1. Mensagem do nosso camarada Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 16 de Janeiro de 2011:
Caro Carlos Vinhal
Envio-te este texto, se entenderes publica.
Manuel Marinho
A minha coluna emboscada, e o livro “A Última Missão”
Quero saudar o Cor Moura Calheiros pelo seu livro A Última Missão** que é um testemunho de grande qualidade para os ex-combatentes na Guiné, onde nos é dado a conhecer a grande actividade operacional do BCP12, a par de grandes operações realizadas em 71/73 em conjunto com Companhias de tropa regular.
Pela escrita avalizada do Cmdt Operacional dos Pára-quedistas, todos os militares são tratados sem falsos heroísmos, mas com elevado valor pelas dificuldades passadas.
Por exemplo:
- As dificuldades das Unidades que ocuparam o Cantanhêz, e construíram quartéis de raiz.
- As operações para libertar Guidaje, e a defesa heróica de Gadamael, e por aí fora.
Mas o que me leva a escrever este pequeno texto, são algumas questões novas contidas no livro, referentes a Guidaje nas quais eu participei.
Já não chegava o facto de termos ido numa coluna mal organizada operacionalmente, de nos terem mandado avançar de noite, de não terem avaliado bem o IN acabo por saber pelo Cor Moura Calheiros que até os socorros nos foram negados.
Nos fatídicos dias 8 e 9 de Maio de 1973 na coluna para reabastecer Guidaje, mal tivemos o primeiro contacto com o IN, (noite de 8) os pedidos de ajuda foram efectuados em tempo oportuno já adivinhando o que nos esperava, por não podermos retirar do local onde estávamos.
A viatura da frente da coluna (Berliet) estava imobilizada por efeito de mina.
Sei hoje graças ao Cor Moura Calheiros, no seu livro “A Última Missão” que a CCP 121 esteve em estado de prontidão para nos ir socorrer, logo na madrugada de 9 de Maio, desde as 5,00 horas até à nossa difícil retirada, para Binta.
A Missão dos Pára-quedistas era a de socorrer a coluna e recuperar as viaturas, sobretudo as que transportavam munições.
Os altos Comandos Militares na altura, esperaram para ver o que acontecia, e deixaram a situação chegar ao extremo.
Como o desenlace foi aquele, restou mandar bombardear as viaturas.
É provável que houvesse razões para crer que na manhã de 9 de Maio de 73 conseguiríamos repelir o IN, afinal era mais uma pequena emboscada. Mas não. Eram mais de 100 elementos IN na zona, e nós cerca de 50. Mesmo assim, com um IN muito superior em número, as suas baixas foram 3 vezes superior às nossas.
Infelizmente foi o começo na grande ofensiva terrestre do PAIGC no cerco a Guidaje, porque os ataques ao aquartelamento já estavam bem adiantados com fortes flagelações.
Lembro que fomos salvos por uma pequena força de cerca de 14 elementos da minha 1ª Ccaç/BCAÇ 4512 de Binta, que com enormes dificuldades conseguiu chegar até nós pelo menos com 2 viaturas e conseguimos com a sua ajuda retirar os nossos feridos.
Essa pequena força comandada por um Furriel foi resgatar com muito custo o meu amigo e Cmdt da coluna Alferes O.E., que se encontrava com a perna fracturada, e o trouxe às suas costas até à viatura.
Se (e este se é mesmo isso) a CCP 121 tivesse ido até Binta, chegaria a tempo de aliviar a pressão sobre nós, talvez salvar as cargas das viaturas, e na impossibilidade de minimizar as baixas que sofremos (4 mortos), teríamos conseguido de certeza trazer os corpos dos nossos camaradas que lá ficaram mais 2 meses, e isso já seria muito.
Mas isto são apenas ses.
Agora permitam a minha ousadia de questionar as considerações feitas no depoimento na parte final do livro pelo Sr Manuel dos Santos, ao tempo Cmdt das forças do PAIGC na frente Norte em 73 e na defesa da base de Cumbamory.
Passados todos estes anos é feita uma completa desvalorização por parte do PAIGC do ataque à base de Cumbamory pelo testemunho de um seu Comdt na época em questão.
Sobre a Operação “Ametista Real”:
Entre outras retiro estas afirmações:
- As bombas lançadas pela nossa aviação caíram em volta, na bolanha e não nas nossas posições.
-
O único material destruído foram cerca de 20 foguetões 122mm.
-
Na base não tivemos um único morto.
Estas são algumas das opiniões do Sr Manuel Santos. Perante este depoimento que dizer?
Os testemunhos de quem lá combateu do BCA na operação à base de Cumbamory dizem-nos que houve praticamente luta corpo a corpo. Como é possível numa operação daquelas os resultados serem estes?
Opiniões…
Apetece-me ironizar mas tenho muito respeito pelo autor do livro para o fazer.
Ao menos nos nossos testemunhos da guerra, não escamoteamos as nossas perdas, dignificamos sempre os nossos mortos caídos em combate, que é a forma mais honrosa de lhes perpetuarmos a memória.
Somos muito críticos, por vezes demasiado duros, a ajuizar o nosso comportamento na Guerra na Guiné, até surgem discussões entre nós, apenas com o intuito de sermos rigorosos na forma de contar o como foi e de que maneira aconteceu. Por isso somos, a consciência moral da Guerra Colonial da Guiné, e por muito que isso custe a quem quer que seja, ninguém apagará os nossos testemunhos, contados neste grande Blog, rico em amizade, camaradagem e solidariedade, único no género.
Por último aceitem a sugestão deste simples leitor e vosso camarada, leiam o livro.
Ao Cor Moura Calheiros, o meu obrigado mais uma vez por estas memórias, que ajudam a compreender o que foi aquele período na Guiné.
Um abraço para todos vós.
Manuel Marinho
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7318: In Memoriam (61): Fanta Baldé, de Farim (Manuel Marinho)
(**) Vd. poste de 5 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7385: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (4): "A História, tal como a ficção, não pode ficar em suspenso sem um epílogo que a justifique e lhe dê um sentido" (António-Pedro de Vasconcelos)
Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7614: Notas de leitura (188): Lugares de Passagem, de José Brás (Mário Beja Santos)