1. Mais uma pequena história do
Carlos Barros:
(i) ex-fur mil, defurriel mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974;
(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 17 referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.
O bolo-rei de Natal e a fava azarenta…
por Carlos Barros (*)
Em novembro de 1973 , o
furriel Barros, instalado em Gampará, com a 2ª Cart, 3º grupo de combate, escreveu
uma carta à sua mãe, Jandira Lima, em Esposende, para que lhe fosse enviad, para a Guiné, um bolo-rei da Nélia [, confeitaria que ainda existe: R. 1.º de Dezembro, nº 24, 4740-226 Esposende, telef: 253 961 119] ou mesmo da Primorosa.
Numa comunicação breve aos soldados do seu 3º grupo, o Barros tinha informado que a malta
iria ter um bolo-rei, no período do Natal, o que criou uma certa euforia
entre os soldados..
Os soldados vibraram de
contentamento e um bolo-rei na Guiné era “ouro sobre o azul” num
ambiente de sobressaltos, sofrimentos, ansiedades, de tragédias e de dramas
que envolvia toda a actividade da
guerra.
Passados quinze dias, o
bolinho, numa longa viagem, chegou ao aquartelamento, depois de uma longa
demora, nos serviços do SPM de Bissau.
O Barros parecia um
“empresário de pastelaria” e, sempre com o seu elevado sentido de partilha,
reuniu, no dia 23 de dezembro [de 1973], os soldados em
círculo, e dividiu o bolo-rei
em 27 bocadinhos, bem cortadinhos e apresentou uma proposta sentenciosa a todos
os presentes:
A quem saísse a fava, teria de pagar, um próximo bolo-rei que
seria comprado em Bissau, de qualidade muito inferior, como é natural, ao da Nélia, uma pastelaria de excelência a
nível local, mesmo, em todo o Norte do País.
As fatias “magricelas” foram divididas por todos os soldados que
começaram a mastigar o bolo, cada um olhando e inspeccionando as bocas com a expectativa
de saída da “abominável” fava …
O Barros, muito atento, num ápice, sentiu na boca ressequida a maldita fava e pensou logo que estava “desgraçado”, pois iria ser gozado por todos e não estava em questão pagar outro bolo,
apenas receava ser colectivamente gozado, o que era a “praxe” no meio do grupo.
O Barros pensou de
imediato, em sair daquela incómoda situação e sabem o que fez ele?
Engoliu a fava que foi directamente para o
estômago e, mais tarde, expelida pelos
intestinos, e o ânus está como testemunha,
O Cruz, soldado natural
de Barcelos, gritou:
− Furriel, o bolo não tinha
fava e você disse que vinha sempre com uma fava!...
O Venâncio, o Pedralva,
o Domingos e o Araújo estavam muito desconfiados mas nada disseram,
limitando-se a saborear o ressequido bolo-rei que estava a ser digerido
muito lentamente, quase que “ruminando”, para que o sabor demorasse mais um
pouco porque guloseimas, no aquartelamento, praticamente não existiam.
− Olha, Cruz, o pasteleiro
esqueceu-se de colocar a fava e não sei o que se passou − desculpou-se o Barros,
com um ar de comprometido!... − Sabem, o Geninho, pasteleiro da Nélia, o melhor pasteleiro
da região, não se lembrou de colocar a fava e com tantos bolos-rei que faz,
este escapou.
E acrescentou, com o ar muito natural:
− Sabem que o Geninho, faz uns torrões de amendoim que
são “os melhores do mundo”, e podem crer que, quando for de férias a Esposende,
vou-vos trazer torrões da Nélia − prometeu o Barros tentando atenuar a
expectativa que os soldados tiveram da
famosa “fava invisível”.
Uma coisa é certa, o
Barros só contou a história passados uns meses aos seus companheiros da caserna que acharam muita graça à atitude
do furriel que se tinha “safado” de um gozo geral.
No final, todos se
levantaram, com a cadela Sintra a comer umas míseras migalhas que tinham
sobrevivido, e estava-se na hora do jantar com os cozinheiros Eduardo, o
Rochinha e o Bichas, este na Messe, já com a missão cumprida, junto aos
panelões para se distribuir a comida.
Gampará, 23 de dezembro
de 1973.
Carlos Barros
Esposende 10 de Junho
de 2020
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