chão africano.

Como material perecível que é essa mala, e porque eu também não sou eterno, prevendo que um dia essas memórias ali guardadas se iriam perder no tempo, decidi então transferir todas essas lembranças para este livro, perpetuando assim as minhas memórias desse tempo.

Para quem não conhece o livro, e para contextualizar o significado dos meus autógrafos, fica a reprodução da contracapa do mesmo livro.

É uma súmula de todo o seu conteúdo, que retrata todas as vicissitudes porque passei em campanha, transversais a todos os meus companheiros de cativeiro de guerra, que são comuns, também, a todos aqueles que estiveram ao serviço da Pátria durante a guerra colonial:


“PELA PÁTRIA, LUTAR!

“A Portuguesa”, poema adoptado como Hino Nacional de Portugal a 19 de Junho de 1911, após a implantação da República, com letra de Henrique Lopes de Mendonça e música de Alfredo Keil, é um símbolo patriótico que, ao longo das suas estrofes, enaltece os feitos gloriosos de todo um “nobre povo”.

É arrebatadora a melodia dos seus acordes musicais que se misturam com o significado de cada palavra, cada verso, cada estrofe.

Esse enlevo atinge o seu auge, o seu pino, chega a ser arrepiante até, com a parte final do refrão, num dos seus versos, que exorta e apela também à luta em defesa do chão pátrio: “Pela Pátria, Lutar!”.

Ao fechar este livro, utilizei precisamente este verso, o “grito do Ipiranga” português, para sintetizar o conteúdo da obra, que retrata e traduz todo o esforço dos ex-combatentes, distribuídos pelos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, Exército, Marinha e Força Aérea, nas três frentes da guerra colonial, Guiné, Angola e Moçambique, que, em campanha, responderam a esse apelo patriótico, muitos deles com o sacrifício da própria vida.


Contracapa do Livro "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial"

Todo este rosário de adversidades suportadas em campanha, vincou os laços inquebrantáveis de amizade e companheirismo gerados entre os ex-combatentes, independentemente de eles terem pertencido a escalões hierárquicos militares diferentes, oficiais, sargentos e praças.

Toda essa diferença hierárquica se esbateu e o denominador comum a todos é o estatuto de ex-combatente.

Movidos por esses sentimentos recíprocos de afectividade que perduram no tempo tantos anos depois, eles não hesitam em calcorrear as estradas do país com destino a um ponte de encontro pré estabelecido, para, entre afectuosos cumprimentos, bom repasto e alguns copos bem bebidos, conviverem e lembrarem as peripécias de guerra, e não só, em que se viram envolvidos em campanha, ao serviço da Pátria.

É como que o renovar do oxigénio que lhes falta, consumido ao longo de todo o ano longe uns dos outros.

Como se tudo isto não bastasse para atestar os sólidos laços que os unem, e era aqui que eu queria chegar, nos autógrafos, ou dedicatórias, como quiserem, que tenho concedido aos companheiros que têm adquirido o livro, esse sentimento está bem presente.

Ei-los, alguns deles: 

“…O cheiro a pólvora queimada em campanha por terras de Jumbembém, Guiné, fortaleceu a nossa amizade”.

“…Os cumprimentos, estima e consideração do autor deste livro que, tal como tu, sob perigo iminente constante, trilhou as matas, bolanhas e picadas de Jumbembém, Guiné”.

“…A estima e o apreço que tenho por ti emergiu, por paradoxal que pareça, por entre vivências de guerra que tivemos em terras de Jumbembém, Guiné”. 

“…Matas, picadas e bolanhas, entre o troar de morteiros e o silvo das balas da “costureirinha”, lá em terras Jumbembém, Guiné, vincaram a amizade que nos une”. 

“…Trilhámos juntos as matas, picadas e bolanhas de Jumbembém, Guiné, entre ferradelas de mosquitos e cheiro a pólvora queimada. Essas vicissitudes uniram-nos para sempre na amizade”.

“…A perda de dois anos da nossa juventude da guerra colonial em que nos vimos envolvidos, concretamente em Jumbembém, Guiné, não foi em vão: Aí teve origem a amizade que nos une”.

“…A poeira vermelha das picadas de Jumbembém, Guiné, as ferradas de insectos, o troar de morteiros e canhões e o sibilar das balas são memórias indissociáveis do nosso inabalável companheirismo”. 

“…Por paradoxal que pareça, a nossa amizade emergiu dos destroços da guerra colonial, entre mortos e estropiados, em que nos vimos envolvidos lá em terras de Jumbembém, Guiné”.

“…Minas, canhões, morteiros, metralhadoras e outros artifícios bélicos, entre mortos e estropiados, atormentaram-nos a alma durante os dois anos de campanha na Guiné, em terras de Jumbembém. A nossa amizade, que aí teve origem, ameniza essas inesquecíveis e más memórias”.

“…De todas as tormentas de guerra que passámos juntos em Jumbembém, na Guiné, resultaram os laços de amizade que nos uniram para sempre”.

“…Quarenta anos depois, perdura a amizade que nos une, consolidada por momentos difíceis que nos martirizaram a alma na guerra em que nos vimos envolvidos ao serviço da Pátria, em terras de Jumbembém, Guiné”.

 “…A ansiedade que, juntos, vivemos entre mato e capim no isolamento e pavor da guerra de Jumbembém é hoje compensada com a afectividade e companheirismo recíprocos que nos ligam". 

“…A nossa inquebrantável amizade ficará sempre associada aos momentos marcantes em que nos vimos envolvidos na guerra colonial, na Guiné".

“A ti, António Bastos: 

Ofereço-te especialmente este livro para que, cada vez que o leres, em cada palavra e em cada história aqui expressas, sintas a simpatia e a estima de alguém que, tal como tu, em campanha ao serviço da Pátria, trilhou as mesmas matas e picadas do chão colonial da Guiné. Esse alguém que te está reconhecidamente grato pela teu abnegado esforço em prol do reencontro, muitos anos depois, de toda a nossa “família” militar de Jumbembém. Esse mesmo alguém é o teu companheiro de armas, amigo e autor:”

“Para ti, camarada Carlos Vinhal: 

Com os cumprimentos, estima e consideração de alguém que, tal como tu, há muitos anos atrás, se bateu em defesa da Pátria por trilhos e picadas da Guiné. Esse alguém é o teu camarada, companheiro de blogue, amigo e autor:”
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Fotografia dos ex-combatentes junto à vivenda do anfitrião José Carvalho de Sousa, assinalado pela seta.

Este último é uma dedicatória especial, a título póstumo, ao meu camarada José Carvalho de Sousa. Em Maio de 2011, organizou a festa de convívio da nossa companhia, a expensas suas, na sua própria casa, numa bonita vivenda em Ruivães, Vila Nova de Famalicão. Dois meses depois, voltávamos lá para o acompanharmos à sua última morada. Paz à sua alma.

“A título póstumo, ofereço especialmente este livro ao meu companheiro ex-combatente, José Carvalho de Sousa, nas pessoas da esposa, D.Goretti, e da filha, Alzira, para que, cada vez que o lerem, sintam a energia e a presença desse seu ente querido, em cujas histórias aqui contadas ele esteve envolvido, tal como eu, na defesa da Pátria. O amigo e autor”.

São estes os sentimentos expressos nos meus autógrafos que traduzem a sólida amizade que une os ex-combatentes.

Junho de 2014
Manuel Luís Rodrigues Sousa

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Nota do editor:

Ontem tive o prazer de receber em minha casa o nosso camarada Manuel Sousa, acompanhado da sua companheira, e namorada de sempre, Silvina.

Em conversa, fatalmente (des)caída para a Guiné e para o Blogue, percebi no Manuel um certo constrangimento quando referiu que me tinha mandado há já algumas semanas uma mensagem com um texto para publicar, precisamente o de hoje, e que eu não tinha dado resposta nem publicado.

À sua frente fui consultar o correio pendente, e lá estava um conjunto de  mensagens suas, por acaso assinaladas por outro motivo que não os seus Sentimentais Autógrafos.

Concluímos que o meu "esquecimento" se deveu à anexação da sua última mensagem a outras duas que nada tinham a ver com o assunto.

Face a este lamentável lapso, involuntário, peço novamente aos nossos amigos e camaradas que não mandem textos e fotos para publicação pendurados em mensagens de resposta ou reencaminhadas. Por favor preencham sempre o espaço "assunto" e dêem títulos aos textos, para não correrem o risco de o editor criar um título não do agrado do autor.

CV
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

2 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", de Manuel Luís Rodrigues Sousa

17 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10811: Notas de leitura (440): "Prece de um Combatente Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", por Manuel Luís Rodrigues Sousa (Mário Beja Santos)
e
21 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10835: Notas de leitura (441): "Prece de um Combatente Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", por Manuel Luís Rodrigues Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13412: Blogoterapia (255): Em homenagem a dois transmontanos, bravos soldados, o José Tomás Costa (CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), e o Tomás Baptista, meu irmão (Moçambique, 1966/68) [Francisco Baptista, ex-alf mil inf, CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12923: Os nossos seres, saberes e lazeres (68): O panelo de barro preto (Manuel Luís R. Sousa)

1. O editor de serviço não resistiu à tentação de publicar esta história que o nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), escreveu e enviou aos seus familiares e amigos.
Como destas crianças de então se fizeram os homens que combateram em Angola, Guiné e Moçambique, entre 1961 e 1974, aqui fica o texto.


Vista parcial de Folgares


O PANELO DE BARRO PRETO

Há cerca de cinquenta anos, os habitantes da minha pequena aldeia de Folgares, Freixiel, Vila Flor, como a maior parte das aldeias do nordeste transmontano, tinham na terra que cultivavam o meio principal da sua subsistência, que conciliavam com a pastorícia de rebanhos de cabras e ovelhas, complementando, assim, a sua fonte de rendimento.

Além do leite, do queijo e da carne que comercializavam, e que também faziam parte da sua dieta alimentar, serviam-se destes animais para fertilizar as suas terras com os excrementos e a urina, na ausência de fertilizantes químicos que há hoje, tornando as suas pequenas leiras mais produtivas. Assim, para o efeito, desde o princípio da Primavera até ao final do Outono, o tempo mais quente, estes rebanhos de animais pernoitavam nas terras, confinados ao espaço limitado de um bardo, também conhecido por curral, que, todos os dias, ia sendo mudado até ser estrumada a parcela de terreno em causa.


O bardo, para quem não sabe, era uma cerca formada por várias cancelas de madeira, ligadas umas às outras, formando uma cerca nas mais variadas formas geométricas, (quadrado, rectângulo, círculo, em labirinto, conforme a configuração do terreno que se pretendia ocupar) que se fixavam, com uma ligeira inclinação para fora, espetadas no solo e suportadas do lado exterior por uns paus com uma bifurcação a que se chamavam forcados.

Claro que era indissociável do bardo a cabana onde pernoitava o pastor, que consistia num quadrado de madeira revestido a camadas de colmo de palha centeia, colocado de pé em posição ligeiramente oblíqua, para proporcionar o abrigo do lado do menor ângulo, amparado por dois forcados. Sob a cabana era aberta uma pequena cova onde era depositada alguma palha que servia de colchão ao pastor. Uma verdadeira suite de luxo, atendendo a que, na noite escura, dali se tinha o privilégio de ser admirada a beleza da abóbada celeste com as suas constelações de estrelas: a Ursa Maior, a Ursa Menor, a via Láctea, também conhecida por Estrada de S. Tiago, a estrela da manhã, além, também, da beleza das noites de luar. É a experiência que fala, visto que dormi algumas vezes com o meu pai nestas condições de campismo, cujos sons, além das imagens já referidas, ainda tenho bem presentes na memória: o ruminar das cabras, os balidos dos cabritos, o som das marradas das cabras e dos bodes nas suas lutas, o latir dos cães de guarda, etc.

À noite, depois de todos os animais acomodados no bardo, o pastor, com grande mestria, orientado pelo sentido do tacto, de cócoras, com o cântaro entre as pernas, mungia as cabras de uma a uma, de cujos mamilos, pressionados por mãos hábeis, jorravam os jactos de leite que, num instante, atestavam a vasilha.

Como logística alimentar, todos os dias, ao anoitecer, levava-se ao campo, além dos cântaros destinados ao leite, a ceia do pastor na chamada “lata dos pastores”.

Era um recipiente cilíndrico em lata, dividido em duas partes: a superior, um pouco mais pequena, destinada ao prato principal, e a inferior, a parte maior, destinada ao caldo não só destinado ao pastor como aos cães de guarda do rebanho. Depois uma asa de arame, por onde se pegava, completava o conjunto.

Neste contexto de então, o meu pai também tinha um rebanho de cabras, cuja guarda, enquanto ele se dedicava também ao amanho da terra, estava a cargo de um nosso pastor, o senhor Américo Catarino de uma aldeia vizinha, de Pereiros de Ansiães.

Era um homem com setenta e tal anos de idade, alto, magro, com o saber próprio da sua idade, com sentido de humor, de piada fácil. Era um contador de histórias. Algumas delas, preenchem ainda o meu imaginário.

Era meu contemporâneo na aldeia, naqueles anos, o meu amigo “Rito”, de seu nome completo, Francisco Pinto, aproximadamente da minha idade, seis ou sete anos. Talvez ele fosse um ano ou dois mais velho do que eu.

O “Rito” era conhecido por este nome por ser filho de uma senhora de uma das aldeias da freguesia de Freixiel, do Vieiro, de nome Rita, e de pai incógnito. Zorro, portanto. Era assim que se chamavam lá na terra os filhos cujos pais eram desconhecidos.

Dadas as dificuldades da mãe do “Rito”, foi adoptado, ainda que, na época, informalmente, por um casal lá da terra, o senhor João Mariano e a senhora Olívia.

O “Rito" caracterizava-se pela sua figura franzina, pouco nutrido, e revelava algumas dificuldades cognitivas, motivo porque, embora tenha frequentado a escola, nem a primeira classe chegou a concluir. Porém, era travesso incorrigível, principalmente quando os progenitores não estavam por perto, e tinha o condão de cantar muito bem. Era, incondicionalmente, um dos meus grandes amigos de infância.

Com toda esta minha exposição da vida do campo lá da aldeia, quis proporcionar aos leitores, como se de uma receita de culinária se tratasse, os ”ingredientes” necessários para “confeccionar” esta história do célebre “panelo de barro preto”:
Os progenitores do meu amigo “Rito” tinham uma cabra que por uns dias foi integrada no rebanho do meu pai para estar em contacto com os bodes reinantes da cabrada, com o objectivo de ela vir a procriar.

Ao cair da noite de um dia de verão, a mim e ao meu irmão Fernando, este mais velho do que eu cinco anos, foi-nos dada a tarefa de levarmos a ceia ao pastor, que pernoitava, portanto, no campo com as cabras, e as vasilhas para ao leite.

Tão novinhos que éramos, ambos alternávamos o transporte da “lata do pastor”, colocando a boina na mão para a asa de arame da lata não nos magoar.

Para meu contentamento, acompanhou-nos nesse dia o meu amigo “Rito” que levava um panelo de barro preto destinado ao leite da cabra dos seus pais adoptivos.

Tínhamos já saído da aldeia e caminhávamos já na poeirenta estrada térrea, entre pinhais, que liga a minha pequena aldeia a Carrazeda de Ansiães, que nos levaria até cerca de dois quilómetros onde se situava a parcela de terreno, designada por Terreiro, onde pernoitavam as cabras e o pastor.

O “Rito”, fazendo jus à sua irreverência, iniciava o chorrilho de diabruras que eu já bem conhecia, correndo à nossa frente, arrastando os pés descalços na estrada, levantando uma autêntica nuvem de poeira que nos sufocava. Corria de um lado para o outro a esconder-se na noite entre os pinheiros que ladeavam a estrada para, ao aproximarmo-nos, nos tentar assustar.

A dada altura começou a cantar e, como acompanhamento à sua melodiosa voz, agitava o panelo de barro preto com algumas pedras que meteu dentro.
- Dlão…, dlão…, dlão…, dlão.

Produzia assim o panelo uma bonita entoação sonora, ampliada pelo eco que se fazia ouvir pelo interior do pinhal que ladeava a estrada, de fazer inveja à velha sineta da capelinha de S. Luís lá da aldeia quando se rebimbava no alto do campanário a anunciar a hora da homilia, ou então, naquele tempo, a hora de irmos para a escola.
- Rito, tu vais partir o panelo. - Alertámos nós mais do que uma vez.
- Dlão…, dlão…,dlão…, dlão.

Continuava ele ignorando os avisos.

Depois de tanto badalar o panelo, a dada altura, e estranhamente, o “Rito” aquietou-se. Entretanto chegávamos ao Terreiro.

Embora fosse já noite cerrada, as cabras e o pastor ainda não tinham chegado ao bardo e nós os três, depois de colocarmos a lata com a ceia e as vasilhas do leite na cabana, incluindo o panelo, que o “Rito” fez questão de o deixar muito direitinho, regressámos a casa.

Depois da ceia, chegou a hora do pastor, o senhor Américo Catarino, ajudado pelo meu pai que entretanto foi ter com ele, proceder à ordenha dos animais.

Às escuras, como era habitual, o pastor, de cócoras, propôs-se a ordenhar a “Mariana” que era o nome que ele dava àquela cabra, por pertencer ao senhor João Mariano.

- Ó Antóoooooonio…!, Homessa…! Exclamava ele incrédulo momentos depois para o meu pai com a sua voz arrastada, com o sentido de humor que o caracterizava, levantando-se lá no meio das cabras.

E prosseguiu:
- Eu devo ter estado a ordenhar o bode porque o panelo ainda não tem uma gota de leite…
- Ó senhor Américo, não me diga que não consegue distinguir uma cabra do bode. Gracejava o meu pai com o pastor.
- Não é isso Antóoonio…, é que o panelo não tem cuuu…! Homessa…!

Foi assim o final deste célebre panelo de barro preto, indissociável da memória que guardo do meu amigo “Rito”, cujos cacos ainda hoje devem repousar no chão do Terreiro, que poderão constituir muitos anos depois um importante achado arqueológico.

Ao longo de muitos anos, a “sina” deste panelo de barro preto proporcionou bons momentos de hilariante boa disposição lá em casa a toda a família. Mais tarde o “Rito”, já homem, deixou os pais adoptivos e a aldeia e foi para uma outra aldeia do concelho de Mirandela, para Barcel, que se situa junto à margem direita do rio Tua.

Um dia, e esta é a parte triste desta história, o “Rito” faleceu em circunstâncias muito estranhas, ao ter sido encontrado o seu cadáver a boiar nas águas do rio.

Quis com esta história prestar a minha homenagem à sua memória, para ele, esteja onde estiver, sentir que o seu amigo “Manel” não se esqueceu dele, e, ao mesmo tempo, também como intervenientes directos neste episódio, relembrar o meu pai e o nosso pastor, o senhor Américo Catarino, também já falecidos.

Ao longo deste texto também quis deixar implícito, mesmo para o leitor mais distraído, que as crianças daquela época, desde muito pequeninas, eram chamadas a participar activamente na economia familiar em tarefas compatíveis com a sua capacidade física. Dizia-se na altura: “o trabalho das crianças é pouco mas quem o rejeita é louco”.

Eu, como tantas outras crianças da época, contribuí sempre com a minha parte sem que isso constituísse para mim, particularmente, qualquer trauma ou atrofiamento físico e cognitivo, muito pelo contrário. E a prova disso é que as mesmas mãos que se protegeram com a boina da asa de arame da “lata do pastor”, são as mesmas mãos que escreveram para vós este texto.

Quiçá ele venha a ser excerto de um próximo livro, por forma a perpetuar a memória de todos estes intervenientes que me são caros.

Manuel Sousa
Março de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12720: Os nossos seres, saberes e lazeres (67): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (10) (Tony Borié)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12436: Boas Festas (2013/14) (3): Sublime ternura de avô ( Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 7 de Dezembro de 2013:

Camarada e amigo Carlos Vinhal:
Há quarenta anos atrás, nós, os ex-combatentes, na altura com cerca de vinte e dois anos de idade, em campanha na guerra colonial, éramos a preocupação dos nossos familiares. Entre eles, de uma maneira especial, na maior parte dos casos, destaco os nossos avós, cujas orações dirigiam aos céus para que voltássemos sãos e salvos daquele cativeiro de guerra.
Os anos passaram-se num ápice, os nossos avós, entretanto, já partiram, e hoje, quase todos nós, os ex-combatentes, com a idade que temos, já assumimos esse estatuto especial de avós.
Assim, para o publicares no nosso blogue, se o entenderes, envio-te em anexo um texto da minha autoria, como mensagem de Natal, em homenagem a todos os avós e em especial àqueles que, como nós, foram combatentes na guerra colonial que gozam já desse mesmo estatuto.

Festas felizes para todos, e para os vossos netinhos, são os votos desse vosso amigo e companheiro
Manuel Sousa


Sublime ternura de avô

Um “shopping” a abarrotar de gente, num corrupio frenético das últimas compras de Natal.

Um homem idoso, quase a ser “atropelado” pela multidão em movimento, permanecia ali estático, curvado pelo peso dos anos, com um CD na mão.
Perante a indiferença de todos, dispersava o seu olhar em redor, deixando transparecer que se sentia ali perdido, deslocado, naquele turbilhão de gente anónima e que procurava algo, eventualmente relacionado com o objecto que tinha na mão, para o qual também olhava com ar de quem não percebia muito daquilo.

Quando eu passava por ele, timidamente, com o CD nas suas mãos trémulas, com marcas da vida, dos muitos anos que já tinha vivido, interpelou-me de uma forma tão peculiar como simples:
- Por favor, diga-me se esta música é das que faz “bum..., bum..., bum.”

E prosseguiu, com a mesma simplicidade, ao mesmo tempo que afagava aquele CD, qual tesouro que detinha nas suas mãos:
- Sabe, agora no Natal, quero oferecer uma música ao meu neto, mas tem de ser uma dessas que faz “bum... bum... bum” que é das que ele mais gosta.

Resistindo um pouco à tentação de me rir, pela graça que achei à forma original como o ancião identificou a música que desejava, dei-lhe a minha opinião, ao que ele agradeceu, e prossegui nas minhas compras embrenhado na corrente da multidão.

Pouco depois dou comigo a pensar naquele quadro de afectividade e ternura que o velhinho me suscitou e, sobretudo, na forma como ele me abordou, a braços com a difícil escolha do tipo de música que pretendia, tão diferente das modinhas da “tirana” e do “malhão” do seu tempo de juventude, que, seguramente, nessa época, não vinham empacotadas em CDs.

Que privilégio o meu, pensava eu, ter sido abordado por este homem simples, que, pelo que vi, com o coração a palpitar, quiçá com mais vigor do que a batida da música que procurava, me revelou o quanto idolatrava o netinho!

Porém, entregue a esta meditação, uma forte nostalgia me assaltou a alma ao projectar nele a imagem dos meus avós, já falecidos, que, também, tanto me protegeram e mimaram com a generosidade dos seus desvelos.

Nesta quadra festiva que se aproxima, não quis deixar de partilhar convosco esta singela mensagem de Natal, com base numa história verídica em que fui interveniente, por forma a contagiar-vos pelo simples mas sublime gesto deste, também, anónimo avô.

Provavelmente despertará em vós, os que ainda têm o conforto da sua companhia, a consciência de que, um dia, eles irão partir, e, mais tarde, tal como eu, e tantos outros que já os perderam, em qualquer “shopping” ou ao virar de qualquer esquina, algo encontrareis que vos trará à mente a memória desses vossos entes queridos.
Nessa altura, só já restará essa mesma memória e, consequentemente, a saudade.
Assim, enquanto é tempo, desfrutai ao máximo da sua companhia.
Enquanto tiverdes a ventura da sua presença nas vossas vidas, escutai com enlevo a brandura das suas palavras, tantas vezes de alento e de conforto, acompanhadas de um afago, de uma carícia.

É consensual que eles são uns “corações de manteiga” que se derretem pelos netos, em que estes, por sua vez, se “lambuzam”.
É flagrante, também, que entre as duas gerações se estabelece uma relação de cumplicidade, como que um insondável pacto secreto ou “cambalacho” que os liga numa simbiose perfeita.
Se dúvidas houvessem sobre isso, com a ternura do nobre gesto daquele desconhecido avô no “shopping”, a que não resisti descrever, elas seriam dissipadas.
Só eles, de facto, os avós, têm o condão especial de, desta forma, afectuosamente se darem.

Manuel Sousa
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Notas do editor

Imagem das mãos retirada da página Sexo Forte.net, com a devida vénia

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12427: Boas Festas (2013/14) (2): Álvaro Vasconcelos, Amaral Bernardo, Eduardo Estrela, J. C. Lucas, J. Mexia Alves, João Lourenço, José Colaço, Tony Levezinho

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11765: Convívios (517): Amargos chocolates no último Encontro da 2.ª C.ª/BCAÇ 4512, dia 1 de Junho de 2013, em Fátima (Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 16 de Junho de 2013:

Camarada e amigo Carlos Vinhal:
Com os meus cumprimentos, envio-te em anexo um texto, ilustrado com algumas fotografias, alusivo ao encontro dos ex-combatentes da 2.ª Companhia do Batalhão 4512, a que eu pertencia, que esteve sediada em Jumbembém, Farim, Guiné,de 1972 a 1974, que teve lugar no passado dia 1 de Junho em Fátima.
É uma espécie de acta do evento que põe em evidência emoções fortes desse dia, num misto de alegria e alguma tristeza, atentas as circunstâncias ali expressas.
Coisas de ex-combatentes!

Um abraço
Manuel Sousa


“AMARGOS” CHOCOLATES! 
SENTIMENTOS DE EX-COMBATENTES!

Volvido todo este tempo, cerca de quarenta anos depois, após a guerra colonial, é ver os ex-combatentes, ano após ano, a percorrerem quilómetros a partir das mais diversas localidades do país, e mesmo do estrangeiro, a convergirem para um ponto de encontro, ávidos de se encontrarem e confraternizarem com companheiros de armas, movidos por esses sentimentos recíprocos de afectividade que perduram no tempo tantos anos depois.

É aí que recordam, entre efusivos cumprimentos, bom repasto e alguns copos bem bebidos, as peripécias de guerra em que se viram envolvidos em campanha, ao serviço da Pátria.

Recordam também os episódios colaterais à guerra colonial, como, por exemplo, o seu relacionamento com as bajudas, no caso da Guiné, com as crianças e a população nativa em geral e, ainda, dos bons momentos, apesar de tudo, passados entre companheiros de luta.

Em suma, recordam esses instantes que lhes absorveram parte dos verdes anos da juventude, em que, pela irreverência própria da idade, e alguma irracionalidade até, se consideravam imortais, por paradoxal que pareça, mesmo sabendo que a todo o momento uma bala lhes poderia trespassar o corpo ou uma mina poderia explodir debaixo dos pés, fazendo-os desaparecer.

Impelidos por esses laços de amizade que nos unem, vincados, portanto, por essas adversidades em que nos vimos envolvidos, no passado dia 1 de Junho teve lugar o nosso encontro anual, da 2.ª Companhia do Batalhão 4512 que esteve em campanha em Jumbembém, Farim, Guiné, de 1972 a 1974.

Este ano o local escolhido foi Fátima.
Acompanhem-me nas emoções deste dia:

Depois da concentração da maior parte dos ex-combatentes, os do norte, no parque de estacionamento do Jumbo da Maia, segui-se a viagem de autocarro, rumo a Fátima.

Fizémo-nos à estrada, de autocarro, em direção a Fátima. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

O encontro com os ex-combatentes do centro e sul do país foi junto à Capelinha das Aparições, sendo um pouco perturbado o silêncio daquele local de oração com os efusivos cumprimentos entre todos pelas saudades acumuladas ao longo do ano, e durante quarenta anos em relação a alguns que pela primeira vez se juntaram a nós.

Ponto de encontro junto à capelinha das aparições em Fátima, onde se nota a presença de alguns ex-combatentes. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

Seguiu-se a homilia na Capelinha das Aparições pelas intenções da multidão habitual presente e em especial pelos ex-combatentes já falecidos, quer em relação aos nossos companheiros, quer quanto a outro contingente que combateu em Moçambique.

Depois da missa, retomámos o autocarro em direcção ao restaurante “Truão” situado nos arredores de Fátima.
Entremos pois e vejamos o que o dia nos reservou neste local.

À entrada do restaurante “Truão”. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

Uma vez já instalados à mesa, já a petiscar as “entradas”, o nosso anfitrião António Bastos, pediu-nos que nos levantássemos e que ficássemos em silêncio em homenagem aos nossos companheiros falecidos. As emoções ficaram ao rubro, com o derramamento de algumas lágrimas aqui e ali, quando, surpreendentemente, através da instalação sonora do restaurante, ecoaram os acordes do “toque de silêncio” que se prolongaram durante cerca de três minutos.
Seguiu-se em uníssono a reza de um “Pai Nosso” por alma desse nossos companheiros nesse momento solene e de pesar.

Todos em silêncio, durante cerca de três minutos, enquanto se ouviam os acordes do “toque de silêncio” através da instalação sonora do restaurante.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

- Uma salva de palmas para todos (os falecidos). - Bradou o nosso “Rio Mau” após a oração.

A salva de palmas pedida não se fez esperar e soou por toda a sala.

Ainda tomados pela comoção do momento, retomámos então as “entradas” e as hostes iam ficando animadas, como é habitual nestas alturas, em são convívio, entre a jantarada e uns copos bem bebidos ao longo da tarde.

Momentos do convívio. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

No final do dia, ao microfone, o nosso anfitrião António Bastos preparava-se para dar por terminado o convívio, altura em que eu interferi, quebrando o guião que estava estabelecido, para transmitir uma mensagem que era, no fundo, dar-lhes conta, a todos os companheiros, de um texto que enviei aqui para o blogue, onde tinha sido publicado poucos dias antes (P11626)*.

Tomei então a palavra, fiz uma pequena introdução saudando todos os camaradas, especialmente aqueles que, quarenta anos depois, pela primeira vez, se tinham juntado a nós, e saudei também, particularmente, duas pessoas especiais que se encontravam na sala.

Feita esta introdução, fiz a alocução da mesma mensagem, uma espécie de acta que lavrei sobre o convívio do ano anterior, por razões excepcionais que podereis verificar, cujo texto a seguir transcrevo no essencial:

“À MEMÓRIA DE UM COMPANHEIRO EX-COMBATENTE

No dia 26 de Maio de 2012, teve lugar o último encontro de ex-combatentes, relacionado com a minha 2.ª Companhia do Batalhão 4512, cuja comissão decorreu nos anos de 1973 e 1974 em Jumbembém, Farim, na Guiné.

O evento teve lugar na freguesia de Ruivães, Vila Nova de Famalicão. O ponto marcado para a concentração da maior parte do pessoal, para seguir depois todo junto até Ruivães, foi no parque de estacionamento do Jumbo da Maia.

À medida que uns e outros iam chegando, sucediam-se os efusivos cumprimentos entre todos os companheiros de luta, uns pela saudade acumulada durante o último ano, outros, pelo menos um, por ter sido a primeira vez que se juntavam a nós.

Nestas alturas é incontornável falar-se de episódios de guerra, e não só, que nos marcaram durante a nossa comissão em campanha durante dois anos da nossa juventude…

…Depois da concentração, à hora marcada, partimos para Ruivães, onde fomos recebidos pelo anfitrião organizador da festa, na sua própria vivenda, o também ex-combatente, nosso companheiro, José Carvalho de Sousa.

Este nosso companheiro era emigrante na Suíça que, juntamente com a esposa e a filha, D. Goretti e Alzira, respectivamente, ao longo de vários anos em que estes encontros se têm vindo a suceder, viajava expressamente daquele pais para Portugal e vice-versa para se juntar a nós nestes dias.

Era um companheiro alegre e bem disposto que nos brindava e mimava com os chocolates da Suíça que com satisfação nos distribuía, ora no autocarro em viagem para o local previamente estabelecido, ora já no restaurante da festa.

No ano anterior, em 2011, no decorrer do encontro na Mealhada, o nosso amigo José Carvalho de Sousa manifestou o desejo de ser ele o organizador da festa de 2012. E assim foi.

Esperava-nos então em Ruivães um encontro inesquecível:

A recepção aos ex-combatentes foi feita com a contagiante alegria deste nosso anfitrião na sua bonita vivenda que construíra com as suas poupanças de emigrante em local nobre da freguesia de Ruivães, ali junto ao adro da igreja paroquial.

Seguiu-se a homilia habitual naquela igreja em homenagem aos nossos companheiros já falecidos e, à saída, para nossa surpresa, assistimos à exibição da fanfarra dos Bombeiros Voluntários locais.

Entrámos depois no salão paroquial, paredes-meias com a mesma vivenda, onde nos foi fornecido um lauto banquete por uma empresa de restauração, abrilhantado, para mais uma surpresa nossa, por um conjunto musical lá da terra.

Seguiram-se algumas intervenções de camaradas que, invariavelmente, aludiam à excepcional organização da festa por este nosso companheiro, perante a sua esfuziante alegria e alguma emoção que nos contagiou a todos.

Eu próprio intervim, revelando a todos o projecto em curso do meu livro PRECE DE UM COMBATENTE, prestes a ser concluída a sua edição, cujas histórias ali relatadas eram comuns a todos nós.

O nosso amigo anfitrião comeu, falou, dançou, transpirou, emocionou-se, distribuiu os habituais chocolates, ofereceu lembranças, entre as quais umas garrafas de bom vinho.

Enfim, era manifesta a felicidade que lhe ia na alma pela festa que nos proporcionou, totalmente a expensas suas, pois não aceitou um cêntimo que fosse de ninguém.

Terminada a festa, nos dias imediatos, regressou à Suíça com a família de onde tinha vindo propositadamente para organizar a festa, embora com o apoio de dois camaradas, o Bastos e o Carneiro.

Volvidos cerca de dois meses, nos primeiros dias do mês de Agosto, voltávamos a Ruivães em circunstâncias bem diferentes!:

Fomos despedir-nos do nosso inesquecível camarada José Carvalho de Sousa que acabava de ser “mobilizado”, desta vez para integrar o exército de Deus lá no Céu.

Ele tinha-se despedido de nós, de facto, conscientemente ou não, há dois meses atrás quando, rejubilando de alegria, nos recebeu.

Já não tive oportunidade de lhe oferecer um livro, visto que o primeiro que recebi foi precisamente no dia do seu funeral, quando regressei a casa.

Fiz questão de o oferecer mais tarde à família.

A sua figura ficará gravada de forma indelével nas nossas memórias enquanto por cá andarmos.

Até um dia companheiro. Maio de 2013”

Terminada a minha mensagem, dados os seus contornos, espontaneamente atroou pela sala uma longa salva de palmas em homenagem ao nosso amigo José Carvalho de Sousa, entre soluços e algumas lágrimas, mais evidentes nas duas pessoas especiais que, como disse, se encontravam no local. O silêncio caiu novamente na sala no meio de toda a comoção, em contraste com a animação que se sentia naquele final de convívio.

Depois da morte deste nosso companheiro ficou em nós a tristeza de, nos futuros convívios, nunca mais sermos mimados pelos chocolates com que ele sempre nos brindava.
O mesmo era dizer que ele nos tinha deixado para sempre.

Recuando um pouco, ao momento da concentração no princípio do dia, no Jumbo da Maia, eis a minha primeira emoção do dia que me tocou particularmente:
Ali chegavam também, para minha grande surpresa, a esposa e a filha do nosso saudoso companheiro, vindas expressamente da Suiça para se juntarem a nós neste dia, as duas pessoas especiais que estavam na sala a que antes me referi.

Com elas traziam, imaginem, o que me sensibilizou ainda mais, além de admirar a sua coragem em terem vindo, a cestinha dos chocolates com que aquele saudoso camarada sempre nos brindou ano após ano.

Para terminar, e era aqui que eu queria chegar, além de vos apresentar a “acta” do convívio deste ano, a presença deste nosso companheiro, enquanto esteve entre nós, era indissociável dos chocolates com que habitualmente nos brindava.
Porém, a simpática oferta desta guloseima por parte da esposa e da filha este ano não esteve associada à sua presença, para tristeza de todos nós.

Atentas estas circunstâncias, “amargos” chocolates aqueles!

Terminado o convívio, em que foi patente ao longo de todo o dia a alternância de momentos de alegria e de tristeza, a que estive atento e aqui tentei reproduzir, finalmente a fotografia de família para a posteridade e, depois, o regresso a casa.

Foto de família no final do convívio para a posteridade. 
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)

Foi um dia de emoções fortes!
Coisas de ex-combatentes!

Junho de 2013
Manuel Sousa
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 25 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11626: In Memoriam (151): À memória do meu companheiro ex-combatente José Carvalho de Sousa do 4.º Pelotão/2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 (Manuel Luís R. Sousa)

Último poste da série de 25 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11761: Convívios (516): Último lembrete para o 3.º Encontro dos Bedandenses, a levar a efeito no dia 29 de Junho de 2013 na Mealhada (António Teixeira)