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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22651: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte IX: Bissau e Contuboel. Consulta de psiquiatria. Poema "O Menino de Sua Mãe". Nascimento do primeiro filho. Exame em Bafatá de militares sem a instrução primária. Sedução da senhora professora, cabo-verdiana... (Set - dez 1966)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O João Graça, médico (, hoje psiquiatra e psicooncologista)  e músico, posando ao lado do dignitário Braima Sissé. Por cima deste, a foto emoldurada de Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya [, islamismo sunita, seguido pela maior parte dos mandingas da Guiné; tem o seu centro de influência em Jabicunda, a sul de Contuboel; a outra confraria tidjanya, é seguida pela maior parte dos fulas].

O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (*).

Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).

Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (**)



Cristóvão de Aguiar.
Foto: Wook (com a devida vénia...)


Diário de Guerra

por Cristóvão de Aguiar

(Continuação)


Bissau, 20 de Setembro de 1966


A Otília embarcou hoje para Lisboa. Viemos de cima, do mato, há três dias. Seguiu há pouco num avião militar, com uma bar­riga enorme de quase sete meses. Deve nascer o pimpolho em fins de Novembro, princípios de Dezembro. Vou ficar em Bissau durante mais uns tempos para me tratar, que não consegui aguentar-ne nas canetas psicológicas.

Bissau, 26 de Setembro de 1966

Poema para minha Mãe, que faz hoje quarenta e sete anos de vida:

“O MENINO DE SUA MÃE”

- Mãe, que é do teu menino,
Tão breve,
Brincando no caminho,
Em corridas de pé leve,
Guindando as poças da chuva,
Que caía em desatino
E logo estiava num instantinho?
- Que será feito do arco e do pião
E da fieira que se apertava no bojo como uma luva
Que o teu menino, à mão, zunindo, o lançava,
E da Lua clara que nem lampião,
Que, vagarosa, no céu viajava?

- Onde o marulho do mar
Que aquietava o teu menino,
E dos barcos de papel
Nas valetas rasas de água a cirandar?
Que lhe destinaram do destino
De flores e mel
Que lhe afian­çaste outrora?
E da Paz das noites benditas,
Do Deus em que ainda acreditas
E que o teu menino foi esquecendo,
Não O compreendendo
Por desdita agora?

- Onde o berço
Em que o embalavas,
E das preces da hora do deitar
- Nunca o terço! 
-
(Com Deus me deito, com Deus me levanto...)
E dos casos que lhe con­tavas,
E das cantigas soando a mar
(Assim era o teu canto!)
Que devagarinho en­toavas
Para teu menino nanar?
- Dize-me, Mãe, onde morreste
O teu menino?, em que desvão o escondeste
Para o ir procurar?

- Sabes, Mãe, o teu menino está tão di­ferente:
Velho e absorto
E sobretudo tão ausente
(Dir-se-ia quase morto)...
O teu menino
Já não salta ao eixo
Rebaldeixo
No adro paroquial,
Nem no ci­mento da Avenida...
Nem tão-pouco joga (o que é o destino),
O seu pião de fieira colo­rida,
Que há tanto tempo se rachou...
E o arco de ferro forjado,
Com a sa­pata feita do mesmo metal,
Foram-se enferrujando num recanto
Da encantada casa-de-trás...
Depressa 
- o tempo foge -,
O teu menino tornou-se rapaz
E dá a viva ideia de que é hoje
Uma visão alucinada de soldado...

Onde já lá vão as guer­reias
Tra­vadas na Canada da Sabina
Em que havia muita pedrada,
Baba e ranho, alarido e arengada,
Chegando o sangue a esguichar das veias?...

Ficava a Canada quase em frente
Da casa de madrinha Rufina,
Que um dia se despediu da gente
E se foi para a Amé­rica no voo da carreira...
Tudo então se passava entre o rapazio:
Os de Cima e os de Baixo, que, cheios de brio,
Defendiam à tapona e à porrada
A rigorosa fron­teira
Que separava os de cada lado da Canada...

Entre­tanto toda a vida se en­rodi­lhou,
E ela tem agora um travo a puro fel...
Só da noite mais noite é te­cido o teu menino,
Vive ainda em maior escuridão que o destino,
Que se não cum­priu e ficou em ruínas
- São as nossas sinas 
-
Mas nunca se há-de ele es­quecer
Que um dia que já não existe
De teres prometido ao teu menino
(Ele não se lem­bra agora se já então era triste),
Embarcado em seu batel de ilusão
E de papel,
O tal des­tino
Que, como vara de condão,
O haveria de transmu­dar em flores e mel...
Todavia, cá dentro, ele perma­neceu e continua refém...
Há-de ser resgatado, quem sabe, na Banda do Além...

A tua bênção me cubra, minha Mãe!


Bissau, 27 de Setembro de 1966

Aqui estou há mais de uma semana em trata­mento psiquiátrico. Vejo tudo envolto numa película de sono saboroso! Comecei por matar vacas e carneiros a tiro de Walter e de G3. Faziam barulho, mééé, e eu não su­portava o mínimo ruído, sobretudo de noite. Havia, porém, quem matasse carreiros de formigas com a G3. Mas eu pagava o prejuízo aos seus donos. Se era alta noite, gri­tava pelo cozinheiro e seus ajudan­tes e mandava que esquarte­jassem os animais, para que depois a carne servisse para o nosso sustento. Chamava depois os indígenas, seus do­nos, logo de manhã ao quartel, per­guntava-lhes o preço dos ani­mais e pagava o que me pediam. Matava gatos também, mas esses ti­nham sete fô­legos e levavam muito tempo a morrer: esper­nea­vam e miavam de tal ma­neira, que quase me en­doideciam. O pior foi o ensaio de pancadaria com cavalo mari­nho que dei num furriel. Mandei a Otí­lia para casa de um comerciante cuja mulher convivia por vezes com a minha, pre­tex­tando-lhe que queria ter uma conversa em particular com um militar. 

Foi a gota de água que fez com que o médico da com­pa­nhia me vi­es­se a sugerir, com muito bons modos, que, quando fosse a Bissau levar a Otília, ficasse por lá, a fim de des­cansar. Estava com o meu grupo de com­bate em Sonaco há mais de um mês. Ali era o re­pouso do guerreiro. Tinha um cachorro lindo, arra­çado de setter. Andava um dia a passear, ao lusco-fusco, na rua com­prida de So­naco, quando ouço atrás de mim o jipe da patrulha. Não deram por mim, que an­dava na berma. Só enxergaram o cachorro, que vinha no meio do caminho. E ouço então o furriel a dizer para o con­dutor: "Mata o cão do nosso alferes. " Não foi pre­ciso mais nada. Denunciei a minha pre­sença e ordenei-lhe que se apre­sen­tasse no quartel imediatamente. Obedeceu. Depois levei-o até à minha palhota. E foi en­tão que lhe toquei a pavana com o ca­valo marinho. Mas, não há dúvida, os medica­mentos que estou to­mando estão produzindo bom efeito. Já vou exercendo autocrí­tica sobre os meus actos passa­dos.


Bissau, 5 de Outubro de 1966

ALMA DOLENTE

A tristeza das coisas ao sol poente,
Falando, muda, numa voz precisa,
Escuta-a quem tem a alma dolente
E a dor de uma ânsia que se eterniza.

O Universo absoluto é uma ferida,
Lateja, arde, geme, sem compasso...
Dói tudo no silêncio, e a própria vida
Escorre vagarosa em gotas de cansaço...

Oh negrume tropical, noite africana,
Oh escuridão do medo em cada esquina
Com a vida enforcada em pó e lama,

Arranca do ventre tuas vinganças
E este ódio que as almas assassina
E deixa o Sol brincar com as crianças...


Contuboel, 7 de Outubro de 1966

O Dakota militar, vindo de Bissau, fez-se à pista térrea de Bafatá. Mas, quando tocou no solo, foi-se desviando para o mato, meio desasado. Parou a tempo de não haver desgraça. Tinha rebentado um pneu de uma das rodas do trem de aterragem. 

Como era dia de santo correio, estavam um jipe e um Unimog da minha companhia no aeródromo e assim aproveitei a boleia e vim logo para casa, que já tinha saudades dos meus cães e dos serões ouvindo a Voz da Liberdade e das tertúlias poéticas, em que lia, em voz alta, para um grupinho muito restrito, os versos da Praça da Canção, de Manuel Alegre, e também da Antologia da Poesia Erótica e Satírica, organizada por Natália Correia, que, por tal facto, teve de responder em tribunal, tendo a obra sido apreendida. Mandou-ma um elemento do Movimento Nacional Feminino, quando aqui esteve uma delegação de três meninas universitárias. Pedi-a no gozo. Nunca julgava que, ao fim de um mês, tivesse nas mãos uma obra proibida pela PIDE, enviada por quem foi.

[Imagem à esquerda: Capa da 1ª edição da "Poesia Portuguesa Erótica e Satírica", Lisboa, Afrodite,  organizada em 1965 por Natália Correia (1923-1993), com ilustrações de Cruzeiro Seixas (1920-2020). O atrevimento da açoriana, também de São Miguel, valeu-lhe, em 1970, a condenação a 90 de prisão correccional, no Tribunal da Boa Hira, com pena suspensa por 3 anos, por ofensa aos bons costumes. Editor e autores também foram condenados. Lembro-me. nos meus 18 anos,  da corrida à 1ª edição, de 1965,  que rapidamente se esgotou antes de ser apreendida pela PIDE. Cortesia de Livraria Trindade]. 


Contuboel, 10 de Outubro de 1966

Chegou há semanas, estava ainda em tratamento em Bissau, uma ordem do comando-chefe, via batalhão de Bafatá, destinada a todas as unidades do mato, sobretudo àquelas prestes a partir, avisando que os soldados que não sabem ler nem escrever terão de embarcar da Guiné pelo menos com o exame do primeiro grau, ou seja, a terceira classe da instrução primária; caso contrário, quando chegarem à Metrópole, não poderão ser desmobilizados e ficarão nas respectivas unidades até concluírem aquele exame. 
O mesmo acontecerá àqueles que, tendo embora o exame do primeiro grau, saírem daqui sem o diploma do exame da quarta classe. 

É uma ordem injusta, não por ela em si nem pelo seu alcance, mas pelo facto de estarmos a pouco mais de três meses do regresso e não haver tempo suficiente nem condições psicológicas para uma intensiva preparação escolar dos soldados em tamanho estado de indigência cultural. 

Por outro lado, também não se percebe muito bem o súbito interesse das hierarquias militares pelos seus homens analfabetos e pelos outros que só têm a terceira classe. Deve ser para dar alimento às estatísticas. O capitão pôs logo mãos à obra, isto é, nomeou alguns voluntários e já se começou há tempos a dar escola. Dois furriéis milicianos e um alferes (eu próprio, que me juntei há pouco), iniciaram então a tarefa de mestre-escola. 

Garanto que toda a gente irá embarcar com o seu diploma na mão, custe o que custar. Por desmobilizar é que não ficam, não senhor. Era o que faltava, depois de uma comissão desta natureza, permanecerem os pobres coitados retidos no Regimento de Infantaria 15, em Tomar, até completarem os estudos. Os alunos são em número de dez: seis que não enxergam uma letra e os outros quatro pouco mais sabem, pois têm um primeiro grau muito atrasado e esquecido.


Contuboel, 23 de Novembro de 1966

Estava sentado no estabelecimento do comerciante português, lendo O Arauto, o pasquim da província, e fumando intensivamente cigarro atrás de cigarro, quando chega o nosso capitão com um papel numa das mãos. Era um telegrama que tinha vindo via rádio, anunciando-me que era pai. Fiquei néscio e sucinto. Pai! E escrevi, num aerograma amarelo, um poema ao meu filho José Manuel, a primeira missiva que recebe na vida, que ainda agora principiou...


Bafatá, 12 de Dezembro de 1966

Exame dos alunos da Companhia de Caçadores 800. Cometi um acto sacrílego, mas não havia outra escapatória. Sacrilégio maior seria deixar que estes homens ficassem na tropa mais alguns meses, ou um ano, sei lá bem, depois de terem sofrido o que sofreram nesta guerrilha diabólica de nervos e do resto, que foi ainda pior. 

Falei com a senhora professora, uma cabo-verdiana lindíssima, de fazer refrear a respiração. Disse-lhe da minha justiça e das minhas intenções. Ela, com o seu brio profissional à flor da pele sedosa:

- Não, senhor alferes, não posso consentir numa palhaçada dessa natureza, pelo amor de Deus. 

Principiei a seduzi-la e ela foi caindo de tal modo na esparrela, que, quando a convidei a sair da sala de exame, obedeceu, sem pestanejar. Depois. Olha, depois! Depois, encarreguei-me eu próprio de fazer o exame escrito, com caligrafia de principiante, a condizer, dos seis semi-analfabetos, que o tempo de aprendizagem e a disposição de ensinar foram mesmo muito escassos, enquanto os meus camaradas se incumbiram dos restantes. 

No fim, ficaram todos aprovados e a professora, ao entrar na sala após ter sido avisada de que terminara a prova para lhe entregarmos as respostas, lançou-me uns olhos tão doces, que me deu vontade de lhe tomar lições de qualquer disciplina.

Contuboel, 25 de Dezembro de 1966

Uma noite de Natal já com um grão de esperança no seu ventre e outro bem pesado na asa. Daqui a menos de um mês, vamos de abalada. Até parece mentira. As cruzinhas estão chegando ao fim. (**)

(Continua)

domingo, 5 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17108: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral e outros / Casa Comum (21): O professor primário e o enfermeiro de Buruntuma, em 1961... Trabalhavam para o PAICG na cara da PIDE ?!...



Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > c. 1961/62 > Destacamento deBuruntuma ( 1 Gr Com reforçado, 3ª CCAÇ e CCAV  252) > Uma ação de nomadização... À frente o alf mil Jorge Ferreira, de calões e FPB!... Atrás duas praças guineenses, com a velha mauser e capacete!...



Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > c. 1961/62 >A escola de Buruntuma > O alf mil Jorge Ferreira e um dos seus dois gradudos, de chapéu colonial, que dava aulas aos militares... Não há nenhuma foto fo professor cabo-verdiano.  O Jorge Ferreira comandava uma guarnição miliatre de cerca de 40/45 homens, composta por ums seção do Esquadrão ou Companhia de Cavalaria 252 e por uma seção da 3ª CCAÇ. A seção de cavalaria era comandada pelo fur mil cav Mário Magalhães; a seçõa da 3ª CCAÇ era comandadapelo 2º sargento Moreira, depois substituido pelo 2º sargento Afonso (que aparece aqui nas duas fotos).



Fonte: vd. sítio do fotógrafo Jorge da Silva Ferreira e o seu livro "Buruntuma: algum, dia serás grande!... Guine, Gabu, 1961-63 (Lisboa, Programa Fim do Império, Liga dos Combatentes, 2016, p. 25).


Fotos: © Jorge Ferreira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No último trimestre de 1961, quando chegou a Buruntuma para comandar o destacamento, guarnecido por uma força cojunta (cerca de 40/45 homens) da 3ª CCAÇ e da CCAV 252, o alf mil Jorge Ferreira,  esta povoação fronteiriça era rua uma por onde passava a "estrada internacional" Bissau-República da Guiné (Conacri)... 

A fronteira (uma linha imaginária!) era a escassas centenas de metros... De um lado e do outro da rua, alinhavam-se "algumas casas de alvenaria", a saber:

(i) do lado direito, a casa do régulo Sene Sane, tenente de 2ª linha; o armazém de mancarra (que servia de aquartelamento); duas casas comerciais (uma da família Coelhoso, natural de Mirandea (?);

(ii) do lado esquerdo, a escola primária; as instalações da PIDE; duas casas comerciais, a Casa Gouveia e a Sociedade Ultramarina; e a enfermaria...

Por destrás da Buruntuma colonial, ficavam as moranças da população local (fulas e mandingas), estimada em um milhar de habitantes. 

Fonte: FERREIRA, Jorge - Buruntuma: algum dia serás grande!.. Guiné, Gabú, 1961-63. Lisboa: Programa Fim do Império [, Liga dos Combatentes,], 2016, p. 8.

Na página 25, há uma fotografia da escola de Buruntuma. O Jorge Ferreira aparece ao lado de uma figura que pode muito bem ser o professor. O autor da publicação citada diz-nos que em Buruntuma havia "!uam escola e uma enfermaria, aliás infraestruturas de qualidade que não era vulgar encontrar em povoações de igual dimensão na Metrópole" (p. 10)

Referindo-se ao "apoio social" prestado pela tropa, no seu tempo, acrescenta:

(...) " Em termos de escola, propôs-se ao professor de origem cabo-verdiana cujpo português muitas vezes era mescalado com termos de crioulo, dar-lhe apoio destacando para a escola militares habilitados" (p. 10). A proposta foi aceite, sendo "essa colaboração extremamente benéfica em termos de aproveitamento escolar"... A adesão foi "entusiástica" por parte dos nulitares, ajudando-os a ocupar os seus tempos libres e sair da rotina,

Quanto à "enfermaria". o comandante do destacamento propôs ao comando da companahia (a 3ª CCaç , sediada em Nova Lamego) que o médico se disponibilizasse para atender também a população local. Em geral, ele visitava regularmente o destacamento, ou seja, de quinze em quinze dias. O médico [, julgo que o ten mil médico António Sancho, mais tarde conhecido cirurgião plástico...] acolheu a ideia de bom grado e a extensão da cobertua médica à população contribuiu também para "o ótimo clima de relacionamento que a breve trecho se estabeleceu entre a população e os militares" (p. 10).

Jorge Ferreira não nos diz quem era o enfermeiro nem identifica o professor, que só sabemos que era, no final de 1961 / princípios de 1962, de origem cabo-verdiana. (Em Bambadinca, era uma professora, também de origem cabo-verdiana, a dona Violete da Silva Aires).

Pergunta:  o enfermeiro não deveria ser guineense, Cirilo de seu nome ? E o professor não seria o Timóteo Costa, autor da carta que a seguir se reproduz ? 

De acordo com o tratamento do documento, que faz parte do Arquivo Amílcar Cabral, Timóteo Costa, acabado de colocar em Buruntuma como professor [do ensino primário], escreve a um seu contacto [Marcelo de Almeida, membro do PAIGC, cabo-verdiano, próximo de Amílcar Cabral nesta época, 1961; era delegado do PAIGC em Koundara ], a quem trata afetuosamente por "amigo e irmão africano", e dando-lhe a seguinte informação:

(i) acaba de chegar a Buruntuma, vindo  de Bissau, há 12 dias;

(ii) dá notícias do seu "ilustre amigo Cirilo", enfermeiro;

(iii) incentiva [, o destinatário,] a "trabalha[r] que nós também estamos a fazer o mesmo para um bom futuro e feliz progresso do filho africano";

(iv) dá um recado do Cirilo, transmitido em linguagem algo hermética [, tudo indicando que o Cirilo faz trabalho político em Buruntuma, sendo por isso um militante do PAIGC];

E o Timóteo Costa termina dizendo, "cá me encontro como professor em Buruntuma, portanto podes contar comigo em todos os momentos"...

O que lhes terá acontecido, a um e a outro ? Não há mais rasto deles,,, no Arquivo Amílcar Cabral
e o Jorge Ferreira ceghou a conhecê-los e lideou com eles ? Trata-se de um documento interessante, que ilustra o trabalho de sapa que Amílcar Cabral e o seu partido estavam a fazer, a partir de Conacri, apesar da forte repressão exercida pela PIDE e demais autoridades portuguesas.

Não encontramos rasto deste Timóteo Costa. Ao telefone, o Jorge Ferreira diz que se lembra bem do enfemeiro Cirilo mas que o professor Timóteo Costa pode já não ser do seu tempo... Em todo o caso, prometeu tirar dúvidascom o ex-fur mil cav Mário Magalhães.

De acordo com as regras editoriais do nosso blogue, estas referências ao Cirilo e ao Timóteo Costa, pessoas que podem estar vivas, não implicam qualquer juízo de valor. Tanto a escola primária como o posto de enfermaria de Buruntuma eram mantidos pela administração da província. Os factos aqui relatados são hoje públicos. Mas a nossa interpretação pode estra enviesada por falta de "contraditório". O documento que reproduzidos, do Arquivo Amílcar Cabral, é único, não há mais mensagens eventualmente trocadas por Timóteo Costa com Marcelo de Almeida, representante do PAIGC em Koundara, envolvendo o nome do enfermeiro Ciriilo. Também sabemos que havia, no TO da Guiné, "agentes duplos", gente que tanto passava informações para a PIDE como para os movimentos nacionalistas, e em especail para o PAIGC (fundado em 1956, e até 1962, usando a sigla PAI - Partido Africano para a Independência).


2. Transcrição, revisão e fixação de texto (LG): 

Amigo e irmão africano Marcelo:

Tomo hoje a liberdade de lhe fazer [sic] duas linhas, informando que cheguei de Bissau, há já 12 dias, onde tenho notícias cujo termo lhe vou informar quando estiver [? ] dentro da minha normalidade. Isto é, quando tiver quem a levará. Pode ser dentro de já. Cá encontramos dia de eu e seu islustre [sic] amigo Cirilo, enfermeiro, com muito prazer de encontrar. Trabalha que nós também estamos a fazer o mesmo para um bom futuro e feliz progresso do filho africano,

Mudando de assunto, junto lhe dou o recado do senhor Cirilo:

Segue:
-  Enquanto a informação, isto do nosso combinado está correndo na medida do costume. Por hora (sic) não [há] nada de anormal, mas no entanto farei o possível de lhe enviar qualquer motivo dentro de breve. Pode estar sossegado que no sábado lhe enviarei algumas considerações sobre esta política africana.

Cá me encontro como professor em Buruntuma, portanto podes contar comigo em todos os momentos. Sou, Timóteo Costa. 



Documento, manuscrito, de 2 páginas. Transcrição, revisão e fixação de texto: LG





Portal Casa Comum /  Instituição:Fundação Mário Soares

Pasta: 04608.052.187

Assunto: Transmite um recado do enfermeiro Cirilo, que se encontra em Buruntuma como professor, sobre o trabalho em prol da luta de libertação.

Remetente: Timóteo Costa

Destinatário: Marcelo [de Almeida]

Data: 1961

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência recebida 1961 (PAIGC, MPLA, FRELIMO, CONCP, UGEAN)
.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Correspondencia

Arquivo Amílcar Cabral > Correspondência  > 1961

Citação:(1961), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_38633 (2017-3-5)

(Transcrito com a devida vénia)

__________

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14544: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (98): 42 anos depois, recordo-me bem de ti, José Carlos Mussá Biai... Eras o único menino no Xime com nome cristão, e eu dormia no mesmo quarto do teu professor, o fur enf Osório (António Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 12, Xime, 1973/74)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Xime > Posto Escolar Militar nº 8 > 1972 > "Alunos participando na cerimónia do içar da Bandeira Nacional em  10 de junho de 1972 (,s egundo creio).  Ao centro o professor da Escola de Mansambo [?], presente a convite do camarada Carvalhido da Ponte". [Um dos miúdos era o José Carlso Mussá Bai, hoje engenheiro silvicultor a trabalhar e a viver em Lisboa] (*)

Foto ( legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: M.R.)


1. Mensagem de António Duarte, com data de 28 do corrente, enviada ao José Carlos Mussá Biai (**),  com conhecimento aos editores: 


[foto à esquerda: António Duarte, ex-fur mil da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972; economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola]

Boa tarde,  José Carlos.

Andava para te escrever, mas tenho adiado.

Agora a propósito desta discussão levantada pelo Luís Graça (***), vejo referência ao teu nome, pelo que opto por te escrever este email.

Quero dizer-te que estive na CCaç 12, em 1973,  no Xime,  e como dormia no mesmo quarto do teu professor, o Furriel  Enfermeiro da CCaç 12,  de nome Osório, recordo-me bem de ti, ainda pequenito ires espreitar à janela para o chamares.

O curioso era o facto de tu seres o único menino no Xime que tinha nome cristão, razão pela qual é fácil recordar-me, apesar dos já 42 anos de distância e dos meus 64 longos anos de idade.

Fico extremamente feliz por constatar que hoje és um homem de vida organizada e de bem com o mundo.

Abraço de fraternidade e tudo de bom para ti e para os teus. (****)

António Duarte

________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de outubro de  2014 > Guiné 63/734 - P13812: Memória dos lugares (277): Os meninos do Xime do tempo da CART 3494 - O caso de José Carlos Mussá Biai (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 10 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P16: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)

(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Setor L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole [julho de 1969/março de 1971].

Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu [, em 1/12/1973]. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.

(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, o PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo [, em novembro de 1972], o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa. (...)

(***) Vd. poste de 28 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14535: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXIII: dezembro de 1973: flagelação do Xime, com foguetões 122 mm: sete mortos civis

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13844: (Ex)citações (246): Encontros imediatos do 3º grau... Eu e o roqueteiro, cubano, de Ponta Varela, na véspera de ir de férias para Lisboa... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime, 1972/74)


Guiné > Bissau > Aeroporto de Bissalanca > 5 de fevereiro de 1973 > O Jorge, depois de um encontro imediato do 3º grau... "Momento de descontração, antes do embarque na TAP para gozo do segundo período de trinta e cinco dias de férias. A mala vermelha, outra companheira que me acompanhou durante o serviço militar de três anos, está hoje cheia de histórias e de memórias". (JA)

Foto: © Jorge Araújo (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

1. No dia 30 de outubro passado, mandei ao Jorge Araújo a seguinte mensagem:


Jorge: Antes de mais, e falando do futuro: boa continuação dos teus altos estudos...

Voltando ao passado, dá uma vista de olhos a este poste com mais um capítulo da história do BART 3873 (*)... Onde se fala em: (i) "desmoralização" da CART 3494, explorada pelo IN em Mansambo; e ainda de (ii) cubanos na Ponta Varela...

Ouvi dizer (, o Espírito Santo de orelha,) que tiveste um encontro imediato do 3º grau com um destes "revolucionários internacionalistas"... Es verdad ?

Bj para  tua senhora doutora. Um abraço fraterno para ti, Luis

PS - Vou abrir uma série "Postos Escolares Militares"... Excelente o teu álbum... Dei um "retoque" às fotos, como deves ter reparado... Ob


2. Resposta imediata do Jorge:


Caro Luís; Quanto aos estudos (actividade académica), estou a precisar de reforma (...)

Relativamente ao assunto mais polémico... si, es verdad...

O último texto que te enviei (...), com o título «A Actividade Operacional da CART 3494...» (**), relata a minha última missão no Xime [, antes de irmos para Mansambio] , ocorrida em 3 de fevereiro de 1973.

Como podes confirmar, refiro que estive frente a frente com um elemento IN. Não está explicito (não podia estar) o desenvolvimento da "coisa", mas de certo modo está implícito. Quando dei de caras com ele, hesitei, pois a cor da pele era semelhante à minha. Deixei de ter dúvidas quando tomei consciência do modelo de camuflado e da arma (RPG7). Depois... aconteceu!

Deste episódio, decidiu o cmdt do BART [3873] dar-me um louvor, que consta na minha caderneta  militar, com todos os detalhes, mas sem fazer referência às origens do IN, nem tampouco me informaram ou consultaram, uma vez que estava de férias em Lisboa. Depois, o meu louvor foi atribuído pelo Brigadeiro, comandante militar.

Por isso, quando na HU, do mês de abril, se refere a presença de cubanos em Ponta Varela, já eu tinha confirmado tal... em 3 de fevereiro de 1973. Mais detalhes... é só pedires. (...)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime >  CART 3494 (1972/73) > Os segredos das matas...

Foto: © Jorge Araújoi (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


 3. Transcrição do relato desse encontro imediato do 3º grau (**)

(...) A Acção Guarida 18 –– Xime, 3 de fevereiro de 1973: a minha última missão, entre a Ponta Varela e Lisboa

Reza o documento dactilografado da História da Unidade [BART 3873], no 10.º fascículo, fevereiro de 1973, ponto 74 (...) o seguinte:

(...) “Acção Guarida 18,  de 030500 a 031130 com patrulhamento, emboscada e montagem de armadilhas na região de Pta Varela. Intervieram 03 Gr Comb da CCAÇ 12 e 03 (-) da CART 3494. O IN teve 02 mortos e 01 ferido confirmados e as NT 01 ferido ligeiro” (...)

O que seguidamente se relata traduz a verdade dos factos vividos na primeira pessoa, e é nessa qualidade que tomei a iniciativa de os tornar públicos, com o objectivo de ampliar os elementos historiográficos da minha CART 3494 / BART 3873.

Tomei conhecimento desta (...) operação na véspera, dia 2 de fevereiro de 1973, 6.ª feira, de modo informal (...), directamente do meu  Cmdt de Companhia. Registei a informação e,  na sequência do diálogo que estabelecemos,  recordei-lhe que tinha sido combinado entre nós que pela manhã do dia seguinte, sábado, seguiria para Bafatá com o objectivo de apanhar transporte aéreo para Bissau e depois para Lisboa, esta viagem agendada para o dia 5 (...) , data do início do meu segundo período de férias.

Entretanto, para minimizar eventuais prejuízos que pudessem vir a ocorrer por redução do tempo útil até ao embarque para Lisboa, foi acertado novo compromisso. Este sugeria que antes do início da operação, deixasse tudo preparado com “mala feita” para que, após a sua conclusão, seguisse de imediato para Bafatá ainda a tempo de se concretizar o plano anterior. E foi isto o que veio a acontecer.

No sábado de madrugada, dia 3 (...), do aquartelamento do Xime saiu uma força mista de cerca de cento e trinta militares, entre guineenses e continentais, operacionais da CCAÇ 12 e CART 3494 (,,,)

(...) Em determinado momento do itinerário utilizado pelas NT, na zona da Ponta Varela, na parte inferior (sopé) de um terreno com declive acentuado, avistei um elemento do PAIGC, com farda escura, vagueando por ali aleatoriamente. Ainda lhe fiz sinal do cimo do declive mas não sei se me viu, uma vez que a progressão continuava o seu curso… e ele por lá ficou.

Com este facto na memória, e sem certezas quanto ao que deveria ter feito e não fizera, eis que,  percorrida uma vintena de metros (. mais ou menos), ao contornar uma zona de vegetação com passagem por uma clareira, aqui fiquei diante de um outro vulto humano, de camuflado amarelado e portador de um RPG7. 

Ficámos frente a frente a uma distância a rondar os dez metros, havendo ainda tempo para trocarmos olhares, num lapso de tempo que não é possível contabilizar, mas que impunha uma decisão pronta. Ao meu primeiro sinal [tiro] iniciou-se o «jogo de sobrevivência» que caracteriza estes contextos, e de que o episódio anterior me tinha servido de alerta.

Ao ficar sem munições naquela situação [na clareira] ou devido à arma ter-se encravado (?!) [não houve oportunidade para saber a verdadeira razão], procurei proteger-me atrás de uma árvore ali próxima para trocar de carregador, tendo-me caído nas costas, alguns segundos depois, um pequeno tronco dessa árvore, mas sem consequências físicas para além do natural susto. À minha frente, mas próximo da vegetação, o cabo Miranda, especialista de dilagramas, contemplava os acontecimentos em perfeito estado hipnótico [?], pois não saiu da sua posição vertical enquanto decorreu o combate.

A vida na guerra tem destas coisas. Chegado ao aquartelamento, são e salvo, dei cumprimento ao plano pré-definido, seguindo para Bafatá e depois para Bissau, onde pernoitei.  No dia 5 de fevereiro de 1973, lá estava eu no Aeroporto de Bissalanca (...), aguardando, ansiosamente, por outro momento pleno de significado: gozar o segundo período de férias em Lisboa, até ao dia 10 de março de 1973, em família. Era a última etapa do itinerário iniciado na Ponta Varela (Xime) e concluído em Lisboa, quarenta e oito horas depois. (...). (***)



domingo, 2 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13837: Postes Escolares Militares (2): Com os meus camaradas já no Puto, fui destacado para fazer exames da 4ª classe, em Mansabá, a soldados metropolitanos... Ao chegar, sem arma, apanhei logo um forte ataque IN... No dia seguinte, deixei passar metade dos examinandos... (Paulo Salgado, ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; professor primário, administrador hospitalar, cooperante)



Guiné > Região do Oio > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) > O alf mil op esp Paulo Salgado... Embora essencialmente operacional,  não se coibia de dar uma mãozinha quer no posto sanitário quer na educação de adultos.

Na foto acima, vemo-lo, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho. Professor primário, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde. E particular motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade. Irei encontrá-lo, mais tarde, em 1982 em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública. Mas só depois da criação do blogue, é que demos conta, por volta de setembro de 2005,  que éramos também "camaradas da Guiné" e tínhamos uma "paixão comum por África"...

O Paulo (e a sua inseparável companheira, a Conceição Salgado, economista, também ela nossa grã-tabanqueira, tal como a filha de ambos, doutorada em biologia, investigadora no Reino Unido,  Paula Salgado) vive neste  momento entre Vila Nova de Gaia e Luanda.

O casal (o Paulo e a São) regressam a Luanda neste domingo,   à sua suite, na baía de Luanda, na Clínica da Sagrada Esperança. Boa viagem, camarada Paulo, e amiga São! Um kandandu para os nossos amigos comuns!... Vocês são feitos da massa dos portugueses de Quinhentos!...

PS - O Paulo é  nosso grã-tabanqueiro desde a  primeira hora (setembro de 2005) (*).

Foto: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Mensagem do nosso camarada e amigo Paulo Salgado, cada vez mais angolano, sem perder as suas raízes transmontanas e muito menos a alma lusa:


De: Paulo Salgado

Data: 20 de Outubro de 2014 às 07:39

Assunto: Aprender a ler (**)...


Meu Caro Luís,

Grande Tertuliano,


Havia dois professores na companhia: o furriel Carvalho (enfermeiro) que dava aulas aos camaradas, e eu, menos disponível, dava uma ajuda.

O manual era o quadro preto com invenções nossas e os livros usados pelos tugas por esse "império" mal construído...eram os do  Continente...como poderíamos fazer de outra maneira?

Mas uma história que penso ter contado: a companhia estava já no puto [, metrópole,] e este modesto escriba e mestre-escola foi destacado para fazer exames da 4.ª classe em Mansabá para onde foi transportado de propósito. 

Nesse dia, ao entardecer, um forte ataque do IN e...para onde ir...? No dia seguinte, ao ditado - que fazia parte do exame - reparei que ao primeiro parágrafo cada palavra seu erro; solução: cópia...

Lá passaram mais de metade para, ao menos escreverem, sem interposto camarada, o aerograma à mulher, à noiva, à madrinha de guerra. E para "tirar" a carta de condução...

No final de dois dias, lá vim de coluna, sem arma, com a farda n.º 2...sem qualquer emboscada.

Saudação tertuliana

Paulo Salgado

 NOTA: No mato, os livros utilizados pelos professores do PAIGC de Cabral eram didáctica e pedagogicamente mais correctos e apelativos...Eles ensinavam o português...Sou testemunha.



Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > s/l > Uma escola algures numa "região libertada". Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. Tudo indica que tenha sido tirada na Guiné-Conacri, numa base de rectaguarda do PAIGC, talvez Boké, ou mais provavelmente na própria capital, Conacri, onde havia desde Março de 1965 uma escola-internato para os filhos dos militantes, dirigentes e guerrilheiros.

Fonte / Source: Nordic Africa Institute (NAI).  Foto / photo: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI / courtesy of NAI) (Edição / Edited by LG]



Guiné-Bissau > PAIGC > s/l> s/d> Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro,  2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB..

[Wretmans Boktryckeri AB era um tipografia, fundada em 1889, por Harald Wretmans, tipógrafo com formação alemã, e que  faliu em 1973, depois de ter passado por várias mãos, e de ter 40 funcionários na década de 1940. Tinha fama de apresentar boas encadernações.]

Foto: Fotógrafo desconhecido. [Imagem reproduzida e editada por LG, a partir de um exemplar gentilmente disponibilizado pelo nosso camarada Paulo Santiago].

Imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014). [Edição: LG]




PAIGC > Imagem do livro da 1ª classe, também editado em 1970, impresso e encadernado pela Wretmans Boktryckeri AB, Uppsala, Suécia.  Exemplar apreendido em 1973, no Cantanhez. numa operação "para lá do bolanha de Cafal " (Cortesia de Manuel Maia).
2. Comentário de L.G.:

No interior da Guiné, no "mato", nas "regiões libertadas", não havia estruturas, escolas, hospitais ou outros equipamentos sociais, de pedra e cal... Pela simples razão, que eram um alvo fácil para a aviação portuguesa, bem como para a artilharia e forças terrestres (que continuaram sempre a ir a todo o lado, com maior ou menor resistência dos guerrilheiros). Por outro lado,  eram difíceis os caminhos que levavam às bases de retaguarda, na Guiné-Conacri (e mais tarde, no Senegal). 

Além disso, sabemos que eram duríssimas as condições de vida e de trabalho tanto das populações controladas pelo PAIGC como dos guerrilheiros... [Por exemplo, no interior da Guiné, na zona leste, no setor L1, que eu conheci  bem, enquanto graduado da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71]....

 A propaganda para consumo essencialmente externo, contava outra história, orientada para a heroicização dos combatentes da liberdade da pátria, homens e mulheres, quer na retaguarda quer na frente... Acontece isso em todos os movimentos revolucionários. O PAIGC, de inspiração marxista-leninista, não fugia à regra. Por seu turno, Amílcar Cabral era um líder carismático e um homem sedutor, a par de um hábil diplomata,  tendo conseguido um importante capital de confiança em países nórdicos como a Suécia onde eram impressos, por exemplo, os manuais escolares do PAIGC, pelo menos os livros da 1ª e 2ª classes, ainda antes da independência...  Depois os nórdicos cansaram-se da Guiné-Bissau,,, contrariamente aos portugueses, pelo menos a alguns portugueses como nós... (LG)

________________

Notas do editor:

(*) 18 de setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P175: Tabanca Grande: Paulo Salgado, ex-Alf. Mil. da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)

(...) Penso que nos cruzámos na Escola Nacional de Saúde Pública,  por volta de 1982... Do outro lado da mesa [estava] o assistente, e deste lado o aluno de Administração Hospitalar. Foi assim, não foi?

Mas nunca tivemos OPORTUNIDADE DE conversar ... o raio do peso institucional... da Escola. Vou gostar de participar neste blogue.

Fiz a minha comissão no Olossato e Nhacra entre Abril de 1970 e Março de 1972.

Fiz uma segunda comissão em 1990/92, como cooperante na área da saúde. Matei fantasmas; chorei no Olossato; ri-me com as crianças que rodearam a minha viatura; revisitei o Suleiman que me reconheceu passados vinte anos!!! E depois vieram alguns homens grandes...e imensos...

Tenho ido várias vezes a Bissau desde 1996 - os amigos que tenho feito...! As desilusões que tenho sentido da parte dos guineenses. Mas também a esperança. Irei fazer outra comissão de um ano, dentro de poucos dias...! Loucura? Utopia? Talvez. (...)



(...) Aqueles de nós que foram professores primários, nos postos militares escolares, como o Carvalhido da Ponte (Xime), o Manuel Amaro (Aldeia Formosa) ou o Manuel Joaquim (Bissorã), podem falar, com propriedade e autoridade, sobre as dificuldades, perplexidades mas também sobre o prazer de ensinar, com o eventual apoio dos nossos velhos manuais escolares ou de outros textos (que eu desconheço se havia outros manuais na Guiné), a língua, a cultura e a história portuguesa aos putos das tabancas guineenses... É que nos nossos manuais bem sequer havia uma simples imagem com a cara do "pretinho da Guiné"... (...)

sábado, 1 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13832: Postos escolares militares (1): Alunos, mestres e manuais... (Jorge Araújo / Hélder Sousa / J. C. Mussá Biai / Cherno Baldé / José Câmara)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CSS/BCAÇ 3872 (1972/74) > "O mestre-escola [, o Joaquim Guimarães, ] mais o burro [, o Augusto, ] e o Mamadu Djaló, em 1972, em Galomaro, sede do batalhão. (*)...Burro, asno, jumento, jerico, cujo berço foi a nossa África Mãe, Equus africanus asinus, segundo a nomencolatura trinomial de Lineu (1758)... Mas também "besta de carga", desde há pelo menos 5 mil anos a.C. quando o seu ancestral selvagem foi domesticado, tal como o cavalo... Mas na escolinha do nosso tempo punham-se "orelhas de burro" aos mais atrasados  da classe... Pobre bicho, hoje em perigo de extinção...



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 (Galomaro) > Saltinho > CCAÇ 3490 (1972/74) > "Os professores dos Postos Escolares do Saltinho". [O Joaquim Guimarães é o terceiro a contar da esquerda; de seu nome completo, Joaquim Fernando da Silva Guimarães. ex-soldado nº 108261-7, pertenceu ao BCAÇ 3872 e vive hoje nos EUA; já há muito que não temos notícias dele].

Fotos (e legendas): © Joaquim Guimarães (2007). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (1972/74) Posto Escolar Militar (PEM) nº 14  (***) > 1972 > Alunos da Escola Primária. (**)


Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição de LG]




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Candamã, aldeia (tabamca) em autodefesa do regulado de Corubal que a guerra despovoou > Um improvisado Posto Escolar Militar ?. Do lado esquerdo, ao alto, numa árvore, está afixado um cartaz de propaganda das NT: "Juntos venceremos". Sob a bandeira das quinas, duas mãos (uma branca e outra preta) apertam-se... Foto do álbum do ex-alf mil Torcato Mendonça > Fotos Falantes IV. (***)

Foto: © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem; LG]



Guiné > Zona leste > região de Bafatá > Fajonquito > "O meu irmão Carlos (2 anos mais velho, hoje farmacêutico, formado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Técnica de Lisboa), durante a alocução por ocasião do dia 10 de Junho de 1971, Dia de Portugal e de Camões, na escola primária de Fajonquito. Na imagem estão dois oficiais da companhia do Cap Figueiredo (CART 2742), um dos quais, o Alferes Félix encontrou a morte no mesmo dia que o seu Capitão". Foto do álbum do Cherno Baldé.(****)

[Meu caro Cherno: durante o Estado Novo, e até ao 25 de abril, era o feriado nacional do 10 de junho, o "Dia de Portugal, de Camões e da Raça"... Depois substituímos o politica e cientificamente incorreto termo "Raça" por "Comunidades Portuguesas"...Hoje é o "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas"... LG]

Foto: © Cherno Baldé  (2012). Todos os direitos reservados [Edição; LG]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael >  Posto Escolar Militar n.º 23 (PEM nº 23, Gadamael)  > Frequentaram as aulas da instrução primária algumas dezenas de jovens alunos (também alguns adultos da população). Não era fácil dar aulas a muitos que não falavam português (nem em crioulo se exprimiam), mas registaram-se muitos casos de bom aproveitamento, com conclusão da 4.ª classe . Foto do álbum do nosso saudoso camarada Daniel Matos (1950-2011) que foi fur mil,  CCaç 3518, Gadamael, 1971/74). (*****)

Foto (e legenda):  © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição ; LG]


1. Vamos iniciar uma  nova série ("Postos Escolares Militares"), com a publicação de cinco comentários ao poste P13812, subscrito pelo Jorge Araújo (*). Esperamos os contributos de todos os camaradas que foram professores ou monitores nas PEM... Afinal, mais do que a espada e a cruz, preocupamo-nos com a transmissão da língua portuguesa, veículo de identidade nacional da Guiné-Bissau... 

A língua do Padre António Vieira, de Fernando Pessoa, de Amílcar Cabral, de Carlos Lopes, de Siza Vieira, de Paula Rego, de Mia Couto, de Paulina Chiziane, de Ondjaki, de Ana Paula Tavares, de António Houaiss, de Cecília Meireles, de Xanana Gusmão, de Cesária Évora e de mais 255 milhões de homens e mulheres lusófonos espalhados pelo mundo, incluindo a malta da Tabanca Grande, o Hélder, o Jorge, o Cherno, o Zé Carlos, o Luís, o José Câmara, o Torcato, o Daniel, o Guimarães... Temos em comum um "poilão" sob o qual nos abrigamos, e à volta do qual comunicamos, e que é a língua... portuguesa. (LG)


 
Helder Sousa
(i) Hélder Sousa
 

Caro Jorge Araújo

Já estou habituado ao rigor e seriedade com que costumas pautar os teus trabalhos. Sejam eles os mais dramáticos como os que relataste das emboscadas sofridas, sejam alguns aspectos mais ligeiros.

Desta vez a 'pancada' deu-te forte ao descobrires uma ponta de ligação ao teu passado. Sim, porque isso é história, faz parte de ti, do todo que és e foste.

Esta dupla homenagem que fazes, ao José Carlos [Mussá Biai] e ao Carvalhido da Ponte, é fruto dessa tua sensibilidade para perceberes o que é verdadeiramente importante, a amizade, o reconhecimento, a vitória daquilo que dizes que te aconteceu quando percebeste que mais do que o "EU" o que era realmente duradouro seria a partilha com o "OUTRO".

Está aqui um bom trabalho. Oxalá, e acredito que sim, que se atinja o objectivo.

Abraço, Hélder S.

 (ii) Luís Graça
Luís Graça, em Candoz, 2011


 Aqueles de nós que foram professores primários, nos postos militares escolares, como o Carvalhido da Ponte (Xime), o Manuel Amaro (Aldeia Formosa) ou o Manuel Joaquim (Bissorã), podem falar, com propriedade e autoridade, sobre as dificuldades, perplexidades mas também sobre o prazer de ensinar, com o eventual apoio dos nossos velhos manuais escolares ou de outros textos (que eu desconheço se havia outros manuais na Guiné), a língua, a cultura e a história portuguesa aos putos das tabancas guineenses... É que nos nossos manuais bem sequer havia uma simples imagem com a cara do "pretinho da Guiné"...

Imagino que não fosse fácil ao Carvalhido da Ponte explicar ao José Carlos Mussá Biai, mandinga e muçulmano, do Xime, que nunca tinha sido da sua tabanca, o que era a pátria, ou significado da bandeira nacional, ou letra do nosso hino, ou a diferença entre um minhoto e um algarvio...

Ou ainda explicar as lendas das mouras encantadas do nosso romanceiro popular. Ou a conquista de Lisboa aos mouros. Ou ainda a lenda do Infante Santo... Muito menos as guerras de religião, no passado, entre cristãos e mouros...

Em todo o caso, o mais importante é que o José Carlos Mussá tenha aprendido a ler escrever, graças ao posta escolar militar do Xime, e a tenha chegado à universidade, sendo engenheiro florestal, se não erro. E trabalhando e vivendo em Portugal, como português e sem nunca esquecer as sua raízes guineenses.


Xime, PEM 14, 1972
(iii) José Carlos Mussá Biai

Olá. Luís,

Ao contrário que possa imaginar, quando andava na primária, sabiamos mais da metrópole, Angola e Moçambique do que da Guiné.

Os nomes dos rios, linhas de caminho de ferro, regiões e conquistas portuguesas, não havia nada que não era ensinado. O hino e a bandeira que era hasteada todos os dias não podiam faltar.

Quanto aos manuais, não me recordo bem, mas acho que nos de 1973 já vinham, como disse com o "pretinho da Guiné" (risos...).

Tenho uma vaga ideia de ter visto o Capitão João Bacar Djaló bem fardado. Mas o curioso é que nunca esqueci as letras do hino da metrópole sem nunca ter aprendido o hino da Guiné "independente".

Mas, são coisas de mininos. Quando acabou a guerra,  eu já tinha a 4ª classe feita e no preparatório não se ensinava o hino...

Um abraço, José C. Mussá Biai



Portugal. Ministério da Educação Nacional. Ensino Primário Elementar  - Livro de Leitura Segunda Classe. 5ª edição. Porto:  Editora Educação Nacional, de Adolfo Machado, 1958, 140 pp, capa dura. Dimensões: 17 x 22 x 1,5 cm. [Cortesia de Loja A Vida Portuguesa].... [Adorei este livrinho: foi ele que me ensinou a ler, escrever e contar... LG]. 


Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho , 1970/72)... [Afinal, em português nos entende(re)mos,,, LG].



Cherno Baldé, estudante

Kichinev, Moldavia, 
dezembro de 1985
(iv) Cherno Baldé:

Caro Luís Graça e amigos,

O Carlos Mussa diz "...Hino da Metropole...", errado.

O Hino a que se refere não era da metrópole, mas sim de Portugal e, na altura, éramos todos portugueses, de facto ou de jure.

Ainda em 1972 o meu irmão mais velho que veio a Bissau para prosseguir os seus estudos, já tinha o seu Bilhete de Identidade de cidadão português.

Acho que os manuais do ensino primário, na altura, eram iguais para as Provincias ultramarinas e não me recordo de ter visto a cara de nenhum "pretinho da Guiné".

Tal como o Carlos Mussá refere, tambem sabia entoar o Hino de Portugal da mesma forma que a partir de Setembro 1974 já entoava o novo Hino da Guiné-Bissau, cada qual o mais aguerrido e heróico que o outro, umas tretas.

Com abraço, amigos, Cherno Baldé

José Câmara
(,hoje, nos EUA)

(v) José Câmara:

Meus amigos,

Nós, os meninos açorianos e madeirenses, aprendemos por cartilhas iguais aqui referenciadas pelo Luís Graça. Até deu para não nos perdermos durante a nossa descoberta do caminho marítimo para a Guiné. Bem bom!

O que importa é que o José Carlos aprendeu connosco e depois, por si, conseguiu ir mais longe nos seus estudos. Hoje põe o que aprendeu ao serviço das populações em que está inserido. E nós fazemos parte dessa comunidade.

Cumprimentos, José Câmara,
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Guiné 63/734 - P13812: Memória dos lugares (277): Os meninos do Xime do tempo da CART 3494 - O caso de José Carlos Mussá Biai (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 24 de Setembro de 2014:


Caríssimo Camarada Luís Graça,



Os meus melhores cumprimentos.

Sei, pelo que li, que a história de vida do nosso amigo e grã-tabanqueiro José Carlos Mussá Biai te sensibilizou particularmente. A mim… igualmente, relevando, aqui e agora, o valor positivo das influências do meu/nosso camarada Carvalhido da Ponte exercidas neste contexto, e que se traduzem num sentimento do dever cumprido.

Procurando ajudá-lo na reconstituição/reconstrução das suas memórias de infância vividas connosco na sua terra natal – o Xime –, local onde permanecemos mais de um ano, e onde, com toda a certeza, nos cruzamos muitas vezes, ora nos espaços da Escola, do Aquartelamento e da sua Tabanca, eis o meu pequeno contributo para esse efeito.


OS MENINOS DO XIME DO TEMPO DA CART 3494
- O caso de José Carlos Mussá Biai -

1.INTRODUÇÃO

Muito provavelmente o nome de José Carlos Mussá Biai é já familiar a um grupo significativo de camaradas grã-tabanqueiros, em particular os que, por tradição ou rotina, acompanham a publicação dos textos e imagens [postes] referentes a factos e missões que marcaram aqueles dois anos das nossas vidas no CTIG. Por outro lado, estes contributos individuais, que vão chegando ao blogue diariamente, constituem uma forma original da cultura,  pois permitem continuar o aprofundamento do universo fenomenológico dos vários contextos e da sua historiografia.

Porque não me é possível fazer parte desse grupo mais assíduo, naturalmente por outros afazeres sociais e compromissos profissionais, penitencio-me por só agora ter tido conhecimento da existência do cidadão e amigo José Carlos Mussá Biai, membro da nossa TABANCA GRANDE, bem como de parte do seu processo/projecto de vida que, a exemplo de outras opiniões [P10907 - P10919], também me sensibilizaram, pelo que tomei a iniciativa de escrever estas singelas linhas a seu respeito… e, igualmente, a ele dirigidas.

E o modo como chegámos à sua pessoa é simples de relatar.

No blogue da CART 3494 & camaradas da Guiné, ao longo da coluna da direita, por ordem alfabética, estão indicadas todas as etiquetas referentes aos diversos temas e/ou os nomes dos seus autores. Tentando localizar a minha na letra “J” [Jorge Araújo], eis que os meus olhos se fixaram, duas linhas abaixo, no nome de José Carlos Mussá Biai, por ter sido a primeira vez que o líamos.

Cliquei no seu nome por curiosidade e logo o título «No Xime também havia crianças felizes» suscitou a minha melhor atenção. Em primeiro lugar, o Xime, por ter sido o primeiro destino do contingente metropolitano da CART 3494 e onde durante treze meses [1972/73] vivi/vivemos situações dramáticas e experiências únicas nos sítios conhecidos por “Ponta Varela”, “Poindon”,e “Ponta Coli” ou, ainda no “Rio Geba“, tendo o Macaréu como a sua maior armadilha. Em segundo, porque foi no Xime que reforcei a consciência de que o «EU» só é importante se lhe adicionarmos o «OUTRO». Em terceiro, a que criança ou crianças se estavam a referir no texto?

Essa primeira referência [P167, de 03Jan2013] remetia-nos para outras inseridas no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Então saltitei entre ambos no sentido de ficar actualizado quanto aos conteúdos narrados, com o início a verificar-se há oito anos, mais concretamente em 9 Maio de 2005 [P5591].

Assim, o José Carlos, ainda criança no tempo da minha/nossa presença na terra que o viu nascer – o XIME – tinha, então, nove e eu vinte e um anos.

De tudo o que li retive as cinco ideias abaixo:

1. –As companhias que marcaram a sua infância foram a CART 2715 e a CART 3494.

2. – Uma pessoa ficou na sua memória para sempre por ter sido o seu professor na única escola que lá havia: a PEM (Posto Escolar Militar) n.º 8, poro [os] ter ajudado a serem crianças felizes. Essa pessoa chama-se José Luís Carvalhido da Ponte [ex-Furriel Enfermeiro, da CART 3494], natural de Viana do Castelo.

3. – Por ter ficado emocionado com as primeiras fotos que viu da sua terra e das suas gentes. Os locais onde brincou e onde deu alguns mergulhos. As pessoas que o viram nascer, que cuidaram de si e com quem partilhou refeições, angústias e alegrias, em particular os seus irmãos mais velhos.

4. – Depois de um percurso académico na Guiné-Bissau, primeiro como aluno e depois como docente em Bissau, rumou a Lisboa, onde concluiu a sua formação superior em Engenharia Florestal.

5. – Vive e trabalha em Portugal.

Em função destes cinco pontos principais, e porque certamente não existem muitos testemunhos fotográficos dessa época, uma forma de satisfazer o desejo de quem fez parte, também, do meu/nosso quotidiano, foi possível recuperar alguns registos do meu arquivo de memórias do Xime, gravadas há mais de quarenta anos, e fazer uma viagem de retorno às origens, nomeadamente à sua escola primária, a adultos e a crianças do seu tempo, na expectativa de poder identificar algum parente, e quem sabe, se o próprio José Carlos.

2.POSTO ESCOLAR MILITAR N.º 8 - XIME

As fotos que seguidamente se apresentam dizem respeito a uma cerimónia oficial levada a cabo pelo PEM n.º 8, sob a supervisão do camarada Carvalhido da Ponte, e onde também participámos.Não estando certo do motivo da sua realização, creio tratar-se da Sessão Solene Comemorativa do 10 de Junho de 1972.

Foto 1 – Escola Primária do Xime - 1972 –Da direita para a esquerda, representantes da Comunidade Local e os ex-Furriéis: Prof Carvalhido da Ponte [o 1.º Esq.], Sousa Pinto [falecido em 01Abr2012] e José Pacheco [o 1.º Dtª.].
Foto 2 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 3 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM. 
Foto 4 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 5 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM participando na cerimónia do içar da Bandeira Nacional em [creio] 10 de Junho de 1972. Ao centro o professor da Escola de Mansambo [?], presente a convite do camarada Carvalhido da Ponte.

3.FOTOS DIVERSAS DO/NO XIME - 1972


Foto 6 – Tabanca do Xime - 1972 – Grupo de crianças.
Foto 7 – Xime - 1972 – Duas crianças cujo nome não recordo e que amiúde apareciam na Messe de Sargentos, pedindo comida, e que aproveitavam para tomar banho de chuveiro [com água do poço], como foi o caso desta foto [entrada… à esquerda].
Foto 8 – Xime - 1972 – Morança pertença da Fátima [lavadeira]. Ao fundo, de pé, está a sua filha [creio que se chamava Sage]. 
Foto 9 – Xime - 1972 – Grupo de Mulheres Grandes, e algumas crianças, preparando-se para participar numa festa [?]. 
Foto 10 – Xime - 1972 – Grupo de Mulheres Grandes, e algumas crianças, preparando-se para participar numa festa [?]. 
Foto 11 – Xime - 1972 – Dois residentes na Tabanca: o Spínola e a Abi.

Entretanto, nesta oportunidade, penso ser justo homenagear o camarada Carvalhido da Ponte, enviando-lhe os meus Parabéns pelo seu trabalho bem-sucedido na difícil tarefa pedagógica, fazendo-os acompanhar com a publicação de mais uma foto que ele não conhece.

Foto 12 – 1973 – Na foto, cujo local não consigo identificar, estão o Luís Domingues [Fur.Trms], o Carvalhido da Ponte [Fur.Enfº] e eu próprio. Foi tirada por ocasião de uma coluna de reabastecimento ao Xitole e Saltinho, iniciada em Bambadinca e reforçada, a partir de Mansambo, com 2 GC da CART 3494,em Maio/Junho. Esta coluna foi a minha primeira e única experiência do género, uma vez que em Julho transitámos para o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma.

Igualmente, o nosso amigo José Carlos Mussá Biai merece os meus aplausos pelos diversos sucessos contabilizados ao longo da sua vida, lutando, resistindo e superando-se permanentemente, sinal de que a semente era boa e, daí, ter dado muitos e bons frutos. Para ele vão mais duas imagens do Xime com leituras opostas. 
Foto 13 – Xime Dez/1972 – Foto da principal entrada na Tabanca, fronteira com o aquartelamento, a escassos cinquenta metros da Escola. 
Foto 14 – Xime - 2013 - Foto do edifício em ruínas [P173, de 12Abr2013] onde funcionou o PEM n.º 8, tirada no sentido inverso da foto anterior. A diferença temporal entre as duas fotos [13 e 14] corresponde a mais de quatro décadas.


Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição de MR]

Termino, fazendo votos para que tenham gostado de ver mais algumas imagens históricas do Xime, particularmente o nosso amigo José Carlos Mussá Biai.

Pelo exposto, creio que estamos em óptimas condições para voltarmos a conviver mais de perto. Uma possibilidade será através da participação no Encontro/Convívio anual da CART 3494, este ano em XXIX edição, o qual está já agendado para o próximo dia 07 de Junho, no Hotel Mar e Sol, sito em São Pedro de Moel.

Seria, para nós, um momento de grande emoção.

Outra possibilidade mais pessoal, pois estou disponível para o efeito, seria através de um eventual encontro entre nós, Basta acertar a data e o local. 

Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
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Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em: