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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12586: O Destacamento da Ponte do Rio Udunduma - As acções especiais durante o segundo semestre de 1973 (parte II) (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 14 de Janeiro de 2014:

Caríssimos Camaradas Editores:
Luís Graça, Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães. 
Antes de mais, desejo-vos um óptimo ano de 2014.
Depois de uma primeira narrativa histórica [P12565], que serviu de apresentação a um novo contexto vivido pelo efectivo militar da CART 3494, no qual me incluo, relacionada com o quotidiano de práticas e experiências contabilizadas durante a presença no Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, ocorridas durante o 2.º semestre de 1973 [já lá vão mais de quarenta anos!] eis, pelo presente, a segunda peça desse puzzle.

Obrigado pela atenção
Jorge Araújo
14Jan/2014


O DESTACAMENTO DA PONTE DO RIO UDUNDUMA 

(XIME-BAMBADINCA) 

- As acções especiais durante o 2.º semestre de 1973 [parte II] - 

A segurança à[s] Ponte[s] do Rio Udunduma

1. - Introdução

No texto anterior [P12565*] dei-vos conta do itinerário histórico que me levou, assim como ao competente efectivo militar da CART 3494, até ao Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, sito ao km 4 da Estrada Bambadinca/Xime, identificando as três principais acções “especiais” aí realizadas durante o 2.º semestre de 1973, a saber: delimitação física da área do destacamento com arame farpado; construção em alvenaria de uma moradia e melhoramentos dos caminhos internos, culminando com a edificação de um monumento em memória do colectivo da Companhia 3494, a que designámos por “Rotunda da Ponte” [fotos anteriores].

Com esta tríade de benfeitorias, procurou-se dotar aquele contexto com um pouquinho mais de dignidade humana, tendo em consideração o superior interesse pela salvaguarda da integridade física e mental de cada um de nós, pois tratava-se de um cenário adverso, miserável e degradante, certamente como tantos outros por que passamos no CTIG, em particular os mais operacionais, independentemente da época em que tal se verificou.

Como reforço do acima expresso, apropriamo-nos, nesta abordagem histórica, de um pensamento/reflexão do camarada Luís Graça [CCAÇ 12], nosso antepassado e um dos pioneiros envolvidos nestas e em outras aventuras na região, e também ele contemplado, no seu tempo, com várias visitas ao local, referindo-se sobre este contexto nos seguintes termos: “o mítico destacamento da ponte do Rio Udunduma… e os “desgraçados que lá penaram dias e dias à boa vida…” e […] “O maldito “buraco” da ponte do Rio Udunduma, o inferno de mosquitos, cobras e ratos, onde muitos de nós, nos idos tempos de 1969/70, vivemos como animais…”. Ou, ainda, a experiência aí contabilizada, durante dois meses do ano de 1972, pelo camarada Joaquim Mexia Alves, ex-Alferes Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873 e, depois, CMDT do Pel Caç Nat 52, afirmando que “as instalações eram tétricas, e que havia uma qualquer construção de ripas de madeira tipo refeitório”.

De facto, foram cinco os anos em que por lá passaram algumas centenas de militares, africanos e metropolitanos, pertencentes a diversas subunidades do Sector L1, já divulgadas anteriormente, ocorrência iniciada em 29MAI1969 por via da ponte velha ter ficado danificada após atentado perpetrado pelo PAIGC, e que só teve o seu epílogo com o fim da guerra de guerrilha, pós 25 de Abril de 1974.

Esses efectivos colocados numa linha avançada em relação à sede do Batalhão, sito em Bambadinca, [repito] permaneceram activos e vigilantes mas desprovidos de qualquer rectaguarda de apoio militar, em que cada um de nós estava completamente abandonado à sorte da divina providência e à sua capacidade de resistir e de sobreviver, ou seja, à sua dimensão transcendental.

Assim, no alinhamento do texto anterior, com este segundo episódio pretende-se aprofundar a caracterização do contexto, socorrendo-nos de algumas imagens [as existentes no meu arquivo], esperando que se confirme o tal ditado popular: uma imagem vale mais que mil palavras.


2. - Caracterização do contexto através de imagens

Considerando que a foto 3, apresentada na narrativa anterior, surgiu com a legendagem desalinhada, entendemos ser pertinente a sua repetição.

Foto 14 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem da estrada velha, assinalando-se a ponte semidestruída em 1969 [fotos 1 e 2], e Bambadinca, ao fundo, como local mais próximo, a quatro quilómetros desta. Na linha do horizonte, vê-se a nova estrada na qual é possível contar uma coluna de mais de uma dezena de viaturas civis, em direcção ao Cais do Xime.

Foto 15 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – O “Chefe da Tabanca da Ponte” disfarçado de Jorge Araújo [ou vice-versa]. No canto superior direito vê-se a Ponte Nova e a respectiva estrada. Bambadinca fica para a direita e o Xime para a esquerda.

Foto 16 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – As duas pontes e o Rio Udunduma. Bambadinca fica para a esquerda e o Xime para a direita.

Foto 17 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma - 1973] – A Ponte Nova, o Rio Udunduma, à direita, e a bolanha contígua. Bambadinca fica para a esquerda e o Xime para a direita. 

Foto 18 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – Eis os buracos no chão, cobertos com palmeiras, chapas e terra, herdados na sobreposição [fotos 5 e 6].

Foto 19 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – Um dos três postos de vigia. No canto superior esquerdo podem ver-se as instalações sanitárias [foto 26] e a estrada para Bambadinca.

Foto 20 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – O monumento edificado em memória do colectivo da CART 3494 e, ao fundo, para sul, mais dois postos de vigia, tendo por perto uma estrutura em arame farpado [fotos 7 e 8].

Foto 21 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – Troço da estrada velha junto à ponte danificada [fotos 1 e 2], única via de acesso ao destacamento. Do lado esquerdo estão os abrigos e os postos de vigia. A meio, junto à 1.ª árvore da esquerda está a mesa de refeitório [foto 22]. À direita, +/- a meio da imagem, está a moradia construída [fotos 9 e 10]. Do lado direito fica a estrada Xime-Bambadinca [fotos 14 e 15].

Foto 22 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – A mesa polivalente, onde se comia, escrevia, li, jogava e… conversava. Em suma: o espaço de socialização e de partilha. Da esquerda para a direita, os ex-soldados: Gregório Santos; José Sebastião (?); Ricardo Teixeira e eu próprio, participando no” mata-bicho” das tardes de seca, confeccionado num forno de alta tecnologia, conforme se dá conta na imagem seguinte. Junto à chapa ondulada pode ver-se um exemplar de petromax.

Foto 23 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – Último modelo de cozinha de campanha, com fogão modelo “palmeira rastejante”, cuja patente foi registada na conservatória local. Eu e o soldado Amândio Domingues em fase de conclusão de um suculento «pato da bolanha ao piri-piri», uma iguaria contemplada no cardápio da restauração local.

Foto 24 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – A mesma mesa da foto 22 depois de desactivada na sequência da conclusão da moradia, onde passou a existir uma sala de jantar, mas onde não havia alimentos. Estes eram confeccionados em Bambadinca, na CCS, e chegavam-nos às diferentes horas do dia, segundo a sequência das refeições.

Foto 25 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – Enquadramento paisagístico com um plano de água do Rio Udunduma. Este fazia fronteira com a zona leste do destacamento. 

Finalmente, e tendo por base a mesma falha observada na foto 13 do texto anterior, decidimos repeti-la, devidamente corrigida, para uma melhor leitura do contexto.

Foto 26 – Estrada Xime-Bambadinca [Destacamento da Ponte - 1973] – imagem das instalações sanitárias… último modelo… e, daí, não terem sofrido quaisquer alterações até ao final da comissão. Por detrás do WC correm as águas do Rio Udunduma [foto 25].

Com esta imagem, damos por concluído o segundo capítulo desta nossa missão, histórica, especial e colectiva, vivida na Ponte do Rio Udunduma durante o 2.º semestre de 1973.

Segue-se a [III] crónica referente às principais actividades diárias desenvolvidas pelo grupo aí instalado.

Espero que esta narrativa tenha servido, tal como a anterior, como elemento de comparação com um vasto leque de outros exemplos que constam do currículo de muitos de Vós, e de inspiração a outras escritas, pois ainda estamos a tempo de as narrar na nossa Tabanca Grande.

Um forte abraço para todos e votos de muita saúde.
Jorge Araújo
Jan/2014
____________

Nota do editor

(*) Vd. poste anterior de 10 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12565: O Destacamento da Ponte do Rio Udunduma - As acções especiais durante o segundo semestre de 1973 (parte I) (Jorge Araújo)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12565: O Destacamento da Ponte do Rio Udunduma - As acções especiais durante o segundo semestre de 1973 (parte I) (Jorge Araújo)

1. Mensagem do Jorge Araújo (ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 25 de Novembro de 2013:

Caríssimo Camarada Luís Graça,
Os meus melhores cumprimentos.
Depois de três narrativas tendo por enquadramento histórico a «Ponta Coli» [Postes: 9698; 9802 e 12232], eis outra, agora referente à presença dos camaradas militares da CART 3494 na «Ponte do Rio Udunduma».
Entre a “Ponta…” e a “Ponte…” o que muda é a vogal, uma vez que a substância da nossa missão era a mesma: «SEGURANÇA», mas em diferentes pontos [locais] na Estrada Xime-Bambadinca, afastados, entre si, meia-dúzia de quilómetros.
Ora leiam a 1.ª parte.

Obrigado
Jorge Araújo
Nov/2013


O DESTACAMENTO DA PONTE DO RIO UDUNDUMA 
(XIME-BAMBADINCA) 

- As acções especiais durante o 2.º semestre de 1973 [parte I] -

1. A génese da segurança à Ponte do Rio Udunduma 
 - Antecedentes históricos 

A história diz-nos, enquanto memória de um passado que continua presente, que a segurança à 1.ª Ponte [velhinha] do Rio Udunduma, situada na Estrada Xime-Bambadinca, teve o seu início no dia 29 de Maio de 1969, 5.ª feira, na sequência da dupla acção do PAIGC, levada a cabo na noite do dia anterior (28/29Mai69) por dois bigrupos (cerca de 100 elementos). Essas duas acções tiveram como alvos o ataque ao Aquartelamento de Bambadinca, sede, à época, do BCAÇ 2852 (1968/70), e, simultaneamente, à Ponte do Rio Udunduma, situada a cerca de quatro quilómetros desta localidade, a qual foi dinamitada, resultando desse acto ter ficado parcialmente danificada, conforme se pode observar nas imagens a baixo.

Foto 1 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem de como ficou a ponte velha na sequência da explosão de 28Mai1969, obtida ao nível do solo.

Foto 2 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem da ponte velha, obtida da nova estrada onde foi construída uma nova ponte sobre o rio, inaugurada entre finais de 1971 e início de 1972. 

Os primeiros operacionais das NT a avançar para esse local foram os do 3.º GComb da CART 2339 (1968/69), sediada em Mansambo, sob o comando do Furriel Carlos M. Santos (Vd Postes: 7459 e 7859).

Foto 3 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem da estrada velha, assinalando-se a ponte semidestruída em 1969, e Bambadinca, ao fundo, como local mais próximo, a quatro quilómetros desta. Na linha do horizonte, vê-se a nova estrada na qual é possível contar uma coluna de mais de uma dezena de viaturas civis, em direcção ao Cais do Xime. 

Recuperado o controlo daquela pequena fracção de terreno circunscrita ao afluente do Geba e da bolanha contígua, a Ponte do Rio Udunduma, mesmo depois de ter ficado bastante danificada, não mais voltou a estar/ficar desprotegida até ao fim da guerra de guerrilha [Abril/1974], devido à decisão de aí se instalar uma força militar [especial] que, com o decorrer do tempo, haveria de dar lugar à organização de um Destacamento [amostra de… ou mini…].

Entretanto, uma nova ponte haveria de ser construída a seu lado, a poucas dezenas de metros, maior e perfeitamente adequada ao grande fluxo rodoviário, civil e militar, que diariamente circulava nesta estrada, com ligação a toda a zona leste do território, com maior destaque para as localidades de Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro e Saltinho. Segundo julgo saber, a sua construção esteve a cargo da empresa Tecnil, e a sua inauguração deverá ter ocorrido entre finais de 1971 e início de 1972.

Foto 4 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem da nova ponte construída pela empresa Tecnil. Ela foi obtida da ponte velha.

Durante cinco anos, muitos foram os camaradas que aí permaneceram vigilantes, num contexto desprovido de qualquer retaguarda de apoio militar, em que cada um de nós estava completamente abandonado à sorte da divina providência e à sua couraça, tendo como mais-valia a capacidade de sobrevivência, pois se tivesse acontecido algum ataque, ele seria sempre de surpresa, e, por esse método, nem os peixinhos se salvavam. Em suma: miserável e degradante, já que não tinha rigorosamente nada. Ou melhor, tinha o que as imagens abaixo deixam entender.

Foto 5 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma – Jul/1973] – imagem de um buraco aberto no chão, coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura, tendo no seu interior uma cama de ferro, especial do mobiliário militar, com colchão adequado …a um sono tranquilo [que enorme ironia].

A cama tinha um mosquiteiro comprado em Bafatá, nas “libanesas”. Este acabaria por ter uma dupla função, na medida em que, protegendo-nos dos mosquitos e das melgas, servia também de cama elástica e/ou trampolim para treino de flexibilidade e destreza dos ratos do mato que nos visitavam durante a noite, em sessões contínuas. Para além desta actividade físico-desportiva em ginásio coberto, sem necessidade de inscrição prévia ou celebração de contrato de fidelização, a equipa de roedores ainda tinha a pouca vergonha de nos levar os sabonetes e as meias para a sua comunidade, algures nas redondezas, certamente muito importante na sua higiene.

Era, então, um contexto maravilhoso … e com muita animação.

Foto 6 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – o mesmo chalé T0 quatro anos antes, com o camarada furriel Humberto Reis, do 2.º GComb da CCAÇ 12, em momento de reflexão (P7481), aguardando… talvez a passagem do carteiro? ou, ainda, uma boleia para a metrópole? OU…? Só o próprio nos poderá dizer!

Entre o tempo das fotos 5 e 6 [quatro anos], outros camaradas por lá passaram de diversos Grupos de Combate destacados das Unidades instaladas naquele Sector (L1), considerado um dos de maior vastidão em todo o TO, nomeadamente: CART 2339 (1969), de Mansambo – CART 2520 [1969 - 2 secções], do Xime – CCAÇ 12 [1969-71], de Bambadinca – PEL CAÇ NAT 52 [1972] – PEL CAÇ NAT 63 [Out/1972] – CART 3493 [Mar/1973 - 2 secções], de Mansambo – CART 3494 [Abr/1973-74 - 1 secção +], de Mansambo-Xime.


2. As acções especiais durante o 2.º semestre de 1973 

Com a transferência do Xime para Mansambo, ocorrida nos primeiros dias de Março de 1973, a CART 3494, através dos seus diferentes GComb, passou a ter uma agenda e missões muito distintas das que tinha tido anteriormente no Xime, o que é perfeitamente natural e normal, pois não havia [não há] dois contextos iguais.

No nosso caso, foi-nos atribuída mais uma missão especial: a de comandar uma “secção +” do meu pelotão [o 1.º], num total de doze elementos, com o objectivo de proteger a(s) Ponte(s) do Rio Udunduma, actividade que registava já quatro anos.

Avançámos com armas e [poucas] bagagens, na medida em que as condições logísticas e físicas do local eram incrivelmente pouco dignas e, por essa razão, um desafio permanente à superação de qualquer ser mortal.

Não havia nada… mas mesmo nada… com excepção de capim, três buracos no chão, muitos mosquitos e alguns ratos, conforme relatos anteriores. Electricidade cá tem. Água cá tem. Comida cá tem. Mas criatividade e improvisação… muita.

Dois petromax e a claridade da lua; alguns lustres de garrafas de cerveja; poucas velas de cera, reforçadas com meia-dúzia de isqueiros [os dos fumadores], era esta a panóplia de instrumentos que iluminavam os nossos olhos e ideias e aqueciam, simultaneamente, os nossos corações, durante as noites. Mas, como o ser humano é um ser de assimilação e de acomodação [tal como se verifica nos tempos de hoje], as semanas e os meses lá foram passando ao ritmo de… um dia de cada vez.

Esse ano de 1973 foi um ano muito duro para todos nós, militares no CTIG. E no local da Ponte do Rio Udunduma não foi diferente ou excepção. As orientações recebidas dos meus superiores, em particular do comando da CCS, de quem o “grupo especial” dependia logisticamente, assentavam num dualismo cartesiano [de René Descartes, 1596-1650], construídas na ideia de que de dia era para trabalhar, à noite era para estar vigilante. Enfim… já passaram quarenta anos.

Como não fomos para a Guiné em viagem de turismo, as alternativas eram escassas ou quase nulas, pelo que, a bem da defesa pessoal e da melhoria das condições de vida naquele contexto, lá metemos as mãos à(s) obra(s), levando-nos a alterar, significativamente, a sua paisagem por via de algumas benfeitorias.

Dito isto, passaremos em revista três dessas acções especiais, organizadas por fases, e que completam a primeira parte desta história da nossa vida colectiva.


A) – FECHO DO CONDOMÍNIO…


Fotos 7 e 8 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – a primeira acção especial desenvolvida por elementos do 1.º GComb, da Cart 3494 [um grupo constituído por uma dúzia de militares = a 1 secção +], foi a delimitação do território, do então designado «Destacamento da Ponte», ou, ainda, por «Condomínio da Ponte». Merece relevo a elevada capacidade técnica de todos os seus executantes. [O 1.º, na foto 8, é o soldado Joaquim Cerqueira, do lugar da Valinha - Amarante].

Tratou-se de uma experiência de alto valor pedagógico, na justa medida em que fez apelo à motricidade fina do efectivo aí residente, por via de não existirem protecções das mãos, vulgo luvas, na manipulação do arame farpado. De referir, que esta acção aconteceu na época das chuvas.


B) – CONSTRUÇÃO DE NOVAS MORADIAS…


Fotos 9 e 10 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – as imagens dão conta do modelo de arquitectura da nova moradia T1. Era rectangular, com duas águas, e tinha dois quartos e uma sala de jantar, mas não havia comer. Os alimentos, confeccionados em Bambadinca, na CCS, chegava-nos às diferentes horas do dia, segundo a sequência das refeições. 

O edifício foi construído junto ao caminho da “estrada antiga” [picada].
Como estará hoje?


C) – CONSTRUÇÃO DA “ROTUNDA DA PONTE” – A 1.ª NO MATO …


Fotos 11 e 12 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – as imagens referem-se à «Rotunda da Ponte» que decidimos construir [sem projecto, logo sem aprovação autárquica] como ícone da CART 3494, através da reprodução do seu símbolo. Para a sua construção foi utilizado o cimento sobrante da moradia e as pedras foram retiradas dos espaços envolventes da nova ponte. Para sinalizar a aproximação à rotunda foi pintada a base [disco] de um bidão de gasóleo com “obrigatório circular” e colocado em local visível, na extremidade de um tubo de ferro. Como curiosidade, todos os veículos que por lá passavam [em particular o jipe do CMDT OP do BART 3873], os seus condutores cumpriam o código da estrada. 


D) – INSTALAÇÕES DE APOIO…

Foto 13 – Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] – imagem referente às óptimas condições higiénicas do aldeamento… de muitas estrelas… sobretudo à noite.

É possível, ainda, observar os nossos animais da/de companhia, em processo de socialização… e de solidariedade.

Com esta imagem, damos por concluída a primeira parte da história referente à nossa passagem pela Ponte do Rio Udunduma – 2.º semestre de 1973.

Espero que tenham gostado de a ler, independentemente de aqui e ali ter utilizado alguma ironia e imagens metafóricas, e de ver as imagens seleccionadas.

Como complemento, acredito que a narrativa tenha servido, quiçá, como elemento de comparação com um vasto leque de outros exemplos que constam do currículo de muitos de Vós, e que ainda estamos a tempo de dar conta na nossa «Tabanca».

Um forte abraço para todos, com muita saúde e energia.
Jorge Araújo.
Nov/2013

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10896: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (5): Algumas fotos algo insólitas (Parte I)


Foto nº 38 > Ponte do Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca > Possivelmente no(s) dia(s) seguinte(s) ao ataque ao quartel de Bambadinca, em 28 de maio de 1969.  Nessa noite, esta ponte, vital para as comunicações com todo o leste da província, foi objeto do "trabalho" dos sapadores do PAIGC... Os estragos, embora visíveis, não abalaram a sua estrutura. Era uma bela ponte, em cimento armado, construída no início dos anos 50. Esta foto é "histórica". O José Carlos Lopes posou aqui para... a "posteridade".

O nossos grã-tabanqueiro  Carlos Marques Santos (ex-Fur Mil, CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69) já aqui disse  que foi o primeiro a avançar, para a Ponte do Rio Udunduma, logo no dia 29 de Maio de 1969, com o 3º Gr Comb da sua companhia, vindo em marcha forçada de Mansambo...

Eu próprio passei por esta ponte, juntamente com os meus camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, desembarcados de LDG no Xime, no dia 2 de junho de 1969, a caminho do Centro de Instrução Militar de Contuboel, com paragem em Bambadinca. Recordo-te de ter visitado um dos quartos dos furriéis, atingido por uma granada de morteiro. O Lopes dormia nesse quarto. E guarda, como "precioso recuerdo" o lençol da sua cama, que ficou nessa noite crivado de estilhaços... Felizmente tinha-se levantado da cama ao primeiro disparo de morteiro... O segundo morteiro acertou em cheio no edíficio onde furrieis e sargentos dormiam...

Recorde-se que na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: "Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".


Foto nº 164 > Quartel de Bambadinca (?) > Um jagudi, postado num poste de cibe que sustentava o arame farpado. Nome científico deste abutre africano: Necrosyrtes Monachus


Foto nº 51 > Quartel de Bambadinca > março de 1969 > Placa dos helis > Abastecimento de um dos vários helis que estiveram envolvidos na famosa Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969)... O Lopes é o primeiro do lado direito.  Nessa época estimava-se em 15 contos (!) o custo por hora de um heli no TO da Guiné... Um "arma cara", diz-se no relatório da Op Lança Afiada.



Foto nº  296 > Porto fluvial de Bambadinca > Uma "descarregamento" de tugas... 


Foto nº 196 > Pôr do sol sobre o Rio Geba Estreita, em Bambadinca,  Foto tirada do porto fluvial.




Foto nº 252 > Bambadinca: conjunto messe e quartos de oficiais e sargentos ... A simpática visita de um grou coroado (Balearica pavonina), se não me engano... [A ave parece-me estar ferida; os grous abundavam na grande bolanha de Bambadinca; a foto foi seguramente tirada na 2ª metade do ano de 1969, a avaliar pela fiada de bidões cheios de areia que protegiam o acesso aos quartos e à messe de oficiais, colocados depois do ataque a Bambadinca, em 28 de maio de 1969]


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (19568/70) > Mais algumas fotos, algo insólitas,  do álbum o José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria.

Mais uma vez agradeço ao meu camarada Lopes  (, estivemos juntos em Bambadinca, de julho de 1969 a maio de 1970, )  o ter autorizado a publicação destas fotos do seu álbum, enquanto aguardo o envio de  uma  foto sua, atual, para o poder apresentar à Tabanca Grande como novo membro (desejaria que fosse o primeiro de 2013).

As fotos não trazem legendas. Espero um dia destes poder estar com o Lopes, que vive em Linda a Velha,  para falar do seu álbum e tirar dúvidas, o que só temos podido fazer ao telefone. (LG)


PS - Sei que o Lopes não guarda as melhores recordações de Bambadinca... Daí a sua relutância em revisitar o passado, rever inclusive as suas fotos... Mas sobre o nosso blogue e a comunidade virtual (a Tabanca Grande) que lhe está associada, eu lembrar-lhe-ia aqui as palavras do nosso poeta Manuel Maia (de quem, de resto, não temos tido notícias; para ele um afetuoso Alfa Bravo e votos de melhores dias em 2013):

Bem dentro deste espaço de liberdade,
que ajuda a mitigar nossa saudade,
Luís Graça & Camaradas da Guiné...
Há laços, inquebráveis, solidários,
nascidos de vivências e fadários,
comuns a todos nós, creiam que é...

(...) Num blogue que congrega ao seu redor,
num misto de saudade e até de amor
pela terra ocre-amarela, um batalhão...
Amigo traz amigo e amigo fica
enquanto um outro amigo fica à bica
e bate à porta n'outra ocasião...

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10837: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (4): Desembarque no Xime, da LGD 105, dos piras do BART 2917, em finais de maio de 1970

sábado, 30 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1132: Spínola e os seus 'Cães Grandes' na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento da Ponte do Rio Udunduma > CART 2339 > Maio ou Junho de 1969 > Depois do ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969, o Gr Comb do Fur Mil Marques dos Santos - Os Solitários - é destacado para defender a Ponte do Rio Udunduma (que o IN tentara dinamitar, nessa noite); lá viveram duas semanas em tendas de campanha... Foi desta maneira tosca e improvisada que começou este destacamento... "Depois de casa arrombada, trancas na porta"...

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2005)

Post originalmente publicado em 3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma (deve ler-se Udunduma) (1) e agora reformulado:

1. Excertos do Diário de um Tuga (L.G.) (2)

Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971:

De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de Cães Grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivmente da Wermacht nazi.

Mas o que é que faz correr este velho soldado, como ele próprio gosta de se chamar ? É difícil adivinhar-lhe a sua paixão secreta, o seu móbil, sob a sua impassibilidade de samurai (ou de figura de cera?): a mitomania, o culto da personalidade ou, hélàs!, a presidência da república ...

Há qualquer coisa de sinistro na sua voz de ventríloquo, no seu olhar vidrado ou no seu sorriso sardónico: talvez seja a superioridade olímpica do guerreiro.

Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba…

A visita-surpresa do Deus-Todo-Poderoso foi o meu único monumento de glória em toda esta guerra… Ao fim de vinte meses!... Só quero regressar, são e salvo, a casa, daqui a um mês e, se possível, levar comigo a barba que deixei crescer… na Guiné, longe do Vietname.


2. Referência a este episódio na História da CCAÇ 12 (1969/71) (Cap. II. 45):

“Em 1 de Fevereiro de 1971, foram detectados 6 elementos IN a cambar o Rio Udunduma em direcção a Samba Silate. Feito o reconhecimento pelo 2º Gr Comb, verificou-se que o trilho aberto na bolanha conduzia ao reordenamento de Nhabijões.

“A partir de 2, a segurança diária à estrada Bambadinca-Xime passou a constituir uma acção (patrulha com reconhecimento no trilho de Chacali).

“Em 3 de Fevereiro, Sexa General Com-Chefe, de visita aos trabalhos de construção da estrada (cuja importância para a estratégia militar e fomento económico do chão fula é absolutamente nevrálgica), esteve no destacamento da ponte do Rio Udunduma, tendo feito uma pequena alocução às praças africanas do 4º Gr Comb. (….)”.
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Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores (P1131 e P1130).

(2) Esta leitura de Spínola e da sua entourage está necessariamente datada e é fruto (amargo e amargurado) das circunstâncias. Confesso que não gostava do personagem, não só pelo seu currículo militar como sobretudo pelos seus tiques: quando escrevia sobre ele, no meu diário, tratava-o sempre por Herr Spínola. Sendo antimilitarista (ou pelo menos julgando-me como tal), sobretudo não gostava de Cães Grandes, como eu chamava aos oficiais superiores que, naturalmente, não podiam ser todos metidos no mesmo saco. O coronel (?) que me deu a piçada pelo meu ar selvagem, terá sido porventura o do Agrupamento ou do COP de Bafatá. Creio que já não era o Hélio Felgas, era um seu substituto. O tenente-coronel Polidoro Monteiro, novo comandante do BART 2917, não era, de certeza... Mas para o caso não interessa: não lhe fixei nem o nome nem os galões... E a barba que usava no final da comissão, mais curtinha, veio comigo... e está comigo até hoje.

Como eu não convivi com os oficiais superiores dos batalhões a que esteve AFECTA A ccaç 12 (e eu conheci dois, o BCAÇ 8252 e o BART 2917) - contrariamente aos alferes milicianos que estavam em Bambadinca, sede do Sector L1 da Zona Leste, que partilhavam o mesmo espaço (o bar e a messe de oficiais, separado do bar e messe de sargentos, como mandava a etiqueta militar) - , também não estabeleci laços afectivos com nenhum eles, oficiais superiores. Contrariamente a outros camaradas de tertúlia que já aqui deram o seu testemunho: por exemplo, o Paulo Raposo, o Paulo Santiago, o Beja Santos ou, mais recentemente, o Torcato Mendonça.

Aqui ficam alguns posts já publicados com referências ao nosso Com-Chefe, também conhecido por Caco, Caco Baldé... ou, en passant, aos nossos oficiais superiores.

Caco (ou Caco Baldé) era a a alcunha por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. O termo queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava... Baldé era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, entusiásticos (e desgraçados) aliados de Spínola...

O general também era popular na caserna dos soldados, pela sua imagem de pai justiceiro... Ele era capaz de aparecer de surpresa num aquartelamento nos momentos mais insólitos ou mais dramáticos... Reconheço que as punições de oficiais superiores, incompetentes e impreparados para aquela guerra, deram-lhe uma auréola de homem corajoso, impoluto, determinado, um exemplo de liderança militar que era coisa que os nossos oficiais superiores - a nível de batalhão, pelo menos - não sabiam nem podiam dar, na generalidade dos casos...

Recorde-se que António de Spínola assumira, ainda como brigadeiro, em meados de 1968, os cargos de governador e comandante-chefe das Forças Armadas portuguesas na província portuguesa da Guiné, com a difícil missão de evitar o desastre político-militar que se anunciava: uma derrota das NT na Guiné teria fortes repercussões (psicológicas, morais, militares, polítcas...) nas jóias da coroa imperial, que eram Moçambique e sobretudo Angola.

Já general, e com ambições políticas, abandonou funções de governador e com-chefe em 8 de Agosto de 1973. Em 24 de Setembro, o PAIGC proclama unilateralmente a independência, em Madina do Boé, e a nova República Popular da Guiné-Bissau é reconhecida pela ONU em Novembro. Spínola foi substituído a 25 de Agosto pelo general Bettencourt Rodrigues. Pelo lado português, havia então mais de 40 mil homens em armas no território, que continuaram a lutar até ao fim, em condições cada vez mais duras e dramáticas...


Vd., entre entre outros, os seguintes posts:

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso Sousa / Serafim Lobato)

29 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole (David Guimarães)

(...) "Percebemos pouco tempo depois o que ele nos queria a dizer... Tinha-se realizado a Op Abencerragem Candente (Ponta do Inglês, Xime, 25 e 26 de Novembro de 1970, que o Luís e o Humberto já têm aqui evocado várias vezes), com um porrada de mortos e feridos...

"Aí percebemos melhor o discurso do General quando na ordem de serviço veio o seguinte (reproduzo de cor): Segue para a Metrópole o Tenente Coronel de Artilharia M. F. por ser incompetente para comandar um Batalhão... Em seu lugar nomeio João Polidoro Monteiro, Tenente Coronel de Infantaria, etc. etc. etc... Nestas coisas, o Caco Baldé não brincava em serviço, cortava a direito... Não percebo por que é poupou o major A.C. (dizem que foi por ser antigo professor da Academia Militar...).


14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

24 de Detembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCX: Oficial do Estado Maior do 'Caco'... por duas horas (João Tunes)

(...) "Apresentei-me e disseram-me para ler umas coisas para me identificar com o serviço, aquilo eram só mapas, mais mensagens e informações confidenciais e secretas sobre o IN, dicas dos pides, combinações em voz baixa, coisa e tal, mais uma data de majores e capitães cagões (por serem da elite do Spínola) e não me esqueço que encontrei lá pessoal que depois foi célebre como o Eanes, o Otelo, o Monge, o Lemos Pires e outros mais, e eu ali na nata das NT.

"Ainda não tinha a manhã acabado aparece um dos majores, todo esbaforido (julgo que foi o Lemos Pires que esteve em Timor na descolonização), a dizer que tinha havido engano e que aquele lugar era para outro alferes (pelo nome, filho de boas famílias) e que eu tinha era que arrumar o saco e seguir de Dornier no outro dia pela fresquinha para Catió que ali é que era o sítio certo para oficiais corrécios e punidos. E desandei dali para fora com as minhas duas horas de serviço de Oficial de Estado Maior com Catió, Cacine, Guileje e Gadamael à minha espera. Lixaram-me o resto da comissão mas não me limpam o currículo. Pois foi aí que eles falavam do pingalim quando se referiam ao General (deviam achar que caco não era próprio do lugar)" (...).

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

(...) "Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.
-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados" (...)

5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola

(...) [Spínola] põe-se em frente de mim, cumprimenta-me e eu também e, à queima-roupa diz-me: - Você tem sorte.Eu, sem saber bem o que me esperava, digo muito timidamente: - Porquê, meu Comandante? - Porque quando começar a ouvir os tiros, já está mais perto do chão."Também tinha humor. A meu lado estava o Alferes Felício, que é uma viga, e que a meu lado ainda parece maior. O nosso Comandante Chefe diz-lhe o inverso: - Você que se cuide.

"Realmente, aquele homem com a sua voz rouca e arrastada, de luvas, com monóculo e o pingalim, impressionava qualquer um. A imagem de bravura que transmitia correspondia à sua maneira de ser. Nele tudo era verdadeiro e genuíno" (...)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)

Post originamente publicado em 4 de Fevereiro de 2006, em Luís Graça & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada > Guiné 63/74 - CDXCVIII: Os dias felizes na ponte do Rio Undunduma (CCAÇ 12) .

Lamentavelmente o editor do blogue cometeu um erro sistemático, replicado em diversos posts: o rio chama-se Udunduma e não Undunduma... Esse erro está agora a ser corrigido, com a republicação desta nova versão do post (1)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > 1970 > A estrada Xime (à direita) - Bambadina (à esquerda), com a respectiva ponte. Vísivel também o troço, avermelhado, da nova estrada que estava em construção, a cargo da empresa Tecnil, e que implicou a construção de uma nova ponte (de que ainda não há sinais nesta foto).

Foto: © Humberto Reis(2006)

Comentava, no início do ano de 2006, o Jorge Cabral, com aquela sua desconceratnte ponta de fina ironia, que nós - aqui no blogue - eramos demasiado sérios e que escrevíamos como se a guerra (da Guineé) ainda não tivesse acabado... para nós. Os nossos relatos eram dramáticos. As nossas memórias estavam carregadas da tensão dos dias, do cansaço dos meses e do silêncio dos anos.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Udunduma.

Em 1969/71, no tempo da CCAÇ 12, a segurança desta ponte, construída em 1952, era de importância vital para toda a zona leste (regiões de Bafatá e Nova Lamego). Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No ataque em força, a Bambadinca, em 28 de Maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC tentaram dinamitá-la. Embora parcialmente destruída (era de bom cimento armado...), continuou operacional, e por cima dela continuaram a passar inúmeros batalhões...
Já sabemos que a partir daí passou a ser defendida permanentemente por uma força a nível de pelotão, a cargo das unidades do BCAÇ 2852, como foi o caso por exemplo da CART 2339 (Mansambo) (1). A partir de 16 de Dezembro de 1969 a segurança permanente passou a ser feita pelos Gr Comb da CCAÇ 12 e pelo Pel Caç Nat 53 (Bambadinca) (2).
Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas em zê comunicando entre os precários abrigos individuais. O destacamento assentava sobre uma elevação de terreno, sobranceira ao rio e à ponte.

Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor em Bambadinca)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Humberto, à ré, mais um soldado de transmissões, à proa, treinando as suas perícias na difícil modalidade da canoagem local...
"Era o António Dias Santos, de alcunha, não sei porquê, O Bacalhau. Quando estava em Bambadinca normalmente andava pela tabanca ao cheiro das bajudas e quase sempre com uma varinha na mão a imitar um pingalim. Há uns anos, quando organizei um dos primeiros almoços da rapaziada, procurei na lista telefónica o nome dele na zona da Régua, pois sabia que ele tinha sido funcionário da CP e que morava ali. Descobri-o, mas quando falei com a senhora é que fiquei a saber que ela já era viúva do Bacalhau" (HR)

Foto: © Humberto Reis (2006)

Se calhar o Jorge tinha (e continua a ter) razão. Pelo menos, alguma razão. Os nossos sentimentos são contraditórios. Alguns de nós conseguem ter (ou mostrar) uma visão mais diurna e positiva da Guiné do tempo da guerra. São capazes de se encantar com as imagens e as recordações da Guiné. Alguns conseguiram até lá voltar e fazer as pazes com os jagudis ou os sinistros fantasmas que os perseguiam. O Humberto, o Marques Lopes, o Guimarães, o Albano, o Teixeira, o Allen, o Camilo, o Paulo Santiago, o Beja Santos, voltaram lá, em diferentes épocas ... O Paulo Salgado vive lá, como cooperante, com a sua Conceição... O jornalista e professor Jorge Neto vive lá, em Bissau, no Bairro da Cooperação, vizinho dos Salgado... E regressa todos os anos, ao seu Alentejo, de carro, atrvessando o norte de África...
Outros ainda (onde eu muito provavelmente me incluo) querem lá voltar ou andam a arranjar coragem para fazer a viagem de retorno, divididos entre uma certa imagem mítica do passado e o medo (traumático) do desencanto e do pesadelo dos dias de hoje.
Enfim, outros continuarão a ter uma visão mais nocturna e negativa dos acontecimentos que os marcaram: as emboscadas, as minas, os ataques e as flagelações, a morte, a dor, o sofrimento, a solidão, a angústia, o absurdo da guerra que fomos obrigados a fazer...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Passados largos meses, após o ataque a Bambadinca (Maio de 1969), ainda eram visíveis os sinais da tentativa de destruição da ponte... Na foto, o afortunado fotógrafo...
Foto: © Humberto Reis (2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Tony (Levezinho) e o Humberto sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio... Os nossos soldados, desarranchados, tinham que cozinhar a sua própria bianda... Caricato: andavam com o saco de arroz às costas... O rio era rico em peixe, que se pescava à granada de sopro...
Foto: © Humberto Reis (2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Saltos para a água ... Soldados africanos da CCAÇ 12, à pai Adão...(Ou miúdos de tabancas vizinhas, como Amedalai ? Não tenho a certeza)... De qualquer modo, uma cena idílica...

Foto: © Humberto Reis(2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > > Pesca à linha, banho à fula, passeata de piroga, um dia descontraído, quiçá até um dia feliz... Quem disse que não se podiam passar uns dias felizes nas margens do Rio Udunduma ? Não era o meu caso, que não pescava nem tomava banho naquelas águas, não jogava à lerpa, não ia à caça... O tédio dos dias, o pesadelo das noites, a solidão e o sentimento de abandono não me deixaram saudades do Udunduma .. A paisagem era deslumbrante, mas os mosquitos devoradores... Era um dos melhores sítios da região para se apanhar uma valente carga de paludismo... O pior de tudo, é que nem dos cães grandes ali nos livrávamos (3)...

Foto: © Humberto Reis(2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Da esquerda para a direita: O soldado Arménio, tripeiro de gema, e os Furriéis Milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho...

Foto: © Humberto Reis (2006).

Já deixámos, porém, aqui provas do nosso bom humor, já aqui contámos estórias, mais pícaras, mais divertidas ou mais banais, tentando dar cor, cheiro e sabor àqueles 700 ou mais dias das nossas vidas que passámos na Guiné... O próprio Jorge deu o exemplo, deliciando-nos com as suas pequenas estórias que eu chamei cabralianas... O Jorge sempre teve uma maneira muito própria, desalinhada, talvez até marginal, de ser e de estar na tropa e, por extensão, na guerra...
O nosso convívio, na Guiné, era esporádico (quando íamos a Fá ou ele vinha a Bambadinca) mas foi o suficiente para eu o sinalizar como uma das figuras impagáveis me cruzei na Guiné... Felizmente, que o Jorge está de regresso e que podemos relembrar, em conjunto, velhas estórias, e descobrir, encantados, novas estórias saídas da sua talentosa pena...

Luís Graça
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Notas de L.G.

(1) Vd. também post anterior (P1130), com data de 29 de Setembro de 2006.

(2) O Pel Caç Nat 53, que será mais tarde comandado pelo Alf Mil Paulo Santiago, no Saltinho, esteve no Xime, no início da comissão do BCAÇ 2852 (que veio em Agosto substituir o BART 1904), tendo passado para Bambadinca em Outubro/Novembro de 1968 e por lá ficou pelo menos até Agosto de 1969. Em Setembro foi transferido para o Saltinho.

(3) Vd post de Luís Graça, de 3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma (leia-se Udunduma)

"Ponte do Rio Undunduma, 3 de Fevereiro de 1971: De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de cães grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivente da Wermacht nazi (...).Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba"...

sábado, 4 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P481: Os dias felizes na ponte do Rio Undunduma (CCAÇ 12) (Luís Graça)


Guiné > Rio Undunduma > 1970 > A estrada Xime (à direita) - Bambadina (à esquerda), com a respectiva ponte. Vísivel também o troço da nova estrada que estava em construção, a cargo da empresa Tecnil, e que implicou a construção de uma nova ponte. © Humberto Reis(2006)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Undunduma. Em 1969/71, no tempo da CCAÇ 12, a segurança desta ponte, construída em 1952, era de importância estratégica para toda a região leste. Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No ataque em força, a Bambadinca, em 31 de Maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC tentara dinamitá-la. Embora parcialmente destruída (era de bom cimento armado...), continuou operacional. Já sabemos que a partir daí passou a ser defendida permanentemente por uma força a nível de pelotão, a cargo das unidades do BCAÇ 2852.

A partir de 16 de Dezembro de 1969 a segurança permanente passou a ser feita pelos Gr Comb da CCAÇ 12 e pelo PEL CAÇ NAT 53 (Bambadinca). Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas comunicando entre os abrigos individuais.

© Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor em Bambadinca)

Comentava há dias o Jorge Cabral, com uma ponta de fina ironia, que nós - aqui no blogue - somos demasiado sérios e que escrevemos como se a guerra (da Guiné) ainda não tivesse acabado para nós. Os nossos relatos são dramáticos. As nossas memórias estão carregadas da tensão dos dias, do cansaço dos meses e do silêncio dos anos.

Guiné > Rio Undunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Humberto, à ré, mais um soldado de transmissões, à proa, treinando as suas perícias na difícil modalidade da canoagem local... "Era o António Dias Santos, de alcunha, não sei porquê, O Bacalhau. Quando estava em Bambadinca normalmente andava pela tabanca ao cheiro das bajudas e quase sempre com uma varinha na mão a imitar um pingalim. Há uns anos, quando organizei um dos primeiros almoços da rapaziada, procurei na lista telefónica o nome dele na zona da Régua, pois sabia que ele tinha sido funcionário da CP e que morava ali. Descobri-o, mas quando falei com a senhora é que fiquei a saber que ela já era viúva do Bacalhau" (HR)
© Humberto Reis (2006)

Se calhar o Jorge tem razão. Pelo menos, alguma razão. Os nossos sentimentos são contraditórios. Alguns de nós conseguem ter (ou mostrar) uma visão mais diurna e positiva da Guiné do tempo da guerra. São capazes de se encantar com as imagens e as recordações da Guiné. Alguns conseguiram até lá voltar e fazer as pazes com os jagudis ou os sinistros fantasmas que os perseguiam. O Humberto, o Marques, o Guimarães, o Albano, o Teixeira, o Allen, o Camilo, o algarvio, voltaram lá (O Camilo, que ainda não pertence à nossa tertúlia, prepara-se, em Fevereiro de 2006, para voltar à Guiné-Bissau, com um novo grupo de camaradas e os jipes carregados de material escolar)... . O Paulo vive lá, como cooperante.
Outros ainda querem lá voltar ou andam a arranjar coragem para fazer a viagem de retorno, divididos entre uma certa imagem mítica do passado e o medo (traumático) do desencanto e do pesadelo dos dias de hoje.

Guiné > Rio Undunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Passados mais de meio ano, ainda eram visíveis os sinais da tentativa de destruição da ponte... © Humberto Reis (2006)

Enfim, outros continuarão a ter uma visão mais nocturna e negativa dos acontecimentos que os marcaram: as emboscadas, as minas, os ataques e as flagelações, a morte, a dor, o sofrimento, a solidão, a angústia, o absurdo da guerra que fomos obrigados a fazer...

Guiné > Rio Undunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Tony (Levezinho) e o Humberto sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio... © Humberto Reis (2006)

Guiné > Ponte sobre o Rio Undunduma > Saltos para a água... Soldados africanos da CCAÇ 12. Uma cena idílica... © Humberto Reis(2006)

Já deixámos, porém, aqui provas do nosso bom humor, já aqui contámos estórias, mais pícaras, mais divertidas ou mais banais, tentando dar cor, cheiro e sabor àqueles 700 ou mais dias das nossas vidas que passámos na Guiné... O próprio Jorge deu o exemplo, deliciando-nos com as suas pequenas estórias que eu chamei cabralianas... O Jorge sempre teve uma maneira muito própria, desalinhada, talvez até marginal, de ser e de estar na tropa e, por extensõa, na guerra... O nosso convívio era esporádico mas foi o suficiente para eu o sinalizar como uma das figuras impagáveis que passaram por Bambadinca... Felizmente, que está de regresso e que podemos relembrar, em conjunto, velhas estórias...

Guiné > Ponte do Rio Undunduma > 1970 > Pesca à linha, banho à fula, um dia descontraído ... © Humberto Reis(2006)

Tens razão, Jorge. Nem todos os dias eram sofridos, dramáticos, tensos, esgotantes... Nem todos os dias eram de vida ou de morte... Também houve dias ou tardes ou manhãs, calmos, poéticos, bem dispostos e até felizes. Por exemplo, os dias que passávamos no destacamento da Ponte do Rio Undunduma (e tu em Fá Mandinga). Eu, pessoalmente, não guardo nem boas nem más memórias dos dias em que era obrigado a lá ficar (2). À noite, aquilo era um pesadelo... Já o Humberto, a avaliar pelas suas fotos, soube tirar partido da situação: por exemplo, pescava, que era uma coisa que eu não sabia fazer...
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(1) Vd. post do Carlos Marques dos Santos, de 4 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIX: Os Solitários da CART 2339 na Ponte do Rio Undunduma e em Fá

"Em 28 de Maio de 1969 ouvimos rebentamentos para aqueles lados e pensámos ser na tabanca Moricanhe. Afinal, para nosso espanto, era mesmo em Bambadinca, sede do Batalhão.

"Dia 29, pela 05.30 da manhã, seguimos para reforço da sede de Batalhão. 15 dias. Salvo erro com o Pel Caç Nat 63 estivemos em tendas (panos de tenda com botões), em vigília constante, àquela que era uma passagem importante [,a ponte sobre o Rio Undunduma, na estrada Xime-Bambadinca]" (...).

Guiné > Rio Undunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Da esquerda para a direita: O soldado Arménio e os Furriéis Milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho... © Humberto Reis (2006).

(2) Vd post de Luís Graça, de 3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma

"Ponte do Rio Undunduma, 3 de Fevereiro de 1971: De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de cães grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivente da Wermacht nazi (...).Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba"...