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quinta-feira, 9 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)

1. Mensagem de Idálio Reis (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69, com data de 2 de Abril de 2009:

Assunto: O documentário de Joaquim Furtado «A Guerra». As afirmações de Almeida Bruno (**)

Meus caros Luís, Carlos, Virgínio e demais companheiros Tertulianos.

O visionamento do episódio difundido no pretérito dia 25, da importante e valiosa série documental que a RTP1 por via de Joaquim Furtado nos vem presenteando, manteve-me em suspenso até à divulgação do de ontem.

Sobre este último, houve uma criteriosa revelação quanto à figura de Eduardo Mondlane e o seu assassinato.

Quanto ao penúltimo programa, pudemos constatar de forma ampla e elucidativa, o que foi a evacuação do aquartelamento de Madina do Boé, a 6 de Fevereiro de 1969, e a retirada da CÇaç 1790, aí sediada desde Janeiro de 1968.

A mesma, é levada a efeito no contexto da Operação Mabecos Bravios, sob a coordenação do ex-Ten Cor Hélio Felgas, no que significa que houve uma prática cuidada com o intuito de resguardo de eventuais conflitos a desencadear pelo PAIGC, onde parecia actuar com alguma liberdade de movimentação.
E tudo veio a decorrer normalmente até ao rio Corubal, da saída final de Madina e do longo percurso que a imensa coluna de viaturas teria de calcorrear até ao aquartelamento de Che-Che, sito na outra margem.

O derradeiro atravessamento deste rio, causa o horror mais confrangedor e dilacerante, o acontecimento mais funesto de toda a guerra da Guiné, a perdurar como a pesarosa tragédia do Che-Che, com uma brutal perda de 46 homens.

Uma semana antes – a 28 de Janeiro -, a Gandembel/Ponte Balana foi-lhe traçado idêntico destino. E sobre esta retirada, não há qualquer apontamento ou testemunho no documentário referido.

Dada a proximidade temporal destes 2 episódios, que pretendeu Spínola demonstrar? Qual o grau de conexão destes factos?

António de Spínola, ao chegar à Província, vinha aureolado como um valoroso cabo-de-guerra, que efectivamente demonstrou ser. E logo que chega a Bissau, deseja tomar súbito conhecimento da situação político-militar da Província.
E ao tempo, a região do Boé era particularmente visada, pelas piores das razões: inóspita, pobre, sem população civil, fronteiriça com a Guiné-Conacri, com meios militares manifestamente insuficientes e de dificultado apoio logístico.
Também, o local de Gandembel/Ponte Balana, estava apontado a círculo vermelho, por um conjunto de circunstâncias adversas, no que revelava ter sido objecto de uma hedionda manobra militar, leviana e irresponsável, com as tropas aí envolvidas a serem constantemente assoladas pelo PAIGC.

Curiosamente, a 1.ª Directiva do Comandante-Chefe, em Junho de 1968, toma como assunto a remodelação do dispositivo militar da região do Boé, em que aponta a transferência de Madina para localização em área-chave da região do Che-Che e faz abandonar o destacamento de Béli.
Tal manifesto, faz fenecer de forma drástica, qualquer estratégia quanto à região, e toda uma vasta zona entre a fronteira e o Corubal torna-se num dilacerante espinho que se acera inclementemente sobre a isolada Companhia de Madina do Boé, e o PAIGC soube argutamente terçar as suas armas, para vir a reclamar o domínio total sobre esse território.

Em face do ocorrido, julgo que Spínola teve um forte receio na construção do aquartelamento que previra, onde se tornava imprescindível um enorme apoio logístico geral, que a Província não detinha. Optará tão-só pela retirada, com as consequências supra referidas, procurando a melhor época para o fazer.

Quanto a Gandembel/Ponte Balana, aonde se desloca pela 1.ª vez a 28 de Maio, facilmente reconhece que está ante um colossal erro estratégico, mas não quer tomar qualquer decisão, ficando na expectativa de melhores e promissores dias.
Todavia, a situação cada vez é mais gravosa, com o local a continuar a ser um abismal palco de guerra, sempre na lista negra das más notícias.

Os objectivos da Operação que determinaram à construção daquele aquartelamento, foram inteiramente envilecidos. Não se conseguiu travar ou mesmo minimizar as acções que o PAIGC mantinha no interior da Província; e inclusive, contribuiu para acirrar ódios nas zonas envolventes a Aldeia Formosa, levando o PAIGC a agir de forma violenta e brutal, semeando o pavor na densa população indígena que povoava esses vastos chãos.
Para colmatar esta enorme brecha, a fim de tornar estas áreas mais sossegadas, é obrigado a fazer uso de tropa de elite (cerca de 1/3 dos efectivos dos pára-quedistas, em constante permanência, um bem demasiado escasso e tão necessário em outras frentes).
Sem nada referir, aproveita então a circunstância, há muito tempo definida, da evacuação de Madina do Boé, para também resolver arquivar em definitivo o dossier de Gandembel/Ponte Balana.
Foi definido um espaço muito curto para se proceder à retirada, e a Companhia aí sediada – a minha CCaç 2317 -, sai como que a trouxe-mouxe e debanda rumo a Aldeia Formosa. O PAIGC nem deu pela nossa saída, pois que o local de Gandembel viria a ser violentamente flagelado nessa noite.
E assim faria esvanecer o que, logo que chegou à Província, tivera assumido. A região do Boé, que teve forças militares desde 1961 e que foram paulatinamente minguando; Gandembel/Ponte Balana, junto ao corredor de Guileje, com apenas 11 efémeros meses.

Esta última evacuação, realizada de forma muito secreta, aporta consigo o estigma de um agravante esquecimento. Julgo hoje, que o Exército procurou propositadamente intentar branquear este imenso malogro militar, e no seu arbítrio, conseguiu-o de algum modo. Os factos bélicos que atravessaram as vivências desse local, estão praticamente omissos nos arquivos histórico-militares, pelo que acabarão fatalmente por se apagarem.

Mas tais decisões, foram convenientemente acertadas?
Tento entrevê-las, ler-lhes o significado para poder emitir o meu juízo, obviamente muito subjectivo.

Spínola foi, porventura, um dos maiores estrategos da guerra colonial, mas numa vertente meramente militar. Era um homem frontal, denotando alguma obstinação quanto às directrizes que tomava, em que muitas delas, seguramente, o foram de resolução própria. Porém a guerra de guerrilhas, travada na Guiné, era exercida num mosaico labiríntico de díspares contrastes, tantas vezes complexo e perigoso, que o ardil, a sageza e a perfídia de alguns brilhantes guerrilheiros do PAIGC sabiam tão bem urdir.
À medida que vai tomando conhecimento da situação global das suas próprias forças armadas (NT), bem como do poder bélico que o PAIGC detinha, Spínola procura sempre jogar a última cartada que tinha ao seu alcance. Mas nem sempre o fiel da balança pende para o seu lado, e muito mais tarde após o meu regresso (Dezembro de 1969), com o Senegal a permitir a movimentação do PAIGC, julgo que compreende que a situação militar se tumultua, e que ter-se-á de empreender um outro rumo, muito para além do estritamente militar.

Da retirada da região do Boé, a ilação que retiro, é que tal facto não trouxe grandes vicissitudes às zonas envolventes do sector de Nova Lamego, onde a minha Companhia viria findar a sua comissão, numa estada de cerca de 6 meses; o aquartelamento de Nova Lamego era bastante sereno, e os itinerários que se encruzilhavam para oeste (Bafatá) e para norte (Pirada), não ofereciam quaisquer dificuldades, o que leva a depreender que o efectivo bélico do PAIGC, que se acoitava na Guiné-Conacri, não era numeroso.

Já o mesmo não se pode afirmar sobre os efectivos do PAIGC que actuavam sobre Gandembel/Ponte Balana, que ficando livres, se dispersam pela imensa região do Tombali e Forreá, no arco Buba, Aldeia Formosa e Guileje, onde no imediato, uma grande parte vem actuar na obstrução à construção da estrada de Buba – Aldeia Formosa, que se converte numa pungente odisseia. E Guileje, que já assistira à retirada de Mejo, também tem de aumentar a sua vigilância, e está-se a uma distância enorme do ano de 1973.

Spínola, não teve grandes dúvidas em se aperceber da situação de desastre a que a Companhia estava votada, do forte poder bélico que o PAIGC demonstrava. Procurou a sua ocasião, que em seu entendimento, deveria procurar coincidir com a de Madina do Boé.
Teria sido mais ousado na antecipação da retirada, evitando as perdas sofridas de muitos militares. De todo o modo, reconheço que a vinda permanente dos pára-quedistas, quase estancou a hemorragia, pois a estes abnegados homens, a grande generalidade de nós deve-lhes a vida.
Spínola tomava atitudes desconcertantes para o mais humilde dos militares. O que fez pela minha Companhia, merece a maior das considerações.
Mas o abandono não foi da nossa laia. E hoje, ao sabor do premir das teclas alinhavando estas linhas, perpassa um frémito abalo de emoção contida, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos, quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolentes. As violências pessoais, só parecem contar para o inventário de nós mesmos.

Quanto a alguns depoimentos expressos, obviamente que não fiquei indiferente à prosápia insolente do ex-capitão Almeida Bruno, que tive o ensejo de conhecer na qualidade de ajudante-de-campo de António de Spínola, e que sempre o acompanhou nas deslocações a Gandembel.
Em meu entendimento, do início das campanhas de África, o Estado Novo não fez surgir unicamente o “Angola é nossa”, como também fez criar muitos heróis, agraciando-os pelas suas raras qualidades de valor, lealdade e mérito. Alguns destes, convenceram-se que tinham sido fadados para sobressaírem como guerreiros de elevado quilate, e Almeida Bruno foi um deles.

Tive a oportunidade de contactar com militares de alta estirpe, caso dos pára-quedistas, ou de Fabião, Corvacho, Azeredo e poucos mais.

Dentre estes, Carlos Fabião foi um referencial que muito prezo. De uma enorme dimensão humana, a um militar de craveira superior, pareciam sobrar-lhes valores de probidade e estatura.

O Almeida Bruno, pela condição que detinha, era um militar onde ressaía uma certa presunção, procurando distinguir-se entre os demais.
E como nunca conheceu o que foi pernoitar noite após noite em abrigos desabrigados; como jamais ouviu a metralha mais ou menos continuada, por vezes de tempo infindo, de um ataque ao local de vivência; como nunca procurou quotidianamente água para beber nos charcos do Balana; como nunca se confrontou com comida quase intragável, onde o arroz se toldava com a marmelada; como nunca necessitou de estar de atalaia permanente para reconhecer nas noites medonhas, os sons estrídulos que entonteciam; como nunca supôs o que foi um trabalho insano de pá e picareta, com a G-3 pousada ao lado; permite-se afirmar que tais acções eram próprias de bandos acoitados dentro do arame farpado.

Má figura para tão nobre gente!

Almeida Bruno, como homem da guerrilha, alcandorava-se entre os primeiros. Porém as suas acções eram devidamente planeadas, intervindo em zonas antecipadamente identificadas por via aérea, e os resultados forçosamente teriam que surgir (os célebres roncos dos comandos africanos).
As afirmações que Almeida Bruno proferiu para o documentário, foram feitas num período em que a guerra colonial tinha acabado há muito, e se já não estava na reserva com a patente mais elevada do Exército, estaria imbuído de um alto cargo militar, e portanto competia-lhe ser bastante mais cuidadoso.
Ousou a forma mais soez, a de vilipendiar milhares de homens, em que teve ocasião de conhecer como muito poucos, as condições em que sobrevivia naqueles aquartelamentos e destacamentos.

Não me esquivo de comentar um caso que se passou em Gandembel, numa das visitas de Spínola.

As casernas-abrigo tinham umas frecheiras frontais de formato rectangular. Em uma delas, pendurava-se a metralhadora MG-42, que permitia a sua utilização em caso de risco de aproximação inimiga. E o local mais adequado para estar, só podia ser aquele.
Almeida Bruno, ao sair de uma das casernas, questiona-me quanto à utilidade daquela mangueira, no que me fiz desentendido, perguntando-lhe a que se referia.
Apontou-me para a metralhadora e disse-me que aquilo não servia para nada. Não podia ficar mudo, e respondi-lhe mais ou menos com as seguintes palavras:
- Desculpe-me meu capitão, o Senhor de guerra de guerrilha deve perceber muito mais do que eu, agora de ataques a um aquartelamento, estamos a uma distância enorme.

Não fez mais qualquer afirmação, porquanto o helicóptero já poisara para levar os 2 homens a outro destino.

Um depoimento para a posterioridade. E o Blogue virou mais uma página à indiferença, ao afirmar o seu direito à indignação, com a Tabanca Grande a não querer pactuar com a insensatez ou o desmando, qualquer que seja o seu remetente.

Um cordial abraço do Idálio Reis, a toda a Tertúlia, com boas mas poucas amêndoas de Páscoa.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3984: Nuvens sobre Bissau (17): Curvo-me à memória do Nino, o homem que nos fez a vida negra em Gandembel/Balana (Idálio Reis)

(**) Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4151: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (12): As origens dos bandos da Guiné (Magalhães Ribeiro)

sábado, 10 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3715: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (14): Em Gandembel - O Adeus à Guerra (Hugo Guerra)

1. Embora fora de tempo, não quisemos deixar de publicar esta mensagem do nosso querido camarada Hugo Guerra (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma, com data de 18 de Dezembro de 2008. 

 Aproveitamos para deixar ao Hugo renovados votos de bom 2009, pleno de saúde e disposição para colaborar connosco. Prometemos estar mais atentos e sermos lestos na publicação dos seus trabalhos.


 

2. Vou passar as Festas à Bélgica a casa de uma filha. Estarei de regresso a partir de 04 de Janeiro. Esta página do Jornal que mandei digitalizar faz referência a velhinha memória de Gandembel exactamente a um dia qualquer do Natal de 1968. Tal como diz o Zé Teixeira fiquei admirado de o artigo não ter sido lancetado pela censura..... Como me pareceu ter lido que há aí uma rapaziada de Porto de Mós ou Leiria que está a preparar-se para lá dar uma saltada de Jeep, porque além do mais andei a estudar dois anos no Liceu da cidade do Liz em 1958/59, às tantas ainda tenho ex-colegas ou seus filhos nessa aventura. Um grande abraço de Boas Festas e melhores entradas em 2009, até ao meu regresso, como se dizia nessa altura prás famílias




 

Recorte da página do velhinho Diário Popular


Na foto está este vosso amigo entre o Cap Barroso de Moura e o Ex-Alferes Barge. Hugo Guerra
 ____________ 


 OBS:- Infelizmente a qualidade das imagens não permite ler o artigo referenciado, nem distinguir o nosso camarada entre os oficiais que refere. Fica a intensão. 

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA



Meia evacuação, ou... uma grande salganhada


Hugo Guerra
ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma


Às tantas. Até nisto fui exagerado. Fui evacuado por duas vezes e meia.

A meia evacuação

E tenho que começar pela meia evacuação para se perceber como aconteceram as outras duas. Foi assim:


Em Julho de 1969, já eu estava na Chamarra, fora, portanto de Gandembel e Ponte Balana, quando vim de férias à Metrópole. Tinha 24 anos, acabados de fazer, e já tinha dois filhos.

Mal acabei de regressar a Aldeia Formosa/Chamarra recebi uma carta da minha mulher, que teve o efeito duma mina anti-pessoal. Dizia-me ela que tinha encontrado o amor da sua vida e que ia viver com ele para Moçambique, pois fora mobilizado para uma comissão naquele Serviço que fazia os filmes, das festarolas que aconteciam em Angola e Moçambique, onde vim a trabalhar mais tarde.

Isto não me podia estar a acontecer e ainda hoje culpo estes acontecimentos de tudo o que vem a seguir.

Como não podia ficar parado a assistir de longe a este percalço, meti-me a caminho e fui falar com o General Spínola, pedi-lhe 8 dias para voltar a Lisboa e esclarecer aquele pesadelo, e que de imediato me foram concedidos.

A minha ligação de amizade com os Páras e o Coronel Diogo Neto, a quem pedi uma boleia no 1º avião que saísse de Bissau, colocou-me em Lisboa na noite seguinte.

Esclarecida a situação, para mim completamente surrealista, pois mais parecia estar a viver um pesadelo, fui às Urgências do HMP [Hospital Militar Principal, à Estrela] em desespero de causa, mas com a ideia que tinha duas coisas a fazer: (i) Cumprir o que tinha prometido ao General Spínola; e (ii) fugir de tudo isto - os meus 24 anos e a época em que vivíamos, não eram compatíveis com a visão marialva da vida que tinha levado até então.

Fui muito bem atendido no HMP e drogaram-me o suficiente para chegar a Bissau, como era meu desejo. Podia ter acabado ali a minha comissão mas o orgulho ferido e a vergonha eram muito fortes e pensava que o melhor era pôr a distância entre mim e toda esta porcaria.

Lá embarquei num avião militar que fez escala em Cabo Verde e, como ia cheio de comprimidos, adormeci profundamente num banco de madeira que por lá havia e esqueceram-se de me acordar.

Só passado mais de meia hora deram comigo e lá segui, com uma carta do HMP para baixar de imediato ao HM 241, à Psiquiatria. 18 de Julho de 1969. Como o percurso foi ao contrário chamo-lhe meia evacuação.

Vamos à seguinte

Na Psiquiatria em Bissau vi os apanhados do cacimbo e outros que se faziam a isso.
Não era bonito de ver essa golpada, quando mesmo ao lado tínhamos verdadeiros heróis, todos esfarrapados e já com peças a menos, que só eram evacuados se houvesse a certeza que não morriam pelo caminho; eu estive lá a estabilizar e como queria regressar ao meu pelotão, o Pel Caç Nat 55, os médicos devem ter percebido que eu já não batia certo e despacharam-me mesmo para Lisboa.

Passados dias vim então, evacuado para a Psiquiatria do HMP.

Na Psiquiatria onde fiquei internado em camarata, pois claro, com janela virada para o Jardim da Estrela onde as moto-serras começavam o seu chinfrim às horas em que conseguia adormecer (durante a noite os pesadelos eram mais que muitos), dizia eu, na Psiquiatria, éramos atendidos por Psiquiatras novatos, muito junto uns as outros, de modo que uma consulta era muitas vezes partilhadas com os vizinhos do lado.

Acho que a medicação também devia ser standard , o que nos fazia parecer um bando de doidinhos.

Cansado disto e porque mais uma vez me encontrava em Lisboa onde me sentia altamente traumatizado e desconfortável, pedi para tratar-me em ambulatório, gozei uns dias de férias no Algarve e, ainda sem os 12 meses cumpridos, pedi outra vez que dessem alta e mandassem de volta à Guerra.

Fui a uma Junta Médica e consideraram que eu estava no meu melhor e apto... para todo o serviço militar. Mais tarde e, na sequência deste filme, a doença foi considerada como adquirida em Serviço de Campanha.

Ter ou não 12 meses cumpridos em zona de 100% era importante por ser norma, não sei se escrita, que o pessoal nessas condições fazia o resto da Comissão em Portugal. Nem disso quis saber...

E só regressei a Bissau depois do Ano Novo, 1970, Janeiro, porque as meninas do Depósito Geral de Adidos, com peninha de mim foram escamoteando o meu regresso até passar as Festas Natalícias.

Terceira e última

Cheguei a Bissau em Janeiro, salvo erro a 18, e queriam ficar comigo na cidade. Bati o pé, fiz birra e lá marchei para S. Domingos, zona calma onde os periquitos faziam a sua adaptação ao clima e ao barulho da guerra.

Foi aí que dormi pela primeira vez numa cama normal com lençóis e tudo. Trocava todo o meu vencimento da Guiné por garrafas de whisky, que bebia até esquecer... mas as o 1º da CCS não se esquecia e lá vinha fazer contas comigo. Levava as garrafas, ainda intactas, e passados dias eu já estava a refazer o stock.

Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.

Fiquei num quarto com mais dois camaradas que estavam lá a repousar, duma operação a uma hérnia um, e de um quisto qualquer, outro.

Só passados cerca de 10 dias a minha família foi avisada e nada disseram aos meus Pais. Afinal ainda podia morrer. Recordo-me de ver dois vultos aos pés da minha cama e ouvir a voz da minha irmã mais velha dizer, lamuriante:

- O meu irmão era tão bonito.

Imagino o aspecto que teria todo queimado e cheio de cicatrizes na cara, cabeça e membros. Nessa altura já o médico me tinha dito que tinha ficado sem o olho esquerdo e começaria os tratamentos a seguir à Páscoa quando estivesse mais estabilizado. Só ao fim de dez ou quinze dias comecei a poder comer porque até aí os dentes abanavam todos.

Em meados de Abril já fazia a pé o caminho para as diversas clínicas que passei a frequentar e apanhei o primeiro susto quando tiveram que me amputar os restos do olho.

Foi horrível mas acho que foi o Luís (Graça) que pediu algumas vivências de camaradas da Tabanca que tivessem frequentado o HMP, tout court.

Não sei se esta parte da Guerra é publicável, mas eu limito-me a contar a minha história, como a vivi e sobrevivi.

A verdade é que com isto tudo estava outra vez em Lisboa e, assim que achei que estava operacional, em Agosto outra vez, pedi para me mandarem à Junta Médica (JHM) e fiquei livre da minha guerra de G3.

Assim pensava. Em Outubro já estava em Angola a tomar conta da Fazenda Tabi, em zona de guerra, perto do Ambriz e fiquei naquele belo País até Abril de 1974. Foi o tempo para lamber e sarar as feridas.

Um abraço do
Hugo Guerra

__________


Notas de vb:

1. Artigos do Hugo Guerra em

Guiné 63/74 - P3443: Guiné/Vietname. Por favor, deixem-me sair de Gandembel (Hugo Guerra)

2. E da série Histórias de vida em:

17 de Novembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3443: Guiné/Vietname. Por favor, deixem-me sair de Gandembel. Hugo Guerra.

Mensagem do Hugo Guerra, a pedir que o deixem sair de vez de Gandembel






Caro Camarada
Há dias li aquela entrada no blogue do António Matos em que ele faz a descrição de como se safou nas 16.000 minas que colocaram entre Bula e São Vicente.

Penso que o comentário é teu (vb) e escrevi, também, um comentário no qual me referia á comparação que fazias com o Vietnam e remetia para uma reportagem dum jornalista do Diário Popular publicada em Março de 1969.


Só que a data que disse não estava correcta, eu disse 19 de Março e é 17 de Março de 1969, pág 8..... Daí este esclarecimento.
Como o meu comentário não foi publicado e não sei se virá a ser, junto estas duas fotos da pág do Diário Popular que fui hoje buscar à Biblioteca Naacional.

reportagem do Diário Popular com data de 17 de Março de 1969 sobre Gandembel, assinada pelo jornalista César da Silva.
Na foto de cima do lado direito eu estou no meio do Alferes Barge e do Capitão Barroso de Moura , Cmdt da 2317.
Quem for capaz de ler o texto verá que a foto foi tirada em Ponte Balana no dia seguinte à Missa de Natal de 1968, celebrada pelo Bispo de Madarsuma, em Gandembel.....

Eu estava lá (Ponte Balana) nesse mês e também estive no seguinte quando mandei enterrar dezenas de cunhetes de munições num buraco na areia junto ao pilar da Ponte e quando fiquei com os polegares cheios de bolhas a imaginar que conseguia deitar abaixo uma árvore enorme , fora do arame e no caminho para Aldeia Formosa ,enchendo-a de tiros de Breda.

Estas cenas e outras parecidas, pois toda a gente estava autorizada a "despachar" munições passou-se em cima dos dias do encerramento ...

Peço desculpa, se não me lembro bem do nome dos meus 6 filhos mas que eu estava lá ...estava.


Gandembel/Ponte Balana Dez 1968.

Um abraço grande e, por favor, deixem-me sair de Gandembel.

Hugo Guerra
__________

Notas:

1. Caro Hugo, a comparação que eu arrisquei foi isso mesmo, um excesso da minha parte. Não estive em Saigão, nem em Da Nang sequer. Estive na Guiné, como dezenas e dezenas de milhares de Portugueses. E todas as comparações são falíveis. Terá havido Vietname pior para quem esteve meses e meses em Guileje, Gadamael, Gandembel, Madina do Boé, Jabadá, Guidage e em tantos outros locais?

2. Hugo Guerra foi Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50 (
Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) e é hoje Coronel DFA.

3. artigos relacionados em


terça-feira, 4 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3404: Recortes de imprensa (9): Em Gandembel - O adeus à Guerra (José Teixeira / César da Silva)

1. Mensagem com trabalho reenviado pelo nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, em 2 de Novembro de 2008, com um desabafo de que seria a segunda vez que o estaria a mandar. Ao Zé, as nossas desculpas.


2. Através do Almeida, o camarada da CCaç 2317, que nos tem deliciado com a canção de Gandembel, na Tabanca de Matosinhos, chegou-me à mão uma reportagem do Diário Popular com data de 17 de Março de 1969 sobre Gandembel, assinada pelo jornalista César da Silva.

Gandembel é um local mítico da Guerra na Guiné, que alguns dos camaradas que em 1 de Março passado visitaram aquando do Simpósio sobre Guiledge.

O Título Em Gandembel – O Adeus à guerra seduz qualquer ex-combatente que tenha andado pela Guiné nessa época, a ler o referido artigo que abaixo descrevo.

O seu conteúdo espelha bastante bem o inferno de Gandembel. Estranho para mim, é o facto de a Censura política ou a Pide terem deixado passar este artigo, em pleno tempo de guerra, com uma descrição tão rigorosa do que era a guerra naquele local, que eu, estando em Mampatá Forreá e participando nas colunas de reabastecimento de algum modo testemunhei. Talvez porque Gandembel à data da vinda a lume do artigo, já estivesse desactivada.

Pode ler-se por exemplo: Afinal isto dará uma ideia do que efectivamente é a guerra no Ultramar? Pois eu permito-me pensar, de acordo com o que pude observar directamente na Guiné, que o conflito naquela Província não será melhor nem pior que o do Vietname, desde os quadros dirigentes, aos operacionais, desde a mentalização dos soldados inimigos, ao material por ele utilizado, o que é exactamente o mesmo.

Ao ler o artigo ficamos a saber que os fortes de Gandembel e Balana foram construídos com o objectivo de libertar, já nessa altura (princípios de 1968) a pressão sobre Guiledge, o que veio a acentuar-se após o abandono destas praças, em fins de 1968 e culminou com o seu abandono forçado em 1973.

Interessante também a descrição exagerada, a meu ver, das acções dos Páras, bem como a hilariante história do leite para o comandante Nino, que foi efectivamente verdadeira. Tanto quanto sei, porque acompanhava de perto a movimentação dos Páras e o seu enfermeiro era um camarada amigo, colega de curso, que mais tarde foi gravemente ferido numa A/C a caminho de Fulacunda, onde morreram creio que sete camaradas, tais encontros com o IN aconteceram e muitos mais, pois todos os dias ouvíamos em Mampatá o matraquear da metralha. Foi de facto apanhado manga de material, bem como o leite para o Nino. A quantidade de IN mortos, tal como é descrito, é que me parece exagerada. Talvez o Idálio Reis ou o Hugo Guerra nos possam dar uma ajuda, repondo tanto quanto possível a verdade dos factos.

Zé Teixeira




3. EM GANDEMBEL – O ADEUS À GUERRA

por Cesár da Silva ( com a devida vénia e homenagem pela sua coragem em ter ido até Gandembel e por ter escrito um artigo tão realista)

A operação “Bola de fogo” foi lançada pelas Forças armadas no dia 8 de Abril de 1968. Na madrugada do dia nove, após violento combate, foi fixada, com carácter provisório, a posição de Gandembel. Situava-se o referido ponto estratégico da estrada da estrada que, vinda de Kandiafara e passando por Cimbéli, na República da Guiné, liga a rodovia Mampatá-Cameconde, no nosso território. Em Kandiafara encontrava-se o grande depósito de material de guerra de Amilcar Cabral no Sul e Cimbali era o quartel general do comandante de todas as operações da zona.

Esta posição (a) permanentemente ocupada por soldados do exército, por vezes reforçada por tropas especiais, destinava-se a impedir a utilização inimiga do já famoso corredor de Guilege, o mais importante ao Sul da Guiné, na tentativa de evitar infiltrações de efectivos humanos e matérias no nosso território. No entanto, dada a proximidade da fronteira, o inimigo desencadeava diariamente violentos ataques de armas pesadas, quase sempre do outro lado da linha de demarcação, pelo que foi resolvido mudar o centro de operações dois quilómetros mais para norte, sobre a estrada do Balana, pois era mais seguro lançar os movimentos a partir daí e continuar a controlar o que para o inimigo constituía importante via de comunicação com grupos do interior.

Esforços e sacrifícios indizíveis

A fixação dos efectivos no actual ponto não foi, de modo algum, obra fácil. Pelo contrário, exigiu esforços e sacrifícios indizíveis. Para que o leitor possa fazer uma ideia aproximada, dir-lhe-emos apenas, o seguinte: Gandembel, tem a superfície de 40 decâmetros quadrados e está toda minada de valas e cercada de arame farpado, com espaços armadilhados; os soldados vivem em abrigos fortificados, construídos com milhares de toneladas de toros de árvores, pedra e terra removida. Pois tudo isso feito a braços, visto que os nossos rapazes, só dispunham de uma moto serra e duas viaturas. No gigantesco trabalho participaram todos os soldados com a respectiva arma numa das mãos e, na outra, uma pá, um machado, uma picareta, ou simplesmente, nada. Trabalharam continuamente de dia e de noite, mas apenas nos intervalos dos combates que eram obrigados a travar, ou que eles procuravam por força das circunstâncias, pois Gandembel nunca deixou de constituir alvo permanente para o inimigo, que contra ele ainda hoje dirige brutais ataques, quase sempre apoiados por armas pesadas.

O maior potencial de fogo inimigo na Guiné

É na zona de Gandembel que o inimigo possui o maior potencial de fogo e foi contra esta posição que utilizou, pela primeira vez na Guiné, o morteiro 120mm. Foi, também na mesma zona que plantou o maior número de fornilhos (minas reforçadas com torpedos de TNT), que se destina a cortar itinerários, pois tem grande potência e, portanto poder destruidor (b). Também é utilizada contra colunas militarizadas.

Muitas vezes no decurso das flagelações nocturnas o inimigo tentou penetrar no aquartelamento, chegando mesmo a cortar o arame farpado da primeira fiada e estabelecer abrigos pessoais perto da segunda, portanto praticamente dentro da unidade. Foi sempre repelido.

O auxilio das forças especiais

Os pára-quedistas deixaram quatro mortos em Gandembel e levaram alguns feridos, mas foram capazes de façanhas como a seguinte: numa nomadização orientada até algumas centenas de metros da fronteira, surpreenderam certa madrugada um bi-grupo inimigo (cerca de oitenta homens). Dizimaram-no completamente em menos de uma hora e estabeleceram contacto com outro que vindo da República da Guiné, pretendia socorrer aquele. Para esses já não foi tão mau, pois regressaram com sete elementos ao outro lado da fronteira, sem ferimentos graves. Cerca de seis toneladas de armas e munições e um grande carregamento de víveres, além de documentação importante, foi o balanço do espólio. É inacreditável, mas o que se segue, pode ser testemunhado pelos rapazes de Gandembel e pelos “Páras”. Do carregamento apreendido faziam parte víveres de vária espécie e leite para o comande “turra” João Nino. Alguns dias depois, ao anoitecer, alguns “turras” gritavam da orla da floresta

“pára-quedista gatuno dá-nos o leite do Nino. Dá-nos o leite do Nino, que ele precisa, está doente”

Pois os “Páras”quiseram levar-lho, mas eles, que tanto tinham implorado, não esperaram e fugiram.

Dois exemplos do que é a guerra na Guiné

Os rapazes de Gandembel supriram dificuldades à custa de um esforço heróico inigualável de abnegação e sacrifício sem conta. Apesar de debilitados fisicamente, pois desde o dia oito de Abril do ano passado, que não sabem o que é uma cama e muito menos um lençol, continuam a operar com elevada moral, até vinte e quatro horas por dia, prontos para entrar em combate. E para se avaliar em definitivo da capacidade do inimigo na zona, do elevado nível técnico dos seus quadros, que em tudo se aproxima, sem sombra de exagero do que acontece no Vietname, daremos apenas dois exemplos:

Uma coluna rodava de Guiledge para Gandembel com abastecimentos, protegida por dois grupos de combate. Em dada altura, o IN emboscado, disparou intensa fuzilaria, e, subitamente abriu numeroas colmeias de abelhas, atrás das quais fez explodir potes de fumo. Os soldados, martirizados pelos insectos não podiam permanecer no mesmo sítio para se protegerem.

Frequentemente, o IN inicia a flagelação com armas pesadas ao cair da noite e termina somente na madrugada. No dia 15 de Julho do ano passado, Gandembel sofreu um ataque desses, que agora já é par de vários outros. Mas, à altura, foi considerado o maior da Guiné desde o princípio da guerra. Forma disparados sobre a posição 236 granadas de canhão sem recuo e mais de 300 de morteiro 82 e 120.

Afinal isto dará uma ideia do que efectivamente é a guerra no Ultramar? Pois eu permito-me pensar, de acordo com o que pude observar directamente na Guiné, que o conflito naquela província, não será melhor nem pior que o do Vietname, desde os quadros dirigentes aos operacionais, desde a mentalização dos soldados inimigos ao material por ele usado, que é exactamente o mesmo.

Visita do Bispo de Madarsuma (c)

Gandembel foi a última posição avançada da Guiné que visitei durante a minha estadia nesta Província. Cheguei ali de helicóptero com o bispo de Madarsuma, Vigário Castrense das Forças Armadas, no dia de Natal. Recebeu-nos o comandante da sub-unidade, e, pouco depois comparecia também o governador e comandante chefe das Forças Armadas da Guiné. Assistimos à missa campal em ambiente de fervorosa fé. O prelado e o Governador partiram. Eu quis ficar. Era o meu adeus à guerra e queria portar-me com dignidade perante aqueles jovens soldados que me olhavam risonhamente, talvez comentando o facto de à nossa chegada (a do bispo de Madarsuma e a minha) ter sido festejada pelos “turras” com algumas descargas de morteiro e de metralhadoras pesadas. Julgo até, que eles comentavam entre si o facto de os normais habitantes de certo abrigo me terem ali, quando estes entraram (…) ao explodirem as primeiras granadas. Eu pensava que "gato escaldado de água fria tem medo ...” e tentava adivinhar a sensação do bispo de Madarsuma, que subitamente se sentiu agarrado por um braço no meio da parada e levado para o mesmo abrigo, onde eu já me encontrava.

O Adeus à Guerra

Depois do jantar, um dos oficiais perguntou-me:
- Amanhã não quer ir à ponte? (d)
- Pois claro que vou – respondi-lhe.
- Isso dependerá da festa que os turras nos deram esta noite, concerteza...
- Concerteza que não, senhor alferes! Eu sou um homem que tem medo. Por isso sou capaz de fazer o que todos os outros homens fazem e não são as minas de que há pouco me falou que me assustam.

No dia seguinte, visitei o pessoal de Ponte Balana, mas tive de regressar em corrida, para apanhar o helicóptero que me transportaria a Bissau. Os soldados reuniram-se à volta do aparelho insistindo em que querem receber exemplares do “Diário Popular” com mais frequência e pedindo para eu ver o que poderia fazer nesse sentido.

Foi o meus adeus à guerra. Um adeus com o coração amargurado e o pensamento cheio de admiração por tão extraordinários soldados.

César da Silva
_____
Notas do Zé Teixeira:

a. Suponho que se quer referir a Guiledge, pois nunca ouvi falar em Cimbali
b. Infelizmente eram utilizados para matar soldados portugueses e não só cortarem as picadas. Com isso podiamos nós bem.
c. D. António dos Reis Ribeiro – bispo titular de Madarasuma e Forças Armadas Portuguesas .
d. Fortim de Ponte Balana


Foto 1 > Gandembel > 1968 > Vista geral

Foto 2 > Gandembel > 1968 > Porta de armas

Foto 3 > Gandembel > 1968 > Construindo um abrigo.

Foto 4 > Gandembel > 1968 > Depois do trabalho, o mercido banho
Fotos: © Almeida (de Gandembel) (2008). Direitos reservados

Foto 5 > Gandembel > 2008 > Restos de um abrigo

Foto 6 > Gandembel > 2008 > Restos de um abrigo

Foto 7 > Ponte Balana > 2008 > O poço onde os “rapazes” de Gandembel iam buscar água

Foto 8 > Ponte Balana > 2008

Fotos: © José Teixeira (2008). Direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3240: Recortes de imprensa (8): 35 anos de independência da pátria de Amílcar Cabral

terça-feira, 6 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2814: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (4):Carta ao Idálio Reis, ao Hugo Guerra e aos seus camaradas de Gandembel


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Gandembel, terra maldita que os próprios guineenses não quiseram ocupar, depois da guerra...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana > 1 de Março de 2008

Fotos: © José Teixeira (2008). Direitos reservados.


1. Texto enviado pelo Zé Teixeira, em 11 de Abril último. Recorde-se queo nosso Zé Teixeira foi 1.º Cabo Enfermeiro, na CCAÇ 2381( Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70). E deixou-nos um notável documento, escrito, com as notas do seu diário, já publicadas na 1ª Série do nosso blogue: vd. poste de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi.


Uma Carta para o Idálio Reis, Hugo Guerra e seus camaradas de Gandembel

Bons amigos e camaradas.

Após este meu regresso à Guiné (1), aquela, que vós conhecestes tão bem, desde Aldeia Formosa a Guileje, tenho passado um tempo em reflexão e a saborear os belos e excelentes momentos que lá vivi, revivendo outros que em tempos idos foram bem dolorosos.

Claro que durante a minha estadia, por aquelas paragens, todos vós, meus companheiros de algumas jornadas, quer a caminho de Gandembel, quer em Buba na construção da nova estrada para Aldeia Formosa, estiveram bem presentes na minha memória. Recordei também a Companhia dos lenços azuis que connosco partilhou momentos bem difíceis na aventura que nos foi comum.

De Aldeia Formosa em diante até Gandembel, parece que nada mudou. Até algumas árvores ainda lá estavam, apesar da picada ter sido deslocada em alguns sítios, sobretudo a partir do cruzamento de Mampatá, agora um pouco mais atrás, em Bacar Dado e na Chamarra.

A seguir a Chamarra, a recta que nos leva a Changue Laia, lugar de tão tristes recordações, lá estava, agora cheia de moranças com gentes e terrenos de cultivo. Depois vem uma pequena subida e uma ligeira curva. A curva fatídica onde estavam os buracos dos fornilhos e o campo de minas. Agora gente e mais gente sorridente a dizer-nos adeus. As crianças a correrem atrás da viatura sem medo das minas que lá foram outrora semeadas.

Ponte Balana lá no fundo, a dar-nos passagem, sobre o rio de água límpida. Seguiu-se Gamdembel. Lá estava o pequeno desvio da picada e a porta de armas.

Em cima dos restos dessa caserna, eu recordei, com carinho, todos os que ali viveram, por ali passaram, ali sofreram e sobretudo os que deixaram o seu sangue regar aquelas terras. Das poucas terras, onde ainda ninguém da Guiné ousou voltar e transformar num espaço de vida humana.

Ali deixei uma pequena planta que me acompanhou desde o Porto (2) e por lá ficará, espero eu, por tempos sem fim a relembrar aos vindouros que ali se travaram duras lutas de sobrevivência. Ali, muita gente viu a morte à sua frente, muitos de vós pensaram, quantas vezes ,que não sairiam de lá vivos.

Acto simples, extremamente simbólico. Tal como prometera um dia Tabanca Grande ao escrever sobre a vossa aventura.

Devo dizer-vos que este meu desejo foi acarinhado por todos os que de algum modo estavam envolvidos na dinâmica do Simpósio, a quem devo um profundo agradecimento.

Como compreenderão, não consigo passar ao papel o que senti. A emoção tomou posse de mim. As pernas tremiam-me, a boca recusava a emitir as palavras que saíam do coração.

Pude, pela primeira vez, pisar sem medo, aquele espaço, andar por cima das pedras que vocês arrastaram e levantaram umas em cima de outras para construírem os abrigos da vossa salvação.

Seguiu-se a picada para Guiledje. Com muita alegria vi, umas centenas de metros adiante a primeira tabanca de gente que acabada a guerra se instalou naquelas terras. Dali até Guileje, tal como da Chamarra a Ponte Balana, um e outro lado da picada – O carreiro da morte ou o Caminho da liberdade – está cheia de tabancas, de vida (3). Caminho que em tempos ainda vivos na nossa memória, cheirava a pólvora e a morte e só ao pensar que por imperativos de ordem superior se tinha de pisar, era suficiente para se encomendar a alma a Deus e pedir a sua protecção.

A picada levou-nos até Guileje, terra que também foi vosso abrigo e daí a Imberém, até às margens do rio Cacine, mais propriamente Canamine. Antes pudemos visitar no interior da mata do Cantanhez o local onde esteve sediado uma base inimiga, comandada pelo Oswaldo Vieira (4). Através de pequenos jogos cénicos foi-nos dada a possibilidade de apreender algumas das técnicas e estratégias dos guerrilheiros na sua luta pela independência.






Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 1 de Março de 2008 > Restos do nosso aquartelamento...

Fotos: ©
José Teixeira (2008). Direitos reservados.


Por fim, com alguns companheiros de jornada fui visitar Cabedú [vd. próximas notas soltas] e participar na inauguração de um fontenário de água límpida, tirada de um poço através de um motor alimentado a energia solar, numa tabanca que desde há trinta e cinco anos, ou seja desde que a tropa branca os abandonou, não tinham água corrente própria para beber. Uma população, como se lembram com certeza do tempo das vossas andanças pela Guiné, comunicativa e expansiva, dava largas à sua alegria, cantando, e dançando por todas as terras por onde passamos.

Antigos combatentes, que ao nosso lado expuseram a sua vida tal como nós, numa guerra que hoje põe muita gente a interrogar-se: Para quê!?

Esses, como o Sóri Bari, o Mamadu Djaló e outro camarada, actualmente a viverem em Catió, donde partiram no dia anterior para participar na festa e localizar antigos companheiros brancos que a seu lado lutaram e também os filhos dos que perderam a vida, casos do Alfa Baldé, filho do Aliu Baldé de Mampatá e a Cadidjatu Candé, filha do Davo Candé de Quebo (este, assassinado no pós-guerra, por se ter batido pelo lado errado) (4).

O Sóri Bari, foi meu conterrâneo em Mampatá e o Mamadu Djaló mais o seu outro companheiro (Este andou trinta e dois anos fugido no Senegal) cruzaram-se comigo e convosco em Buba nos trabalhos da estrada.

Será que conseguis imaginar a alegria que estes homens deixaram transparecer no seu rosto, quando descobriram gente que palmilhou aquelas terras com eles! Eles que vieram de tão longe a pé à procura de dgenti amiga! E eu como me senti! Foi mais um grande momento de alegria e emoção indiscritível.

Mas havia também outro tipo de combatentes, muitos mesmo, que do outro lado da barricada se bateram contra nós, atacaram Guiledge, Gandembel e Balana, como o Maunde Baldê que em Agosto de 1968 me atacou em Mampatá em plena hora do almoço, com vontade de nos apanhar à mão, conforme escrevi no meu diário.

Novembro, 1968 / Mampatá /3

O dia 3 de Novembro não será esquecido pelos "Amarelos de Mampatá" pois tivemos de travar uma luta de vida ou de morte com o IN que aproveitou a hora do almoço em que os militares se afastaram do seu posto de defesa para buscar na cozinha alimentação, para tentar entrar em Mampatá.

De algum modo eu fui o responsável pela situação criada, pois incentivei um sentinela durante a noite a mandar um tiro na direcção de uma vaca que estava entre as duas faixas de arame farpado e tocava neste, provocando o tilintar das garrafas que lá tínhamos colocado para não sermos surpreendidos pelo IN a tentar entrar pela calada da noite cortando o arame. Esta minha atitude passou-se durante a minha hora de ronda e o sentinela assim fez pouco depois, aparecendo de manhã uma vaca com um buraco numa coxa. Claro que o proprietário o Régulo Alfero Aliu (Alferes da Milícia) vendeu a vaca à tropa.

Há mais de um mês que não comemos carne, porque os Africanos se recusam a vender qualquer animal. Assim foi fácil convencer o proprietário a vender a vaca ferida, mas ficou-nos caro.

Praticamente todos os postos de sentinela ficaram abandonados à hora do almoço o que não é habitual, mas o estranho foi o turra saber exactamente o que se estava a passar e atacou.

Quase todos os soldados tiveram de correr para as suas posições debaixo de fogo e durante quinze minutos a luta foi terrível com eles junto ao arame com fogo cerrado. Chegamos a ter a sensação que estavam cá dentro o que não se verificou graças à nossa capacidade de resistência e por sorte também. Ao tentarem entrar pelo lado de Buba, o Silva Algarvio que não tinha vindo buscar a comida ao refeitório por estar doente, aguentou-os até chegarem reforços e obrigou-os a retirar. Aliás foi ele que deu o sinal. Ao ver um grupo de africanos com armas que não eram a velha mauser a tentarem forçarem a porta em rede de arame farpado, estranhou e abriu fogo, depois... foi, cantinas de comida pelo ar e umas loucas correrias para os abrigos de protecção. Segui-se o chocolate do costume. Os assaltantes recuaram para selva e o fogo continuou

Onze tabancas ficaram destruídas pelo fogo, pois utilizaram balas incendiárias e também destruiram o paiol. Fiquei assustado e desorientado porque dada a intensidade do fogo e a estratégia adoptada pelo IN contava ter muito que fazer com os feridos talvez mortos, atendendo a que ninguém contava com tal surpresa e os postos estavam desguarnecidos e sobretudo porque tinha pouco material de socorro (apenas 2 sacos de soro). Ainda debaixo de fogo saí do abrigo onde me protegera e corri pela Tabanca à procura de feridos, junto dos abrigos subterrâneos onde se abrigara a população. Felizmente nada aconteceu, foi só fogo de vista susto e prejuízos materiais. Graças a Deus.

Pergunto-me como que a população não foi atingida e as suas casas foram queimadas? Ataque combinado?

Notamos que o catequista muçulmano saiu de manhã cedo para bolhanha, o que é estranho pois costuma estar sempre na tabanca a ensinar os putos e só voltou muito depois do ataque. Temos de o trazer debaixo de olho, como disse o Alferes Belo depois de saber a sua ausência.

O Maiunde Baldê, ao aperceber-se que eu estivera em Mampatá, perguntou-me se em Novembro de 1968 estaria lá. Ao confirmar que sim, ele retorquiu: -Eu estive lá e fui dos que entrei para dentro do arame farpado, mas tive de fugir para não morrer. Vocês estavam cercados, mas não nos deixaram entrar...

Seguiu-se um abraço apertado de agradecimento a Deus por termos escapado e estarmos os dois vivos.

Muito interessante, no mínimo, foi o diálogo que mantive com um grupo de fulas, que fizeram a sua luta pela independência, na mata do Cantanhez e se encontraram comigo em Bissau durante as Conferências do Simpósio. Cruzaram-se convosco em muitos ataques a Gandembel e nas emboscadas que fizeram a vocês e a nós na estrada de Quebo/Gandembel.

Um deles, o Braima Camará, mostrou-se muito interessado em saber se eu tinha ida na coluna em que tivemos de levantar muitas minas, entre Chamarra e Ponte Balana, junto a uma bolanha (Changue Laia) em Agosto de 1968.

Felizmente não fui nessa coluna, mas foi muito grave o que se lá passou e o que aconteceu uns dias antes com a Companhia estacionada em Gandembel, que ao cair no campo de minas teve de retirar, levando creio que cinco mortos, retorqui.
- Pois... eu era sapador e recebi ordens para colocar essas minas! - disse-me, com um ar misto de culpado e de alegria por saber que eu não estivera lá.

O regresso de Imberém para Bissau ficou marcado pelas despedidas afectuosas daquelas gentes simples. Abraços e beijos não faltaram, pedidos para voltarmos, corridas atrás da viatura, Enfim. Pelo caminho – carreiro da morte – agora cheio de vida, com tabancas por toda a margem. Crianças e adultos, na berma gritavam portu, portu e acenavam dizendo adeus.

Imaginem, em pleno interior da Mata do Cantanhez, um missão de fransciscanos italianos com uma pequena fábrica de descasque de castanha caju!

Passamos Gandembel em silêncio e deparamos com Balana cheio de vida. Naquele bucólico lugar, o silêncio imperava. Duas jovens mulheres, vestidas estranhamente como era seu costume há quarenta anos atrás, lavavam a roupa de seus filhinhos debaixo da ponte. Desci até lá, fui recebido com sorrisos. Uma deles correu para mim, deu-me um beijo e disse: - Anda ver o poço. Uns metros ao lado estava o poço que suponho foram vocês que o construíram. Postou-se junto ao mesmo e ficou à espera que eu tirasse uma fotografia. Com um grande sorriso deixou-se abraçar, como que a dizer, vai em paz. A vida voltou a esta terra...

Muito mais há para dizer, mas não quero abusar da vossa paciência.

Um fraternal abraço deste camarada e de algum modo partilhou um pouco da vossa aventura na Guiné e teve a graça de lá poder voltar para rever terras e gentes, re(viver) cenas marcantes para a sua vida em plena juventude e viver grandes momentos que me acompanharão até ao fim da vida.

Podeis crer que nada do passado foi esquecido, bem pelo contrário, foi reavivado, mas esta visita permitiu-me afastar os fantasmas que me perseguiam. Agora tenho a visão de uma Guiné diferente, sem medos ou fantasmas, com vida pujante.

Continua pobre como era, talvez mais ainda, mas rica, muito rica nas pessoas com valores humanos, alegres, expansivos, solidários e sobretudo amorosos.

Zé Teixeira
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Notas dos editores:

(1) Vd. postes anteriores:

21 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2669: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (1): Desta vez fui voluntário e estou em paz comigo próprio

23 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2676: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (2): Um abraço de ermons e (más) recordações do Comandante Manecas

29 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2698: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (3): O Abdulai Djaló

(2) Vd. poste de 14 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

(3) Vd. postes de:

16 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 >
Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)

(4) Vd. poste de 23 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2790: Quem pode ajudar a filha do nosso camarada Aliu Sada Candé? (José Teixeira)

terça-feira, 8 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2735: Construtores de Gandembel / Balana (8): Vamos reconstruir as plantas dos aquartelamentos (Nuno Rubim)

Ponte Balana e Gandembel
Mensagem do Nuno Rubim aos Camaradas que passaram por Gandembel e Ponte Balana Camaradas Uma proposta. Quando iniciei os meus trabalhos que levariam à feitura do diorama de Guileje, só tinha um velho desenho da planta que fiz em 1966, que podem ver (melhorado para ser incluído - como foi - no blogue) no esquema que vos envio (à esquerda).

Planta de Guileje em 1966 e diorama, elaborados por Nuno Rubim.

Como também podem constatar ou ver, foi depois muito melhorado-corrigido (ver à direita) com base no levantamento topográfico realizado em 2005 e em várias fotografias aéreas que fui conseguindo obter.

Também fizeram um grande jeitão as fotos que camaradas das unidades que lá estiveram sedeadas me fizeram chegar.

Ora nesta altura tornou-se-me óbvio que a saga de Gandembel/Balana constituíu, na zona Sul da Guiné, um caso à parte que julgo merecer um esforço de pesquisa adicional. E enquanto cá estivermos neste mundo ...

Estou-me a referir à possibilidade de se tentar desenhar as plantas de ambos os aquartelamentos. Mesmo que inicialmente de forma não muito rigorosa, poderíamos (eu ajudarei no que me fôr possível), reconstituir a disposição dos abrigos e outras construções ali existentes. Não importa inicialmente a escala, apenas uma ideia aproximada.

Depois poderíamos tentar compilar o máximo de fotografias existentes (as que realmente interessem para o fim em vista) e ir ajustando os esboços iniciais. E tentar saber se foram tiradas fotos aéreas.

Poderemos sempre contar com a existencia das ruínas em Gadembel (agora mais limpas da vegetação fruto da intervenção da AD) e do que resta do destacamento da Ponte Balana, pois que lá devem existir vestígios, conforme apurei.

Quem sabe se alguém lá poderá ir e tirar algumas medidas em Gandembel, o que melhoraria e muito o produto final.

Gostaria de ouvir as vossa opiniões/sugestões (1). Um abraço

Nuno Rubim

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Fixação e adaptação do texto: vb

(1) Vd. último poste desta série:

3 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2715: Construtores de Gandembel / Balana (7): As minhas andanças com o Pel Caç Nat 55, no tempo da CCAÇ 2317 (Hugo Guerra)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2718: Fórum Guileje (11): Relembrando a velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, onde perdi 2 soldados em combate (Idálio Reis)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > A capela do aquartelamento, assinalando-se, a vermelho, a lápide que estava afixada na parede exterior, e que vinha lembrar que Guileje era uma terra de fé e de coragem (1). Fotos do saudoso Cap Ref José Neto (1929-2007).

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007) / © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Antigo aquartelamento de Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 1 de Março de 2008 > O que resta da capela, erigida pelos homens da CART 1613 (Junho de 1967/Maio de 1968), a companhia do Zé Neto e do Eurico Corvacho, dois nomes aqui justamente evocados pelo Idálio Reis. A lápide que foi encontrada, em 2005, sob os escombros do antigo aquartelamento, pertencia à capelinha. Nela havia/havia os seguintes dizeres, gravados:

"A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobrararam da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da C.A.R.T. 1613".

Sabemos, pelo depoimento do nosso saudoso camarada Zé Neto, que a placa da Capela foi feita em cimento forte, que a dedicatória era da sua autoria e que a inscrição em baixo-relevo foi obra do Furriel Miliciano de Transmissões Maurício Mota de Almeida, natural de Fornos de Algodres, radicado há muito nos EUA (Veio de propósito a Portugal para estar presente no Almoço/Convívio da CART 1613 que teve lugar em Braga no dia 3 de Junho de 2005) (1).


1. Mensagem do Idálio Reis, com data de 15 de Março:

Meus caros Luís, Vinhal e Virgínio.

Aquando do Simpósio [Internacional de Guiledje] e da passagem [dos participantes ] por Ponte Balana e Gandembel, julguei que a efeméride merecia um singelo 'escrito´da minha parte. Porque o mesmo não foi publicado, considero que será melhor fazê-lo reenviar.

Um abraço do Idálio Reis


Assunto - Simpósio de Guileje

Um singelo e gratificante contributo para os que se lembraram da minha pessoa e dos que comigo partilharam aqueles intensos dias de Gandembel/Ponte Balana.
Um bem-haja do Idálio Reis.



Fórum Guileje (2): Vou dispor de um cantinho em Guileje, para que um antigo combatente, no calcorreio dos seus chãos de outrora, escute e olhe para relembrar. Das crónicas do Luís Graça e de depoimentos pessoais de alguns companheiros, fico imensamente feliz ao constatar que o Simpósio de Guiledje mostrou ser, reconhecidamente, um marco importante na história soberana do povo irmão da jovem Guiné-Bissau.

Em zona onde a guerra travada pelos 2 contendores, arrostada em constante e acirrada premência, quanto cruel e pungente, que os testemunhos dos que nela se viram coagidos a participar não enganam, sentir forças-vivas de um pobre país, passadas mais de três décadas, a organizarem um ponto de encontro de sublime transcendência, é nobre feito por quem o ousa suplantar, dadas as características do seu reconhecimento e que só a singularidade patenteia.

Não se julgue, contudo, que o contexto desta realização não tenha um cunho de cariz político. Procurou-se que o acontecimento extravasasse as fronteiras, e eis que felicito veementemente o editor deste Blogue, ao estar desde sempre mancomunado com a sua organização.

Mas é insofismável que a Guiné-Bissau dá mostras que deseja estar com os seus combatentes, mesmo que nós tenhamos de reconhecer a sua negra sombra pelo estigma do morticínio dos que serviram o exército colonial a seguir à independência.

Quem viveu naquelas paragens do Sul do País, tem de reconhecer que só uma força militar forte, organizada e disciplinada, consiga gizar uma estratégia de ímpar sucesso, comandado por um guerrilheiro de estirpe, mas sem nome, pois que os sucessos obtidos foram partilhados por um povo em armas, através do seu braço armado: o PAIGC. E esta frente militar, teve efectivamente um líder de enorme estatura, Amílcar Cabral, com a sua figura de relevo a prevalecer no Simpósio.

Ao invés, todos somos capazes de reconhecer que os nossos estados-maiores sitiados em Bissau procuraram escamotear uma grande fracção dos factos militares ocorridos no CTIG.

No 1º ano da comissão, em 1968, a minha Companhia [ a CCAÇ 2317,] esteve muito certamente num dos piores locais da Guiné. Todavia, quem for ao Arquivo Histórico Militar e compulsar o seu historial, peremptoriamente nega tal asseveração.

A guerra que travámos, está repleta de desastres fatídicos que ineptos ou obstinados não quiseram ou souberam antever. Muitos e muitos, fomos servos numa guerra impiedosa, porque dependentes de alguns suseranos sem valia.

Mesmo nesta era pós-25 de Abril, ingloriamente sentimo-nos cada vez mais frustrados, pois o nosso protesto já esmorece, parecendo que o bafiento “a bem da Nação” ficou a perdurar. A estrutura militar que prevaleceu, pareceu arredar os melhores, e em pouco se alterou. Honras às poucas excepções que ainda vigoram.

Mas deixem-me regressar atrás 40 anos precisos, à velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, por onde passei alguns dias e impiedosamente perdi 2 soldados em combate. Hoje, na pujante mata do Cantanhez, foi reabilitado um aldeamento indígena e do desenrolar da sua implementação não é esquecido o soldado do exército colonizador, a quem lhe é atribuído um dos seus cantinhos.

Sem vencedores ou vencidos, o povo guinéu abre os seus corações, para nos receber fraternalmente, em franco e são convívio, numa amplexo aberto e carinhoso. Há mesmo um só vitorioso: a vida em liberdade.

Era pois previsível que o Simpósio de Guileje iria ter um retumbante sucesso. Lamentavelmente, sinto um profundo vazio por não poder estar presente, tanto mais que um numeroso grupo de companheiros tiveram a possibilidade de percorrer as minhas pisadas de outrora.

A passagem para o outro lado do inebriante rio Balana foi entusiasmante, que julgo estar inserida quase no mesmo local que então atravessávamos. Os vestígios do destacamento de Ponte Balana vão-se transformando em poalha, porquanto a força da mãe-natureza assim o determinou.

E fez-se uma primeira pausa, e o Luís fez uma douta descrição, que o meu SPM 4738 registou com enlevo. Porém, a fotografia das lavadeiras no Balana causou-me uma incontida estupefacção, e absorto fitei-a e um há um comovido encantamento que trespassa.

Luís, agora o remanso das águas rumorejantes do Balana, com a presença resplandecente daquelas mulheres que de todo não existiam, tornar-se-á mais refulgente. Esta suavidade cândida e doce, é o maior sinal da conciliação, o sinal de paz atingido no seu zénite.

Gandembel, em ruínas, também lá está, já sem o eco das canhoadas ou das morteiradas, que a letra do hino superiormente recriado pelos Furkuntunda tinha traduzido em alegria africana.

Mas na minha (nossa) taciturna Gandembel, fustigada em tão pouco tempo, cansou e parece adormecida num sono lânguido e profundo. Talvez haja ainda por lá, ecos abafados de passos incertos a vaguear…

José Teixeira, que a planta que lá deixaste, cresça, se revigore e perdure. O teu generoso gesto e a bela e brilhante mensagem que proferiste, tocaram-me profundamente (sou um piegas, sabes!), e prometo-te que vai ser difundida por aquela plêiade de homens que já tiveste o ensejo de conhecer.

Mas sobre Gandembel, tenho um pedido feito ao Pepito, que gostaria de ver concretizado: o de juntar ao acervo do Núcleo Museológico de Guileje, um dos pilares metálicos das casernas-abrigo e a lápide de betão com o emblema da Companhia. Seria um parco contributo do espólio da CCaç 2317, como forma de perpetuar a memória de todos os que por aquele lugar, batalhando, tombaram para sempre. De ambas as partes beligerantes, foram muitos seguramente, mais do que tomámos conhecimento.


E ao terminar, apenas um breve comentário.

Poderá haver divergências quanto ao papel que coube à Tabanca Grande a este Simpósio. Julgo que até é positivo haver uma ou outra dissonância, sinal maior da enorme abrangência da nossa Tertúlia.

No cômputo geral de toda a guerra, aérea, terrestre e naval, fomos sempre demasiado poucos e com exíguos meios à disposição, mesmo com o território a apresentar frentes de batalha com algumas diferenciações.

Todos desempenhámos uma acção que nos enobrece, com os múltiplos riscos que lhe eram obviamente inerentes. Mas a odisseia de Guileje, e o Simpósio veio demonstrar isso, conduz-nos mais uma vez à mesma triste conclusão: fomos vítimas de uma guerra escusada.

A toda a Tertúlia, mas muito em especial aos que participaram no Simpósio, um caloroso abraço do Idálio Reis.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (Luís Graça)

3 de Fevereiro de 2006> Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado


(2) Vd. últimpo poste desta série: 25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2679: Fórum Guileje (10): Não ao endeusamento do PAIGC e ao apoucamento das Forças Armadas Portugueses (Joaquim Mexia Alves)

terça-feira, 1 de abril de 2008

Guíné 63/74 - P2708: Construtores de Gandembel / Balana (5): Ponte Balana não era dos piores sítios do Tombali... (Idálio Reis)

Guiné > Região de Tombali > Pontão de Balanazinha > 1968 O Alf Mil Idálio Reis, da CCAÇ 2317, junto ao março onde se podia ler o ano da construção da obra: 1946

Foto: © Idálio Reis (2008). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Destacamento de Ponte Balana > A praia fluvial...

Foto: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem, com data de 30 de Março, enviada pelo Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Gandembel / Balana, Abril de 1968 / Janeiro de 1969):


Luís, com o teu profundo sentimento de conciliar emoções, por vezes, tão difíceis de superar, fizeste bem em publicar o poste da responsabilidade do Hugo Guerra. De todo, também a mim, tenho interesse apagar esta acha, apesar de considerar que, por vezes, há fogueiras que é melhor deixá-las manter acesas.

Como reconheces, tenho uma imensa dificuldade em escrever o que quer que seja sobre o Hugo Guerra, que muito jovem, em terras da Guiné, esteve às portas da morte quando se feriu gravemente, pois quanto sei, perdeu num dos lados a visão e audição. Só vim a saber deste desenlace, muito anos depois, num comboio Lisboa-Coimbra, onde vinha a visitar os seus filhos.

De todo o modo, a bem da verdade, sobre o que ele narra, direi:

(i) O destacamento de Ponte Balana tinha um efectivo a nível de grupo de combate. Como constataste, situava-se a poucas centenas de metros de Gandembel;

(ii) Todos os grupos de combate da minha Companhia [, a CCAÇ 2317, ]estiveram em Ponte Balana. E estar aqui 'abivacado', não era motivo para se lastimar, pois a vida aqui era mais facilitada; o nosso elo de ligação quotidiano era ir buscar o pão, que geralmente se fazia junto ao pontão do Balanazinha.

(iii) Fazes-me uma pergunta quanto às datas de construção das pontes; pois em anexo, envio-te uma fotografia com a minha pessoa junto aos restos deste pontão, onde se pode verificar a data de 1946).

(iv) As flagelações a Ponte Balana foram muito poucas, dado que os rios eram naturais elementos de valia na sua protecção e as armas de defesa de maior calibre localizados em Gandembel eram sinal de grande perigo.

(v) Ainda hoje recorri ao meu homem que continua a relembrar os factos por que passámos (como o grande Rodrigues me costuma dizer, lembra-se de tudo o que passou em Gandembel como os nomes dos seus 6 filhos), onde nada se sumiu, que aquando da retirada era o seu grupo que estava em Ponte Balana.

(vi) O Pel Caç Nat 55 sempre esteve connosco. O Hugo Guerra chega a Gandembel em fins de Agosto, e o seu grupo ia tendo a particularidade de reforçar os pelotões da Companhia que minguavam. E daí, surge o nome do alferes Barge, que chegou em rendição individual, já quase no fim de Gandembel, e que também estaria integrado com o seu grupo na data da retirada.

(vii) As afirmações que se têm feito para o Blogue, são da responsabilidade de quem as faz, ficma com quem as profere. Mas, quem não esteve por lá, há-de pensar que 120 dias em Ponte Balana foi um degredo....Não foi verdade. A fotografia que te enviei do pessoal a banhar-se no Balana, estava nesse sítio, e há ali estampada uma enorme alegria.

(viii) Já li o poste do Nuno Rubim (2), que amavelmente já me enviara as fotografias, exceptuando a do Google Earth. É esta a grande ferramenta que me falta, e que um dia haverá de surgir para actualizar estes meus antiquados equipamentos informáticos...
A imagem do Google é excepcional, e lá se distingue ainda o caminho de ligação Gandembel-Ponte Balana, notoriamente a parte a norte do rio.

Um caloroso abraço
do Idálio Reis

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2700: Construtores de Gandembel / Balana (4): Estive lá 120 dias, com o meu Pel Caç Nat 55, até ao fim (Hugo Guerra)

(2) Vd. poste de 30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2703: Memórias dos lugares (8): Destacamento de Ponte Balana (Nuno Rubim)

sábado, 29 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2700: Construtores de Gandembel / Balana (4): Estive lá 120 dias, com o meu Pel Caç Nat 55, até ao fim (Hugo Guerra)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Ao meio, o Dr. Francisco Silva, madeirense, ortopedista no Hospital Amadora-Sintra, médico do nosso camarada Hugo Guerra. O Francisco Silva, que viajou de jipe, na viagem à Guiné, de ida e volta, foi Alferes Miliciano, tendo pertencido à CART 3492, que esteve no Xitole (com o Joaquim Mexia Alves). O Francisco Silva tem, no seu currículo militar, a particularidade de ter ido substituir um alferes morto na parada, pelos homens, africanos, do seu Pel Caç Nat 51, uma história incrível (não fora ele a contar-ma, em directo)... Do lado esquerdo, vê-se Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria. Tem 87 anos. Do lado direito, a Maria Alice. Foto tirada por ocasião da visita ao centro de saúde materno-infantil de Iemberem.

Foto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.




1. Texto do nosso camarada Hugo Guerra, que comandou os Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70):

Caro Luís:

O nosso Povo tem uns ditados muito acertados. Por exemplo, dizer-se que "Quem não se sente não é filho de boa gente", é um daqueles que tem muita aplicação prática.

Já estava à espera que mais dia menos dia "rebentasse a bronca" com outros camaradas nossos que, tal como o Alberto Branquinho e o Mexia Alves, não concordam com o protagonismo exagerado que alimentas no Blogue acerca de Gandembel e Ponte Balana, sempre imputadas ao Idálio Reis da [CCAÇ] 2317 e dos seus homens ....

Tiveste agora que tirar a limpo com o Idálio aquilo que eram as opiniões do Branquinho, como se só o 1º fosse o detentor de todo oconhecimento e acho a resposta do Reis muito brusca, para quem sabe perfeitamente que, só enquanto não se construiram os abrigos de betão, é que o pessoal "imitava as toupeiras".

Eu optei sempre por dormir dentro do Paiol em Ponte Balana, em cima dos cunhetes de munições, junto ao rádio-transmissor, sabendo perfeitamente que se tivessemos um ataque a sério, com a tomada do destacamento, só nos restava abrigar naquele bunker, pedir a Gandembel que nos enchessem de morteiradas e obuses e havia de ser o que fosse.

Claro que não obrigava ninguém a praticar esta loucura comigo, mas tinha sempre companhia,pois enquanto Gandembel estava "a embrulhar" havia sempre quem jogasse as cartas...e alguém contava as flagelações do in.

Assim como o Idálio pode dizer que foi o homem que mais tempo esteve em Gandembel com mais cerca de 150 a 200 homens, incluindo as tropas especiais e os especialistas , foi o meu Pelotão de Nativos 55 que mais meses esteve na Ponte Balana: Talvez uns 4 meses.

Como sabes os Pel Caç Nat tinham graduados brancos e sempre de rendição individual, o que originava duas coisas: (i) Eram apêndices das Companhias,para o pior.... até porque eram Nativos (sem comentários); (ii) Estavam completamente desgarrados das Companhias, o que era péssimo a nível humano e psicológico.

Quando o meu Pel Caç Nat saíu de Ponte Balana, já a cabeça da coluna ía a uns quilómetros de distância e, enquanto a 2317 seguiu para Buba, o Pel Nat 55 ficou logo na Chamarra.... nem sequer os quiseram em Aldeia Formosa.

O Zé Teixeira, que correu todos aqueles destacamentos , possivelmente até me conhece. Além de Aldeia Formosa, onde estive uns oito dias antes de seguir para Gandembel, ainda fui dormir duas ou três noites a Mampatá...

Dos 120 dias que o meu Pel esteve em Ponte Balana lembro-me de três Furréis brancos, do operador de transmissões - esse sim toupeira do 1º ao último dia- e talvez em Dez 68 foi lá colocada mais um ex-Alferes, Barge de seu nome, e que foi uma salutar companhia para mim. Salvo erro comandava um Pelotão da CCAÇ 2317.

Não me lembro de haver qualquer contacto comigo a questionar sobre o que eu teria a dizer de Gandembel-Ponte Balana, aquando da vossa romagem por aqueles lugares. Haverá algum engulho com a minha ida ao Corredor da Morte?

Como é que eu posso pronunciar-me sobre a Guerra da Guiné em locais onde nunca estive, a dormir numa cama, a comer um bife na tasca do não sei quantos ou a ter direito a uma lavadeira - pagando, claro - quando Gandembel e Ponte Balana não tinham contacto com o exterior excepto nos helis que levavam enfermeiras paras- querida Ivone e outras-que só lá iam buscar os mortos e feridos do ataque anterior...

Pista de aviação nada
População nada
Gado nada
Comida pouca e péssima...Nas chuvas o Balana fornecia peixe, à granada, claro.

Colchões para dormir cheios de buracos - remendos nem vê-los. Os poucos que havia eram para as viaturas. Bebida muita. Medo ainda mais. Médico uma vez em Dezembro.
Padre e Missa uma vez no Natal.

Gandembel e Ponte Balana são dois locais com misticismo, feitos de heroísmo e medo e os fantasmas ainda por lá andam e por cá também.

Gostaria, portanto, de te pedir , se assim o entenderes, que não esqueças os demais protagonistas que também forçados fizeram aquele pedaço da História.

Como diz o Branquinho,também lá estive e não vou deixar que outros contem as coisas por mim.

Um abraço do
Hugo Guerra


PS - Tenho muita pena de não ter podido ir ao Simpósium que acho correu muito bem. O meu Ortopedista, que esteve lá, ex-Alferes Francisco Silva, tirou-me as veleidades de aguentar as viagens de picada. Sou agora muito colunável....

2. Comentário de L.G.:

Hugo, errar é humano...Neste caso, pequei por omissão, ao fazer tábua rasa dos teus 120 dias (quatro meses, entre Agosto de 1968 e Janeiro de 1969), no destacamento de Ponte Balana. Tens que me dar o desconto: a minha base de dados, neuronal, não é assim tão grande e tão fiável que não me deixe mal, em certas circunstâncias... Lamento profundamente ter-me esquecido de ti e dos teus homens do Pel Caç Nat 55. Não o fiz intencionalmente, nem tinha nenhuma razão, objectiva, para o fazer... Como não tenho nenhum razão, manifesta ou latente, para pôr o Idálio Reis no Olimpo dos deuses e dos heróis. Sou anti-herói. São os homens, meus camaradas, que fizeram a guerra, que me interessam. Tu, o Idálio, e tantos outros, nos mais diversos pontos da Guiné...

Chegaste à nossa Tabanca Grande em Novembro de 2007 e temos, eu e os meus/nossos co-editores, publicado sempre as tuas mensagens... Foi pena não teres, em tempo útil - isto é, antes do Simpósio Internacional de Guileje - falado,com mais detalhe, da tua estadia em Ponte Balana... A ter havido injustiça, fica aqui reparada. Como eu costumo dizer, a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas, não há convidados, nem VIP, nem membros de 1ª e 2ª classe... Há apenas amigos e camaradas da Guiné, que têm a liberdade de entrar e sair, quando lhes apetece...Caro que temos algumas regras de convívio e de comportamento...

Procurei em tempo útil incluir nas estórias de Guileje o relato da tua ida (voluntária à força...) ao Corredor da Morte (1)... Como seguramente publicaria o teu relato da estadia no hotel de muitas estrelas de Balana, se me tens avivado a memória... Já publiquei 2700 postes neste blogue e recebi, em três anos, muitos milhares de emails, .. Não me peças, por favor, que memorize todos os detalhes curriculares de toda a gente... Por outro aldo, não vale a pena a gente entrar pelo lado das insinuações e provocações, do género A Minha Guerra Foi Pior que a Tua... É uma picada que não nos leva a lado nenhum e é totalmente contrária ao espírito, aberto, franco, assertivo, frontal, leal, deste blogue...

Dito isto, Hugo, digo-te que apreciei a tua franqueza e aqui vai um abraço. Sem ressentimentos. Luís Graça (que, como tu, foi tropa-macaca, de 2ª classe).

PS - Não tenho fotos tuas do Tombali... Em contrapartida, mando-te uma foto com o teu médico de quem só posso dizer que foi um camaradão no fim de semana que passámos juntos, no sul...E a quem já convidei para ingressar na nossa Tabanca Grande.

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(1) Vd. postes de:

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2415: Uma guerra entregue aos milicianos: onde estavam (estão) os nossos comandantes ? (Hugo Guerra, Coronel, DFA, na reforma)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70):

(...) Chamo-me Hugo Guerra, nasci em Estremoz em Abril de 1945 e estudei na Escola de Regentes Agrícolas de Évora onde acabei o meu curso em 1964. Em Agosto de 1968, sem perceber bem como (depois hei-de contar), estava no Ana Mafalda a caminho da Guiné em rendição individual e, como a sorte nunca me bafejou, quando desembarquei já tinha guia de marcha para Gandembel onde fui comandar o Pel Caç Nat 55 que estava adstrito à CCaç 2317 [, Gandembel/Balana, 1968/69]. Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em Agosto [de 1968], em Gandembel.

"Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969. Nessa altura, e porque a sorte continuava alheia à minha
odisseia, fiquei num destacamento logo a seguir, de nome Chamarra.


"A CCAÇ 2317 foi para Buba e mais tarde foram acabar a sua martirizada comissão em território menos hostil.

"Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 50 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma anti-pessoal, salvo erro a 13 de Março de 1970.

"Sou hoje DFA e Coronel" (...).

(2) Vd. postes de:

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2689: Construtores de Gandembel / Balana (2): O papel da CART 1689 (8 de Abril a 15 de Maio de 1968) (Idálio Reis)

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2692: Construtores de Gandembel / Balana (3): Nunca falei em protagonismo pessoal, mas sim da CART 1689 (Alberto Branquinho)