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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17638: Notas de leitura (982): “L’Afrique Étranglée”, por René Dumont e Marie-France Mottin, Éditions du Seuil, 1980 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
René Dumont visita a Guiné-Bissau num período de grande expetativas e ainda quando o país goza de prestígio pelos seus créditos revolucionários. Não esqueçamos que uma das figuras mais eminentes da pedagogia à escala mundial aqui arribou e procurou estimular processos comprovadamente bem-sucedidos de elevação na literacia.
René Dumont já vinha desencantado com o que vira e ouvira noutros países, quando publicou o seu relato, em 1980, todos os seus vaticínios estavam a bater certo, aquelas aspirações de industrialização maciça da Guiné iriam falhar e levar a nova república a um endividamento externo que a mergulhou no desespero. Vale a pena juntar todas estas peças para se perceber que os dirigentes guineenses afinal estavam muito bem avisados de que um país subdesenvolvido não pode gastar à toa sem hipotecar o futuro.

Um abraço do
Mário


L’Afrique Étranglée, por René Dumont e Marie-France Mottin

Beja Santos

“L’Afrique Étranglée”, por René Dumont e Marie-France Mottin, Éditions du Seuil, 1980, foi um dos mais polémicos e debatidos livros do famoso engenheiro agrónomo francês, brilhante ambientalista que um dia até se candidatou às presidenciais francesas.

O que para o caso interessa é que nesse longo périplo chegou à Guiné-Bissau, num período de grandes sonhos e promessas, não gostou do que viu, e o que escreveu, compreende-se, cai mesmo na aceção da África estrangulada, muitíssimos dos problemas da jovem república decorreram de escolhas totalmente imponderadas para um país subdesenvolvido, ainda por cima num tempo em que gozava de uma grande aura de respeitabilidade pelo seu trabalho revolucionário.

Vejamos o que ele escreve sobre a Guiné-Bissau, é direito e brutal, não há frases arrebicadas. Em Bissau, na Primavera de 1979, encontrámos uma pequena burguesia que de modo algum se tinha suicidado (alusão a uma controversa frase de Amílcar Cabral sobre o suicídio da pequena-burguesia, que devia optar por se pôr ao lado dos oprimidos e fugir à tentação das benesses de classe, meio caminho andado para liquidar o movimento revolucionário, detém os postos da administração e o essencial do poder, porque é a única classe capaz de fazer funcionar os mecanismos do Estado e que se pretende “moderna”. Herdou dos portugueses o que se pode chamar uma “não-colónia”, sem indústrias para além de 23 destilarias semi-artesanais.

Ofereceram a esta Guiné-Bissau, de todos os quadrantes, os equipamentos mais modernos e os menos apropriados para a situação real do país, carente de capitais e de técnicos mas cheia de mão-de-obra pouco qualificada. Os sete projetos industriais aprovados entre 1976-1979 previam investir 12 milhões de dólares para criar somente 373 empregos, algo como 32 mil dólares por cada emprego criado. Cometeram-se depois erros monumentais ao ponto de parecerem suscetíveis de comprometer grandemente o futuro económico e a política de independência deste modestíssimo país. Venderam-lhe um projeto verdadeiramente demencial. No Cumeré, não muito longe de Bissau, instalaram um enorme equipamento para o descasque de arroz. Este projeto aumenta todos os encargos e está condenado à falência, veja-se o que se passou na Costa do Marfim. Neste complexo do Cumeré propõe-se descascar a quase totalidade do amendoim produzido no país para o transformar em óleo refinado e outros produtos para exportação. Ora esta concentração irá obrigar a transportes muito dispendiosos do amendoim num país que não possui viaturas nem estradas, fatalmente que irão aumentar todos os preços de revenda. Este projeto do Cumeré é um desastre em perspetiva para a economia agrícola e para o desenvolvimento do país.

No Gambiel, um projeto gigantesco de cana-de-açúcar fala na produção de 60 mil toneladas de açúcar por ano, foi felizmente abandonado. O projeto em curso da realização de 10 mil toneladas de açúcar ainda nos parece excessivo, pois deverá custar em 1979 (depois dos preços aumentarem) 35 milhões de dólares, ou seja, 3500 dólares por tonelada prevista de açúcar! Só a barragem de irrigação teria um custo de 5 milhões de dólares. Os 27 hectares de cana plantada em 1979 já estão a suscitar problemas de gestão e pergunta-se o que irá acontecer com os 1500 hectares previstos. Os solos serão verdadeiramente aptos para a irrigação? Também criticámos a rede de arroz de sequeiro em Contuboel, em terrenos que nos parecem muito arenosos e desadequados à orizicultura.

A manter-se este tipo de projetos, os camponeses correm o risco de serem atraídos para Bissau que beneficia, face ao conjunto do país, de vantagens substanciais: Bissau consome já seis vezes mais eletricidade que o resto do país.

Depois René Dumont exalta as capacidades de trabalho dos Balantas e volta aos riscos gravíssimos de uma industrialização pesada que levará ao desastre, cita uma nota sobre a estratégia de desenvolvimento industrial na Guiné-Bissau da autoria de Ladislau Dowbor em que este chamou oportunamente à atenção para o facto da indústria ser um processo custoso que exige ritmos muito elevados de rotação que podem muito mais facilmente desequilibrar do que dinamizar uma economia. A Guiné-Bissau teve a oportunidade de não ter herdado um setor industrial virado para a exportação ou para as necessidades menos prementes do seu mercado interno. Se acaso se vierem a estabelecer grandes unidades dispendiosas, como aquelas que foram atrás referidas, vai-se construir uma economia de cima para baixo e as atividades agrícolas terão de se adaptar, o que vai conduzir a um desastre. Todas essas fábricas exigem infraestruturas económicas, financeiras, técnicas, estradas, portos, uma pujante rede comercial: isso existe em Dakar, não em Bissau. Dowbor recomenda que haja uma estratégia judiciosa para se multiplicarem pequenas instalações pelo país, será o modo melhor estruturado para elevar o nível tecnológico geral capaz de operar um processo de industrialização mais dinâmico. Se for assim, as povoações ficarão equipadas de pequenas máquinas para descascar o amendoim e poder-se-á usar tanto a tração animal como a motor. Virá a seguir a indústria têxtil para utilizar o algodão. Os relatórios apontam para as grandes possibilidades associadas à pesca, seria interessante que o governo ponderasse empresas mistas suscetíveis de trazerem divisas e um abastecimento barato de proteína para o mercado interno. O mesmo se poderá dizer de um estratégia florestal muito acompanhada de perto e que não deverá obedecer à lógica pura do lucro, só interessada em desbastes sem reflorestamento.

O tempo veio dar razão às piores previsões de René Dumont.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17626: Notas de leitura (981): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16995: Notas de leitura (924): Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 (Mário Beja Santos)

Amílcar Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues
Com a devida vénia a Casa Comum


Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Folheava os "Ecos da Guiné", publicação oficial que teve audiência nos anos 1950, e deparou-se-me uma série de boletins informativos que saíram do punho de Cabral, quando ele estava à frente do Posto Agrícola Experimental dos Serviços Agrícolas e Florestais.
Tendo saído menino e moço para Cabo Verde, regressa a sua terra-natal depois de diplomado em Engenharia Agronómica, especialidade de erosão de solos. Vem acompanhado pela mulher, aqui chegam em Setembro de 1952. É um período sobre o qual se teceram algumas lendas: que teria sido expulso, o que se dá como não provado; que graças ao recenseamento agrícola a que procedeu entre 1953 e 1954, ganhou a confiança das populações, o que é manifesto exagero, Cabral percorreu território muito rapidamente, mas é certo e seguro que ficou a conhecer a natureza dos solos e sobretudo as reais capacidades do uso de certas regiões para constituir bases de guerrilha, no interior da Guiné. Escrevia com precisão e rigor, com um domínio absoluto da língua, como estes excertos comprovam.
Os especialistas já conhecem estes documentos, mas é bom que eles venham até ao nosso auditório.

Um abraço do
Mário


Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 

Beja Santos 

Em Setembro de 1952, Amílcar Lopes Cabral está à frente do Posto Agrícola Experimental dos Serviços Agrícolas e Florestais da Província. Introduz um novo método de comunicação, redige boletins informativos que irão ser publicados em “Ecos da Guiné”, uma publicação oficial que era seguramente lida pelo funcionalismo da Administração e um vasto público ledor da região.

No número 30, com data de 1 de Janeiro de 1953, é publicado o Boletim Informativo n.º 1. Escreve Cabral (não vem assinado, mas é inequivocamente prosa sua): “Constitui um lugar-comum a afirmação que a agricultura é a base da economia da Guiné. Daí o caráter de ‘problema central’ de que se revestem ou devem revestir-se todos os assuntos referentes a esse ramo de produção. Ao posto agrícola experimental está, ou deve estar, reservado o papel de concorrer efetivamente para o melhoramento e o progresso da agricultura guineense”. Pouco depois de empossado Cabral apresenta um relatório sobre o estado em que se apresentava o estabelecimento. Abaixo se publicam alguns estratos. “Duas condições, pelo menos, devem estar na base da consecução deste objetivo: a) a competência e dedicação de quem dirige o posto bem como de todos os trabalhadores; b) o apoio (moral e material) não só da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas e Florestais, mas também do próprio Governo da Província. Essas condições, indispensáveis, completam-se. São a mola real que poderá fazer com que o posto saia da letargia e do abandono em que tem vivido”.
“… O Posto não é, nem deve ser, como muitos parecem julgar a ‘granja do Estado’, destinada a satisfazer as necessidades de alguns habitantes da capital, em hortaliças e frutas. Hoje, este organismo deve corresponder à necessidade da existência de uma Estação de Experimentação Agronómica, cujo objetivo seja o melhoramento da agricultura, base da economia da província. Experimentação orientada cientificamente, de molde a conseguir resultados práticos imediatos, que sirvam o progresso da terra e do Homem. Fora deste objetivo, sem a dedicação dos seus trabalhadores e sem o efetivo apoio das entidades superiores, o posto não passará de um permanente motivo de vergonha”.

Sobre este relatório de Cabral, o Chefe da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas e Florestais, despacha do seguinte modo: “Na própria elevação dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné, dos quais o Posto Agrícola é uma das suas imagens reais, todo o apoio será uma realidade”. E o Governador da Guiné procede ao seguinte despacho. "Cremos que meios materiais, dentro do possível, não lhe serão regateados”.

Segue-se a descrição do trabalho executado no primeiro trimestre, é minucioso no que se impõe fazer no campo, nas dependências da granja de Pessubé, sobre o estado das culturas, viveiros e experimentação. Sobre esta última matéria, observa o diretor: “Deve dizer-se que não existe atualmente no Posto qualquer trabalho de experimentação, na sua aceção técnico-científica”. Refere amendoins, bananeiras, café, cacau, cana-sacarina, cultura do algodão.

No número de Fevereiro de 1953, “Ecos da Guiné” publicam o Boletim Informativo n.º 2. Fala-se de uma virose chamada Roseta que flagela a cultura do amendoim, volta-se a reportar o trabalho executado quanto ao estudo das culturas, qual o plano de trabalho para a época que se avizinha e quanto à experimentação é referido que “a cultura experimental do algodão tem-se desenvolvido de molde a permitir uma esperança no seu êxito”. E entra também na observação de outras espécies: trigo, sorgo, cânhamo, soja, girassol, algumas variedades de tabaco.

O Boletim Informativo n.º 3 é publicado em “Ecos da Guiné” no número referente a Maio de 1953, fala-se de jutas, dá-se conta do trabalho executado, o estado das culturas, e a narrativa ganha alento quando se fala da experimentação, com os resultados obtidos no algodão, cana-sacarina, cultura do girassol, feijões, soja, trigo, tabaco.

Na edição de Julho e Agosto de “Ecos da Guiné” publicam-se os Boletins Informativos 4 e 5, e temos aqui um texto esclarecedor da personalidade de Cabral: “Há na Guiné escassez de braços aptos a trabalhar a terra? Não há escassez de braços. Acontece apenas que o agricultor indígena tem relutância em trabalhar por conta alheia. Voluntariamente, trabalha por conta própria, integrado nos costumes da sua comunidade. Na base desta atitude existirá por certo, uma razão económica”. E na sequência destas considerações, prevê grandes mudanças devido à mecanização agrícola, que se adivinha.

Acaba aqui o boletim informativo. Cabral e a mulher, Maria Helena Vilhena Rodrigues, vão envolver-se em fins de Setembro no Recenseamento da Agricultura Indígena, por insistência da FAO. Estão nesta altura já recenseadas as circunscrições de Farim, Mansoa e Teixeira Pinto. Estes textos que acabamos de reproduzir virão a ser publicados nas obras agronómicas de Amílcar Cabral, os seus relatórios referentes ao recenseamento agrícola serão primeiramente publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Findo o recenseamento, Cabral e a mulher adoecem com o paludismo (há uma corrente mítica que pretende que Cabral foi expulso da Guiné pelo Governador Mello e Alvim, não há nenhuma prova, o próprio biografo de Cabral, Julião Soares Sousa, contesta) e regressam a Lisboa. A vida de Cabral vai mudar, trabalhará em Portugal e em Angola até 1959, em seguida parte para a clandestinidade, no Norte de África.

Fotografia atual da casa da Granja de Pessubé em que viveram Amílcar Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues, reproduzida no nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16990: Notas de leitura (923): "A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Porto, Caminhos Romanos, 2016, muitos anos de pesquisa de arquivo, um milhar de páginas, fotos, mapas e outra documentação preciosa... Uma obra de referência, de grande rigor, incontornável. Pref. do almirante Nuno Vieira Matias, antigo cmdt do DFE 13 (CTIG, 1968/70)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15977: Nota de leitura (829): “A África começa mal”, de René Dumont, edição portuguesa de 1965 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Este livro de René Dumont é hoje uma reminiscência histórica, um trabalho de referência que acabou por deixar os dirigentes africanos de então tanto irritados como indiferentes. Não era possível acusar o reputadíssimo agrónomo de neocolonialista, acusaram-no de pouco condescendente e exigente em excesso nas suas propostas sobre o campesinato, a industrialização, a melhoria da pecuária, etc. E não lhe perdoaram a denúncia dos políticos corruptos, vaidosos e tribalistas.
É uma reminiscência histórica mas passadas todas estas décadas dá que pensar como a África não sai da estagnação, tal como René Dumont aqui denuncia.

Um abraço do
Mário


A África começa mal, por René Dumont

Beja Santos

A edição francesa de “A África começa mal”, de René Dumont data de 1962, em 1965 surgia a sua edição portuguesa com prefácio de Raquel Soeiro de Brito que cedeu fotografias de colónias portuguesas de África. O livro provocou celeuma, vindo de onde vinha. Dumont era já nessa altura um dos maiores especialistas mundiais de agricultura, com obra exemplar, indiscutível, no continente africano. O seu tremendo libelo dirige-se fundamentalmente aos países de África negra francófonos, ele levava já um palmarés de estudos como assessor de Chefes de Estado e de departamentos ministeriais de muitos países independentes, caso de Madagáscar, Guiné Francesa, Costa do Marfim, Mali, Congo, Chade, Daomé, Senegal, Camarões. Com este título provocatório, o agrónomo procura demonstrar que África não é um continente maldito apesar de marcar passo, enuncia os principais obstáculos e tem sempre argumentação persuasiva ao dizer que a savana e a floresta podem fazer a revolução agrícola e dá pistas para uma nova maneira de pensar a formação, a cooperação entre camponeses, a política de crédito e os apoios ao desenvolvimento por parte dos países mais industrializados.

Convém nunca perder do horizonte temporal quando foi escrito este importante documento, início da década de 1960.

Dumont começa por explicitar as dificuldades tropicais: a insalubridade do clima, as doenças, os solos depauperados, as carências alimentares de diferente índole, a formação de couraças férricas ou lateríticas ressequidas, enfim, os vales e os litorais difíceis de drenar. E comenta: “O homem negro encontra-se fechado no círculo infernal de uma agricultura subprodutiva, realizada por homens subalimentados numa terra não fertilizada”. E contrapõe com um argumento demolidor falácias de então e de hoje: “Muitos europeus têm mostrado tendência para tornar o negro, que logo de princípio batizaram de primitivo (quando não de preguiçoso, ladrão e mentiroso) inteiramente responsável pelo seu atraso e por todos os seus males. Esquecemos facilmente que há séculos que o homem branco explora sem escrúpulos esse continente negro; primeiro através da escravatura e do comércio de trocas, depois através da colonização. E quando as metrópoles manifestaram o desejo de provocar o desenvolvimento económico aumentando o seu auxílio, este foi durante muito tempo, e ainda hoje é, bastante inadequado”. Revela em toda a sua extensão os desgastes do tráfico de escravos, a par das guerras intestinas multiplicadas, e de seguida desmonta as infraestruturas onerosas, o custo excessivo dos trabalhos hidráulicos, os porquês do fracasso da mecanização prematura.

E se o libelo acusatório já ganhou ressonância pelos factos irrefutáveis dos erros do colonialismo, agora o investigador muda da tribuna e desmascara o tribalismo africano, os salários chorudos da nova classe política, as novas manifestações do nepotismo, a administração pública inflacionada, as moradias sumptuosas, os carros dispendiosos para mostrar o estatuto do presidente sempre acompanhado de batedores. De forma clara, Dumont mostra como as elites africanas se preocuparam em tomar o lugar dos brancos e em gozar-lhes as vantagens. Ainda dentro desta sequência, levanta o véu a várias perversidades. Por exemplo, “para a maior parte das crianças das cidades e dos campos a escola representa acima de tudo a possibilidade de acesso à casta privilegiada do funcionalismo público”.

Estes governos africanos confiavam num novo Deus, o planeamento cuja elaboração era confiada a tecnocratas, a maior parte deles estranhos ao país, sem dispor de meio de saber o que pensam do plano os trabalhadores e os agricultores. Pensou-se num planeamento de caráter socialista quando a economia era mais do que primária e sem haver a certeza nos investimentos públicos e privados. Muitos fracassos vieram imediatamente à tona, caso dos preços elevados de açúcar, dos adubos e de certas indústrias alimentares. Por isso Dumont disseca um sem número de obstáculos ao desenvolvimento agrícola e propõe correções nas plantações em zona florestal, na cultura do algodão e do amendoim, no desenvolvimento da irrigação, na cultura do arroz, na eliminação de obstáculos à intensificação da pecuária. O agrónomo adverte que a África deve rever a sua escola, reabilitar a quinta/escola, descobrir as formas mais apropriadas do crédito e animar os agricultores à cooperação com medidas concretas e no pleno respeito dos valores culturais dos diferentes povos. Recorda que há lições a ter em conta e dá os exemplos da Suécia, Israel, Jugoslávia, Polónia, Cuba, URSS e China. Mas também não deixa de ser franco ao dizer que os auxílios são indispensáveis não devem saldar-se em subordinação. Muito ao sabor da época, recorda aos dirigentes africanos as plenas vantagens das organizações unitárias, sem esquecer os seus pressupostos básicos: “Uma confederação de Estados perfeitamente autónoma, pela sua política interna e pela sua conceção mais ou menos liberal ou socializante, teria mais possibilidades, mas seria necessário que existisse um mínimo de acordo, nomeadamente para a política externa; as uniões económicas podem suprimir as alfândegas, permitem confrontar os planos e alargar os mercados”. Considera que a África se defenderá melhor diversificando a sua agricultura e deixando de pensar unicamente no rico Ocidente Atlântico. E como no manifesto, recorre a uma linguagem de exaltação e retórica: “Acabamos de pedir aos africanos, camponeses e governantes, funcionários e estudantes, que forneçam para o seu desenvolvimento um esforço e sacrifícios, que sejam, em suma, heróis e santos. A que título o faremos nós, que temos uma vida tão fácil, resultado principalmente do trabalho dos nossos antepassados, e em seguida dos nossos trabalhadores e camponeses? E que fizemos nós até agora para os auxiliar mais eficazmente? Chegou o momento de procurar fazer à África propostas verdadeiramente honestas de lhe dar um auxílio realmente desinteressado, que se preocupa em primeiro lugar, com o seu próprio desenvolvimento, e não com o prolongamento de privilégios abusivos”.

Para o melhor ou para o pior, o documento de René Dumont revelou-se certeiro. Porém, nem africanos nem brancos lhe procuraram dar razão.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15960: Nota de leitura (828): “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961-1974”, por John P. Cann, Academia da Marinha 2014 (Mário Beja Santos)

domingo, 20 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10968: Amílcar Cabral, um agrónomo antes do seu tempo (Carlos Schwarz, Pepito, eng agr) (II e Última Parte)

AMILCAR CABRAL, UM AGRÓNOMO ANTES DO SEU TEMPO (II e última parte)


Por Carlos Schwarz
(engenheiro agrónomo)
Novembro
2012

Publicado originalmente no sítio oficial da AD - Acção para o Desenvolvimento, 11 de janeiro de 2013. Cortesia do autor, que é membro do nosso blogue.

(Continuação) (*) 

O PENSAMENTO AGRONÓMICO DE CABRAL  

A primeira grande e decisiva rutura com os conceitos estabelecidos, dá-a Cabral desde o início, já quando estava a realizar a sua tese no Alentejo. Na altura, vigorava o princípio de que o avanço da agricultura se faria exclusivamente através da introdução de novas técnicas agrícolas. Mais tarde viriam a designar esta opção como “pacote tecnológico”. Cabral, embora reconhecendo a necessidade de se fazer uso de técnicas alternativas, centra no Homem o desafio de toda a evolução agrícola. Basta ver que a agricultura colonial se fazia baseada exclusivamente no trabalho de especialistas das doenças do cafeeiro, de solos, etc., sem que a agricultura fosse vista como um conjunto de componentes em que o ator principal era o agricultor, sujeito ativo e interessado na sua evolução.

Cabral rompe com essa visão e integra o elemento humano, o agricultor, como o elemento determinante da modernização agrícola, desempenhando a introdução de novas técnicas agrícolas como uma resposta aos problemas sentidos pelos agricultores. Nesses tempos, fruto desta visão, culpabilizava-se facilmente os agricultores pelo falhanço da não ou má-utilização dessas técnicas, sem se perceber que o nó do problema residia na não compreensão por parte dos técnicos das reais prioridades dos agricultores. É curioso notar que, hoje em dia, aparecem técnicos na Guiné-Bissau, com uma visão ridiculamente oposta, afirmando que não são necessárias inovações técnicas, devendo-se deixar os agricultores entregues a si próprios, uma vez que eles praticam milenarmente a agricultura e já sabem tudo. 

[Foto à direita: Amílcar Cabral. Foto do arquivo de Clara Schwarz, Lisboa, 2012]

Para Cabral, a modernização da agricultura devia partir do conhecimento dos sistemas agrários e não da sua compartimentação em disciplinas agrícolas, em que se corria o permanente risco de se ter uma visão e ação parcelar dos desafios locais. Cabral, já nessa altura, perfilhava a tese de que se devia ter simultaneamente um conceito global dos desafios da agricultura e o sentido realista de intervir pontualmente, com respostas práticas às necessidades dos agricultores. Por outras palavras, eram estes que deviam determinar a agenda agrícola da pesquisa e vulgarização e não as estratégias da metrópole colonial a definir a mancarra, o algodão, o café, o cacau, etc., como as espécies a incrementar nas diferentes colónias. 

Foi o primeiro a questionar o sistema de agricultura baseado na monocultura, naquela altura o da mancarra, o que representava um perigo para a economia com as flutuações anuais dos preços nos mercados externos, o que colocava o agricultor numa situação de dependência, risco e incerteza. Também a monocultura sujeitava-o à possibilidade de, num mau ano agrícola, não dispor de nenhuma alternativa financeira para fazer frente às suas necessidades alimentares. Acresce que, no caso da mancarra, provocava uma irreversível degradação dos solos, em especial através da sua erosão. Este alerta não só não foi ouvido na altura, como não foi compreendido no pós-independência, estando a Guiné-Bissau a viver hoje o drama do cajueiro. Para Cabral, era preciso “diversificar a produção para não depender só de um produto”.

A importância da implantação de um “sistema de pesquisa-vulgarização” foi assumido desde o início da sua atividade como agrónomo. A transformação do estatuto da Granja de Pessubé em centro de experimentação agrícola, assim como a criação de uma rede de postos dispersos no país para a realização de ensaios de adaptação varietal, evidencia a importância da dinâmica “experimentação-divulgação” na modernização da agricultura guineense. De tal forma que os primeiros resultados dos ensaios realizados, começaram logo a serem difundidos e utilizados.

Os perigos e limites da mecanização agrícola (Cabral refere-se apenas à motorização, não incluindo a tração animal) são exaustivamente abordados num texto de 1953, uma vez que ele é confrontado, logo à sua chegada a Bissau, com uma tese muito em voga, que atribuía o atraso da agricultura guineense ao não uso de tratores agrícolas.

Chama a atenção para vários aspetos, sejam eles de ordem técnica ou socioeconómica, entre os quais o da maioria dos solos agrícolas (encosta e planalto) ser de pequena profundidade útil e “vocacionados” para a erosão, pelo que a mobilização do solo por tratores podia revelar-se prejudicial quando ultrapassa os horizontes aráveis. Existia a ideia errada de que, com a mecanização, se iria aumentar os rendimentos unitários das culturas, quando o máximo que aconteceria, era o aumento da produção. A motorização começa por ser uma questão cultural que exige do agricultor um relacionamento com o motor nos domínios da manutenção, funcionamento correto, planificação, programação, compra de peças sobressalentes, tratoristas, mecânicos, sendo que tudo isso necessita de levar o seu tempo e consolidar-se de forma gradual e lenta. Finalmente, a sustentabilidade financeira do trator prende-se com a sua utilização em culturas comerciais, podendo penalizar a segurança alimentar da unidade familiar de produção e, consequentemente, do país. 

A indiscriminada “recuperação de bolanhas”, feita a eito e sem critério, com o único objetivo de aumentar a superfície cultivada e de ganhar dividendos políticos, foi posta em causa por Cabral, que defendia que o grande desafio que se deparava à agricultura guineense era o do aumento dos rendimentos unitários para ter maiores produções e não o de apostar apenas em aumentar as áreas cultivadas. Na recuperação de bolanhas o caso é ainda mais pertinente, uma vez que são solos com características bem específicas, em que os níveis de salinidade e de acidez são determinantes para inviabilizar os solos ou deles obter rendimentos tão baixos que não justificam o investimento. De nada serve recuperar bolanhas onde se obtenham reduzidas produções de arroz. Curiosamente, esta questão ainda hoje está na ordem do dia, aparecendo decisores e financiadores a investirem em recuperações de bolanhas de produção duvidosa e discutível, politique oblige…

A luta contra a degradação dos solos devido às praticas culturais que favoreciam a sua erosão, a escolha de espécies que acentuavam a diminuição da sua fertilidade, o aumento das queimadas e a redução do período de pousio que limitava a regeneração dos solos mais frágeis, foi outra tónica dominante do pensamento agronómico de Cabral. Procedeu a vários estudos locais e à redação de textos sobre estudos realizados em Fulacunda, insistindo na necessidade da modificação de técnicas culturais que contribuíssem para diminuir os riscos de erosão e para o reforço da sua fertilização, como o do uso da prática da consociação de culturas, o prolongamento do período de pousio e o da preocupação com a cultura de espécies penalizadoras, como a mancarra.

É interessante notar as preocupações ambientais de Cabral, numa época em que elas não existiam e, sobretudo, defendendo um conceito mais avançado, que ainda hoje não é compreendido nem aceite por alguns ecologistas fundamentalistas. Para Cabral, “o Homem também é natureza” e este tanto era percebido como alguém que contribuía para desregular os recursos ambientais, como era visto como o incontornável promotor da sua preservação, em função dos diferentes sistemas de produção das diversas etnias (a que ele chamava “povos”) e a sua atitude perante o uso que cada um fazia dos ecossistemas. Cabral “ambientalista” fazia-se notar sobretudo nas suas reservas à mecanização, à erosão dos solos, às queimadas incontroladas, aos curtos pousios, ao pouco uso da consociação de culturas e à reduzida prática da fertilização natural dos solos. Não considerava o agricultor como um anti-ambientalista que precisasse de ser “educado”, como muitos ainda hoje defendem, mas como o elemento determinante para que, gerindo bem os recursos, os pudesse vir a utilizar em proveito próprio.

Este conjunto de pensamentos que Amílcar Cabral defendia de forma pragmática, mostra até que ponto foi um agrónomo antes do seu tempo, não nos custando a aceitar que, com ele, o pós-independência teria sido muito diferente.

A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA ENQUANTO  PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO

A forma como Cabral abordou a execução do censo agrícola, acaba por ter os mesmos princípios norteadores que o levam a encarar a preparação da luta pela independência. No recenseamento ele foi confrontado com a exiguidade de recursos humanos, a falta de meios logísticos e poucos recursos financeiros, mas isso não o impediu de levar a tarefa por diante, com enorme sucesso, de tal forma que ainda hoje, 60 anos depois, ele é a base de qualquer informação séria de que se necessite. Também a Luta é começada a preparar com reduzidos recursos, mas é igualmente um sucesso, porque assenta na vontade, determinação, convicção e competência daqueles que nela se envolvem. Contrariamente à tendência “habitual”, que ainda hoje persiste, de nos escusarmos na falta de meios para justificar a nossa incapacidade ou desinteresse, Cabral concebeu uma estratégia a partir da valorização dos poucos recursos que existiam, condicionando o ritmo de avanço e de progresso ao seu aumento e ao maior domínio que deles se ia conseguindo. Durante todo o período da Luta, este foi um princípio sagrado de Cabral, consubstanciado na palavra de ordem: “não dar um passo maior que a perna”. 

Cabral optou pelo envolvimento gradual dos camponeses nas ações, por fases, à medida que os protagonistas iam adquirindo competências e saberes, sem nunca ter pressa em acelerar o ritmo de execução e acabar por “descolar” dos militantes rurais. Nunca imprimiu uma dinâmica que queimasse etapas e exigisse dos camponeses, o maior viveiro de combatentes, atividades para as quais ainda não estavam preparados, apostando tudo na sua organização e capacitação. Tal como se passa na agricultura, a Luta começa com ações simples e de resultados imediatos, que entusiasmam e mobilizam os seus participantes, os quais vão compreendendo e apropriando-se dos mecanismos de conceção e decisão, ganhando maturidade organizativa que lhes permite assumir novas responsabilidades.

Tal como se passa no associativismo agrícola, é importante ter grupos de liderança pequenos, dinâmicos e consequentes, de nada valendo pensar que ter direções pletóricas de militantes é uma boa forma de fazer todos participar. Quando o grupo é grande, começa a verificar-se uma demissão de responsabilidades, empurrando para os outros as suas próprias funções e atribuições e acabando por ficar reduzido à sua expressão mínima, com o inconveniente de se tornarem lideres descrentes e inconsequentes. Privilegiando-se a criação descentralizada de vários grupos de ação em função das atividades e em que os lideres irão sendo envolvidos pelo seu engajamento, capacidade de trabalho em grupo, mobilização dos recursos humanos e pragmatismo criativo na condução das ações, a ocupação territorial é mais consequente. 

À partida, um processo de desenvolvimento inovador é sempre minoritário, pelo que, para Cabral se impôs começar pequeno e evoluir gradualmente para um final com grande número de iniciativas simultâneas, coordenadas e reciprocamente potenciadoras. De nada serviria começar a toda a velocidade, gerindo muitas iniciativas ao mesmo tempo para, em pouco tempo e sem a experiência dos quadros locais, se perder o rumo e cair no descrédito. A descentralização dos grupos de ação favoreceu que os melhores militantes sobressaíssem mais rapidamente, que adquirissem maior poder de iniciativa sem ficarem amarrados a uma estrutura centralizada e pesada.

Um processo de desenvolvimento para ser independente devia envolver parceiros estrangeiros o mais diversos possível, pelo que nunca se limitou aos países de leste (China, URSS e os outros do Pacto de Varsóvia), sensibilizando países ocidentais, como a Suécia, e organizações militantes dos EUA, Alemanha, França, etc. Cabral, tal como se opôs à monocultura, apostou forte na diversificação que lhe permitiu garantir a independência de pensamento e ação do PAIGC e ultrapassar sem problemas de maior o conflito sino-soviético, o qual chegou a ser ocasionalmente condicionante. 

Amílcar Cabral [, foto `esquerda, Livro de Leitura de 2ª Classe, do PAIGC], embora tenha dedicado, por razões óbvias, uma particular atenção à frente armada, concebeu a Luta pela Independência como um processo onde todas as componentes da vida humana assumiam uma igual importância: saúde, educação, justiça, comércio, cultura, conhecimentos locais, sensibilização internacional, infraestruturas e a agricultura. A sua formação e prática de agrónomo contribuiu certamente para esta perceção, defendendo desde o princípio que não desejava militares mas sim “militantes armados”, isto é, lembrando a todos que as armas eram apenas um momento circunstancial e que o mais importante era o desenvolvimento integral do país. O futuro veio a mostrar, de forma dramática, que Cabral perdeu esta sua aposta. Se durante a Luta era o Comissário Político que dirigia o comandante militar, já poucos anos depois da independência o militar considerou ser o único responsável pelo sucesso da Luta.

Tanto mais dramáticas são as consequências que se registaram, quanto Cabral sempre se assumiu como uma pessoa profundamente antimilitarista:

(i) desde o início tenta persuadir o poder colonial para que a Independência se faça de forma pacífica, sem recorrer a uma guerra, posição não aceite por Salazar, líder de uma das mais retrógradas ditaduras da Europa;

(ii) ao longo dos 11 anos de guerra reafirmou sempre a sua disponibilidade em negociar, tanto mais que, como ele sempre dizia, “ambas as partes falam a mesma língua, o português, e podem entender-se rapidamente”;

(iii) chegou ao ponto de, durante a Luta, dar ordem rigorosa para que a ponte do Saltinho, no rio Corubal, não fosse destruída, apesar dos benefícios militares que daí poderiam ter advindo para a guerrilha, ao impedir a ligação norte-sul da tropa colonial; fundamentava esta decisão perguntando, “e depois da independência, onde vamos nós buscar fundos para a reconstruir?”

OUTROS TRABALHOS AGRONÓMICOS

Para além dos trabalhos realizados na Guiné-Bissau, Amílcar Cabral exerceu atividade agronómica em Portugal, Angola e Alemanha, a partir de Março de 1955, quando ele e Maria Helena são “expulsos” do país, depois de dois anos e meio de intenso trabalho.

São numerosos os documentos técnicos então produzidos por Amílcar Cabral, referentes àqueles países, tendo por objetivo:

(i) obter recursos financeiros que lhe permitissem viver com dignidade;

(ii) praticar a sua profissão ganhando novos conhecimentos e experiência;

(iii) aguardar a altura de dar o “salto” para o interior da Guiné-Bissau para prosseguir a luta pela independência que começara a organizar logo que, acabado o curso, foi para Bissau

Não nos iremos pronunciar sobre estes estudos e documentos, uma vez que eles não dizem respeito à Guiné-Bissau e serão menos relevantes para a agricultura guineense.

NOTA FINAL

Depois da libertação total da Guiné-Bissau, em 1974, apenas uma pessoa, Luís Cabral, irmão de Amílcar e primeiro Presidente da Republica, vi ter compreendido o seu pensamento agronómico, investindo seriamente na agricultura, lançando numerosos projetos e acompanhando-os permanentemente no terreno com entusiasmo e encorajando os seus técnicos protagonistas. As frequentes visitas ao Centro Orizícola de Contuboel, onde para além da pesquisa se introduziu, pela primeira vez na Guiné-Bissau, a cultura de arroz na época seca, assim como à ENAVI, empresa pública de produção de galinhas e ovos, são disso exemplo.

Depois dele, nenhum outro Presidente se interessou ou se dedicou à promoção e modernização da agricultura guineense.


BIBLIOGRAFIA

- Estudos Agrários de Amílcar Cabral, INEP, 1988

- Juvenal Cabral, Memórias e Reflexões, Instituto da Biblioteca Nacional, Cabo Verde, 2002

- Luís Cabral, Crónica da Libertação, O Jornal, 1984


AGRADECIMENTOS

Para a elaboração destas breves notas recorremos a informações e opiniões de pessoas que nos ajudaram e a quem muito devemos e agradecemos.

Em primeiro lugar os numerosos combatentes da luta pela independência das Matas de Cantanhez, primeira zona libertada, e que nos foram contando, ao longo de anos, a sua vida durante a Luta, das suas tabancas e dirigentes que lá estabeleceram os seus acampamentos de guerrilha.

A Bacar Cassamá, monitor da Granja de Pessubé e antigo combatente de primeira hora, com quem lamento não ter conversado mais tempo.

A José Araújo, dirigente do PAIGC que nos contou, quando estávamos na direção da JAAC (Juventude do Partido) muitos dos pensamentos de Amílcar Cabral, em especial o que ele estava a conceber para o pós-independência. 

A João da Costa, extraordinário intelectual, combatente da independência, que me foi relatando de forma analítica e crítica a história da Luta, dos seus protagonistas e das diferentes frentes, incluindo “a das louras”, o que me permitiu perceber as razões de fundo das sinuosidades do percurso do PAIGC.

A Flora Gomes, cineasta e antigo aluno da Escola Piloto de Conakry, que conviveu de perto com Cabral e que tanto insistiu, apoiou e contribuiu para que elaborássemos estas notas, tendo nós a esperança que elas possam ser úteis para o “filme da sua vida” a que recentemente se abalançou: “Amílcar Cabral”. 

A Clara Schwarz da Silva [, foto à esquerda, S. Martinho do Porto, 21 de agosto de 2010], amiga de primeira hora de Amílcar e Maria Helena, e que procedeu à tradução dos textos “Feux de Brousse et Jachères dans le Cycle Culturel Arachid-Mils” e “À Propôs du Cycle Culturel Arachide-Mils en Guinée Portuguaise” por ele apresentados na Conferência Arachide-Mil, em Bambey, Senegal em 1954 e que gentilmente cedeu as fotografias inéditas em que Amílcar Cabral está presente e que fazem parte da sua coleção pessoal.

Texto: Carlos Schwarz
Novembro de 2012


[ Ver, no sítio do Público, o trabalho de multimédia (7' 35''), da autoria de Joana Bourgard, “Amílcar queria de facto fazer bem àquele povo”, que inclui diversos depoimentos de pessoas que conheceram Cabral, e que ainda estão hoje estão vivas. como a nossa amiga Clara Schwarz, mãe do Pepito e decana do nosso blogue]
______________

Nota do editor:

sábado, 19 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10966: Amílcar Cabral, um agrónomo antes do seu tempo (Carlos Schwarz, Pepito, eng agr) (Parte I)


Amílcar e Maria Helena recentemente chegados a Bissau


1. Em 11 do corrente, o sítio oficial da AD - Acção para o Desenvolvimento publicou um notável texto do nosso amigo Pepito sobre o eng agr Amílcar Cabral e o seu pensamento pioneiro, no domínio da agronomia. A meu pedido, ele de imediato me mandou esse texto, para publicação no nosso blogue.  Dividimo-lo em duas partes, a publicar por ocasião dos 40 anos do seu bárbaro e cobarde assassinato em Conacri, em 20 de janeiro de 1973. Cabral e a mulher, Maria Helena, portuguesa, silvicultora,  sua colega do ISA - Instituto Superior de Agronomia, eram amigos da família Silva (Artur Augusto Silva e Clara Schwarz Silva). Há um texto introdutório na página da AD. Aqui vai:  representa o ponto de vista dos nossos amigos, guineenses,  da AD,  não vinculando naturalmente o nosso blogue e os seus editores (LG).



Página oficial da AD - Acção para o Desenvolvimento


AD - Acção para o Desenvolvimento > Pensar Amílcar Cabral
11 jan112013

Este ano, no dia 20 de Janeiro, assinala-se o 40º aniversário do primeiro assassinato de Cabral, em Conakry.

Depois destes anos todos, os dados são mais claros, conhecendo-se muito melhor os organizadores, os mandantes e os coniventes, já que os executores nunca houve dúvidas sobre eles.

Embora haja quem persista em considerar, ao mesmo nível, a eventualidade da implicação de três organizadores: Spínola, Sekou Touré e alguns dirigentes do PAIGC, cada vez fica mais evidente que o principal organizador foi Spínola, que obteve aí a sua única vitória na vida.

Não foi uma vitória militar, porque ele nunca a teve, mas sim política. O ponto mais forte e simultaneamente mais fraco da Luta, era o da “unidade Guiné-Cabo Verde”. Ele conseguiu jogar essa cartada e mobilizar para a sua causa, militantes politica e mentalmente pouco preparados, predispostos para a traição e com uma ambição desmedida.

No 14 de Novembro, Cabral volta a ser assassinado no golpe de estado dirigido por Nino Vieira. Se durante 3 dias não se falou de PAIGC, já de Cabral então foi o silêncio completo durante longos anos.

Hoje, golpistas e seus mentores, voltam a agitar a bandeira de Amílcar Cabral, dizendo-se seus verdadeiros continuadores. Mas, porque nunca perceberam nem entenderam o pensamento de Cabral, falam do Cabral morto, não das suas ideias, posições políticas e opções ideológicas.

Saberão eles que Cabral recusou, no início da luta, deslocar-se à Argélia após o golpe de estado que derrubou Bem Bela, porque não pactuava com estes métodos?

Conta o jornalista-cronista francês, Gérard Chaliand, que acompanhou e divulgou a Luta de Libertação da Guiné-Bissau, no seu livro de memórias “A ponta da navalha” que quando disseram a Nelson Mandela “tu és o maior”, este respondeu com toda a simplicidade “não, o maior é Cabral”.

Quarenta anos depois, a AD partilha com todos um ensaio sobre o pensamento agronómico de Amílcar Cabral, “Um agrónomo antes do seu tempo”.

É o nosso pequeno contributo. 


2. AMILCAR CABRAL: UM AGRÓNOMO ANTES DO SEU TEMPO


Por Carlos Schwarz
(agrónomo)
Novembro
2012






À memória de meu pai Artur [Augusto Silva] que, desde criança
me incentivou, sem que eu me apercebesse,
a seguir os caminhos da agronomia;


À minha mãe Clara [Schwarz] que sempre esteve solidária 
com as minhas opções e nas mãos de quem vi, 
pela primeira vez e ainda nos tempos da ditadura, 
os símbolos do PAIGC; 

À Isabel [Levy Ribeiro] , minha forte e decidida companheira de sempre
nesta caminhada difícil mas extraordinária;


Aos meus filhos Cristina, Ivan e Catarina 
que partilham corajosamente e sem hesitações 
os sobressaltos políticos da vida dos seus pais;

Às minhas netas Sara e Clara com a esperança
de um dia poderem viver tranquilamente
na terra adiada com que Cabral sonhou.



AMILCAR CABRAL, 
UM AGRÓNOMO ANTES DO SEU TEMPO [, foto à direita,]


Aos 28 anos de idade, em Setembro de 1952, poucos meses após ter terminado o curso, regressava à terra que o viu nascer, o agrónomo Amílcar Cabral.

No pensamento trazia certamente as palavras que seu pai, Juvenal Cabral, escrevera no livro “Memórias e Reflexões”, quando se instalara em Bissau em 1911, após “ter deixado as rochas nuas da Paria Negra, da Achada Grande, do Lazareto, e cujo aspeto, severo e triste, parece simbolizar o sofrimento e a dor, meus olhos, maravilhados, contemplaram sem cessar a paradisíaca majestade da flora que, de modo misterioso parece emergir do mar! Por toda a parte árvores frondosas, lindos e esquisitos arbustos que, verdejantes, se espalham pelo solo como tapetes no chão”. “Tudo isto é opulência e vigor, é maravilha que encanta, é riqueza que seduz e predispõe um rapaz a encarar com otimismo a vida neste país.”

Esta visão de seu pai terá influenciado Amílcar Cabral a optar por exercer a sua profissão na Guiné, para além de que, naquela época, a agricultura em Cabo Verde estar votada ao abandono e onde a maior parte dos homens emigrava para o norte (EUA, Portugal e Holanda) à procura da sobrevivência e da vida, tanto mais que outros, desde o final do século XIX, demandavam a Guiné para se dedicarem à agricultura, especialmente cana-de-açúcar, quase sempre associada ao fabrico de aguardente de cana.

Um agrónomo que quisesse de facto exercer a sua profissão, teria de optar pela Guiné, onde tudo podia ser feito, onde tudo estava por fazer e onde a quase totalidade dos habitantes eram pequenos agricultores “indígenas”.

Acompanhava-o a sua primeira mulher, Maria Helena Rodrigues, silvicultora, que chegando 3 meses depois dele, ia conhecer pela primeira vez a cidade de Bissau, nessa altura uma pequena urbe com muito poucos habitantes, espalhados por duas zonas distintas: de um lado a cidade colonial, dita “civilizada”, que incluía a Fortaleza da Amura, o agora chamado “Bissau Velho”, o porto de Pindjiguiti e a avenida da Republica, hoje Amílcar Cabral. Esta parte estendia-se até ao monumento “Esforço da Raça” e Palácio do Governo, nessa altura ainda em construção; do outro, à volta do centro, localizava-se a parte popular, dita dos “indígenas”, onde vivia maioritariamente a etnia pepel.

Era na parte colonial que moravam os poucos intelectuais presentes no país e se encontravam localizadas as grandes firmas estrangeiras como a NOSOCO e a SCOA, às quais se juntavam as portuguesas (A.C. Gouveia, Barbosa & Comandita, Álvaro Camacho e Sociedade Comercial Ultramarina, entre outras) e uma enorme plêiade de pequenos comerciantes libaneses como Mamud ElAwar, Aly Souleiman, Michel Ajouz, etc.

No resto do país o comércio de produtos e bens elementares era fundamentalmente assegurado pelos “djilas”, comerciantes ambulantes que percorriam de bicicleta e canoa todo o território.



Fotografia atual da casa onde Cabral e Maria Helena viveram na Granja de Pessubé


A agricultura, então chamada de “indígena”, assentava na produção de arroz para o autoconsumo das comunidades rurais, a qual era praticada há cerca de 3.000 anos e na produção de uma cultura de exportação, a mancarra (amendoim) incentivada pelas empresas estrangeiras que se revezam na sua exportação para a Europa (em bruto ou em óleo). O ciclo da mancarra começa na zona de Buba, incentivada por alemães e percorre um itinerário fácil de identificar pela erosão e degradação dos solos que provoca na Guiné e que passa por Bolama, norte do Oio, Bafatá e Gabú.

Os serviços oficiais de apoio aos agricultores eram praticamente inexistentes ou inoperacionais, confinando-se dentro das infraestruturas técnicas e administrativas que construíam. Não existia nenhum centro de experimentação, de formação de quadros ou de vulgarização.

Este foi o contexto global que se deparou a Cabral à sua chegada a Bissau, ele que vinha para como dizia, “viver o seu tempo e a sua época”, iniciar os desafios políticos da luta pela conquista da independência, defender um desenvolvimento centrado na agricultura e promover a dignidade da população guineense.

Ele e Maria Helena instalam-se na casa da Granja Experimental do Pessubé, atribuída ao seu diretor, na altura situada muito longe do centro de Bissau, num bairro popular da periferia e numa zona isolada e de difícil acesso. A Granja dispunha de cerca de 400 ha onde existia grande número de essências florestais e um pequeno número avulso de algumas espécies frutícolas, como por exemplo cacaueiros.

Nesta altura, quando começa a exercer a sua profissão, Amílcar está convencido de que o processo de independência decorrerá de forma pacífica, nos moldes como se virá a processar nos outros países africanos, pelo que decide começar a construção do novo edifício conceptual agrícola que iria substituir gradualmente o modelo colonial existente.

A Granja de Pessubé vai ser o ponto de partida, para começar a pôr em prática uma estratégia, em três vertentes principais, que ele considera importantes para o desenvolvimento da agricultura guineense:


A primeira, foi a de transformar a Granja de mera unidade de produção de legumes destinados às autoridades politicas e administrativas coloniais da praça e num local de piqueniques e passeios recreativos, num centro de pesquisa agrícola, enquanto instrumento para melhorar e modernizar a produção dos agricultores. 

Cabral concebe e põe em aplicação um programa de experimentação baseado na identificação de técnicas culturais para diferentes espécies agrícolas (compasso, armação do terreno, adubação e época de sementeira), de ensaios de adaptação varietal (arroz, cana-de-açúcar, mancarra, banana, algodão e hortícolas), identificação de pragas e doenças, valorização de variedades locais de certas espécies, como a “juta”, e a introdução de novas espécies como o gergelim (sésamo), soja e girassol.

Começa um trabalho de aproveitamento dos terrenos agrícolas da Granja, utilizando critérios inovadores, em função da natureza dos solos e da sua aptidão, apostando na sua fertilização orgânica com base nas camas dos animais da Granja da Pecuária, na consociação de culturas (mandioca-bananeiras), identificação de pragas e doenças, caracterização das diferentes variedades de cada espécie.

Dá início, pela primeira vez, à publicação de resultados da experimentação e de reflexões sobre a agricultura guineense, criando para isso o “Boletim Informativo” trimestral da Granja Experimental de Pessubé onde, para além da descrição das atividades, propunha a reflexão sobre temas importantes, como a “cultura mecanizada”, o “vírus da roseta da mancarra” e a “cultura da juta”.


Amílcar Cabral, Maria Helena e Clara Schwarz [, decana do nosso blogue, à beira dos 98 anos,]na estrada de regresso de Dakar para Bissau em 1954. 

[As presentes fotos do arquivo pessoal de Clara Schwarz. O seu marido, o escritor e jurista Artur Augusto Silva, é que conviveu mais com Amílcar Cabral. Clara, que foi professora no Liceu de Bissau, traduziu textos de Cabral para francês. Pepito, o filho mais novo, nasceu em Bissau, em 1949.] [LG]


Com uma regularidade notável, foram publicados, desde Novembro de 1952, cinco “Boletins Informativos”. 

A  segunda, foi o de romper os muros internos em que se confinavam os serviços agrícolas, para os aproximar dos agricultores, que deviam ser os seus principais beneficiários.


Para Cabral, mais do que o refrão da época, “a agricultura é a base da economia”, ele defendia claramente que “a agricultura era a própria economia da Guiné” pelo que era importante os serviços aproximarem-se dos pequenos agricultores.

É assim que a Granja de Pessubé passa a executar ensaios e experiências agrícolas nos postos de Bula, Safim, Bigene, Nhacra e Prábis, fazendo aquilo a que hoje em dia se chama de “ensaios em meio camponês”, como forma de testar a sua adaptabilidade às diferentes condições ecológicas e sistemas de cultura dos agricultores.

O projeto FAO de recenseamento agrícola aprovado pelo governo português em 1947 e logo metido na gaveta, onde pernoitou mais de 4 anos, é rapidamente retomado por Cabral, poucos meses depois da sua chegada a Pessubé, o qual estuda, planeia e executa. Para ele, o censo não era apenas um conjunto de quadros e números, mas também a possibilidade de ler, compreender e agir sobre a dinâmica agrícola prevalecente. 

Este trabalho permitiu-lhe definir de forma precisa a contribuição dos diferentes grupos étnicos guineenses para a produção agrícola, servindo ainda hoje, passados 60 anos, para compreender os sistemas de produção e de cultura por eles praticados.

Por outras palavras, o censo fez sair os serviços agrícolas da sua torre de marfim em direção aos campos dos agricultores, confrontando-os com a realidade que deviam servir e possibilitando a procura de soluções para os seus problemas fundamentais e para a modernização agrícola.


A  terceira, foi a da interação da agricultura guineense com as dos países vizinhos da sub-região


Consciente que o reduzido número de quadros técnicos e a constante falta de recursos impediriam que a pesquisa agrícola fosse realizada e trouxesse resultados úteis e práticos aos agricultores, Cabral fomentou a vinda a Pessubé de diversos técnicos, como a missão pedológica francesa de Dakar, especialistas em cana-de-açúcar, entomologistas, etc. 

A participação de Amílcar Cabral na “Conferência internacional Mancarra-Milheto”, realizada em Bembey, Senegal em 1954, onde apresenta a comunicação “Queimadas e pousios no ciclo cultural Mancarra-Milheto”, é uma prova eloquente da sua estratégia de conhecer os resultados experimentais de estações estrangeiras mais antigas, com maior número de técnicos e para marcar a presença e capacidade dos técnicos guineenses nos circuitos científicos da sub-região, aspeto que ele considerava determinante para o período pós-independência.

Internamente, vai começando a criar um núcleo de quadros técnicos que possa garantir a continuidade e reforço destes programas. Deles, realçam-se dois:

(i) Bacar Cassamá, monitor agrícola da Granja, é a primeira pessoa de quem se aproxima e com quem criará relações de amizade e confiança até ao final da sua vida; alto, forte, sério, de riso difícil, com quem terá repetidamente discussões sempre ultrapassadas, porque na sua maneira de ser, a melhor forma de ser honesto era dizer claramente ao “engenheiro” a sua posição e o que pensava; homem que nunca dobrou a coluna, continuou seu amigo e fiel ao PAIGC, mesmo depois do Golpe de Estado de Nino Vieira, quando houve a tentativa de apagar Cabral da história da Guiné-Bissau; acaba por falecer em 2012, esquecido e abandonado por muitos companheiros, com algumas exceções como a de Pedro Pires, ele que foi quem mais tempo acompanhou Cabral; 

(ii) Júlio Mota Almeida, prático agrícola na Granja, que acaba por estar presente na fundação do PAIGC em Bissau, em Setembro de 1956. Morre em Portugal em 1982.


Durante dois anos e meio, Cabral percorre a Guiné de lés-a-lés, observando, estudando e escrevendo sobre o fácies da agricultura guineense. Cite-se o caso do estudo local das queimadas e pousios em Fulacunda. Determinante foi a realização do recenseamento agrícola onde, à frente de uma equipa técnica, contactou agricultores, lideres comunitários, jovens e mulheres, apercebendo-se das diferentes lógicas de pensamento e ação de cada grupo étnico, as suas potencialidades e as fraquezas e, sobretudo, as prioridades mais sentidas na promoção da sua forma de vida. 

Em Março de 1955 sai de Bissau num avião da Air France, por imposição das autoridades políticas governamentais coloniais, que o acusam de exercer atividades conspiratórias pela independência da Guiné, o que efetivamente correspondia à verdade, mas não lhes dava esse direito. Autorizam-no a vir anualmente a Bissau, o que ele aproveita em 1956, para colaborar com outros nacionalistas na fundação do PAIGC, num dia de Setembro que mais tarde acaba por ser arbitrariamente fixado como sendo o dia 19. Também em 1959, já com 35 anos de idade, vem a Bissau no ano do Massacre do porto de Pindjiguiti, momento determinante para Cabral perceber que a conquista da independência teria de ser obtida pela luta armada de longa duração e não da forma pacífica pela qual ele sempre pugnou.

Desde que foi expulso da Guiné, Cabral continuou a desenvolver a sua atividade agronómica em Portugal e Angola, dedicando-se sempre à reflexão sobre a agricultura guineense, salientando-se a publicação na revista AGROS, da Associação de Estudantes de Agronomia, do seu texto: “A agricultura na Guiné, algumas notas sobre as suas características e problemas fundamentais”.

Em 1960, estimulado pela independência da Guiné-Conakry e do NÃO à França dado em 1958, decide estabelecer-se definitivamente em Conakry, certo que era o local ideal tendo em consideração a forma como o Senegal tinha decidido aceder à independência. As vicissitudes que a guerrilha passou neste país durante os 11 anos de Luta, veio mostrar que a sua visão estava correta.

Poucos anos antes do seu assassinato, em 1972, consciente de que a vitória militar era um dado adquirido e surgiria a curto prazo, começa a dedicar mais do seu tempo à conceção do futuro Estado da Guiné-Bissau e aí volta a agricultura a estar presente no futuro programa. A vivência em Conakry permitira-lhe identificar os reais perigos com que o novo país se iria confrontar no pós-independência. Um deles são os “atrativos” que a cidade de Bissau iria exercer na cúpula dirigente dos guerrilheiros, a tendência para a intriga e complot político e, finalmente, o descanso do guerreiro. O outro, era o do inevitável esquecimento e afastamento gradual dos dirigentes em relação às populações que haviam participado na Luta. 

Uma das ideias que Cabral estava a desenvolver quando é assassinado, era o da criação dos diferentes Ministérios governamentais, um em cada uma das capitais regionais do país. Mantinha os dirigentes perto dos cidadãos, empurrava-os para resolverem os problemas concretos das populações e diminuía o risco do “diz que diz”, da conflitualidade estéril e da intriga política. É o retomar da tese de agrónomo de que os técnicos e decisores não se devem fechar entre portas, mas estar perto dos beneficiários do seu trabalho.

(Continua)

Texto e fotos;  © Carlos Schwarz (2013). Todos os direitos reservados

sábado, 3 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10615: A minha CCAÇ 12 - Anexos (I): Sansacuta, tabanca fula em autodefesa no sul do regulado de Badora, onde estive em março de 1970 e onde um dia recebi, do vagomestre, um lata 5 kg de fiambre dinamarquês... que tive de consumir e repartir pelos putos em escassas horas (Luís Graça)






Guiné > Zona leste > Seto  L1 (Bambadinca) > BARt 2917 (1970/72) > Tabancas fulas em autodefesa do Regulado de Badora: crianças... e cães.

Fotos: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados



1. Enquanto não aparece o poste relativo ao mês de novembro de 1970. quando a CCAÇ 12 perfazia 18 meses de Guiné (, mês que me traz amargas memórias) (*), vou iniciar um séria paralela, para lá pôr uns textos anexos... O primeiro tem a ver com a temporada (duas semanas e meio) que passei em Sansacuta, no sul do regulado de Badora, do lado esquerdo da estrada Bambadinca-Mansambo, comandando uma secção do 4º Gr Comb da CCAÇ 12, entre 24 de fevereiro e 12 de março de 1970.

Adicionar legenda
Uma aldeia fula em autodefesa:  Sansacuta, regulado de Badora

por Luís Graça



1. Como esses bandos sinistros de jagudis (abutres) que pousam sobre a morança dos que estão a morrer, também o espectro negro da fome paira sobre as tabancas da Guiné. Porque a desnutrição, essa, é já endémica: facilmente se constata, sobretudo nas crianças, toda uma série de sintomas patológicos provocados pelas carências proteicas e vitamínicas de uma alimentação quase só à base de cereais (arroz, milho, fundo) e túbérculos (mandioca, inhame), acompanhos de molhos de origem  vegetal (óleo de palma). 

A alimentação é, pois,  deficiente, sobretudo em qualidade. O peixe (sobretudo seco) e a carne são raros. Além disso, os fulas, que são islamizados, não comem carne de porco. Em contrapartida, não têm os problemas de alcoolismo dos povos ribeirinhos, animistas (como os balantas de Nhabijões).

E, no entanto, trata-se dum território aparentemente fértil, mas com umas das mais elevadas densidades demográficas do continente africano, concentrando-se as populações em especial nas bacias hidrográficas, junto às bolanhas e lalas (regiões alagadiças ricas em húmus) onde cultivam o arroz.


Mas a guerra e a sua escalada vêm modificar profundamente a geografia humana e económica da Guiné: por um lado, provocam o êxodo maciço de populações inteira (balantas, beafadas, mandingas, manjacos, etc.) para as zonas controladas pelos guerrilheiros e para os países límitrofes (Senegal e Guiné-Conacri). E por outro, assiste-se ao fenómeno da militarização dos fulas (uma tribo islamizada cujos régulos detêm ainda algum do seu antigo poder feudal), através não só do reagrupamento e organização em autodefesa das suas aldeias como também da formação de milícias.

2. Eis a razão por que, a partir de 1963, se tem vindo a acentuar o decréscimo da produção agrícola (que aliás é cada vez para autoconsumo). Mas vejamos as duas culturas ainda comercialmente importantes: o amendoim e o arroz.

O amendoim (ou mancarra) só por si deve representar hoje  cerca de metade do valor total das exportações (da Guiné para a Metrópole).

Muito antes ainda de passar à clandestinidade, o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral (que terá dirigido uma brigada técnica dos Serviços Agrícolas Coloniais, não  em Fá, aqui perto de Bambadinca, mas em Pessubé, tendo feito estudos sobre a produtividade de diversos tipos de amendoim), já tinha denunciado o perigo que representava a monocultura desta oleaginosa para o desenvolvimento económico e social da Guiné, e criticando implicitamente a sua importância estratégica como matéria-prima para os monopólios metropolitanos (a CUF, aqui representada pela Casa Gouveia).

Tendo sido imposta ao indígena pela administração colonial, a cultura da mancarra está hoje em declínio irreversível: os fulas ainda são os únicos que lavram mancarra (cultivam amendoim) na periferia das suas tristes tabancas, cercadas de arame farpado e de minas. É com o produto da sua venda que o camponês fula paga, no posto administrativo, a sua taxa domiciliária (imposto de palhota), colectada na base do número de mulheres (e moranças) que possui! 


Curiosa é a origem da mancarra, a semente do diabo, segundo a lenda fula, que aqui ouvi em Sansacuta (em 8 de março de 1970):

Na mitologia fula a mancarra (amendoím) está associada ao Diabo em pessoa (Iblissa). O cherno Umaru que dirige uma pequena escola islâmica nesta tabanca e que se prepara , como bom muçulmano devoto (tijanianké), para fazer no próximo ano a sua peregrinação a Meca (Iado Hadjo, em fula) e assim juntar ao seu nome o título venerando de al-hadj,contou-me a seguinte história,  traduzida  pelo Suleimane, o José Carlos Suleimane Baldé (o meu braço direito, guarda-costa, intérprete, cozinheiro, secretário):

- Um dia Iblissa (o Diabo) quis desafiar a autoridade divina de Mohamadu (o Profeta Maomé). Tinha chovido muito e o Profeta dissera que então nasceriam todas as sementes que fossem lançadas à terra. O Diabo, em vez de uma semente de milho ou de arroz, deitou leite numa cova que ele próprio tinha feito no chão. Mohamadu, intrigado e inquieto com a provocação de Iblissa, foi falar com Alá, que lhe mandou guardar uma semente. E ao fim desse tempo, não é que do leite nasceu mesmo a mancarra ? (**)

O segundo produto é o arroz (***). Antes da guerra, dois terços eram exclusivamente produzidos pelos balantas, a maior etnia do território (que são 150 mil, segundo o censo de 1962). Inclusive o arroz chegou a ser exportado. Hoje mal chega para o autoconsumo, tornando-se dramática a sua carência nos anos de menor pluviosidade.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Bambadinca > Detalhe > Tabancas fulas em autodefesa, Samba Juli, Sinchã Mamadjai e Sansacuta, situadas entre os rio Querol e Timinco, a leste da estrada Bambadinca-Mansambo > Carta do Xime (1955) (Escala 1/50 mil)... Lugares que continuam no nosso imaginário...



Entretanto, no circuito da economia monetorizada, devido à inflação provocada pela guerra, a população que está sob o nosso controlo vê-se muitas vezes na contingência de vender, ao pequeno comerciante português ou libanês, o arroz que produz para comer (preço por quilo: 3 pesos!) para comprar umas chinelas de plástico:

- O senhor administrador dá porrada se pessoal africano anda descalço em Bambadinca!-, diz um dos meus soldados fulas.

Noutras ocasiões, trata-se de fazer dinheiro para pagar a taxa domiciliária I"o famigerado "imposto de palhota"), imposta ao guinéu e devida pelos escassos metros quadrados de superfície que ocupa a sua morança. 
Entretanto, quando as reservas se acabam no tempo seco, o guinéu volta a adquirir o mesmo arroz pelo dobro do preço (6 pesos).

O drama destes pobres camponeses que foram obrigados a abandonar as suas áreas de cultura, arrancadas à floresta tropical ou à savana arbustiva, de geração em geração, pude senti-lo aqui em Sansancuta onde estive em autodefesa. (****).

3. Sansancuta faz parte dum eixo de aldeias estratégicas, como se diz no Vietname, no limite sul do regulado de Badora, no Sector L1, e que funciona como uma espécie de pequena muralha da China, cortando as linhas de infiltração das forças da guerrilha que eventualmente se dirijam para o interior daquele regulado a partir do Rio Corubal.

Estão aqui reagrupados os habitantes de três tabancas, uma das quais Sare Ade cuja população, sobretudo os mais jovens, não se conformou com a ordem de deportação dada pelo comando militar de Bambadinca, tendo fugido para o nordeste (Gabu) e inclusivamente para o Senegal, que também é chão fula.

Hoje, de resto, só há duas alternativas para um homem fula: (i) oferece-se como voluntário para o exército colonial, passando primeiro pela milícia; ou (ii) emigra todo os anos, na época das chuvas, para o chão de francês (Senegal ou Guiné-Conacri) a fim de trabalhar nos campos de mancarra.

É a única maneira de fugir ao universo concentracionário da sua tabanca, e sobretudo à fome. Essa fome visceral que leva as crianças a aproveitar tudo aquilo que nós, tugas, nos damos ao luxo de deitar fora (vi-as aqui a assaram na brasa as vísceras de um frango que o bom do José Carlos Suleimane Baldé me arranjou e reparti-las equitativamente entre si).


Tínhamos uma secção destacada em Sinchã Mamadjai  [ou Mamajã] que foi transferida em 24 de Fevereiro de 1970 para Sansacuta, com o objetivo de controlar os trabalhos de autodefesa [, e que haveria de  regressar definitivamente a Bambadinca a 12 de Março de 1970].

Fome, subnutrição, carências de toda a ordem (roupas, medicamentos...), doenças como paludismo, mortalidade infantil,  etc., contrastam, de modo chocante, com a relativa opulência com que um tuga , como eu, aqui vive: ainda ontem me vieram trazer o reabastecimento semanal e, entre outros produtos enlatados, deixaram-me cinco quilos (!) de fiambre dinamarquês, para dois mecos, para mim e para o operador de transmissões, os dois únicos brancos, já que as praças são desarranchadas. 


Tivemos de comero fiambre em menos de vinte e quatro horas, sob pena de se estragar com o calor (, frigorífico a petróleo ka tem!), e, uma vez aberta a lata, repartir o resto do fiambre pelos putos da aldeia e soldados africanos da secção. É claro que lhe chamaram um figo, não tendo desconfiado sequer que tal iguaria pudesse ser feita de carne.. de porco!

Deportado e reagrupado em aldeias estratégicas (ou tabancas em a/d, chamem-lhe o que quiserem), o camponês da Guiné que ama os grandes espaços livres (a floresta onde vai caçar a gazela, a bolanha onde cultiva o arroz, o rio onde vai buscar o mafé) vê-se confinado a uma área de reserva onde pratica uma miserável agricultura de subsistência.

Ironicamemnte as fiadas de arame farpado que cercam as palhotas cónicas,as trincheiras e os abrigos de combate, os espaldões para as armas pesadas, as valas de comunicação e os abrigos passivos das tabancas em a/d, ficarão proventura como os únicos vestígios arqueológicos da presença duma civilização tecnologicamente superior nesta parte ocidental de África...

Luís Graça




Guiné > Zona Leste > Croquis do Sector L1 (Bambadinca) > 1969/71 (vd. Sinais e legendas).  Dentro retângulo a vermelho, ficavam localizadas as duas tabancas aqui referidas neste poste, Sansacuta e Sinchã Mamadjai, no limite sul do regulado de Badora,  entre Bambadinca e Mansambo. A sudeste ficavam três importantes (e das últimas) tabancas fulas do regulado do Corubal,  Afiá, Candamã e Camará,  eestas já pertencentes ao subsetor de Mansambo.

Infografias: © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados

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Excertos de: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1969/71. 
Cap. II.26: A secção destacada em Sinchã Mamadjai foi transferida em 24 de Fevereiro de 1970 para Sansancuta a fim de controlar os trabalhos de autodefesa da tabanca, regressando definitivamente a Bambadinca a 12 do mês seguinte [Março de 1970].~


Notas do editor:


(*) vd. último poste da série > 30 de julho de 2012 > Guiné 62/74 - P10209: A minha CCAÇ 12 (26): Outubro de 1970: o jogo do rato e do gato... (Luís Graça)

(**) Números sobre a mancarra:  Principal produto de exportação da Guiné nos anos 60: 76% do total (em 1964), percentagem que decresce para 61% em 1965, em consequência do agravamento da guerra. A área cultivada atingia os 100 mil hectares (um 1/4 do total da área cultivada da província). A produção rondava as 65 mil toneladas. A produtividade era baixa: 600 kg / ha (2 mil kg /ha em casos excecionais).

A cultura era feita em regime de rotação, sem seleção de sementes, sem recurso a adubos ou estrume, proporcionando fracos rendimentos e exigindo grande esforço nas várias fases do ciclo de produção (sementeira, monda, colheita, protecção contra os babuínos...). Principais regiões de produção: o leste da Guiné, Farim, Bafatá, Gabu, onde os solos são mais leves e a precipitação menor. 

No entanto, esta cultura era já considerada na época como muito lesiva do ambiente, pelo uso intensivo dos solos, a redução do pousio, as queimadas... Tradicionalmente os camponeses da região praticavam um sistema de rotação mancarra - cereal - pousio, considerado pouco eficaz. Acrescente ainda o sistema de comercialização, penalizando fortemente os produtores. (Fonte: adapt. de Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa,  1996,  44 pp., policopiado).

(***) Arroz: a área de cultivo devia representar 150 mil hectares no início da década de 60, antes da guerra, o que equivalente a 38% do total, concentrando-se em especial nas regiõe do Cacheu, Bissorã e Mansoa, a norte do Rio Geba, e Fulacunda e Catió, a sul. Havia dois tipos de cultura de arroz: o alagado, ou de bolanha (nas regiões mais ribeirinhas, no litoral); e o arroz de sequeiro, no interior, praticado sobretudo pelos manjacos e fulas. 

A produtividade é também baixa, oscilando entre os 30 kg e os 2 mil kg por hectare, com um a média de 800 kg/ha. A produtividade é sempre maior no arroz alagado. A Guiné passou a ser autossuficiente em matéria de arroz, sobretudo a partir dos anos 30 até ao início da guerra colonial. Exportava arroz para a metrópole, para a África francesa (Senegal e Guiné-Conacri) e para Cabo Verde. Com a guerra, a situação inverteu-se: passou a importar. (Fonte: Dragomir Knapic, 1966, op. cit.).

(****) A terceira cultura de maior peso na Guiné era a do milho (cavalo, preto e basil), mas que tinha um baixíssimo valor alimentar. A área ocupada era sensivelmente a mesma do arroz, mas a produção era 3 vezes inferior: apenas cerca de 50 mil toneladas. Era também uma cultura devastadora para o ambiente, sendo precedida de derrube da floresta e de queimadas...

Outras culturas, mas de menor  impacto na economia e na dieta do guineense do nosso tempo: fundo (30 mil hectares / 10 mil toneladas /  300 quilos por hectare), o feijão, a mandioca, a batata doce, o inhame... Dos frutos mais comuns,  e com relevância para a alimentação, destaque-se a manga, a papaia, a banana, a laranja,  a tangerina, o limão,  a cola, o cajú, o coco... A cana de acúcar também era cultivada, no litoral, destinando-se praticamente apenas para a produção de aguardente de cana.

Outras culturas, com valor económico e alimentar: o óleo de palma (extraído da palmeira de dendê, "Elaeis guineensis"), o coconote, gergelim...

Quanto á riqueza pecuária era estimada, em 1961,  em mais de 230 mil cabeças de gado bovino. Havia umas escassas dezenas de cavalos e mais de 3800 burros. Outros animais domésticos: cabras (c. 144 mil), porcos (c. 98 mil) e ovelhas (c. 54 mil). (Fonte: Dragomir Knapic, 1966, op. cit.).