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sábado, 4 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24037: Os nossos seres, saberes e lazeres (554): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (88): Leeds, a próspera, sempre em renovação, aqui dá gosto ser pedestre (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Era a véspera do regresso, assim se programou esta visita relâmpago a Leeds, uma metrópole que se orgulha de ser gigante mas onde tudo (ou praticamente tudo) se pode fazer a pé, saí do autocarro, andei a farejar as novidades (pus aqui os pés um pouco antes da pandemia), dirigi-me aos meus locais de culto, fui bem compensado, até encontrei promoções a uma libra de cd's na Grande Biblioteca, deslumbrei-me com as mudanças na arquitetura, olhei sempre com admiração para o quadro de Francis Bacon, dei pela falta da Paula Rego, andava em itinerância, fechei os olhos agradecido por tão belo passeio, houvesse tempo e até iria visitar com imenso gosto a uns quilómetros daqui Harewood House, uma propriedade que pertenceu a uma princesa real e que tem uns jardins de sonho, nestas, como noutras coisas, pensa-se que a vida nos tem dado enormes dádivas e compensações, oxalá que possa voltar a este Yorkshire tão amigável.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (88):
Leeds, a próspera, sempre em renovação, aqui dá gosto ser pedestre


Mário Beja Santos

Imponente pela arquitetura, praça financeira de indiscutível importância, aqui respira-se prosperidade. Pega-se no guia do visitante e fica-se a saber que depois de Londres é a única cidade que tem companhias de ópera e ballet residentes, a Opera North e o Northern Ballet, atuam num espaço opulento, a Leeds Playhouse e no Leeds Grand Theatre.
Desembarca-se no terminal rodoviário, ali perto fica uma praça que nos deixa boquiabertos, uma magnificência escultórica entre arranha-céus, muitas obras, muito dinamismo, ora vejam este triunfalismo arquitetónico e no ponto central da praça a estátua do lendário Príncipe Negro.

Daqui, com o mapa na mão, procuro a Leeds Art Gallery, encravada entre o Instituto Henry Moore, a Biblioteca Central e o magnificente edifício da autarquia. Perguntei por uma pintura de Paula Rego que em visita anterior estava exposta no vestíbulo, frente a um quadro de Francis Bacon, tinhas ido para uma exposição, voltava em breve. Entrei e fui ver a sala dos românticos e naturalistas, nada de assombroso, mas há para ali quadros que a retina acolhe muito bem, saíram da mão de mestres, aqui deixo alguns exemplos.
Escultura de Barbara Hepworth, a minha escultora contemporânea preferida

A Galeria de Arte de Leeds tem em permanência exposições, não resisti a visitar a exposição “Rebellion to Romance”, dedicada à 2ª geração de britânicos provenientes das Índias Ocidentais, um trabalho brilhante de levantamento etnográfico e etnológico, acho que esta imagem vale por mil palavras.
Era inevitável contemplar este genial Francis Bacon e depois o escultor Antony Gormley e sua maquete para o Homem de Tijolo de Leeds. É sempre com enorme prazer que aqui venho, oxalá volte depressa, também tenho saudades de ir contemplar outro génio, Henry Moore, num instituto aqui ao lado, tem mesmo de ficar para a próxima, ainda quero amesendar na cafetaria da Biblioteca, adoro o edifício, estes interiores marcados pelos períodos vitoriano e eduardiano são fabulosos, aqui fica uma amostra.
Com o estômago reconfortado, prossegue a viagem, este palácio autárquico parece ser o cartão de visita da prosperidade de Leeds, outrora uma cidade cerealífera e têxtil de largos poderes, hoje zona financeira só superada pela City londrina, não esconde ser uma praça das artes (recordo que possui um importante concurso internacional de piano, Artur Pizarro foi primeiro prémio há umas décadas), capricha, para além do mundo dos negócios em ser uma atração turística e possuir uma enorme capacidade de adaptação dos seus armazéns marítimos em prédios de habitação. Vamos então prosseguir viagem.
Um gigantismo de pedra a rivalizar com os gigantismos de Londres, a torre do relógio é uma beleza, transfigura todo aquele tamanhão de pedra e a pomposidade da colunata
Imagens avulsas do passeio pedestre, a elegância da escadaria para a Galeria de Arte, onde avulta a escultura “A Mulher Reclinada” de Henry Moore, as flores outonais e um impressionante design aposto à Galeria de Arte, inteligente e suscetível de uma leitura rápida e completa
Leeds é famosa pelo seu comércio no chamado Victoria Quarter, sãos as arcadas vitorianas que dão pelo nome de Queen’s Archade, Thornton’s Archade, Grand Archade, de ourivesaria às boutiques de maior luxo tudo aqui se pode encontrar.
Imagem do interior daquele que será o edifício mais icónico de Leeds, The Corner Exchange, a Bolsa dos Cereais transformou-se num centro comercial onde primam os valores da contemporaneidade, o contraste é uma guloseima para os olhos
Vista do exterior da Bolsa dos Cereais
Estou a despedir-me de Leeds, aqui estão os velhos armazéns e a prova de que a arquitetura pode andar ao lado da pintura, da escultura, o que estamos a ver são belas-artes, a sublime capacidade de reaproveitar o que parecia destinado à demolição num espaço de arquitetura com laivos modernizantes com inserções de bom gosto e que garantem a Leeds estar na vanguarda da inovação. Adeus, até ao meu regresso.
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Notas do editor

Vd. poste de 28 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24018: Os nossos seres, saberes e lazeres (552): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (87): Uma visita a legados presidenciais, a pretexto da exposição Pintasilgo (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 31 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24026: Os nossos seres, saberes e lazeres (553): As matanças eram tempos de celebração e de paz entre as famílias (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

sábado, 10 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23863: Os nossos seres, saberes e lazeres (545): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80): Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Tratou-se de uma visita a gente que tenha felicidade de pendurar pelas paredes. Logo uma gravura de Pomar premiada pela Gulbenkian em 1961, creio que na segunda exposição de artes plásticas. Tenho uma certa atração por este atelier da Rua do Vale, estão sempre prontos a pôr este grão-mestre das artes plásticas em confronto com outras gerações, é este o caso. E dali parti para o Museu do Chiado para me despedir de uma exposição de grande beleza, um casal que, sobretudo nos anos 1960 e adiante, se fez cercar de obras de arte de seus contemporâneos ou antigos, não falta ali Almada Negreiros e António Pedro, mas o mais representativo eram artistas plásticos na fase ascensional, caso de João Vieira, João Hogan, Eduardo Nery e Joaquim Rodrigo. Asseguro que o visitante não sairá dececionado, ignoro o caminho que a coleção vai ter, oxalá possa ficar patente para desfrute do público, é muitíssimo esclarecedora de um tempo e de correntes artísticas que conseguiram passar à margem dos chamados Anos de Chumbo, aqui não há arte plástica nacionalista, imperial ou devedora do gosto do Estado Novo, são marcas de uma contemporaneidade que anunciam a liberdade em que vivemos.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80):
Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado

Mário Beja Santos

N
ão escondo a profunda admiração que nutro por este artista plástico de uma enorme exigência no campo experimental, é figura indeclinável na pintura, no desenho, na gravura e na serigrafia, na cerâmica, na ilustração, no diálogo de matérias-primas, no azulejo, e algo mais. Será seguramente o artista mais irrequieto da segunda metade do século XX, desde o neorrealismo, de que foi figura pioneira, até às correntes contemporâneas, sem se ter acantonado em qualquer das escolas.
À porta deste atelier veio-me à memória uma visita que fiz na companhia do meu saudoso amigo, o pintor Rolando Sá Nogueira, à retrospetiva de Vespeira, no Museu do Chiado em 2000. Andávamos pela Sala dos Fornos, ali se exibia o principal acervo deste grande artista que primou no surrealismo, Sá Nogueira ia fazendo as suas exclamações, como se houvesse descobertas ou inusitadas lembranças, e à saída, a caminho de uma tasca em S. Paulo, fez-me o seguinte comentário: “Acabo de constatar o que é o drama de ser o n.º 2”. Enquanto comíamos um belíssimo polvo, pediu-me que me explicasse o que era isso de ser o n.º 2: “Vespeira tudo fez para poder emparceirar e até superar Pomar, de facto foi inexcedível no período ascensional, mas cedo percebeu que não era possível competir com o furacão Pomar, sempre em revolução, dominou por excelência própria este meio século e continua revigorado. A exposição que acabamos de ver mostra o Vespeira inovador, mas insuscetível de poder concorrer com o Pomar”.

O atelier que ora visito é uma bela instalação, sempre com exposições palpitantes, desta vez está patente um confronto entre Pomar, André Romão, Jorge Queirós e Suzanne Themlitz, como se interseciona a matérias das matérias, o que podemos ver neste espaço desafogado são tipologias da matéria com figurações e narrativas que parece que se entrechocam, não falta areia, vidro, ferro, madeira, panos, sugerindo hipóteses de haver uma noção para o diálogo de tais matérias-primas com diferentes peças pictóricas de Pomar, caso dos “Mascarados de Pirenópolis”.
Há anos atrás recebi uma prenda envolvendo o nome de Júlio Pomar, um livro intitulado Caracóis, o poeta Pedro Tamen dialogava com o artista plástico Pomar, eram imagens retiradas de um caderno de viagens, e Tamen versejava: “Desliza, liso / pé, lisa palma / sobre a ruga da pedra / - suave, lima obstinada”. Adiante: “Estas antenas não buscam outra coisa / que a luz que as ilumina”. Pois não resisti a captar imagem destes Caracóis que nos recebem à entrada do atelier.

Atelier-Museu Júlio Pomar, Rua do Vale, 7, com a Igreja de Nossa Senhora das Mercês ao fundo
Um pormenor da sala de exposição, as matérias-primas e os objetos de arte acabados têm muito para conversar
O pintor Jorge Queirós entra no diálogo com o companheiro Pomar, até se gera uma confusão quando o visitante se aproxima destas 4 telas, não parece que são as cores de Pomar, persistentemente fabricadas há um ror de décadas?
Mascarados de Pirenópolis VII, 1987, Coleção privada, Fundação Júlio Pomar

Sobe-se agora a calçada do Combro, atravessa-se o Camões, passa-se o Largo das Duas Igrejas, desce-se junto ao Teatro S. Carlos e pela Serpa Pinto chega-se ao Museu Nacional de Arte Contemporânea, crismado de Museu do Chiado depois das obras de beneficiação que o governo francês apoiou, na sequência do incêndio do Chiado, em 1988. O que me traz aqui é despedir-me de uma coleção privada, bem singular. A quem me ler, recomendo a sua visita até ao final do ano. Chama-se Coleção Maria Eugénia e Francisco Garcia, dois entusiastas por colecionar arte, conversavam com vários amigos, alguns deles aqui representados, caso de Fernando de Azevedo ou Fernando Lemos, isto independentemente de nunca terem tergiversado em questões de gosto, desde pintura à gravura, encontramos aqui artistas de referência e um conjunto de obras só possíveis de disfrutar por o Museu do Chiado as ter acolhido. Aqui ficam imagens avulsas de algumas das obras e artistas que ainda hoje tanto me emocionam.
Fotografias de Maria Eugénia e Francisco Garcia patentes na exposição
Quadro de Joaquim Rodrigo, uma abstração que nos lembra Piet Mondrian
João Vieira, já muito igual a si próprio
Alice Jorge e a sua Sargaceira
Sonia Delaunay
Fotografia do interior da casa do casal
Noronha da Costa, na sua fase mais original
Almada Negreiros

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23842: Os nossos seres, saberes e lazeres (544): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (79): A exposição de homenagem a Francis Graça, pioneiro do bailado em Portugal, Museu Nacional do Teatro (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22672: Os nossos seres, saberes e lazeres (474): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (22): Num cemitério de pestíferos há hoje arte sacra de valor universal (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Tinha posto na agenda uma visita ao Museu de Arte Sacra de São Roque depois da última remodelação. Fiquei muito surpreendido e agradado com a nova concepção museológica e museográfica, podemos contemplar as peças com boa iluminação, estão bem identificadas, há uma boa sequência dos núcleos. O acervo é de uma enorme riqueza, possui diversidade de alfaias religiosas, o Núcleo de Arte Oriental é de grande valor e a exibição do tesouro da Capela de São João Baptista ganha em eloquência, é mostrado em todo o seu esplendor. Recomenda-se que se complemente a visita indo à Igreja, um templo sumptuoso por dentro e de uma grande austeridade por fora. Ali bem perto, no Palácio Tomar, funcionava a Hemeroteca, por ali andava em consultas, atravessava a rua para um passeio estreitíssimo, uma das faces da Igreja de São Roque e perguntava-me muitas vezes se quem por ali passa sabe a magnificência que está dentro daquela parede. Igualmente se recomenda a quem visita que se documente previamente, a fruição será maior designadamente para contemplar os tesouros que estão nas capelas e no altar-mor, isto quanto à igreja. Estou absolutamente seguro de que ninguém sairá dececionado desta visita a um local que começou por ser um cemitério de pestíferos, acolheu a Companhia de Jesus e guarda tesouros suficientes que não nos envergonhariam de uma candidatura a Património da Humanidade.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (22):
Num cemitério de pestíferos há hoje arte sacra de valor universal


Mário Beja Santos

Quando se lê o roteiro da Igreja de São Roque, e mesmo o do museu, os autores recordam que este espaço era um arrabalde da cidade, um descampado povoado de oliveiras junto à muralha fernandina, aqui se pôs o cemitério onde jaziam os pestíferos, isto no início do século XVI. D. Manuel I pediu à Senhoria de Veneza uma relíquia de São Roque, ela veio, decidiu-se edificar uma ermida, no postigo de São Roque, estávamos em 1506. E terminada a ermida, instituiu-se a Irmandade. Depois, D. João III quis trazer para o Reino os primeiros padres da Companhia de Jesus, da ermida passou-se à construção da Casa Professa e Igreja de São Roque no local da ermida. Atenda-se ao que se escreve nos roteiros: “A igreja de São Roque vem definir-se como resultante dos desígnios da Companhia de Jesus e da vontade real, caraterizada por um maneirismo nacional de linhas austeras que contrasta com o espaço interior de grande peso decorativo, em que o azulejo, a talha dourada e os quadros a óleo perfazem um ambiente magnífico e requintado. A planta da igreja é de grande simplicidade e largueza de conceção – uma nave, ampla e extensa, capela-mor pouco profunda, tribunas e galerias sobre as capelas”. Só que a visita começa pelo museu, criado em 1905 e alvo de remodelações sucessivas, está ali um acervo extraordinário de relicários, cofres, pense-se no tesouro da capela de São João Baptista, uma ourivesaria única, quadros magníficos, esculturas, alfaias religiosas de grande valor artístico, peças de paramentaria, e muito mais.

Apreciei muito ler uma obra sobre os cem anos do Museu de São Roque, ele foi inaugurado em 1905, como se disse acima, as suas coleções acompanham a evolução da História de Arte entre os séculos XVI e XX. Como é que todo este património é tutelado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa? Em 1759, após a expulsão dos jesuítas de Portugal, a Santa Casa, cuja sede original era a igreja manuelina da Conceição Velha, recebe por doação régia a Igreja e Casa Professa de São Roque, tornando-se proprietária de todo o seu acervo, a que se juntaram espécimes de extrema raridade da Santa Casa.

Na Monarquia Constitucional entendeu-se que este património devia ser posto à exibição pública e em 1898, por ocasião das comemorações do IV Centenário da Fundação da Santa Casa apresentou-se na Sacristia da Igreja de São Roque o tesouro da Capela de São João Baptista; mas anos antes já havia a ideia de encontrar um espaço, ele foi dado pela saída do que é hoje o museu na antiga Sala de Extrações da Misericórdia de Lisboa. É interessante ver imagens da evolução museológica e museográfica, começou-se por mobiliário com luxuosas vitrinas, uma imensidade de quadros uns ao lado dos outros, as coisas começaram a mudar na década de 1960 com novas conceções de museologia e museografia, despojaram-se as salas, ganhou-se mais espaço com a incorporação da antiga Casa do Despacho, a conservação e o restauro evoluíram enormemente e o museu dispõe hoje de um serviço educativo modelar. Recorda-se que todos os visitantes com idade de 65 anos e mais têm entrada gratuita.

E o que se pasma depois da última remodelação é ver o desafogo que permite uma contemplação mais atenta, as obras estão bem identificadas, é um regalo andar neste museu carregado de preciosidades de arte sacra, e depois de uma visita detalhada à própria Igreja de São Roque percebe-se que não é bravata nenhuma dizer-se que todo estes tesouros por elementar justiça deviam ser candidatos a Património da Humanidade. Aqui se deixam algumas imagens que poderão ter o condão de sensibilizar o leitor para a visita de arte sacra da mais esplendorosa e das sete partidas do mundo.


Igreja e Museu de São Roque
Tesouros da Capela São João Baptista, Património da Humanidade
Santo António, mãos grandes e pés grandes, um Deus menino, pequenino e bem sentado
São Francisco Xavier que por aqui andou e daqui partiu para conquistar almas no Oriente
Um dos quadros icónicos do Museu de Arte Sacra

Todo o interior da Igreja de São Roque está marcado pelo maneirismo italiano, já se sublinhou a sobriedade, simplicidade e densidade volumétrica, se são pontos que chamam a atenção do visitante logo a decoração da igreja, com azulejos “ponta de diamante” fazem estontear a vista, é a talha dourada, os mármores embrechados, a pintura que preenche grande parte do espaço interior, a escultura; enfim, apercebemo-nos prontamente que se tudo por fora é austero lá dentro utilizam-se as maiores riquezas para adorar Deus e venerar os Santos.

Se o exterior é a imagem consumada da austeridade, o interior é sumptuoso, das capelas ao altar-mor
Uma visão de duas capelas, atenda-se à harmonia das formas e ao modo de ocupação dos espaços

Recomenda-se ao leitor que vá munido de um roteiro das capelas, só tem a ganhar para usufruir de tudo quanto se vê e melhor se pode compreender: capelas da Senhora da Doutrina, de São Francisco Xavier, São Roque, do Santíssimo, Capela-mor, de S. Baptista, da Senhora da Piedade, de Santo António, da Sagrada Família. Há depois o que está nos altares e a sacristia tem o maior valor artístico.

Naturalmente que a capela mais importante, em termos artísticos, entenda-se, é a de São João Baptista, obra única no contexto da arte europeia, uma encomenda de D. João V a Roma, teve data da inauguração oficial em 1750. Possui linhas inovadoras no esquema estilístico, anuncia o neoclassicismo. Os seus elementos decorativos são de inspiração rococó. Os quadros laterais e o central, bem como o soalho da capela, são em mosaico, trabalho artístico de grande mérito. Utilizaram-se materiais preciosos, diversos mármores – lápis lazúli, ágata, verde antigo, alabastro, mármore de Carrara, ametista, pórfido roxo, branco-negro de França, brecha antiga, diásporo, jalde e outros. No Museu de Arte Sacra de São Roque estão patentes o modelo da capela bem como exemplares de tecidos e metais pertencentes às coleções da Capela de São João Baptista. É indiscutivelmente um templo religioso soberbo, é bom que a visita se complemente do museu para a igreja. Ninguém sairá desiludido.


A presença do Oriente, o marfim, os materiais delicados, a madeira exótica
A fundadora das Misericórdias, óleo de José Malhoa
A mais icónica das telas do Museu de Arte Sacra

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22654: Os nossos seres, saberes e lazeres (473): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (14) (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22613: Os nossos seres, saberes e lazeres (471): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (19): Das obras emblemáticas do Museu do Caramulo aos Painéis de Nuno Gonçalves (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Visitar o Museu Nacional de Arte Antiga é uma itinerância clássica, um dever para com as Belas-Artes que nos modelam e remodelam as formas de o viver e de o sentir. O pretexto era a presença de algumas obras-primas do Museu do Caramulo, que eram aqui expostas enquanto lá se faziam obras. Havia que decidir, logo de seguida, se se ia visitar a exposição de D. Manuel I ou se ascendia aos diferentes andares para se saudar obras amigas de sempre, preferiu-se a segunda alternativa, a compensação é sempre grande, faltou ir cumprimentar a Custódia de Belém, por ironia está agora na exposição do Venturoso, mais uma razão para aqui voltar em breve. E aqui se faz um pequeno relato das alegrias vividas, até se conversou com peritas que restauram os Painéis de Nuno Gonçalves que me ajudaram a sair conformado com as mesmas dúvidas com que aqui entrei, e seguramente levarei para a tumba.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (19):
Das obras emblemáticas do Museu do Caramulo aos Painéis de Nuno Gonçalves


Mário Beja Santos

Para mim é sempre o Museu das Janelas Verdes, os pretextos das visitas eram sempre, para a minha mãe, os presépios de Machado de Castro, a Baixela Germain, a Custódia de Belém, a arte Namban, o Boch das tentações e o prato de substância, os Painéis de Nuno Gonçalves. Sabe-se lá se não houve um processo subliminar nestas sucessivas incursões, em que ao longo de décadas fui vendo os melhoramentos deste precioso museu para a minha atração permanente pelas Belas-Artes. Tinha lido a notícia de que o Museu do Caramulo enviara para os Paços Perdidos do Museu Nacional de Arte Antiga um conjunto de peças de alto quilate, não resisti, juntei dois em um, primeiro matei saudades desta coleção organizada por Abel de Lacerda e depois segui para o interior do museu. Antes li o seguinte texto:
“Aproveitando o encerramento do Museu do Caramulo para a requalificação dos espaços museográficos, foi feita uma seleção das obras de arte mais emblemáticas que se conservam naquele museu, trazendo-as à fruição do público lisboeta. Procura-se assim dar a conhecer a um maior número de pessoas estas preciosidades, desconhecidas para muitos.
Ao primeiro Picasso que se expôs em Portugal, juntam-se Amadeo de Souza-Cardoso, Maria Helena Vieira da Silva e Eduardo Viana, mas também belos exemplares de pintura antiga, destacando-se obras de autores como Grão Vasco, Isembrandt, Quentin Metsys e Frei Carlos. Acrescenta-se a esta seleção objetos de artes decorativas, como uma das tapeçarias da série conhecida como “à maneira de Portugal e da Índia”, raras peças de porcelana chinesa e obras de arte Namban. Este conjunto de peças é enriquecido pelas criações de jovens artistas recentemente incorporadas nas suas coleções. Incontornáveis, quando falamos de Museu do Caramulo, são os automóveis. A coleção, única em Portugal, será invocada por um exemplar, de pequenas dimensões, de um Bugatti, um dos mais belos clássicos da industrial automobilística mundial”
.

Fui a correr, a data de encerramento prevista era 26 de setembro. Se gostassem muito, ainda teria tempo de voltar. Gostei o suficiente para voltar, deixo-vos aqui algumas recordações.

São obras de tema religioso de insuperável qualidade, foi muito bom que tivessem vindo até Lisboa, nesta casa também há obras de Quentin Metsys, Grão Vasco ou Frei Carlos, nada como alargar horizontes, comparando outros discursos destes génios da pintura.
Abel de Lacerda não era peco a pedir, escrevia aos artistas e muitos acediam a ofertar as suas obras para o Museu do Caramulo. Este magnífico quadro é de Raoul Dufy, são as cores do mestre, as suas formas ingénuas, aquele traço peculiar que revela o primado da simplicidade, nada se esconde, não há truques académicos, todo o espaço é compreensível, obriga a olhar em todas as direções e o resultado é altamente compensador, Dufy devia ser um homem feliz ou então aparentava muito bem.
É um belo Souza-Cardoso, regista a sua marca de água a que não faltam reminiscências do cubismo e do surrealismo, sobretudo é uma imagem do seu Portugal, das suas estadias em Manhufe, daquele mundo rural à volta do Marão, ele regressa ao país quando começou a I Guerra Mundial, morrerá jovem devido à gripe espanhola, mas esta fase de labor em Portugal é um legado formidável de quem, para além de génio vanguardista, tinha vincado o seu olhar camponês.
E este quadro de Picasso tem história, na sala projetava-se um documentário da RTP, este grande senhor da pintura universal a produzir a obra, causa calafrios como se pode ter assim o talento à flor da pele.

Vista a exposição, prossegue a veneração pelos grandes mestres, de novo Quentin Metsys, confesso que comecei a interessar-me por este grande nome da pintura graças ao Professor Luís Reis Santos, fui amigo de um dos seus filhos que me levou a Coimbra e o notável investigador lançou-se, horas a fio, a falar-me deste prodigioso flamengo e como algumas das suas obras-primas são hoje privilégio do nosso património. Enquanto contemplava esta Nossa Senhora das Dores, recordei o inesquecível serão, a lição de um investigador sempre de discurso apaixonado. Mal sabia ele que tinha conquistado um prosélito.
Cinjo-me a um pormenor deste quadro de Boch, depois dos Painéis de Nuno Gonçalves deve ser o mais contemplado, por nacionais e estrangeiros, é tudo linguagem codificada, até se tem a ilusão de que Boch era surrealista, ora o que ele nos põe a admirar é uma abordagem da espiritualidade nesse mundo de demónios, mostrengos, abortos da natureza, desastres cósmicos, o que sobreleva é a lição da santidade, aprende a ver para seres melhor, o que parece torcido e retorcido, de pernas para o ar, é lição para a tua vida, parece dizer este mago que nunca nos cansa o olhar.
E que dizer desta matéria bruta de onde Rodin vai esculpir a formosura, pondo em profundo contraste a rudeza da pedra não trabalhada onde emerge o prodígio das formas, uma sensualidade quase irrestrita, a beleza em repouso?
Encaminho-me para os Painéis de Nuno Gonçalves que sei estarem a ser restaurados. Desde que a museografia deste andar ganhou estas formas, todo este espaço amplo aparece bem ocupado por imagens que noutro ordenamento seguramente não nos chamariam tanto a atenção. É uma mostra assombrosa de escultura onde o tema religioso é primordial, são os chamamentos do divino que parecem sair do silêncio, é um retorno à Igreja das catedrais, destes seres exemplares que ocupavam a crença dos homens como incentivos à perfeição, à generosidade, ao amor pelos outros. Este esplendor museográfico tenho-o como inultrapassável, qualquer grande museu do mundo acolheria estas soluções de percorrer em galeria a lição dos santos e a convocatória da nossa vida para alcançar o paraíso.
O que aconteceu foi o seguinte, a idade aconselhou que esticasse as pernas, havia mobiliário para contemplar Nuno Gonçalves em trabalhos de restauro, eis que se abre uma porta de onde saem duas senhoras, provavelmente peritas naqueles labores do retoque e requalificação, não me faltou pudor para lhes ir pondo perguntas, foram muitíssimo gentis e todas as dúvidas que eu tinha, como eu esperava, ficaram sem resposta: de onde vêm os painéis, quem é o seu autor, aonde e como estavam expostos, o que representam. Agradeci e fiquei especado, não há nada na arte portuguesa que supere esta emoção de ver tanta gente representada quando os outros génios contemporâneos faziam retratos, punham Cristo na Cruz ou mostravam caldeirões do inferno, aqui está gente que me fixa no olhar e de frente, parece uma amostra de uma nação em marcha, talvez seja devaneio meu, mas que saio daqui orgulhoso desta mostra do ser humano, é a minha clamorosa verdade.
São só lembranças da arte Nanbam e do muito fascínio que este Oriente nos incutiu, até aos dias de hoje. Não esqueço uma exposição que aqui vi de ourivesaria de Goa, coisas que um senhor guardou metodicamente e mandou para o Banco de Portugal, quando se deu a queda da Índia. São objetos que assombram, são obras que parecem ter sido concebidas, estas que aqui vos mostro, para nos fazer sonhar ou talvez para também mostrar que somos desinibidos na comunicação e talvez por isso mesmo continuamos a peregrinar por Franças e Araganças, e aí somos respeitados. E chega de conversa, não há nada como preparar o espírito para rememorar o que se viu e preparar novas andanças.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22591: Os nossos seres, saberes e lazeres (470): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (11) (Mário Beja Santos)