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domingo, 28 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25454: Notas de leitura (1686): Timor Leste, que já foi lugar de desterro e encarceramento (Luís Graça)


Timor Leste > Com c. 15 mil km2, e mais de 1,3 milhões de habitantes, ocupa a parte oriental da ilha de Timor, mais o enclave de Oecusse e a ilha de  Ataúro. Independente desde 2002, esteve sob a brutal ocupação da Indonésia durante 24 nos.   




Timor Leste > 2005 > A Ilha de Ataúro, vista de Dili >  Foto de Hu Yui. Fonte: Wikipédia (com a devida vénia...)


Nota de leitura > Marisa Ramos Gonçalves: 

«A ilha-prisão de Ataúro durante a ocupação indonésia de Timor-Leste: histórias de encarceramento, resistência e legados contemporâneos»

e-cadernos CES [Online], 37 | 2022, posto online no dia 02 novembro 2022, consultado o 18 abril 2024. URL: http://journals.openedition.org/eces/7084; DOI: https://doi.org/10.4000/eces.7084

Marisa Ramos Gonçalves é investigadora do CES - Centro de Estudos Sociais | Universidade de Coimbra | marisagoncalves@ces.uc.pt

Fez o seu doutoramento, em 2016, na Universidade de Wollongong, Wollongong, Australia.  (Título: “Intergenerational Perceptions of Human Rights in Timor-Leste: Memory, Kultura and Modernity” (Perceções Intergeracionais de Direitos Humanos em Timor Leste: Memória, Cultura e Modernidade).  Tese de Doutoramento em Filosofia, Faculty of Law, Humanities and the Arts, School of Humanities and Social Inquiry, University of Wollongong, Wollongong, Australia.)

 
I. Da leitura deste artigo, interessa-nos, no âmbito do nosso blogue, destacar as referências, que ainda são muito escassas, a esta antiga colónia portuguesa que foi Timor. E mais ainda,  Timor como lugar de desterro e encarceramento, desde o séc. XVIII (quando há notícias dos primeiros desterrados, se bem que nenhum ainda fosse europeu). 

Muitos portugueses sabem da brutal  invasão, ocupação e anexação  de Timor Leste com a consequente tentativa de genocídio do povo maubere,  em finais de 1975, tornando-se o território na 27ª província da Indonésia.

Mas muitos  desconhecem que "durante o período colonial indonésio" (sic),  "os colonizadores usaram a ilha para confinar as famílias de membros da resistência em campos de concentração abertos, mas com vigilância militar apertada. Estima-se que, entre 1980 e 1987, tenham sido presos cerca de 6000 timorenses, tendo algumas pessoas morrido devido à fome e má-nutrição."

Por outro lado, mesmo habituados, desde os bancos da escola, a repetir "ad nauseam" que vivíamos num Portugal, que ia "do Minho a Timor", nós sabíamos muito pouco (e continuamos a não saber) da história e da geografia de Timor e da presença histórica dos portugueses naquela ilha do sudoeste asiático, de resto escassa até ao séc. XIX, circunscrita a alguns pontos no litoral e sobretudo à ação de missionários e militares.

Este artigo centra-se neste período  da invasão, ocupação e anexação indonésai (1975-1999), sobre o qual vamos passar por alto (o leitor interessado tem acesso ao artigo completo) , bem como sobre a parte teórica ( "estado da arte sobre o tema", a colónia penal como sistema carcerário ou concentracionário e as memórias das suas vítimas ),  a parte metodológoca (utilização dos testemunhos das vítimas do conflito e entrevistas de história oral) bem como a bibliografia. 

Interessa-nos recuar até Ataúro do tempo dos portugueses, e nomeadamente nos anos 20/30 do séc. XX.

Vamos citar algumas excertos,  mais extensos,  e elaborar uma primeira nota de leitura deste artigo,  dispensando as referências bibliográficas,  dada as limitações de espaço num blogue como este, dirigido não a académicos e especialistas mas a antigos combatentes das guerras coloniais.


II. Vejamos o resumo do artigo:

(...) "A ilha de Ataúro, situada a norte da capital de Timor-Leste, funcionou como ilha-prisão durante o período colonial português e, de forma mais intensa, a partir dos anos vinte do século passado. 

"Durante o período colonial indonésio (1975-1999), os colonizadores usaram a ilha para confinar famílias de membros da resistência em campos de concentração abertos, onde centenas de pessoas morreram devido à fome e má-nutrição. 

"Partindo de uma análise de entrevistas e de material de arquivo sobre as/os antigas/os deportadas/os em Ataúro no período indonésio, este artigo conclui sobre a relevância da preservação das histórias orais sobre as/os prisioneiras/os, bem como da memorialização das histórias desta ilha. 

"O texto reflete, igualmente, sobre memórias e legados coloniais, partindo da observação de que algumas ilhas da região do Pacífico permanecem territórios considerados depósitos e locais de detenção de pessoas que fogem à repressão e violência de regimes ditatoriais e coloniais." (...)

E aqui fica também o índice do artigo (com os respetivos links), para o leitor que tiver mais tempo e vagar:

Introdução
Conclusão

O  texto integral pode ser aqui descarregado, em formato pdf.  PDF 340k. E pode ser utilizado sob licença CC BY 4.0


III. Insularidade e desterro
 
A autora começa por lembrar que a "insularidade", ao longo do tempo e nos mais diversos lugares, tem sido  um "meio de confinamento natural", adoptado por regimes ditatoriais e coloniais,  para deportar e banir inimigos políticos, muitas vezes "sem direito a julgamento ou condenação formal!"...Mas também presos de delito comum.

Os desterrados (muito mais homens do que mulheres) eram, além disso, uma preciosa  fonte de mão-de-obra nas colónias, em todos os impérios coloniais, a começar pelo Britânico.

No nosso caso, "Timor-Leste integrou, desde o século XVIII, o sistema carcerário do império português" (a par das ilhas atlânticas, bem  como Angola e Moçambique):  para lá,  eram enviados militares e civis,  opositores políticos, mas também prisioneiros de delito comum ("deportados sociais)".

A ilha de Ataúro fez parte deste sistema carcerário  durante os vários  períodos coloniais:  português (1702-1975), indonésio (1975-1999), sem esquecer o curto mas não não menos brutal período de ocupação japonesa (1942-1945).  

(...) "A ilha de Ataúro funcionou como ilha-prisão, em particular nos anos vinte e trinta do século XX, quando foi usada como local de deportação de opositores políticos e prisoneiros de delito comum, denominados deportados sociais" (...)  

Ataúro, sendo uma ilha, a norte de Dili, separada por 25 km de mar, não precisava de arame farpado nem muros. Era difícil, ou quase impossível, escapar.

 Na segunda parte do artigo,  a autora apresenta  uma sucinta introdução histórica da colónia penal de Timor , durante o século XX, "em particular os campos de internamento de deportados políticos e sociais provenientes da metrópole e de outros locais do império,  na ilha de Ataúro e no enclave de Oécussi."  

Mas o objetivo principal do artigo é mostrar "a relevância da memorialização das histórias da ilha de Ataúro, através da preservação das narrativas orais" quer dos prisioneiros quer dos seus  habitantes.
 
IV. Ilhas-prisão – Políticas carcerárias dos impérios à atualidade

Algumas ilhas que hoje aparecem nos cartazes das agências turísticas como "paradisíacas", foram no passado espaços carcerários ou concentracionários, criados  pelos sistemas coloniais.  

Os vários  impérios europeus  fizeram dessas ilhas (em geral tropicais ou subtropicais) lugares de desterrro e encarceramento:
  • a França criou as ilhas-prisão da Nova Caledónia, da Cayennne ou Ilha do Diabo na Guiana, das ilhas Reunião e Côn So’n no Vietname;
  • a Grã-Bretanha fez uso da Tasmânia, na Austrália; 
  • a Holanda,  da ilha Nusakambangan nas Índias Orientais Holandesas, atual Indonésia...

 Havia várias tipologias destes lugares:
  • colónias penais, 
  • colonatos,
  • entrepostos, 
  • colónias agrícolas, etc.

No arquipélago dos Bijagós, havia por exemplo a colónia penal e agrícola da Ilha da Galinhas, criada em 1934 (ou pelo menos já existente nessa data), Em Cabo Verde, foi criado o "campo penal" do Tarrafal (1936-1957), reaberto depois como "campo  de trabalho" de Chão Bom (1961-1974) ...


A investigadora  debruça-se depois sobre a ilha-prisão  de Ataúro como local de deportação e degredo no século XX, e nomeadamente nas décadas de 1920 e 1930,   periodo sobre o qual há "mais dados e estudos académicos".

Ficamos a saber que Timor só obteve o estatuto de distrito autónomo em 1896: dependia originalmente do Estado da Índia (Goa) e, posteriormente, de Macau.

Situado na periferia do império, no sudoeste asiático, era visto "como um espaço insular e longínquo da metrópole e de outros centros administrativos do império, como Goa e Macau".

Ser desterrado para Timor  era, pois,  uma condenação pesadíssima, tanto para civis como para militares.

Em 1897 já existia uma cadeia civil, na comarca de Díli, para presos não- indígenas. Dezasseis anos depois, em 1913, foi criado o Depósito dos Degredados de Timor, que recebia maioritariamente macaenses, que vão representar uma importante força de mão-de-obra.  

 Em 1927, existiam três estabelecimentos prisionais:  o depósito de degredadas de Aileu, a colónial penal de Taibesse e a Cadeia da Comarca, em Díli,  para além de três presídios militares (Aipelo, Batugadé e Baucau) e os “campos de concentração” de Ataúro e Oécussi.

No período de 1927-1931, os deportados portugueses  distribuíam-se por várias colónias do império:
  • S. Tomé e Príncipe (29),
  • Guiné-Bissau (46).
  • Angola (456),
  • Cabo Verde (334),
  • Timor (500)
 
(...) Na ilha de Ataúro e no enclave de Oécussi, os denominados 'campos de concentração', foram considerados 'locais malditos', onde os prisioneiros estavam expostos às chuvas e temperaturas elevadas, com dietas pobres, muitos morrendo de malária e desnutrição" (...)
 
Entre 1927 e 1933, e na sequências das revoltas contra a Ditadura Militar e o Estado Novo, chegaram ao território timorense  algumas centenas de jovens,  socialistas, comunistas e anarcossindicalistas, acusados de serem os principais instigadores e participantes no atentado ao comandante da polícia de Lisboa, João Maria Ferreira do Amaral (1876-1931), alguns por alegadamente pertencerem  à rede bombista "Legião Vermelha", e outros na sequência do movimento revolucionário de 26 de agosto de 1931.

Sabe-se, oor outras fontes, que no ano de 1927, a população europeia de Timor era de 11 ocidentais estrangeiros e 378 portugueses, grande parte funcionários estatais, ou elementos das missões católicas,  além de 155 naturais originários de outras colónias.

Ora entre 1927 e 1933, terão passado por Timor  cerca de 600 deportados, quase o dobro da população civil europeia  ali residente.
 

Houve, entretanto,  uma  amnistia política geral, em 1932, para os vários deportados políticos nas diferentes colónis. A maioria  dos  prisoneiros em Timor regressou à metrópole, mas outros puderam ficar em liberdade no território.  


De fora ficou uma lista dos 50 prisioneiros considerados  “mais perigosos”, bem como os "deportados sociais" (presos de delito comum).

(...) "110 homens deportados originalmente em 1927 ficaram dispersos pelo território, constituindo famílias das quais descendem várias figuras da elite política atual de Timor-Leste.(...)

A ilha de Ataúro continuou a servir de prisão depois da ocupação japonesa de Timor, no pós-guerra. Os presos passaram a ser os timorenses que colaboraram com os ocupantes.

 A talhe de foice refira-se, por fim,  que durante a 
  ocupação indonésia de Timor-Leste " estima-se que entre 100 000-200 000 timorenses tenham perdido a sua vida em resultado do conflito e das políticas repressivas da administração militar indonésia, marcada por massacres, assassinatos de membros da resistência militar e civil, práticas planeadas de deslocação forçada e fome das populações, prisões arbitrárias e tortura." (...) 

Como é dos manuais da guerra contra-subversiva,  o governo de Suharto , através do seu exército invasor e ocupante, procurou retirar o apoio que a população dava às FALINTIL  – Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste, a resistir nas zonas montanhosas, para isso criando "campos de trânsito e internamento para essa população".  E, entre outras medidas repressivas, proibiu o uso da língua portuguesa. (**)

O maior destes campos era o da ilha de Ataúro. (A ilha tem 25 km de extensão por 9 km de largura, cerca 117 km² de superfície, e uma população atualmwnte  à volta de 10 mil habitantes.)

Para saber mais ler: A ilha-prisão de Ataúro no período da ocupação Indonésia
 
 ____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25448: Notas de leitura (1685): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (22) (Mário Beja Santos)
 
(**) "Os 24 anos da ocupação indonésia tornaram o bahasa a língua do ensino e da administração. O português foi banido, e a forma de resistir à total aculturação foi desenvolver a mais disseminada das línguas locais, o tétum. Fê-lo, principalmente, a Igreja Católica, que assumiu o protagonismo da resistência cultural e simbólica.'

"Chegada a independência, há uma geração (todas as pessoas com menos de 30 anos, o que constitui a esmagadora maioria da população) que não fala português. Aprendeu bahasa Indonésia e inglês como segunda língua e fala tétum em casa, além de alguma outra língua timorense, como o fataluco ou o baiqueno. É a chamada geração 'Tim-Tim, do nome Timor-Timur, que os indonésios davam à sua 27.ª província." (...)

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/idioma/portugues-tetum-ou-tetugues/1178 [consultado em 27-04-2024]

quarta-feira, 18 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20747: Memória dos lugares (406): Visita ao Campo do Tarrafal na Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 2018 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de hoje, 15 de Março de 2020:

Caros amigos

Os artigos sobre Cabo Verde e o Campo do Tarrafal[1], posteriormente também hipocritamente chamado de “Chão Bom”, tiveram algum efeito nas minhas emoções.

De tal modo que pensei em escrever alguma coisa sobre isso mas não me atrevi a fazê-lo sem antes proporcionar algum distanciamento.

Ora bem, já será conhecido por aqui no Blogue que o meu pai [, Ângelo de Sousa Ferreira, 1921-2001 ,ex -1º Cabo n.º 816/42/5 da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do R.I. 23, São Vicente, Cabo Verde, 1943/44, foto à esquerda] fez parte das forças expedicionárias que procuraram afirmar a soberania em Cabo Verde aquando do conflito designado por II Grande Guerra Mundial, nos inícios dos anos 40 do século passado.

Dessa permanência lá, na Ilha de São Vicente, chegavam-me por vezes alguns relatos, algumas referências, algumas recordações dele, quando se dispunha a falar sobre isso ou quando se viam as fotos. E as “fomes”, e as doenças e as alusões ao “Campo da Morte Lenta”, apareceram de forma natural e acabaram por ficar gravadas na minha memória. Relacionamento meu com Cabo Verde só por os aviões que utilizei nas férias tocarem o solo da Ilha do Sal nas suas idas para a Guiné.

No entanto, em finais de Julho de 2018, integrado numa delegação da minha Ordem profissional, participei em eventos ocorridos na Ilha de Santiago (aquela, onde, segundo uma canção, “tem corpinho de algodão, saia de chita com cordão…”.

O evento correu bem, a estadia também, gostei muito de lá ter estado, ainda experimentei a temperatura da água do mar, mas como não estava de férias não tive muito tempo para fazer visitas.

Apesar disso ainda fui pela “primeira vez” à Ribeira Grande e, como não podia deixar de ser e para cumprir os versos da conhecida canção da Cesária Évora, “um passeio sabe, fui dentro dum reservado” (já que fui, com outros, numa carrinha “reservada”). Visita interessante à primeira capital do arquipélago com algumas histórias/informações curiosas, de que ressalto a placa comemorativa e evocativa da passagem do Padre António Vieira pelo local (foto 1), mas não é dela que quero dar conta.

Foto 1

Estando lá, em Cabo Verde, na Ilha de Santiago, não me sentiria bem se não conseguisse visitar o Campo do Tarrafal (“Chão Bom”…) e prestar a minha silenciosa homenagem aos que por lá pereceram e sofreram. E assim foi.

Uma viagem relativamente longa e difícil dada a orografia do terreno, por boas estradas, com toda a aparência de construção recente, fruto de, salvo erro, apoios da União Europeia, com passagem por Somada (ou Assomada, terra do pai de Amílcar Cabral, segundo disseram) (Foto 2), onde foi feita uma paragem e se aproveitou para visitar o mercado local e comprar mangos e outras coisas.

Foto 2

Visitar o mercado local e comprar mangos e outras coisas (Foto 3).

Foto 3

Antes de se ir visitar o Campo da ignomínia fomos almoçar em local sobranceiro à praia. Areia fina, limpa, mar calmo (Foto 4).

Foto 4

Na visita ao Campo o primeiro impacto é logo a entrada do mesmo. Não é uma imagem estranha. Construção concebida segundo a “moda da época” e por isso faz lembrar o que será muito conhecido na entrada de Auschwitz, sem a famosa frase e à dimensão portuguesa, mas com o torreão e uma linha ferroviária que atravessa, prossegue depois sobre o fosso que separa a vedação externa e a mais interior e entra depois então no espaço do Campo (Fotos 5, 6 e 7).

 Foto 5

 Foto 6

Foto 7

Lá dentro sente-se (senti) o peso do passado, com as “barracas” para os presos (com a configuração da utilização mais “recente”, com construções para utilizadores distintos: angolanos, guineenses e outros (Foto 8).

Foto 8

Vi, como como não poderia deixar de ser, o que disseram ser a ”entrada” para a tristemente célebre “frigideira”, vi a sua versão mais “moderna”, a “holandinha” (Fotos 9, 10 e 11) e impressionou-me particularmente a leitura de algumas frases bem ilustrativas do modo de vida, do dia-a-dia naqueles espaços (Fotos 12, 13, 14 e 15).

 Foto 9

 Foto 10

 Foto 11

Foto 12

Foto 13

Foto 14

Foto 15

No regresso à Cidade da Praia passámos por um conjunto de instalações de envergadura (residências para estudantes, complexo hoteleiro e outras realizações) em construção pela “solidariedade chinesa” e deparei com uma estátua de Amílcar Cabral (Foto 16) que ilustra o contraste da atitude que existe em Cabo Verde para com o “pai da Pátria” com o que se houve dizer que se passa (ou passava) na Guiné.

Foto 16

Em resumo, a visita a Cabo Verde, mais propriamente à capital Praia, foi muito interessante e gratificante. Seja lá o dinheiro de quem for a verdade é que estão a fazer coisas acertadas e úteis. A visita ao Tarrafal deixa sempre, pelo menos a quem não for insensível aos dramas de outros, uma tristeza interior somente compensada pela certeza de que apesar desses miseráveis comportamentos o género humano afinal foi capaz de derrotar a barbárie.

Abraços
Hélder S.
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Notas do editor

[1] - Vd. postes de:

7 de março de 2020 Guiné 61/74 - P20708: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte V (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

5 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20705: (D)o outro lado do combate (57): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte IV (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

3 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

Último poste da série de 17 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20742: Memória dos lugares (405): Cacela, a fadista Lucinda Cordeiro e o grupo "Cantar de Amigos", num vídeo do Zeca Romão (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73)

sexta-feira, 13 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20730: Casos: a verdade sobre... (8): O campo penal da Ilha das Galinhas e o Campo de Trabalho de Chão Bom (ou Tarrafal II)


Cabo Verde > Ilha de Santiago > Concelho de Tarrafal > Chão Bom ("Txon Bon") >  Julho de 2018 > O antigo antigo Campo Penal do Tarrafal (1936-1954) e depois Campo de Trabalho de Chão Bom (1961-1974) > Hoje Museu da Resistência > Entrada exterior


Cabo Verde > Ilha de Santiago > Concelho de Tarrafal > Chão Bom ("Txon Bon") >  Julho de 2018 > O antigo antigo Campo Penal do Tarrafal (1936-1954) e depois Campo de Trabalho de Chão Bom (1961-1974) > Hoje Museu da Resistência > Entrada interior

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Lisboa > IndieLisboa'10 > 7º Festival Internacional de Cinema Independente > Culturgest > 23 de Abril de 2010 > Sessão de estreia do filme "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta", produção e realização de de Diana Andringa (Portugal, 2009, 90'' > Não se trata de fotogramas mas de imagens obtidas por máquina fotográfica durante a exibição do filme (com a devida vénia à realizadora a quem não pedi expressamenete autorização...), e editadas por mim >  Reprodução da Portaria nº 18539, de 17 de junho de 1961, que cria o Campo de Trabalho de Chão Bom... (Não se diz aonde, e muito menos há referência ao antigo campo do Tarrafal, encerrado em 1954...Deixa-se para o "regulamento", a aprovar pelo Ministro do Ultramar, os detalhes da sua localização, organização e funcionamento.)



1. Como é sabido (, antes do 25 de Abril, poucos o sabiam...), a "colónia penal de Cabo Verde", no Tarrafal,  ilha de Santiago, foi criada em 1936, e ficou tristemente conhecida como "campo da morte lenta". Surge na sequência da grande reforma do sistema prisional de 1936 (Decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de Abril de 1936), da autoria do professor doutor José Beleza dos Santos, da Unversidade de Coimbra. (Nasceu em Vila da Feira, em 1885, morreu em Lisboa, 1962).

Era destinada a presos políticos, opositores do regime do Estado Novo... Dez por cento dos presos, de um total de 340 que por lá passaram, entre 1936 e 1954, morreram, na sequência das duras condições de detenção: sevícias, maus tratos, alimentação, alojamento, higiene, cuidados sanitários, isolamento, clima, etc.

Eram nossos concidadãos, de diferentes opções político-ideológicas (comunistas, anarquistas, republicanos...), sobretudo "arraia-miúda", como diria o cronista Fernão Lopes (c. 1380/90 - c. 1460), o nosso primeiro historiógrafo... Eram marinheiros, estivadores, operários, artesãos, empregados de escritório e de comércio, etc., dos mais diversos pontos do país, da Marinha Grande a Vila Nova de Foz Côa, de Lisboa a Castro Verde, de Almada a Vila Nova de Gaia.
Apesar da vitória das "forças democráticas", os "Aliados", em 1945, sobre as potências do Eixo (os "regimes nazifascistas" da Alemanha, Itália e Japão...), o campo (de concentração) do Tarrafal só foi fechado... quase vinte anos depois, em 1954!... Dizem que por "pressão internacional"...


 2. Vai reabrir, todavia, na sequência da guerra colonial, que se inicia em Angola, em 1961, mas com outro nome, um eufemismo "Campo de Trabalho do Chão Bom" (CTCB) (sic)... Desta vez para detenção dos "terroristas angolanos" (, como eram tratados, na época, os nacionalistas que lutacam contra o colonialismo português).
Haverá, no entanto,  mais campos para detenção de nacionalistas africanos durante a guerra do ultramar, e com condições de detenção bem mais duras, e de que pouco se fala entre nós: Missombo e São Nicolau, em Angola; Machava e Madalane, em Moçambique... Na Guiné, já existia a "colónia penal  e agrícola" da Ilha das Galinhas (, fundada em 1934) (*)... 
No Tarrafal, ou melhor do Campo de Trabalho de Chão Bom, na 2ª fase, dita "africana (1961-1974), morreram apenas 3 homens, por doença, incluindo 2 guineenses, com sequência, muito provavelmente,  dos "maus tratos" recebidos na altura da sua prisão pela PIDE...
Já em São Nicolau, no Sul de Angola, e segundo a historiadora Dalila Mateus ("A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974", Lisboa, Terramar, 2004), terão morrido "de doença", só entre 1969 e 1972, "bem mais de uma centena de pessoas". Em 1972, em Angola, em São Nicolau havia 123 presos, enquanto no Missombo estavam 874.

Há quem diga que o Tarrafal, nesta fase, não era assim tão "mau"... (Chamemos-lhe Tarrafal II).

O jornalista e investigador cabo-verdiano, José Vicente Lopes, que já se cruzou connosco no nosso blogue (**), tem uma obra de referência sobre o Tarrafal: "Tarrafal - Chão Bom; memórias e verdades", 2 volumes, Praia, IIPC - Instituto de Investigação e do Património Cultural, 2010.  Ainda não não conhecemos o original, mas também acesso a uma extensa recensão bibliográfica, feita pelo  José Pedro Castanheira (Expresso, revista Atual, 14 de agosto de 2010: "Tarrafal: Verdades e mentiras do Campo de Trabalho de Chão Bom").
Também é desta ano, 2010, o documento de hora e meia produzido e realizado pela Diana Andringa "Tarrafal,  Memórias do Campo da Morte Lenta".  (Vd. poste P6204, de 21 de abril de 2010.)


2. Os "deportados" foram chegando ao CTCB / Tarrafal, em várias levas, a última em 1972 (14 elementos do MPLA).

Na primeira leva, em 1961,  vieram angolanos (n=107), de vários movimentos, com destaque para o MPLA.... Todos eles "condenados em tribunal"... Numa segunda leva, em 4/9/1962, vieram os pobres dos guineenses (, os 100, para ser um número redondo), mesmo sem julgamento, que já não havia nem tempo, nem paciência, nem juízes, nem leis para os julgar... Já andava tudo nervoso em Bissau e em Lisboa...Nessa centena de "deportados" guineenses, estava também o Inácio Soares de Carvalho (***)...

Os guineenses foram alojados numa ala separada. Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sem qualquer culpa formada nem julgamento, sendo os restantes libertados em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor", do Governador Geral e Com-Chefe António Spínola.

Recorde-se que, ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um dos históricos do PAIGC, Rafael Barbosa (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós (, nunca tendo sido "tarrafalista": não se sabe porquê, mas a PIDE quis tê-lo à mão, no território da Guiné)...  Foi escolhido para discursar no 10º aniversário do Massacre do Pi(n)djiguiti, em 3 de agosto de 1969, agradecendo em seu nome e dos  outros prisioneiros o gesto de Spínola. Esse momento foi terrível para o antigo nº 2 do PAI(GC). O labéu de "colaboracionista" colou-se à sua pele. Será julgado e condenado à morte depois da independência, pena que lhe será comutada por 'Nino' Vieira,

Antes de serem soltos do CTCB (Tarrafal II), parece que tinham que responder a um questonário e fazer uma declaração de confissão de arrependimento", e em que se comprometiam a nunca mais se envolver em atividades contra a segurança do Estado.... Três deles ter-se-ão recusado a responder, incluindo Aristides Barbosa e Mário Mamadú Turé... Curiosamente, por coincidência ou não,   em janeiro de 1972,  em Conacri, estes dois últimos irão figurar  no grupo de dissidentes do PAIGC que estarão no complô para prender e/ou assassinar Amílcar Cabral.

Mas também estiveram lá, no CTCB, 20 cabo-verdianos, militantes do PAIGC... Os últimos presos foram libertados com o 25 de Abril de 1974, aliás um semana depois em 1 de Maio. Mas o PAIGC, ao que escreve o csbo-verdiano José Vicente Lopes,  cedo se apoderou do CTCB e meteu lá dentro, passado algum tempo,  70 "opositores", militantes de outros movimentos (como a UDC e UPICV)... (Às vezes, até parece que a História se repete...).
Caricatas são as visitas que a Cruz Vermelha Internacional faz ao  CTCB,  por duas vezes, em fevereiro de 1969 e em fins de 1971... Os seus delegados parece que ficam com uma boa impressão do lugar... Aquilo, afinal,  não era "assim tão mau": os presos até tinham algumas "regalias", como idas semanais à praia, sessões de cinema, biblioteca (oferecida pela Fundação Calouste Gulbenkian), consultas no hospital da cidade da Praia, possibilidade de prosseguir os estudos e fazer exames, e até de escrever livros como o "Luuanda", do Luandino Veira... (***)

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estavam ainda vivos, por ocasião do Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que teve lugar entre 28 de Abril e 1 de Maio de 2009.

Mas, segundo José Vicente Lopes, o autor do livro, em 2 volumes,  "Tarrafal - Chão Bom; memórias e verdades", 85 a 90% dos guineenses "tarrafalistas" já tinham morrido. Foi o caso do Inácio Soares de Carvalho (,cabo-verdiano, nascido em 1916, mas levado em criança para a Guiné, com os seus pais): voltou para a Praia, sua terra natal, em finais de 1970, cinquenta e tal anos depois, muito provavelmente desgostoso com (e ignorado por) o seu partido; morreu em 1994. (****)  _______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

(...) Sobre a "colónia penal agrícola" (sic) da Ilha das Galinhas, vd.

Casa Comum > Arquivos > Arquivo Amílcar Cabral

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.028
Título: Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné
Assunto: Cópia do Diploma Legislativo n.º 884 (Boletim Oficial n.º 44, de 29 de Outubro de 1934) sobre a promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné. Instituição do reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor; criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas.
Data: Segunda, 29 de Outubro de 1934
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Operação de Cadigue / com. em 1-3-1963 / Notas gerência mercearias.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral (...)

Citação:
(1934), "Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42954 (2013-12-4)

 (**) Vd. postes de

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)

17 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

Vd. também postes de:
3 de agosto de  2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)

6 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)

10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

(***) Último poste da série > 27 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14194: Casos: a verdade sobre... (7): O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou à Tabanca Grande (Manuel Luís Lomba)

(***) Vd. poste de 9 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20717: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - V ( e última) Parte (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

segunda-feira, 9 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20717: (D)o outro lado do combate (58A): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - VI ( e última) Parte (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)





Fotogramas do filme "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta",  produzido e realizado por Diana Andringa (Portugal, 2009, 90' ).

1. Quinta e última parte dos excertos, que temos vindo a publicar no blogue,  do manuscrito "Memórias da Luta Clandestina" (entretanto publicado, na Praia, capital de Cabo Verde,e lançado, no passado dia 30 de janeiro) (*) 

A reprodução desses excertos, no nosso blogue, foi-nos devidamente autorizada por Carlos de Carvalho, filho de Inácio Soares de Carvalho, e que aceitou o nosso convite para integrar a Tabanca Grande. Nascido na Guiné, Carlos de Carvalho é arqueólogo e historiador de profissão, vivendo na Praia, capital de Cabo Verde.

 Inácio Soares de Carvalho (1916-1994)


Nasceu na Praia em 29 de Abril de 1916. Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa da colónia portuguesa. Trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962.

Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG – Movimento para Libertação da Guiné, por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

Inácio Soares de Carvalho, que nunca viveu na clandestinidade, contrariamente ao Rafael Barbosa, será preso pela primeira vez pela PIDE, na filial do BNU em Bissau, onde trabahava há mais de duas dezenas de anos. É então deportado, para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas), aonde chega no início de setembro de 1962, numa leva de 100 presos, guineenses. Três anos depois, em 16/10/1965 e transferido para colónia penal da ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós.

Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau, até conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974. Há uma escassa meia dúzia de documentos no Arquivo Amílcar Cabral com o seu "nome de guerra", Nassi ou Naci ou Nacy Camará.


Pertencia à "secção de informação e controle" do PAI (sigla original do PAIGC) em Bissau, ele e o Rafael Barbosa (c. 1926-2007), reportanto diretamente a Amílcar Cabral, que vivia em Conacri. Em outubro de 1961, Rafael Barbosa, de etnia papel (, Zain Lopes, na clandestinidade), é nomeado Presidente do Comité Central do PAIGC.

Nos final dos anos setenta, Inácio Soares de Caravalho regressa à sua terra natal, Praia, Cabo Verde, e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em dezembro de 1994, sem ter visto publicadas as suas memórias políticas que comecçou a escrever, "após incessantes insistências dos filhos", e que deu por concluídas em 1992. "Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." (Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)

É possível haver um lançamento do livro em Lisboa. Em Cabo Verde, a edição é de autor e teve vários patrocínios.

2. Excertos do livro "Memórias da Luta Clandestina" - V ( e última) Parte (*)


Campo de Concentração de Tarrafal de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde 


Na noite de nossa chegada [, aoTarrafal], distribuíram a cada um de nós uma esteira que serviu de cama.

No dia seguinte, de manhã cedo, mostraram-nos um sítio um pouco afastado da caserna que era destinado para casa de banho, melhor dizendo, sanita. Quando acabamos de utilizar a sanita mandaram-nos para a bicha a fim de tomarmos o pequeno-almoço que era uma caneca de café e um pão sem nada para cada um de nós.

Depois do pequeno-almoço, fizeram a distribuição de nossas “pertences” para a nossa vida diária no Campo: uma cama de ferro galvanizado e duas esteiras, que nos serviu de colchão; uma manta, como cobertor; uma caneca e uma colher de alumínio para as refeições e para beber; calções feitos pelos alfaiates do Campo; alguns eram largos demais e outros apertados.

[...] Já no Campo, permanecemos 45 dias sem tomar banho. Muitos começaram a ter doenças na pele, as sarnas.

[...] Quando chegamos, já lá estavam os nossos irmãos angolanos que foram levados para lá em Fevereiro do mesmo ano [, 1962].

O Director da Colónia Penal nessa altura era um tal [José Pedro]Queimado Pinto e os polícias eram maioritariamente europeus vindos de Angola.


[...] O “regresso” dos prisioneiros à Guiné 

2° grupo de prisioneiros libertos 

Um grupo de mulheres havia solicitado a libertação de seus maridos presos no Tarrafal. Reagindo a esse pedido, foi autorizada a libertação de mais 5 prisioneiros.

Assim, no dia 16 de outubro de 65, o segundo grupo de prisioneiros guineenses foi posto em liberdade. Desse grupo faziam parte os prisioneiros: Inácio Soares de Carvalho, Bruno Dantas Pereira, Manuel Mamadú Korca Djaló, João Lobo de Pina e Manuel Vaz Horta Santi.

Fomos conduzidos à cidade da Praia onde passamos a noite.

[...] No dia seguinte, 17, fomos embarcados no Porto da Praia, às 16 Horas da tarde, num barco grande de que já não me lembro o nome.


A primeira libertação de ISC 


No dia 7 de fevereiro de 1967, foram 3 agentes da PIDE à Ilha das Galinhas buscar nós os 4, os “regressados” da Colónia Penal do Tarrafal, a fim de nos porem em liberdade [1]. Viemos, de novo, via Bolama e só chegamos a Bissau no dia 8.

Naquele dia mesmo, no período da manhã, o inspector Miguel Cardoso chamou-nos de novo ao seu gabinete e falou outra vez muito connosco a respeito da política que era só prejuízo para nós e que ia nos pôr em liberdade e que contava com a nossa colaboração [2]. Disse-nos ainda que o mal feito já passou e para não pensarmos mais no passado. Falou muito de mim sobre a minha declaração que prestei quando fui preso em 62, e que não neguei nada do que fiz e eu era responsável por aquilo que fiz. E que assim mesmo é que um homem deve ser.

Depois de toda a conversa mandou para nos passarem uma Declaração para levarmos à Administração na qual constava que não devíamos pagar o imposto.

Como podem constatar, nós, os 4 libertos, havíamos passado quase 5 anos presos, repartidos entre as prisões de Bissau, Mansoa, Ilha das Galinhas, Colónia Penal de Tarrafal - Cabo Verde, Bissau, de novo Ilha das Galinhas, para finalmente ganharmos a liberdade, a 8 de fevereiro de 1967.


[...] ISC e Guerra Ribeiro, “Chefe” da Guiné, - o “confronto” 


Após a nossa libertação, dirigimo-nos à Administração para apresentar a Declaração passada pela PIDE e na qual constava que estávamos isentos do pagamento de imposto. Mas, naquela altura, o Administrador era o famoso Guerra Ribeiro [3].

Este, quando chegou à Guiné, começou por trabalhar numa Casa Comercial. Pouco tempo depois foi para Câmara Municipal. Esteve lá poucos anos, e então passou para o Quadro Administrativo como funcionário, ou seja, Aspirante. Depois foi nomeado como Chefe Administrativo. Passado pouco tempo, foi nomeado Secretário Administrativo. Dali teve grande sorte passou para Administrador de Concelho. Teve grande sorte no princípio de sua vida, pois, no tempo do Salazarismo o mais criminoso é que tinha acesso e foi por esta via que Guerra Ribeiro se tornou num grande criminoso na Guiné-Portuguesa.

Na época, já se dizia que quem mandava em Bissau, podia-se dizer que mandava em quase metade da Guiné, era ele, Guerra Ribeiro.

 [...] Assim, ele, ignorando a Declaração, entendeu que devemos pagar imposto daquele ano. Quando nos disse isso, eu então quis lhe mostrar que já estivemos muito tempo presos e não tínhamos condições para pagar o imposto. Ele exaltou-se contra mim proferindo palavras odiosas e incriminatórias, dizendo-me no meio de toda aquela gente que eu tinha muita sorte e estava ainda a falar. Disse que se fosse ele que me tivesse prendido, naquela altura, eu já não estava a ver sol.

A uma dada altura da conversa, ele foi chamado para ir tratar de um assunto no seu Gabinete; Adolfo Ramos, que era um funcionário da Administração, aproveitou a oportunidade para me dizer para conservar muito calado porque Guerra Ribeiro é que está a mandar em quase toda a Guiné e que Deus há-de nos ajudar a arranjar maneira de encontrar dinheiro para pagarmos o imposto.

Como resultado da conversa com Guerra Ribeiro, ele deu-nos o prazo de um mês para pagarmos imposto. Isto confirma de facto o poder que ele tinha na Guiné, pois já nem seguia ou obedecia ordens do Inspector da PIDE.

[...] O regresso à casa 


Quando chegamos às nossas casas, no dia 8 de Fevereiro de 67, as nossas famílias, homens e mulheres, claro, ficaram todas satisfeitas.

Depois de contar à minha mulher a estória com Guerra Ribeiro, ela ficou num estado que não posso explicar mesmo. Só me perguntou se não sabia quem era Guerra Ribeiro, na Guiné. E voltou para mim, e disse-me: “tu nasceste de novo felizmente...e custe o que custar, temos que pagar o imposto”.


[...] Notícia de fim da luta de libertação 


No dia 29 de abril de 1974, terminou para sempre o nosso martírio e sofrimento na Ilha das Galinhas. Efectivamente, quando era mais ou menos 1 hora, da tarde, do dia em que completei 58 anos de idade, o António Namorado estava a cortar-me cabelo e alguns companheiros vinham e gozavam comigo, a dizer-me que eu tinha que pagar qualquer coisa no «Cadjique», porque estava a tornar um rapaz novo. 

E naquela brincadeira, de repente ouvimos algumas vozes a gritarem bem alto na rua. Festa na Bissau. «Djintidi PIDE é prindidu tudu». Com aquela gritaria de contentamento, os rapazes queriam fazer manifestação logo naquele momento. Mas eu, de imediato, chamei-lhes à atenção para que esperassem ainda a confirmação do sucedido, isto porque lembrei-me logo da tentativa de golpe de Estado levado a cabo em dezembro de 61, a partir do Quartel de Beja.

[...] Mas, poucos momentos depois, apareceu um Segurança a gritar-me todo entusiasmado:

- Homi Garandi, nó ganha djá guerra, bim, bim, obi rádio de Bissau, i na fala ná bós, presos di PIDE. Nó toma dja nó tchon...Viva Amílcar Cabral, Viva PAIGC».

_____________

Notas do Carlos de Carvalho:

[1] Inácio Soares de Carvalho, Bruno Dantas Pereira, Korca Djaló e João Lobo de Pina. De lembrar que o 5° elemento dos libertos na 2ª leva do Tarrafal, Horta Santy, fora definitivamente liberto logo depois de chegados a Bissau.

Segundo ISC (documentos avulsos), Korca Djaló era 2° Chefe de Esquadra e Lobo de Pina era Funcionário da Administração.

[2] De recordar que o inspector Miguel Cardoso é o mesmo que havia falado com os « libertos do Tarrafal » aquando do regresso à Guiné.

[3] Guerra Ribeiro e sua fama ficaram imortalizados na história da Guiné pelo já citado José Carlos Schwarz e sua Banda « Cobiana Jazz »,  num dos LP gravados nos anos 70 do séc. XX.

______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de março de 2020 Guiné 61/74 - P20708: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte V (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

Postes anteriores:


5 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20705: (D)o outro lado do combate (57): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte IV (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

3 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

sábado, 7 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20708: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte V (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)


Inácio Soares de Carvalho [Naci,
Nacy ou Nassi Camará,
nome de guerra]
[foto: arquivo da família
]

Rafael Barbosa [Zain Lopes,
nome na clandestinidade]
 [foto de Leopoldo Amado,
Bissau, 1989]





Com a prisão de ambos, em narço de 1962, o PAI / PAIGC fica decapitado, na Zona 0 (Bissau) (*). Ao Naci Camará foi "fixada residência" no Campo de Chão Bom, Tarrafal, Santiago, Cabo Verde.  Zain Lopes ficou em Bissau, com a "obrigação" de se apresentar todos os dias na sede da PIDE...



Carta de Amílcar Cabral para Nacy [Nassi ou Naci...] Camará, com data de 1 de abril de 1962,  reagindo com muita emoção à notícia da prisão de Rafael Barbosa [Zain Lopes] e outros dirigentes do PAI [PAIGC] da Zona 0 [Bissau]... e dando instruções aos militantes que escaparam...

O destinatário, o Inácio Soares de Carvalho,  já não chegaria a ler esta carta, uma vez que também ele caira, quinze dias antes, em 15/3/1962, nas mãos da PIDE...  Foi um golpe duríssimo para Amílcar Cabral e para o seu partido, o PAI (mais tarde, já em 1962,PAIGC), que ficou decapitado, pelo menos na Zona 0 (Bissau) (**). Rafael Barbosa era o presidente do comité central, e figura de prestígio entre os mais jovens.

De entre as 10 ações que o secretário-geral, a partir de Conacri, preconiza, destaque para a nº 5:

"Levar o povo - todos os trabalhadores de todos os ramos -  a não fazer nada para os portugueses, a não trabalhar, a não pagar impostos, a desprezar os colonialistas. Começar a matar os agentes da PIDE. (sic")

Citação:
(1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37408 (2020-3-6) (Com a devida vénia...)


Fonte:
Portal Casa Comum
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.055.004
Assunto: Notícias sobre a prisão de Zain Lopes , Momo e Albino. 
Instruções em relação à prisão dos referidos camaradas.
Remetente: Amílcar Cabral
Destinatário: Nacy Camara
Data: Domingo, 1 de Abril de 1962
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1962-1964.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral


1. Recorde-se o que escreveu aqui  Leopoldo Amado (historiador e nosso grã-tabanqueiro: tem 86 referências no nosso blogue, )  a propósito destes acontecimentos de março de 1962, que foram um duro revés para o PAI (sigla reformulada em finais de 1962, em que passou a ser PAIGC)(**):

(...) "O estabelecimento da sede do PAI em Bissalanca data de 1959, tendo funcionado até Fevereiro de 1962, altura [, na madrugada do dia 13 de março de 1962,] em que foi detectada e tomada de assalto pela PIDE com a ajuda de elementos do Exército português, tendo aí sido presos Rafael Barbosa, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e outros elementos proeminentes do PAI surpreendidos em pleno sono. 

"Com a sede do PAIGC tomada de assalto pela PIDE e preso Rafael Barbosa, seu principal animador, foi desmantelada a rede clandestina do PAIGC em Bissau. 

"A alguns nacionalistas foram fixadas residência em Chão Bom, Tarrafal, excepto Rafael Barbosa que a troco de "colaboração", foi-lhe fixada a obrigatoriedade de se apresentar todos os dias na sede da PIDE em Bissau. Foi apreendido na sede do PAIGC imenso material de propaganda que incluía inúmeros panfletos, correspondências de Amílcar Cabral, para além de armas." (...)

Muitos destes factos, que hoje pertencem à Hustória dos nossos países (Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde),  são, ainda desconhecidos da grande maioria dos nossos leitores.


2. Continuação da publicação de excertos do manuscrito   "Memórias da Luta Clandestina" (entretanto publicado, na Praia, capital de Cabo Verde,e lançado, no passado dia 30 de janeiro) (***). 

A reprodução desses excertos, no nosso blogue,  foi-nos devidamente autorizada por Carlos de Carvalho, filho de Inácio Soares de Carvalho. 



 Inácio Soares de Carvalho (1916-1994)


Nasceu na Praia em 29 de Abril de 1916. Foi em criança para a Guiné com os pais. No seu tempo haveria 1700 cabo-verdianos no território, muitos deles tendo posições de destaque na vida económica, social, cultural e político-administrativa da colónia portuguesa. 

Trabalhou no BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, desde 1939, até ser detido pela PIDE em 15/3/1962. 

Envolveu-se na luta política, filiando-se em 1956 no MLG – Movimento para Libertação da Guiné, por influência do seu compadre e colega de Abílio Duarte.

 Inácio Soares de Carvalho, que nunca viveu na clandestinidade, contrariamente ao Rafael Barbosa, será preso pela primeira vez pela PIDE, na filial do  BNU em Bissau, onde trabahava há mais de duas dezenas de anos.  É então deportado,  para o Tarrafal (, a partir da Ilha das Galinhas), aonde chega no início de setembro de 1962, numa leva de 100 presos, guineenses. Três anos depois, em 16/10/1965 e transferido para colónia penal da ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós.

Em 7/2/1967, é solto, pela primeira vez. Em 1972 e 1973, volta a passar pela experiência da prisão, em Bissau, até conhecer a liberdade definitiva com o 25 de Abril de 1974.  Há uma escassa meia dúzia de documentos no Arquivo Amílcar Cabral com o seu "nome de guerra", Nassi ou Naci ou Nacy Camará. 

Pertencia à "secção de informação e controle" do PAI (sigla original do PAIGC)  em Bissau, ele e o Rafael Barbosa (c. 1926-2007), reportanto diretamente a Amílcar Cabral, que vivia em Conacri. Em outubro de 1961, Rafael Barbosa, de etnia papel (Zain Lopes, na clandestinidade), é nomeado Presidente do Comité Central do PAIGC. 

Nos final dos anos setenta, Inácio Soares de Caravalho regressa à sua terra natal, Praia, Cabo Verde, e afasta-se praticamente da vida política activa. Vem a falecer em dezembro de 1994, sem ter visto publicadas as suas memórias políticas que comecçou a escrever, "após incessantes insistências dos filhos", e que deu por concluídas em 1992. 

"Nelas o autor narra factos novos, desconhecidos da maioria dos militantes, pois, infelizmente, poucos foram os combatentes da clandestinidade, sobretudo na Guiné, que deixaram escritos sobre essa vertente da luta protagonizada pelo PAIGC." 

(Informações biográficas fornecidas pelo filho, Carlos de Carvalho, nascido na Guiné, complementadas por LG.)

É possível haver um lançamento do livro em Lisboa. Em Cabo Verde, a edição é de autor e teve vários patrocínios.


3. Excertos do livro "Memórias da Luta Clandestina" - Parte IV (*)

(Continuação) 


A PIDE descobre a Base do Partido na Zona 0  (**)


No dia 11 de março de 1962, um domingo, o Pedro Ramos  teve a ousadia e o descuido de nos introduzir na Base o seu colega e amigo de infância, Carlos, mais conhecido por “Cacai Boca”. Esse facto acabou por constituir nossa desgraça.

Efectivamente, após o "Cacai" ter saído da Base, a sua primeira preocupação, como um “Bom Português”, foi dirigir-se imediatamente ao nosso inimigo e denunciar-nos. Estamos todos certos de ter sido ele, pois, tendo saído da Base no Domingo, 11, logo na madrugada do dia 13, terça-feira, surpreenderam Rafael Barbosa, Pedro Ramos, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e Jorge da Silva, proprietário do lugar onde tínhamos instalada a Base. 

Pedro Ramos conseguiu fugir, dando um forte golpe a um soldado que o tinha segurado. Os outros foram todos presos e levados para a cadeia.  Pedro Ramos conseguiu ainda alertar o Albino Sampa que dormia numa casa que se situava um pouco mais afastada. Assim, os dois conseguiram fugir, tentando nessa mesma madrugada me contactar, o que era obviamente impossível. Quando amanheceu, logo cedo, apareceu em minha casa um jovem a dar-me a triste noticia de que prenderam o Rafael [Barbosa] e os outros colegas que dormiam com ele na Base.

No dia 13 de março de 1962 , cerca das 9 horas da noite, apareceram-me lá em casa o Albino Sampa e o Pedro Ramos. Com a porta fechada e a minha mulher de vigilância durante todo o tempo em que estivemos reunidos, contaram-me então como tudo se passou e começamos a buscar soluções para sairmos da situação difícil em que nos encontrávamos.

[...] Aproveitei para fazer um comunicado para o nosso Líder, narrando-lhe os últimos factos ocorridos; determinei também que avisassem todos os responsáveis e militantes para retirarem imediatamente para fora das fronteiras da Guiné, porque cedo ou tarde a PIDE chegaria a eles também; caso fossem apanhados, seriam barbaramente maltratados e estariam na contingência de perderem a vida. Esta minha decisão, enquanto Responsável de Segurança, era para evitar todo o mal que podia vir a acontecer. Também aproveitei para lhes dar um pouco de dinheiro para as despesas que teriam na fuga.


A terceira leva de prisão de dirigentes 


Foram presos o Menezes [Alfredo Menezes d’Alva] e o João Barbosa, primo do Rafael; poucos dias depois, levaram o Rosendo. 

Com estas prisões, tudo paralisou de novo, pois, os três companheiros presos tinham muita influência no desenrolar de nossa luta clandestina. Como devem compreender, eu estava mesmo desesperado e desanimado com a situação.

No dia seguinte às prisões, fui ter com a D. Irene [Fortes, esposa do Fernando Fortes ] e contei-lhe o sucedido, mas ela notou na minha cara que mesmo eu mostrava desânimo com o acontecido. Ela então com gesto de coragem falou comigo de forma brusca:

- O Sr. Inácio tem que ter coragem e saber enfrentar todos obstáculos que nos depararem.

Amigos, quando uma mulher diz a um homem assim, por mais fraco de espírito que fosse, teria que ter coragem e reagir. Depois de contar ao Rafael a conversa que tive com a D. Irene, ele então como homem decidido disse-me que realmente é assim mesmo que tem de ser, é preciso não desencorajar, nem desanimar; a luta é assim mesmo.

Dali então, ainda mais encorajado, me empenhei totalmente para o desenvolvimento de nosso trabalho, contando sempre com o firme apoio dessa mulher que,  mesmo tendo seu marido preso, nunca se desencorajou. Foi seguramente das primeiras firmes e corajosas mulheres que desde a primeira hora incorporou os ideais de nossa luta de libertação. Ela, por seu lado, enquanto o marido esteve preso, teve sempre o apoio e encorajamento de seu cunhado, o Alfredo Fortes [1].

Tendo encontrado o lugar seguro e dava-nos grande confiança.


A primeira prisão de Nassi Camara 


No dia 15 [de março de 1962], antes das 8 horas da manhã, apareceram dois agentes da PIDE na Gerência do Banco [, BNU]. Esses agentes foram falar com o nosso Gerente, Sr. Arruda, a explicar-lhe que foram à minha procura, mandados por um Inspector da PIDE, o Costa Pereira. 

O Gerente mandou-me chamar com o Saco Cassama, servente do Banco. Ao passar pela secção das Correspondências, ele alertou-me que estavam lá dois brancos que lhe parecia que eram agentes da PIDE. Quando me apresentei ao Gerente Arruda, ele apontou-me os dois homens,  dizendo que precisavam de mim. Estes convidaram-me para os acompanhar.

[...] Assim foi a minha primeira prisão, no dia 15 de Março de 1962, uma 5ª feira.


1ª passagem pela Ilha das Galinhas 


Na madrugada de 1 de setembro [de 1962], foram buscar-nos em Mansoa para levar à ilha das Galinhas.

Via João Landim [no rio Mansoa] , fomos levados no porão do barco "Formosa". Chegamos à ilha das Galinhas cerca das 16 horas. De seguida, fomos levados para o acampamento, onde já se encontravam outros presos oriundos da Zona Sul.

Na noite de 1 de setembro, dormimos todos nós presos concentrados num pavilhão grande. Naquela noite tiraram dois irmãos e foram matá-los a tiro. Só nós, que vivemos na pele as atrocidades cometidas pelos salazaristas, podemos contar o sofrimento que passamos, nessa altura da luta.


Da ilha das Galinhas para destino desconhecido


No dia 2 de setembro, de manhã cedo, tiraram-nos num total de 100 presos e encaminharam-nos para o Porto da Ilha das Galinhas, onde tínhamos desembarcado no dia anterior; meteram-nos no porão do mesmo barco "Formosa", com o rumo à Estação de Pilotos em Pontom; de seguida, meteram-nos no porão do vapor "África Ocidental" com destino desconhecido por nós. 

Só viemos a saber onde estávamos quando chegamos ao Porto do Tarrafal [em Santiago, Cabo Verde] onde nos mandaram sair de porão como animais de carga. Passamos muito mal durante todo o caminho. 

[Revisão / fixação de texto, para efeitos de edição neste blogue / notas dentro de parènteses retos: LG]

(Continua)
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Nota de Carlos de Carvalho

[1] Alfredo Fortes, natural da Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, era na altura Chefe da Alfândega de Bissau. Na Guiné, foi também Presidente do grande clube desportivo UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau).

Após a independência, desempenhou as funções de Embaixador de Cabo Verde na Holanda. Foi Deputado pelo MpD [Movimento para a Democracia] na II República. Morreu na sua ilha natal nos anos 90.
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Notas do editor LG:

(*) Listagem das zonas do PAIGC (cada uma com o seu responsável):  

Zona 0 - Bissau; Zona 1 - S. Domingos; Zona 2 - Farim; Zona 3 - Gabú Norte; Zona 5 - Gabú Sul; Zona 6 - Bafatá Norte; Zona 7 - Bafatá Sul; Zona 8 - Fulacunda; Zona 9 - Bissorã; Zona 10 - Cantchungo; Zona 11 - Bedanda; Zona 12 - Bijagós; Zona A - A determinar (Documento manuscrito, s/d, Arquivo Amílcar Cabral / Casa  Comum / Fundação Mário Soares)

(**) Vd, poste de 25 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P569: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

(***) Vd. postes anteriores da série >

5 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20705: (D)o outro lado do combate (57): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte IV (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

3 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20701: (D)o outro lado do combate (56): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte III (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20698: (D)o outro lado do combate (55): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte II (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)

29 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20695: (D)o outro lado do combate (54): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte I (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)