Mostrar mensagens com a etiqueta baptismo de fogo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta baptismo de fogo. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3377: O meu baptismo de fogo (19): Como, porquê e não só (Belarmino Sardinha)


1. Mensagem do camarada Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, com data de 28 de Outubro de 2008:

Caros Editores,
Estimados Camaradas,
Aqui envio descrito aqueles que foram o meu Baptismo e Crisma.
Vejam o interesse que eventualmente possa ter e, não lhe chamarei censura, deixo ao vosso critério a sua divulgação ou não.

Um Abraço
BSardinha

2. O Meu Baptismo de Fogo - Como, Porquê e Não Só

Tornou-se leitura diária este Blog/Local, como preferirem.

Nunca falei muito sobre este tempo e quando o fazia era apenas e só com camaradas, tivessem eles estado na Guiné, Angola ou Moçambique. Sempre achei não ser capaz de transmitir cabalmente o que vivemos ou obter de quem me ouvia a sensibilidade para um resumo de acontecimentos com que éramos brindados, não de uma queixa. Se havia a necessidade de libertar fantasmas que eventualmente existissem, quer pelos acontecimentos vividos ou simplesmente conhecidos, nunca me apercebi haver por parte da sociedade em geral esse interesse em ajudar. Não me refiro aos familiares, refiro-me àqueles que nos ouviam quase como obrigação num acto de consolo para com o desgraçadinho ou o apanhado, como muitas vezes disfarçadamente diziam. Talvez por isso nunca o tenha feito tão abertamente como agora neste espaço, se calhar nem com os meus filhos o fiz alguma vez, outros são hoje os tempos e os interesses, felizmente, embora devamos estar atentos aos políticos, especialistas a arranjarem-nos destas situações, mesmo em regimes como a dita democracia.

Talvez também nunca tenha dado grande importância a esta parte da minha vida na Guiné. Foi um assunto em que me vi envolvido, que era pessoal e intransmissível e altamente individual, só partilhado com todos os outros em igualdade de circunstâncias. Porém este Blog/Local tem-me levado a falar convosco e a poder contribuir para quem queira fazer um trabalho verdadeiro e sério sobre o que foi e como foram vividos pelos diferentes protagonistas esses 13 (treze) anos. Por tudo isso, só agora, falando ou escrevendo vou recordando situações e nomes, mas estou certo que coisas há que estão profundas ou mesmo apagadas na memória. Escrevi um dia: as coisas boas recordam-se, as más nunca se esquecem. Hoje não estou tão certo assim.

Nunca achei e continuo a achar pouco importante o que eu passei tendo em atenção as experiências vividas por muitos outros camaradas com quem privei. Mas não me escuso a deixar aqui o meu depoimento sobre como aconteceu o meu baptismo de fogo.

Mansoa, 1972, num dia de Setembro ou Outubro, tanto faz

Os dias eram iguais e as datas não eram coisa que me interessasse, tinham passado pouco mais de 15 (quinze) dias, de um período de 24 meses quando fui para Mansoa, não havia razão para pressas ou preocupações de tempo e muito menos para um registo. Estávamos no ano de 1972 e isso era quanto bastava, sabia que tinha passado já o meio do ano, pois tinha sido nessa altura que havia desembarcado na Guiné e passava já mais algum tempo que estava em Mansoa, seria talvez Setembro ou mesmo Outubro quando pelas, aproximadamente, 20h00 ou 20h30 se ouviu o primeiro rebentamento.

Inexperiente nestas matérias e por isso também mais inconsciente, procurei ver o que faziam os outros para lhes seguir o exemplo, foi assim que dei comigo debaixo de uma placa onde se encontrava o telex dentro do edifício de STM em Mansoa. Foram apenas uns quinze a vinte minutos, se calhar menos, tempo apenas suficiente para nos enviarem a mensagem, seis canhoadas, palavrão ouvido aos operacionais. Caíram todas fora do quartel, mas o pior para aqueles que lá se encontravam havia quase uma comissão, era que no mês de Julho, uma semana antes de eu lá ter chegado, haviam sofrido um forte ataque que deu cabo de parte de várias casas da vila e da bomba de gasolina. Tive oportunidade de ver os estragos.


Mansoa > Ponte sobre o Rio Mansoa.
Foto de J. Mexia Alves, editada por CV


Mansoa > Vista aérea do Quartel.
Foto de César Dias, editada por CV


Em Aldeia Formosa, sempre à hora do jantar

Como já referi em nota anterior, por dificuldades de entendimento com um furriel miliciano, fui transferido para Aldeia Formosa.

Não sei se estarei a falar da mesma zona que o nosso mestre Luís Graça refere não ser atacada, ou se isso reporta apenas à data que ele refere no comentário que faz no final da tradução do documento do PAIGC, mas os camaradas já lá colocados, quando cheguei diziam ser prato habitual e sofriam de alguma ansiedade se estavam muitos dias sem que houvesse um ataque ou flagelação, diziam poder estar o IN a estudar um plano para um ataque pior ao que que estavam já habituados.

Que me lembre, existiam neste quartel, Aldeia Formosa, além de duas anti-aéreas de 4cm mais duas ou três quádruplas, um Obus 14 e outro mais pequeno, salvo erro 11, não sou especialista de armas e posso estar a dar-lhes o nome errado tecnicamente, mas isso poderá ser confirmado por outros camaradas que por lá passaram ou pelos registos militares que certamente existirão .

Voltando à questão dos ataques, como a festa anterior tinha sido de pouco efeito e digamos sem interesse e tinha apenas o baptismo, foi-me possibilitado fazer o crisma e assim ver melhor como funcionavam estas coisas dos ataques aos quartéis. Nos três meses que passei em Aldeia Formosa averbei 9 (nove) ataques ao quartel, sendo um deles ao arame, por volta das 21h00 ou 22h00.

Como era habitual estava a entrar no bar do pelotão das chaimites, com quem fazia, por vezes, a ronda fora do quartel, quando ouvi um barulho que me fez olhar para trás e ver o céu cheio de luzes, balas tracejantes.

Tinham começado um ataque do lado de lá da pista de aterragem, sem que tivesse sido detectada qualquer movimentação ou rebentamento que provocasse o alarme.

Pouco depois começou a nossa resposta a esse ataque, mas as anti-aéreas quádruplas encravaram com excepção de uma manuseada por um experiente velhinho. Houve depois quem dissesse que tinham ido lá testar os periquitos que tinham chegado para substituírem os atiradores daquelas armas e que estas encravaram por terem feito fogo abaixo dos 0 graus.

Mas para mim, o pior, com excepção deste ataque nocturno ao arame, foi que todos os outros foram sempre próximo da hora do jantar ou quando este decorria. Embora não fossemos trajados com fatos de gala nem houvesse baile depois, fez que numa das vezes, ao despejar o prato para o caldeiro e correr para a vala, feita com bidões cheios de terra, tivesse despejado também as ferramentas da refeição, ou sejam, o garfo e a colher.

Considerado já um especialista que averbava no curriculum 10 ataques aos quartéis por onde tinha passado, regressei a Bissau e aí fiquei, até ir render a Bolama um camarada que ia de férias.

E porquê?

Tinha já passado mais de metade da comissão e tinha estado de férias da Metrópole.

O então 1.º Sargento Vasco, Chefe do Posto Director do STM em Bissau, havia-me pedido, ou mandado, levar-lhe um capacete para se passear de mota, dizendo-me qual o modelo e inclusive onde o deveria comprar, na altura, na esquina da Rua das Pretas com a Avenida da Liberdade. Como não se tinha chegado à frente com o dinheiro, na altura entre 1.500$00 a 1.800$00, nem via nele grande interesse em o querer pagar, quando regressei disse-lhe que estavam esgotados. Não gostou. Daí a ter-me oferecido para ir substituir a Bolama o camarada que ia de férias foi um passo.

Por outro lado pensei que se Bolama servia para gozarem as férias muitos dos que não iam à Metrópole, nada melhor do que eu ir até lá, era como sair de Lisboa ou Porto e ir passar um mesinho em Cascais ou Foz do Douro.

Chegado e instalado, num quartel de instrução militar destinado ou pelo menos na altura a recrutas, dos quais grande parte ou todos muçulmanos, onde a carne de porco não fazia parte da ementa e onde acompanhavam as refeições com leite, procurei o entendimento com o cozinheiro e levantava os géneros e confeccionava eu o tacho no espaço do STM.

Mas não tenho razão para me queixar do trabalho, talvez mais da falta dele, dormia todas as noites sem a preocupação dos turnos 00h00/04h00 - 04h00/08h00 - 08h00/12h00 - 12h00/16h00 - 16h00/20h00 - 20h00/24h00 obrigatórios em Bissau, estava mesmo de férias não fosse lembraram-se de fazer um ataque ao quartel, imaginem dois ou três rebentamentos e acabou, felizmente e sem consequências.

Depois deste nunca mais passei por outro, passados os 30 (trinta) ou 40 (quarenta) dias que estive em Bolama regressei a Bissau e ao Posto Director do STM até final da comissão.

Como poderão ver, tenho razões para me considerar um privilegiado em relação a muitos dos camaradas que dão o seu contributo a este Blog/Local e não vejo grande interesse nas minhas situações pessoais. Contudo, não deixarei de contribuir, modestamente, para o Blog/Local que, sendo do Luís do Vinhal e do Briote, nos reúne e permitam-me a ousadia, já é de todos nós.

Um abraço para todos.
BSardinha
____________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3365: O meu baptismo de fogo (18): Cufar Nalu, 15 Maio de 1965 (Mário Fitas, CCaç 763, Cufar)

Vd. postes de Belarmino Sardinha de

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2942: O Nosso Livro de Visitas (16): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Guiné 1972/74)

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2956: Tabanca Grande (75): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Guiné 1972/74)

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

6 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3026: Convívios (69): Pessoal do BCAÇ 3832, no dia 31 de Maio de 2008 na Covilhã (Germano Santos/Belarmino Sardinha)

10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3047: Os nossos regressos (9): Uma viagem tranquila...(Belarmino Sardinha).

20 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3075: Estórias avulsas (19): Os cães da guerra (Belarmino Sardinha)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3365: O meu baptismo de fogo (18): Cufar Nalu, 15 Maio de 1965 (Mário Fitas, CCaç 763, Cufar)

O meu baptismo de fogo
Mário Fitas
ex-Fur Mil
CCaç 763, Cufar, 1965/66

Um tema aliciante, que em termos psicológicos daria um óptimo estudo. Não só as reacções individuais, mas também aquelas que por vezes se tornavam em cadeia e que geravam situações dignas de um estudo aprofundado por técnicos na matéria.

Baseado na História da CCaç 763 e no meu livro Putos, Gândulos e Guerra, aí envio o meu testemunho, com descrições preparatórias, que julguei convenientes.

A 2 de Março de 1965, quando o 2º Gr Comb da CCaç 763 aporta ao cais de Cufar, no Rio Manterunga, afluente do Cumbijã, as Forças do PAIGC controlavam totalmente o sector, dispondo de um forte acampamento na Mata de Cufar Nalu, a mil e quinhentos metros do aquartelamento de Cufar, onde íamos render a CCav 703, que se encontrava acantonada em abrigos cavados no chão, - cuja temperatura mínima era atingida de madrugada nunca baixando dos trinta graus - ligados por trincheiras, em volta da antiga fábrica de descasque de arroz do madeirense Sr. Camacho.

Abrigos em Cufar. Da esquerda para a direita: Fur Mil Trms Tomás Afonso, Fur Mil Bernardino Pinto, Fur Mil Op Esp Mário Fitas
Fotos (e legendas): © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.


Só em Maio, que será para mim o verdadeiro Baptismo de Fogo, e que à frente descreverei, descobrimos como as Forças do PAIGC, descendo a mata, chegavam à ponta do Manterunga e aí faziam a sua carreira de tiro sobre as Nossas Forças com metralhadoras pesadas e armas ligeiras, precisamente às horas das refeições e quando o corneteiro tocava ao içar da Bandeira. Não dava resultado responder com armas ligeiras. Eles só se calavam, quando o Fernando Santos Oliveira (1) punha a sua malta a bater a zona com os seus morteiros 81.

Mário Fitas na psico e controlo das populações das tabancas a Sul.


O PAIGC controlava as Tabancas a sul de Cufar. A acção subversiva na zona já tinha atingido a fase de criação de Bases e Forças Regulares. Prolongamento do corredor de Guileje, eram comandantes e responsáveis pela Zona 11 João Bernardo Vieira Nino e Joãozinho Guade, encontrando-se este comando na Base Central, entre os rios Cacine e Cumbijã no Cafal Cantanhez.

A 18 de Março, com a chegada do Comando a Cufar a CCaç 763 assume definitivamente a responsabilidade do sector. Recebendo como reforço 2 A/M Daimler, 1 Pelotão de Sapadores, a Secção de morteiros 81 do Fernando Santos Oliveira e 10 guias nativos da Companhia Milícia nº 13, do João Bacar Jaló, Alferes de 2ª. Linha, impôs-se a necessidade do alargamento do aquartelamento, abrangendo toda a antiga quinta incluindo a área residencial.

A par desta actividade, há uma preocupação essencial, de combate à guerrilha: reconquistar as populações a sul, através de uma acção psicossocial avançada.
A preparação operacional continua. Verifica-se um estudo mútuo das forças no terreno, alguns contactos, mas sem significado, como disse, essencialmente de estudo.

A 2 de Abril, a CCaç 763, procura o contacto directo, entrando na Mata de Cufar Nalu e instalando–se emboscada até às 14HOO, sem contacto.


Entrada da mata de Cufar Nalu.

Sabíamos as técnicas e as formas como as forças do PAIGC funcionavam e revelavam na zona. Em Fevereiro, os Comandos tinham andado em Cufar Nalu, e o PAIGC não se tinha revelado. Era necessário conhecer a forma como eles se revelariam.

Continuam os reconhecimentos, batidas, patrulhamentos e golpes de mão nas Tabancas a sul e rios Manterunga e Cumbijã. Mas eles estão lá, nós sabemos que o acampamento de Cufar Nalu é de grande importância para o PAIGC manter a zona de Cabolol e o seguimento do Corredor de Guiledge sem ser molestado.

Começámos a aprisionar os controleiros e controleiras das Tabancas de Iusse, Impungueda, Mato Farroba e Cantone. Agora sim, temos condições para avançar para Cufar Nalu. E agora sim, também será o meu Baptismo de Fogo a sério.

Já tinha feito muito fogo em Lamego, alguns tiritos aqui à volta, mas agora vamos lá e é a sério. Fica registada como a Operação Razia.

A 15 de Maio de 1965 ao romper da madrugada, o 3º Gr Comb em primeiro escalão, com o 2º em segundo escalão, inicia-se uma batida tendo como eixo o caminho que dava acesso da orla à antiga Tabanca de Cufar Nalu.

Ouvem-se vozes na mata. A CCaç pára, em silêncio absoluto. Momentaneamente começa um tiroteio ensurdecedor. Um grupo de reconhecimento do PAIGC foi detectado!

A minha primeira reacção foi deitar e orientar a secção, conforme os acontecimentos. Tudo muito bonito! Só que o meu corpo deitado dava saltos de meio metro de altura.
Não conseguia deitar-me, tinha de estar de pé e tentar ver tudo. Perigoso! Mas era a reacção incontrolável do corpo.

Sofro aqui a maior decepção como comandante de uma secção de homens, que a seguir narrarei.

Continuando a progressão, abatemos um elemento do PAIGC, sendo capturada uma PM 9mm M-25 com carregador e munições.

A partir deste momento, o contacto foi intenso e permanente até às proximidades do acampamento que se deu pelo meio da tarde. Derivado da fortíssima resistência, foi pedido apoio da Força Aérea e da Artilharia.

Agora, sim, com os rebentamentos dos obuses e roquetes parece estarmos envolvidos por enorme tornado com o estrondo dos rebentamentos por cima dos altos poilões. Apercebemo-nos que o efeito prático será mais psíquico do que físico.

Estamos a cem metros do acampamento, e a sua situação está bem definida. Como acontece em África, começa a escurecer, e a noite cairá rapidamente. Ordens para ocupar posições, e evitar o assalto de noite. Mas já nos apercebemos bem da fortaleza que temos pela frente. Mando o Maçarico preparar um local para os dois passarmos a noite, junto a um poilão que teria aproximadamente quatro metros de diâmetro e vou posicionar o restante pessoal, ao regressar o Maçarico olha para mim apavorado e diz-me:
- Meu furriel esta árvore está bichosa!

Nem um obus rebentaria aquela fortaleza e, durante o resto da comissão, o Maçarico foi gozado com a árvore bichosa.

Como irá ser o assalto? De madrugada, com a primeira claridade é dada a ordem de assalto.
Diabólico!

Não sei como aconteceu, uma companhia inteira a gritar e a avançar, fazendo rajadas e lançando granadas defensivas, o pessoal das bazucas esgaçava os altos poilões. Entramos dentro do acampamento. Desilusão!

Durante a noite o pessoal do PAIGC tinha-se escapulido. O barulho que durante a noite ouvíramos não era a reorganização, nem a chegada de reforços, era o abandono do acampamento, levando o que podiam. Destruído e recuperado o material abandonado, esperámos pela chegada de um grupo de combate da 4ª Companhia (4ªCompanhia de Caçadores Nativos de Bedanda) que ficou emboscado no acampamento até ao dia seguinte para não haver reocupação.

Descemos pelo lado onde tinha sido efectuada a fuga do pessoal do PAIGC e onde se verificou a força, a vontade e a forma como seria bastante difícil chegar àquele acampamento. O carreiro era um labirinto em zigzag onde se poderia ver a aproximação de qualquer pessoa sem sermos vistos. Notavam-se os rodados de mais de uma metralhadora pesada. Roupa e material de enfermagem ensanguentada abandonada, mas nem um único corpo. Nisso eles eram extraordinários, não deixavam ninguém para trás.

O carreiro no fim da mata de Cufar Nalu divergia para a orla desta mata junto ao rio Manterunga de onde era feita a carreira de tiro e para a mata de Cmaiupa/Afiá.

Não recordo as vezes que voltei a passar por aquele acampamento, até Novembro de 1966, mas nunca mais vimos indícios do PAIGC, parece ter ficado assombrado aquele acampamento.

Estava o Baptismo de Fogo a sério efectuado.

Tomaram parte nesta operação de apoio à CCaç 763 a 728 e a 764.



2º. Grupo de combate da CCaç 763. O Mário Fitas é o 1º da esquerda.

a) Desilusão do comportamento de alguns homens da minha secção. Como era de Operações Especiais, tinham ido parar à secção os problemáticos e valentões dentro do arame farpado. Só que cá fora no duro, tudo mudou:

(i) O Velhinho, refractário com trinta e poucos anos já, gordo suando gordura por todos os poros, nem para a frente nem para trás, foi parar à cozinha por troca com o Orlando;

(ii) O homem da bazuca ficou, mas tinha de ser seguro até acalmar, pois sempre que havia tiroteio, atirava com o cano para o lado e fugia para a frente ou para trás, um perigo. Depois de calmo metia uma granada de bazuca no raminho que lhe indicasse;

(iii) O Matacanha, vindo do Forte da Graça em Elvas, por utilização de arma branca que ficava estático como o Velhinho, foi para padeiro e veio o Amadu Baldé do recrutamento da província;

(iv) O Vendedor de jornais, ali do Chile, o terror dos sete mares dentro do Aquartelamento, atirou com a G3 para o lado e tentou esconder-se debaixo dos camaradas. Começou a andar sempre bêbedo e agora a ser espancado por todos. Foi evacuado para o Júlio de Matos. Foi substituído pelo Mamadu do recrutamento da Província;

(v) O Maçarico ficou, mas para ser utilizado como carregador, derivado do forte físico.

(vi) Os restantes eram bons, e ajudaram-me muito. Vieram todos, o Ferreira que nas emboscadas fazia uma fita da MG-42 de pé em tiro instintivo, veio mais cedo com uma hepatite, fez falta.

Mário Fitas

__________

Notas de vb:

1. Fernando Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf do Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66.

2. artigos da série em

24 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3352: O meu baptismo de fogo (17): Morés, 8 Agosto de 1972 (Amílcar Mendes, 38ª CCmds)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3352: O meu baptismo de fogo (17): Morés, 8 Agosto de 1972 (Amílcar Mendes, 38ª CCmds)

1º Cabo Amílcar Mendes, 38ª CCmds. Mata de Morés. 1972.

(...) embora à distância de um clicar continuo a acompanhar o nosso blogue diariamente. Porque me emocionei com alguns relatos da "primeira vez" decidi, e por homenagem a um grande amigo, de quem irei falar mais tarde, partilhar convosco a minha primeira vez. Desta vez, e porque não quero melindrar ninguém, alguns nomes serão alterados.

Acho que a partir do momento em que me ofereci voluntário para os Comandos no já longínquo ano de 1969 fiquei a sonhar como seria a minha primeira vez.

Sonhava de olhos abertos e revia-me em todos os filmes de guerra. Imaginava-me o tipo duro que debaixo de fogo iria estar a rir-se e a desdenhar sem nenhum respeito pelo inimigo. Sonhava ser o tipo Mata todos e volta só!

Isto claro na minha ingenuidade dos 18 anos cheirava a bravata, e contagiado pelos relatos que ia lendo das tropas especiais que lutavam no Vietname e que me enchiam a cabeça de fantasia. Ser dos Comandos antes do 25 de Abril, no continente era tabu, era mistério e sedução para os meus 18 anos.Nem eu imaginava como ira ser diferente essa realidade.

Tenho que elucidar que, naqueles anos de guerra colonial, ir para os Comandos e conseguir sê-lo, obrigava a ter que passar por muitas etapas. Uma delas era de que mesmo com o curso de Comandos concluído e já na fase operacional, a especialidade Comando só era averbada depois de termos tido contacto com o Inimigo em teatro de guerra e nem que isso demorasse um ano tínhamos de aguentar para só depois em parada recebermos o Crachá.

A sua entrega em parada tinha um cerimonial e onde um graduado Comando nos perguntava a berrar:
- Queres ser Comando? - e se a nossa resposta era Sim, ele respondia:
- Então vai e cumpre o teu dever!

E era nesse momento que nós passávamos a pertencer a uma Família de quem nos iríamos orgulhar pela vida fora e até a morte. Bem, isto tem muito a ver com a vontade que tínhamos em ter contacto com o IN para nos armarmos em vaidosos com o crachá.

Cheguei à Guiné no dia 29 de Junho de 1972 e depois de uns dias de folga em Bissau onde a CCmds esteve a receber o armamento, no dia 10 de Julho 1972 seguimos em coluna com destino a Mansoa. Nesse mesmo dia encontrei o meu amigo Germano, 1ªcabo cripto e um velho amigo de família com quem eu passei muitos dos serões em Mansoa nos intervalos da fase operacional.

Lembras-te, Germano, como aquilo foi duro para mim? Lembras-te de eu regressar das operações do Morés e como desabafava contigo?

Antes de passar ao debaixo de fogo quero aqui recordar, e tu lembras-te, Germano, pois estavas ao pé de mim, dizia eu recordar o meu primeiro contacto nu e cru com essa malvada chamada morte e que se me apresentou da forma mais cruel que se possa imaginar. Para o contar vou relembrar o que na altura escrevi no meu diário de guerra.

15 Julho de 1972

Estava à conversa com o Germano junto à nossa caserna quando ouvimos um tiro vindo do interior. Corri para lá e de repente nesse minuto ao olhar um corpo no chão vítima de um disparo acidental perdi toda a minha inocência guerreira e acho que um mundo de responsabilidade e verdade se abateu sobre os meu ombros. Foi a primeira baixa da companhia. O soldado Ilídio da Costa Moreira.

Depois de sair para fora da caserna senti-me agoniado e vomitei e senti que tudo o que me foi ensinado no curso foi pouco para lidar de frente com a morte.

8 Agosto de 1972

Saí ontem para uma operação heli-transportada, a partir de Mansoa e até ao local da largada. O Germano foi dar-me um abraço.

Desembarcámos na mata do Morés na região DANDO -QUENHAQUE-SINRE. A operação foi um golpe de mão num aldeamento onde as populações estavam sob controlo IN e o objectivo foi atacar e destruir as instalações para criar um clima de instabilidade.

Entrámos no aldeamento e estava vazio. O silêncio era impressionante, notava-se que o IN à nossa aproximação fugiu do aldeamento. Começámos a passar revista ás tabancas a de repente ouve-se um tiro. Um furriel do meu grupo detecta um turra emboscado e mata-o. Durante a revista apanhámos diverso material de guerra e documentos. Destruímos 10 palhotas e 2 grandes celeiros.

Saímos do aldeamento e mesmo na saída caímos na primeira emboscada em guerra.

Sofremos fogo concentrado de flgelação. Foi um momento de excitação para mim. É a primeira vez que estou debaixo de fogo do IN. Reagimos à emboscada, fomos para cima deles e saímos do local.

Nesse mesmo momento outros dois grupos da Companhia são emboscados perto de nós e têm um morto. Foi o nosso primeiro morto em combate. O camarada Francisco José, natural de Évora.

Começámos a andar em direcção ao local de recuperação que já não era em heli. Tivemos que andar dúzias de km em direcção a Infandra. A um dado momento desfaleci. Valeu-me uma coramina para me recompor. Pelo caminho entrámos noutro aldeamento onde fomos recebidos com rajadas de kalash.

Nessa aldeia levei um banco que o meu amigo Germano (lembras-te?) trouxe para a metrópole. Chegámos à estrada, perto de Infandra, já muito tarde e a recuperação ficou para de manhã.

Durante a noite os mosquitos iam-me bebendo o sangue todo.

Duração da operação: 24 horas

Resultados:

- IN: 1 morto e vários feridos, visto terem sido encontrados vários rastos de sangue;
- NT: 1 morto e 1 ferido ligeiro
- Destruído um acampamento de 10 palhotas e vários celeiros
- Material capturado:

2 Granadas defensivas F-1
1 anadas defensivas modm 63
Documentos e material diverso

E esta foi a minha primeira vez, Amigo Luís, e como vez foi um bocadito para o duro.

Quero agradecer ao Germano toda a disponibilidade que nesse tempo para me apoiar. Obrigado AMIGO.


Amilcar Mendes
ex-1ªcabo COMANDO
38ºCCmds
Guiné
__________

Notas de vb:

1. O Amílcar Mendes, em 2 Novembro de 2005, apresentou-se assim na nossa Tabanca Grande:

"assentei praça em Outubro de 1971 no antigo RAL1. Ofereci-me para os Comandos onde cheguei em Dezembro de 1971 (CIOE/ Lamego). Completei o curso em Junho de 1972, mês a que cheguei à Guiné, a 26. Iniciei a 2ª parte do curso em Mansoa, na mata do Morés, onde tive o primeiro contacto com o IN. Recebi o crachá de Comando em Agosto, com o posto de 1º cabo.

Em Fevereiro de 1974 terminei a comissão mas só regressei a Portugal em Julho de 1974."

2. Artigos da série e relacionados em´


24 Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3350: O meu baptismo de fogo (16): Catió, 10 de Março de 1969 (António Varela)

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P3350: O meu baptismo de fogo (16): Catió, 10 de Março de 1969 (António Varela)


1. Mensagem do nosso camarada António Varela, com data de 13 de Outubro de 2008, com o seu contributo para a série O nosso baptismo de fogo. O Varela é um membro recente da nossa Tabanca Grnde. Foi Fur Mil Sapador na CCS/BART 2865, Catió, 1969/70 (*)


Caros Luis, Carlos e Virgínio:

Como tinha prometido estou a enviar-vos a estória do meu embarque para a Guiné, o meu baptismo de fogo, e também algumas fotografias minhas, do quartel e da vila de Catió. Se acharem que têm interesse podem utilizá-las (*)

Catió > 1969/70 > Ex-Fur Mil Varela junto ao monumento aos combatentes mortos. Ao fundo a Caserna dos Soldados.


O MEU BAPTISMO DE FOGO

Nos 23 meses de Catió, nunca tive contacto com o IN, com armas ligeiras. Os meus contactos foram sempre com artilharia nos ataques ao quartel de Catió, ou mesmo de Bedanda onde estive algum tempo em serviço (1 mês). Não quero com isto dizer que nunca tivemos ao quartel, um ataque feito do lado do cais com ligeiros e rockets, mas eu não estava em Catió, estava de férias, dizem até que foi um grande ataque, lançaram mais de 300 rocketadas, mas não acertaram nem uma no quartel nem causaram qualquer baixa. Atacaram também Catió Fula, mas não me lembro de estar em Catió nessa altura. Atacaram Sua, Quitafine e Areias, mas todas estas tabancas formavam a cintura exterior de Catió, nada chegou ao núcleo central de vila.

Devo chamar a atenção para a excelente segurança montada à volta de Catió. Nessas tabancas que acabei de mencionar, em Catió Fula tinhamos os Sapadores e na pista também em Priame a milícia fula. Em Sua, a milicia balanta, em Quitafine e Areias também a milícia e, entre a pista e Catió Fula ficava o pelotão de canhões.

Por isso eu digo que não tive contacto com IN com ligeiras, o meu baptismo de fogo deu-se no dia 10 de Março de 1969.

Num flagelamento ao quartel às 19 horas, estávamos a jantar na messe de sargentos, e como tinhamos postos de defesa ao quartel distribuidos, não houve tempo para pensar muita coisa, só em correr para o quarto, pegar na G3 e cartucheira e ir para o posto que me estava destinado, que tinha uma seteira no muro e 4 ou 5 bidões de areia nas costas. Ouvimos as saídas e começámos logo a correr, depois quando passavam por cima de nós a assobiar atiravamo-nos para o chão, levantávamos-nos e continuávamos a correr até chegar ao posto de defesa definido, não caiu nenhuma dentro do quartel, não causou baixas nem no quartel nem na população.

A duração do ataque foi de 5 ou 10 minutos.

Catió > 1969/70 > Vista da localização dos obuses de 10,5 e da estrada que liga Catió a Priame.

Catió > 1969 > Vista parcial da parte norte do quartel e vila de Catió

Em Catió, a psico impunha que não houvesse abrigos, pois isso seria um sinal de medo que davam ao IN. Bem, havia um abrigo que tinha sido feito pela engenharia quando construiram o quartel que ficava atrás da messe de sargentos, era normalmente disputado pelos sargentos que não tinham obrigação de defesa do quartel.
De resto cada um atirava-se para o chão e rezava para que nenhuma canhoada lhe caísse em cima ou perto.

Termino por aqui, com um até breve.

Sem mais,
Um abraço para todos
António Varela
Ex-Fur Mil Sap
______________

Nota de CV

(*) Vd. poste de 12 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3302: Tabanca Grande (91): António Varela, ex-Fur Mil Sapador da CCS/BART 2865, Catió, 1969/70

Vd. poste da série O meu baptismo de fogo de 20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3332: O meu baptismo de fogo (15): Buba, Aldeia Formosa, 1968. (José Teixeira)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3342: O meu baptismo de fogo (15): Estrada de Buba-Aldeia Formosa, 22 de Julho de 1968 (José Teixeira)


Em Buba, o Zé Teixeira com o Mário Pinto e o Luís “Lousada”, ambos da CCaç 2317.

O meu baptismo de fogo
por José Teixeira


A caminho

Tinha chegado no anterior a Buba, vindo de Ingoré no norte. Partimos logo cedinho, seguindo até ao fim da pista de aviação. Embrenhámo-nos na mata serrada, ora com árvores gigantescas, ora capinzal descoberto. Espaços entre os homens bem medidos. Silêncio absoluto, quebrado longe a longe pelo piar de uma ave que nos sobrevoava intrigada, ou por um galho partido, descuido de algum camarada, que logo se penitencia, perante o olhar áspero do comandante. Um caminhar lento e cauteloso, de ouvido atento e olhar prescutante centrado na floresta virgem ou no movimento que a brisa matinal impunha ao seco capim.

Mal o Sol aparece a dar-nos os bons dias, logo a temperatura se eleva e a camisa começa a colar-se ao corpo. A marcha continua sem parar. Ouvem-se ruídos estranhos, parece ser uma matilha de cães. Logo à frente um grande bando de macacos saltava de árvore em árvore, numa dança sem fim. Um espectáculo de vida em movimento, indiferentes ao nosso penoso e lento caminhar, ora por entre a vegetação, ora enterrados na lama ora embrenhados na densa floresta.

Quase sem me aperceber, encontro-me de novo na pista, às portas de Buba, lá ao fundo o grande Rio de Buba convida-me a um mergulho. Respiro fundo, enquanto a mente me lembrava que para já tinha escapado.

Depois do tardio e saboroso almoço, não pela qualidade, mas pela fome que trazia, ousei ir dar o merecido mergulho nas águas quentes do rio, mesmo depois de me terem lembrado que uns tempos atrás choveram balas vindas da margem oposta, atiradas por alguém, que gosta de pregar sustos. Seguiu-se um tempo de descanso.

Depois...foi tempo de paragem, de encontro comigo mesmo em busca do Zé que deixou parte de si em Portugal, mais propriamente no Porto. Um pequeno grupo de colegas convida-me para rezar por ser Domingo. Foi preciso lembrar-me, hoje é Domingo...

Tinha saído às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de um sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado....

Só ao fim da tarde, quando a noite surge e porque um colega me recorda, verifico que é Domingo!...É verdade, Senhor, é o teu dia, o dia que Tu instituíste para te louvarmos... e a minha Missa foi mais uma coluna. Rezei. Aceita, Senhor, o meu cansaço como sacrifício neste dia.

22 de Julho de 1968

Começou a guerra a sério para mim. Ainda esgotado pelo esforço de ontem, saí, de novo, às seis da manhã para esperar a coluna vinda de Aldeia Formosa (Quebo). Às oito embosquei junto à "ponte interrompida" no rio Bolola, e por volta das doze recebi ordem para avançar para lá do cruzamento de Sinchã Cherno, local em que a picada se divide, seguindo uma para Empada e outra para Aldeia Formosa, por Bolola e Missirá. A coluna aproximava-se.

Um banho comprido ou os minutos mais longos da minha vida

Ouvi dois rebentamentos e fiquei preocupado... será que a coluna foi atacada?...

Cerca das dezassete deu-se o encontro de forças e soube então que detectaram cinco minas anti-carro, duas das quais rebentaram. Todos alegres, voltamos a Buba com o simples café, a camisa molhada de chuva e suor à mistura.

Ainda mal tínhamos chegado quando o IN apareceu a baptizar a Companhia atacando de canhão sem recuo, morteiro e costureirinha. Tentou durante cerca de 15 minutos, os minutos mais longos da minha vida, arrasar Buba, com fogo cruzado vindo de ambas as margens do Rio de Buba que ali se reparte em dois, formando uma espécie de Y. Não conseguiu por fraca pontaria ou porque não quis.

Disse-me em Fevereiro passado, durante o Simpósio de Guiledge, um dos comandantes de guerrilha com pude conversar um pouco e que pelo menos nos cruzamos por três vezes no tempo que por lá andei:
- Nós o que queríamos é que vocês se fossem embora, muitas vezes íamos só na chateia.

Dezenas de homens faziam fila, completamente nus, para tomar o refrescante banho. Na operação estiveram envolvidos três grupos de combate da CCaç 2381 (a minha), dois grupos de combate da CCaç 2382, estacionada em Buba, dois grupos de Combate da Lenços Azuis, um grupo de combate de Caçadores Africanos comandados pelo terrível Alferes Aliu Candé, de Aldeia Formosa, e mais um pelotão de milícia de Buba.

Para ganhar tempo, enquanto uns se molhavam, outros ensaboavam-se e outros esperavam. Eu estava a ensaboar-me, quando a “festa” se inicia. Num ápice toda aquela maralha se despeja na vala que existia, mesmo ao lado, uns por cima dos outros.
- Ai!...Ui!...
- Chega para lá, filho da p...
- Este gajo está todo borrado! - (Ãlguns na confusão da fuga foram de empurrão e como estavam molhados ficaram cheios de terra).
- Ai Nossa Senhora de Fátima, vamos morrer aqui todos!

Guiné-Bissau > Buba, 2008 > A minha antiga caserna transformada agora em escola.

Três frentes de fogo; as duas deles e a nossa, faziam um estrondo de arrepiar. E cerca de metade dos homens estavam a ser baptizados. Para completar a cena, desaba uma tromba de água, cuja descrição me dispenso de escrever, pelo conhecimento que têm os queridos leitores deste fenómeno na Guiné.




Buba 1969. Vê-se a bifurcação do Rio de cujas margens exteriores fomos atacados no dia do meu baptismo de fogo. Era um dos locais preferidos pelo IN para nos atacar. Foto do Alferes Miliciano Médico Dr Azevedo Franco.



Buba, 1969 – vendo-se um dos braços do Rio e uma pequena reentrância pela terra dentro, onde alguns de nós montávamos “emboscadas” aos peixes quando estava a maré a vazar com uma rede improvisada, permitido uma fuga à fome, ou ao repetitivo arroz com Chispe, na falta de outra coisa melhor. Foto do Alf Mil Médico Dr Azevedo Franco.

Eu era dos que estava completamente nu a ensaboar-me, quando ouço um estrondo seguido de tiros de armas ligeiras, logo outro e outro. As minhas pernas começaram a tremer de forma inexplicável, o coração a bater descompassadamente, vejo toda a gente a fugir e a desaparecer na vala, que eu tinha visto antes, mas não me tinha apercebido da sua utilidade, pois no norte em Ingoré, não havia nada disso. Os estrondos das saídas das bocas dos canhões, dos rebentamentos das granadas por todo o lado, das rajadas de G-3, mais os estouros das costureirinhas deixaram-me atarantado, até que alguém na fuga me empurrou e dou por mim enfiado na vala, rodeado de homens nus, que com a preocupação de se protegerem baixavam a cabeça, encostando-a ao rabo do camarada da frente, que por sua vez estava em posição idêntica. Nenhum de nós estava protegido com uma cuecas de folheta, por exemplo, mas que se conste ninguém foi desvirginado nessa dia.

Encharcados até aos ossos pela carga de chuva que se aliou ao inimigo, ali aguentámos o embate, com o coração aos saltos, até que, o fogo foi diminuindo, ficando as nossas armas a cantarem sozinhas por algum tempo, pois o IN afastou-se tal como surgiu rápido e pela calada, se afastou depois de deixar a carga mortífera que trazia, na mata, nas águas do rio e suas margens. Dentro do quartel caíram uma ou duas canhoadas que não fizeram estragos e creio que a população ficou incólume.
Que espectáculo! Centenas de corpos (muitos nus) encharcados, mas alegres, saíam das valas...A chuva fez de chuveiro e limpou os que estavam ensaboados, mas fomos todos de novo limpar com água o medo que nos atravessou a alma. Mais uma vez escaparam... escapámos. Escapei.

Encontrei, vindos de Aldeia Formosa, três colegas de recruta. À noite, vieram procurar-me. Encharcados pela chuva, cansados da coluna, com receio de novo ataque, queriam dormir e não tinham onde... não havia espaço coberto, nem camas.
A odisseia continuou no dia seguinte.


Na picada para Aldeia Formosa (Quebo)

Saí de Buba no dia vinte e quatro de Agosto de 1968 às seis da manhã e cheguei a Aldeia Formosa no dia vinte e cinco às vinte e uma, depois de durante dois dias batalhar com o IN, com o tempo e ultrapassar outras dificuldades. Cerca de trinta quilómetros de marcha que se fariam em cerca de 3/4 horas, numa situação normal, pela picada levou-nos cerca de trinta horas de marcha. A picada estava num estado lastimoso; buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros foram percorridos em oito horas e meia. A coluna seguia lentamente, cautelosamente. Os “piras” concentrados. As mãos de alguns, integrados no grupo de “picadores”, agarravam febrilmente as varas de ferro com que picavam a terra à procura de algo mais duro que indiciasse uma caixa de madeira ou chapa metálica, onde poderia estar a perigosa mina assassina, que muitos de nós nunca tínhamos visto nem imaginávamos como seriam.

Ouvidos atentos aos sinais toc, toc que se repercutiam na terra e ao mais pequeno som diferente, logo ordem de paragem. Ninguém mais se mexia. Uma insistência, o rebuscar da terra envolvente. Por vezes uma raiz ou uma pedra provocava um respirar aliviado e a marcha continuava. O olhar atento que se desdobra em todas as direcções; o caminho que se vai trilhar em busca de sinais de terra remexida de fresco; a mata cerrada que nos cerca, onde o inimigo pode estar, aguardando o melhor momento para atacar e matar. Roubar a vida a quem ama a vida, obrigando a uma partida prematura, deixando o futuro cheio de saudades de quem parte e quem assim parte leva imensas saudades do futuro.

As abelhas também entram na guerra

O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena nuvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo e, a conselho de um soldado da milícia que estava a meu lado, me arrastou para o meio de uns arbustos ali ao lado na mata. Ele foi a “mão de Deus” que me protegeu das picadas das abelhas. Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela cor que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada um tanto hilariante de toda a gente que protegia a coluna de viaturas naquele sector. Se o IN tivesse atacado nesse momento seria um desastre total, tal foi a desorganização gerada.

Depois... veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo. Inimigo cobarde! Frente a frente não consegue atingir os seus objectivos e ataca à traição, num pequeno descuido dos picadores. Que culpa terá aquele jovem que me morreu nas mãos, que os homens não se amem? Que culpa tenho eu? A sua vontade de fugir à morte impressionou-me e ainda hoje parece que estou a ouvir os seus últimos e já ténues gritos de vida.

Estava a comunicar via rádio com Buba a informar o que se tinha passado numa zona considerada perigosa, o entroncamento da estrada de Aldeia Formosa com a estrada que seguia para Empada em Sinchã Cherno, sem qualquer dano, quando a viatura em que seguia accionou uma mina anti-carro. Era a quinta viatura, a mais frágil das que tinham pisado a estrada. Aparentemente estava livre de perigo das minas, dado que as anteriores viaturas eram extremamente pesadas, quer pela carga que traziam, quer pelos sacos de areia que substituam os bancos. Logo atrás vinha o primeiro obus de 14 que se destinava a reforçar a defesa de Aldeia Formosa. Ouso pensar que o condutor talvez se tivesse desviado um pouco do rodado feito pelas viaturas antecedentes, sem pôr de parte a hipótese de a mina estar programada, para o carro do rádio ou eventualmente para o obus. Dos três camaradas atingidos foi o que aparentemente menos sofreu.

Não apresentava ferimentos externos. Do estado de choque em que caiu, rapidamente foi recuperado. Pouco tempo depois começou a sentir falta de forças e a cor da pele que reflecte a vida começou a fugir da sua face. Sede. Muita sede e o corpo a arrefecer. A angústia e o desespero começaram a tomar conta dele e de nós, os enfermeiros, que nos apercebemos da situação, sem lhe poder valer. Com a queda tinham rebentado vasos sanguíneos internos, o que implicava internamento urgente para ser operado a fim de se localizar a origem e se poder estancar a hemorragia. As forças fugiam a cada momento. Passado algum tempo gritava desesperado: já não vejo! Já não vejo! Vou morrer. Eu não quero morrer, salvem-me!

Impunha-se uma evacuação urgente, mas como?

Os dois aviões que nos tinham acompanhado até aquele local e batido a zona, tinham-se ido embora. As comunicações foram destruídas pela mina. Que raiva, meus Deus! De nada valeu a água que esgotamos, o soro que lhe demos, o carinho e talvez as orações de alguns. A morte veio matar o futuro daquele jovem. A vida fugiu-lhe rodeada de amigos que nada puderam fazer.

O destino marcou no tempo, aquela hora, aquela viatura, aquela vida cheia de vida, que deixou de ser vida. Partiu para sempre cheia de saudade de um tempo a que tinha direito a viver e nem sequer teve tempo para conhecer, porque o seu futuro deixou de existir.

A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho. Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h.) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra... dura guerra!

Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o R.T. morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caiu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino, nada pudemos fazer.

Esperávamos que o IN atacasse de noite pois tinha sido detectado pela aviação durante o dia. Felizmente durante a noite não houve surpresas e eu entregue totalmente ao ferido que sobrou para mim, o condutor da viatura sinistrada, um pouco mais conformado recomecei, melhor recomeçámos a marcha com toda a cautela, pois no dia anterior, além da mina que rebentou, foram localizadas mais três.

Para alimentação deste dia não tínhamos nada. A ração de combate, mal chegou para o primeiro dia. À frente havia INs, "manga dele", havia buracos, pontes interrompidas. Havia minas, só não havia comida.

Ainda não tínhamos percorrido três quilómetros, quando caímos na primeira emboscada. Dois bigrupos esperavam-nos. Felizmente a milícia comandada pelo Aliu Sada Candé que protegia os flancos descobriu-os e sem compaixão, pôs as suas máquinas de guerra a funcionar. O meio e a retaguarda da coluna embrenhados no mato, aguardavam prontos a intervir o que não foi necessário. Quinhentos metros à frente é a vez da retaguarda, onde eu me integrava a ser flagelada e obrigar o soldado português a mostrar as suas capacidades de luta. Deste segundo encontro há registar dois feridos.

Foi aqui, neste primeiro encontro a sério com o inimigo, que eu me zanguei com a G-3 ou a Dona G3rtrudes, como eu lhe chamava, abandonando-a para sempre.

Na quinzena de campo (IAO) que antecedeu a partida para Guiné, deram-me uma companheira, a namorada que afirmaram me ia acompanhar durante todo o tempo em que ia estar na guerra. Se houvesse alguma infelicidade acompanhar-me-ia até ao caixão. Era uma G3 ou a G3ertrudes. Disseram-me também para a tratar com carinho. Cuidar dela era cuidar de mim próprio.

1º Trazê-la sempre limpa e asseada, sobretudo o cano, para que, a baba ao tentar sair, furiosa por não conseguir devido a sujidade, rebentasse o cano. Pois, na pior das hipóteses, as tiras de aço voltavam-se para trás e atingiam o crânio do atirador, mandando-o de volta no sobretudo de madeira.

2º Pôr-lhe creme (óleo) nas partes mais sensíveis, para responder rapidamente aos estímulos

3º Sempre travadinha para não fazer asneiras

4º Nunca a abandonasse, pois, se perdida, dava origem a no mínimo, mais meio ano de comissão. O importante era chegar, sempre, ao aquartelamento com uma G3ertrudes.

Durante os primeiros três meses, foi de facto, a minha companheira preferida e inseparável. Pendurada no meu ombro, ao lado da bolsa de enfermeiro. Deitada a meu lado à sombra de uma árvore protectora do sol e do IN, ou no chão de cimento na caserna em Ingoré.

Antes da partida, prometera a mim mesmo, não lhe tocar nas partes sensíveis, porque vomitavam fogo, matavam vidas e isso não fazia parte da minha missão como enfermeiro e muito menos dos meus planos.

Cantei de alegria, quando soube que “as sortes” me tinham destinado a ser enfermeiro, convencido que escaparia à guerra dura e que com o meu trabalho iria minimizar dores e, quem sabe, salvar vidas. Da guerra dura e crua, não escapei, mas cumpri, apesar dos parcos conhecimentos da arte de enfermagem que me proporcionaram, a missão que me destinaram, com dedicação.

Na azáfama de tratar os feridos no dia anterior, esqueci-me da G3ertrudes. Foi posta de lado, esquecida, algures. Era preciso procurá-la. Aonde? Tinha-lhe perdido o lugar. Apareceu uma abandonada junto a uma árvore. Deitei-lhe a mão. Estava safo. E segui caminho.

Foi uma noite sem sono, com milhares de mosquitos a perseguirem-me e o inimigo à espreita.

Chegou a manhã e com a ela a primeira emboscada, que para quem vinha na retaguarda da coluna foi apenas um estar atento e esperar o silenciar das armas lá na frente. Os guerrilheiros recuaram, voltou o duro silêncio de morte e a vida continuou por momentos. Reinicio da marcha lenta e dolorosa, com sono, fome e sede, um camarada cadáver e três feridos, mas uma vontade gigantesca de sair daquele buraco. Logo depois, apareceram na retaguarda em força.

Deitado sobre os rodados das viaturas, com o coração a bater como nunca o tinha sentido, escutava o tiroteio que me rodeava, ao ritmo dos rebentamentos das morteiradas que me faziam vibrar violentamente os tímpanos.

A G3ertrudes, a meu lado muito quietinha, quando senti que estava a ser incomodado directamente. Alguém estava a querer brincar às guerrinhas comigo. As balas assobiavam muito por perto e vinham do alto. Olhei para as palmeiras e vislumbrei fogachos de luz.

A raiva contida, pela morte do camarada, veio ao de cima. Ah! G3ertrudes de um raio! Anda cá.

Apontar, disparar e… um tremendo coice, um som seco e abafado, seguido de um ruído estranho. À minha frente jazia a G3ertrudes, com o cano esventrado em tiras. Uma espécie de fole, ou balão. Fui desarmado para que pudesse cumprir o voto de não matar na guerra para onde me atiraram sem me perguntar.

O Soldado Salvaterra

Deus esteve comigo neste momento. Contrariamente ao que me disseram na instrução de armamento, o cano não abriu em leque, o que a acontecer, muito provavelmente se viria espetar no meu crânio e era a morte certa. O tapa-chamas foi o empecilho que me salvou a vida. Uf! Desta já escapei.

A G3 que no dia anterior tinha encontrado “abandonada” pertencia ao Salvaterra Bernardes, natural de Salvaterra de Magos. Um jovem português, deficiente motor e deficiente mental que assassinos (não encontro nome mais apropriado), apuraram para todo o serviço militar, fez a recruta e a especialização como atirador e veio cair na CCaç 2381, quando já aguardávamos embarque para a Guiné.

Pobre Salvaterra que aparentava ser uma figura de comédia. Uma caricatura barata de Soldado. Desde o "quico", ás botas, do cinturão à G-3, tudo nele estava mal vestido,"mal assentado". Um sorriso contínuo, não irónico, mas de assustado nervoso. Uma cara continuamente contorcida por pequenos espasmos, enquanto a saliva lhe escorria continuamente de um dos cantos da boca.

Sofria de grave doença motora, atrofiamento muscular, acompanhados de acentuada debilidade mental. Era totalmente impossível ao pobre do Soldado Salvaterra controlar os mais simples movimentos. Acertar o passo pelos outros quando marchava, coordenar os movimentos dos braços, e muito menos, com o movimento das pernas. Na "ordem unida" tornava-se o momento certo das gargalhadas gerais, perante a crescente irritação, e falta de paciência, dos responsáveis.

Nas aulas de ginástica o circo repetia-se! Tropeçava continuamente sempre que pretendia correr. Caía, desamparado, ao solo, ao pretender saltar um simples degrau de escada. O primeiro degrau da escada.

A arma na mão deste homem, não servia para nada. Não tinha utilidade prática. Limpeza para quê? O cano estava cheio de areia. A bala encontrou resistência e provocou o seu rebentamento, mas estava lá o tapa-chamas. Salvou-me a vida, impedindo o rebentamento em leque e…talvez, assim se tenha salvo a vida do IN que procurava atingir-me. Restou apenas encolher-me e esperar que a fraca pontaria do adversário desse resultado, o que aconteceu para meu bem.

Localizei a minha arma na mão do Salvaterra, fiz o relatório que me exigiram para abater a arma destruída logo que cheguei a Aldeia formosa e para não mais ser tentado a fazer fogo e correr o risco de matar vidas humanas, fui entregar a minha arma ao quarteleiro, sob a ameaça do capitão que me daria uma “porrada” se me apanhasse sem a minha G3ertrudes.

Fui só e apenas enfermeiro durante o resto da comissão. Afinal era a minha missão.




O Zé junto a um dos obuses, já colocado em Aldeia Formosa, que tanto esforço e trabalho, sofrimento e dor deu na viagem de transporte desde Buba.

A coluna recompôs-se e continuou a sua marcha de 30 viaturas carregadas de mantimentos e armamento (três obuses de 14mm, entre outro material).

A meio da manhã chegaram os Fiat. Com a aviação sentimo-nos mais seguros e confiantes. Os feridos foram evacuados de heli. Uma coluna que normalmente se faz em oito horas, demorou dois dias.


Sare Tuto (Tabanca Lisboa) a cerca de 5 Quilómetros de Buba. Antigos guerrilheiros aí estacionavam em 1968 e donde partiam para nos atacar.



Em 2005 e 2008 tive a feliz oportunidade de trilhar de novo, alguns destes caminhos agora voluntariamente e sem o perigo de encontrar o IN, bem pelo contrário, nalgumas situações em 2008 foram meus companheiros de viagem. Recordo o Braima Cassamá que me atacou em Aldeia Formosa, tentou entrar em Mampatá Forreá em Novembro de 1968 pelas duas horas da tarde, chegando a estar dentro do arame farpado, segundo me disse (é verdade, que chegaram a entrar, mas logo tiveram de fugir, e, ele foi um dos que ousou penetrar). Como sapador participou na montagem em Changue Laia a caminho de Ponte Balana um campo de minas, cerca de setenta –, a CCaç 2317 caíu lá e teve cinco mortos, a minha Companhia levantou vinte e sete, uns dias depois, sendo as restantes detectadas pelos Páras, entretanto chamados à zona.


Guiledge 2008 – O Zé, contador de "Estórias".

Em Fevereiro, quando soube que eu tinha estado por aquelas bandas, procurou-me, conversámos, revivemos as nossas aventuras em campos opostos e outros, apresentou-me outros camaradas, em tempos idos INs e baptizaram-me como “ermon” (irmão).

Zé Teixeira


Fotos, legendas e texto: © José Teixeira (2008). Direitos reservados

__________

Notas de vb:

Artigos relacionados em
19 Outubro 2008 > Guiné 63/74 - P3329: O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

domingo, 19 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3334: O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Cachil > 1964 > CCAÇ 557 (1963/64) > Quartel do Cachil > O José Colaço no seu "posto rádio fixo que era meu posto de trabalho. Todos os dias tinha 12 horas de serviço e o meu camarada Dias outras 12. Este posto rádio, como se pode vêr era protegido por terra pelos camaradas de armas e pelo ar por todas as estrelas do céu" (JC) (*).

Foto e legenda: © José Colaço (2008). Direitos reservados.

1. O meu baptismo de fogo
(**)

por José Colaço, ex-soldado de transmissões, Ilha do Como, Operação Tridente

Os factos são de memória porque os apontamentos que tinha foram destruídos num daqueles momentos em que o pensamento deve estar bloqueado e só consegue assimilar o presente.

Como fui destacado para Ilha do Como, tinha que ser no Como. Desculpem o empata, mas tenho que fazer um pequeno preâmbulo.

Nós chegámos à ilha do Como na tarde de 23/01/1964, nessa noite acampámos numa zona onde o capim tinha sido queimado pelo inimigo para dificultar a nossa progressão. No dia seguinte mudaámos de local e assentámos praça na pequena mata do Cachil e que nós crismámos por mata Chata, distava aí cerca de duzentos a trezentos metros da grande mata do Cachil.

Na noite de 25 ou 26 aí por volta da meia-noite começa a festa, o inimigo instalado na grande mata do Cachil e nós na pequena mata do Cachil (mata Chata).

O inimigo com as celebres costureirinhas, possivelmente uma ou duas metralhadoras e os cartuxos luminosos, estes não matam mas criam um estado psicológico que não é possível descrever... Estar metido num buraco em que não se vê um metro de distância e de momento tudo iluminado por segundos com várias cores que quase faziam lembrar o arco-íris.

Nós: as munições que dispúnhamos era o normal que um militar leva, num máximo sete carregadores de G3 e já vai bem carregado.

Havia de facto mais uns dois ou três cunhetes de munições, umas poucas granadas de morteiro 60 e bazuca. Material que era transportado por secção de carregadores negros, (os desgraçados chamados burros de carga).

O meu receio (ou mais correcto, medo) era que com tanto fogo as munições se esgotassem. E nós éramos apanhados a mão numa luta de corpo a corpo.

Fugir, como? Numa ilha com um rio juncado de jacarés nem o Baptista Pereira conseguia sair de lá com vida.

Recordo vozes que se ouviam à meia língua: Estamos cercados de fogo por todos os lados.

Nessa noite não sofremos nenhum ferido, porque as nossas amigas palmeiras protegeram-nos bem.

Passado cerca de uma hora mais ou menos, o inimigo deve-se ter cansado ou esgotou as munições e seguiu para a mata do Cassacá, porque quando rompesse a manhã já ele tinha que estar à defesa porque o ataque das nossas forças tanto do lado de Caiar como do Cachil era constante.

Eis aquele que eu considero o meu baptismo de fogo, porque desde o desembarque da LDM até ao Cachil já tinha apanhado uns salpicos de água benta, quer dizer uns tirinhos isolados de aviso e também uma ou duas rajadas isoladas.

Mas nessa noite foi mesmo a sério.

Um alfa bravo

Colaço

PS - Ao ler a homenagem do Vírginio Briote, ao batalhão 490, onde se lê "e tinham razão aqueles que, já naqueles primeiros anos de guerra, diziam abertamente que estávamos a travar uma guerra errada e sem sentido"... Subscrevo e assino.

Mas isto relembra-me uma pequena estória passada na minha companhia, a CCAÇ 557.

O furriel Abreu, vago mestre que para tal especialidade não tinha vocação e acabou por fazer uma troca com o furriel Estrela.

Mas o Abreu tinha o bichinho da representação teatral e naquela pequena mata do Cachil, Mata Chata, tendo por fundo o pé do Poilão ou embondeiro do Cachil, representava para um núcleo restrito de militares de confiança, (não fosse o diabo tecê-las): O Salazar a fazer através da RTP a última comunicação ao País, porque já tinha perdido todo o império colonial.

E terminava mais ou menos assim, imitando a vós do Salazar:
- Portugueses, nesta hora dramática uni-vos todos e vamos defender as Berlengas!

As Berlengas naquele tempo nem no valor turístico que têm hoje se falava.

E assim se passavam uma parte dos dias no isolamento do Cachil.

_________

Notas de L.G.:

(*) José Colaço, ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65:

Vd. postes de:


2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

9 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

(**) Vd, últimpo poste da série:

18 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3327: O meu baptismo de fogo (13): Tite, 1964 (Santos Oliveira)

sábado, 18 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3332: O meu baptismo de fogo (13): Tite, 1964 (Santos Oliveira)


1. Mensagem de Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf do Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66 (*), com data de 16 de Outubro de 2008, com a sua contribuição para a série O meu baptismo de fogo:

Vinhal

Não sei se o meu ou os meus baptismos de fogo interessarão a alguém. Estão encadeados noutros episódios e isso (ainda bem) parece ter diminuído todo o impacto que a cada um de nós causou (ou causava).

Se bem te parecer não tenhas qualquer relutância em fazeres censura. Eu entendo. Talvez por isso não tenha escrito nada.
Não estou distraído com o Blogue nem com o que por lá se vai passando. Quando tiver de intervir, bem sabes que o farei.

Um abraço a esse nosso Mundo
Santos Oliveira

PS: Depois dá uma qualquer dica sobre o que se te oferecer dizer

2. Comentário de CV

Peço ao Santos Oliveira e a todos os camaradas que não usem a palavra censura. É ofensiva a quem, por carolice, mantém o Blogue activo, dando voz a quem talvez não tenha outro meio para poder trasvazar os seus recalcamentos, desabafar e criar amizade com aqueles que sentiram os mesmos problemas, que melhor os compreendem, os seus camaradas.

Volto a repetir o que tantas vezes já disse. Se não dermos seguimento a alguma mensagem portadora de textos ou fotos para publicação, mandem outras de protesto, de lembrança, mas não nos acusem de censura. O que não publicarmos não é por motivo de censura, mas por esquecimento ou incompetência.

OBS:-Sublinhados da responsabilidade do co-editor


3. O meu baptismo de fogo
por Santos Oliveira

Se der para sorrir, já é um grande serviço prestado à nossa Comunidade de Veteranos.

Cheguei a Bissau a Bordo do N/M Manuel Alfredo, no dia 19 de Setembro de 1964.
Após a transmissão de poderes de Comando das mais de 60 Praças (como eu, em Rendição Individual), lá fui encaminhado, com o meu assessor, Fur Mil At Infª Carlos A.S. Costa Brito (Pel Ind Caç 956) paro o QG, a fim de fazer as Apresentações da praxe.



Próximo, como foi, da hora de jantar, lá me apressei, com as condicionantes ridículas de ainda não poder ser contemplado com o devido repasto. Depois de algumas fricções lá tive direito à minha refeição de... muitas espinhas e pouco bacalhau.
Novo problema surgiu quando me foi comunicado que só pelas 6 horas da manhã do dia imediato é que teria maré e barco, para me levar na travessia do Geba, até ao Enxudé (mais ou menos 14 Km).

Do mesmo modo também não havia alojamento para nos receber por uma noite.
Puxa para aqui, puxa para ali e lá nos foi disponibilizado um colchão para que pudéssemos encostar a um qualquer canto. Isto demorou imenso e a noite já começava a ser longa.

O primeiro ataque, o grande ataque, foi dos mosquitos, que nos mantinha, obrigatoriamente alerta; é que nem dava para se ter a cabeça debaixo do lençol, pelo calor e pela inabituação climática.

Eis que se começam o ouvir os primeiros rebentamentos e tiros isolados, depois umas quantas rajadas, toda a gente a correr numa desordem mais que caótica, mais uns rebentamentos e... o silêncio.

Parece que os Camaradas do BCAÇ 600, ou da Companhia que lá estava (agora não recordo) já estavam habituados a estas recriações.
No final, quase na hora de ter que vir para o barco, fiquei a saber que as Tropas Nativas levavam para a Tabanca as suas armas e munições e o Copilão não era um local muito sossegado pela noite.

E estive eu a interrogar-me que se o IN era assim no QG e em Bissau, como seria quando chegasse ao Mato?

Lá embarquei para Tite, cheguei ao Enxudé e logo tive contacto com os que seriam os meus Companheiros do Pel Mort 912 que aí estavam em Destacamento; mas havia que fazer as formalidades de apresentação ao CMDT do BCAÇ 237/599, Ten Cor Hipólito e Maj D Gama. Para isso teria que aguardar a coluna que, diariamente, fazia aquela ligação.

Tite > Na foto, a messe de Sargentos reporta a 1964, ainda com o BCAÇ 599.

Apresentado em Tite, logo se me deparou o mesmo improviso tanto na alimentação como no alojamento. Desta feita, nem tive direito a um colchão, mas a uma maca de enfermaria.

Lembro-me que me valeram os Fur Mils Miguel Silva e José Manuel Concha, ao improvisarem um mosquiteiro para que não fosse mais comido por esses malfadados amigos picadores e zumbidores.

Quando, finalmente tudo parecia ir dar uma boa noite de sono, o IN fez a rebentar, a festa do costume.

Lembro ter dito ao Miguel:

- O que fazemos, pá? Eu nem tenho arma distribuída!

Ele disse para o seguir e ficar próximo.

Lá corremos para trás dos bidões cheios de terra até tudo terminar.
Ou não tive medo ou não tive consciência da gravidade do que se passava.
Mas foi extremamente útil para mim ver que a impreparação militar e psicológica das NT e, isso, eu teria de corrigir. Até se me tornou muito positivo.

Tite > Foi por trás destes Bidões que me fiquei com o Miguel.

Fotos: © Santos Oliveira (2008). Direitos reservados.


E foi assim que entendo ter sido um (ou dois?) baptismo de fogo, onde outros factos mais marcantes, apagaram toda a expectativa desse momento solene.
_______________

Nota de CV:

Vd. poste de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

Guiné 63/74 - P3331: O meu baptismo de fogo (12): Aldeia Formosa, 23 de Abril de 1970: realiza-se a premonição de um furriel enfermeiro (Manuel Amaro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71 (*)

Caro Luís Graça,

Com o meu pedido de desculpas por ocupar este espaço, que estará mais adequado às histórias dos nossos camaradas operacionais, atrevo-me a relatar à Tabanca, o meu baptismo de fogo (**).

É o baptismo de fogo de um furriel enfermeiro, destacado no Posto Escolar.

No final de 1969, Aldeia Formosa era um lugar pacífico. Situação que se manteve até 20 de Março de 1970. Por vezes, à noite, ouviam-se uns rebentamentos, mas sempre à distância, mais para sul.

Até que um dia, há sempre uma primeira vez para tudo, o Pelotão do Alf Martins sofreu três emboscadas de que resultou um milícia morto (roquetada no tórax) e cinco feridos ligeiros.

Terminei as aulas mais cedo para que os alunos não assistissem à chegada do pelotão com os feridos e o morto e dirigi-me para o posto médico. Enquanto a equipa de saúde tratava dos feridos, o Keba Sanhá entregou-me o morto que tinha transportado às costas, embalado num pano de tenda. Missão: utilizar uma maca como suporte para recolocar cada órgão no seu lugar, de forma que o corpo fosse entregue à familia para efectuar o funeral.

Duas horas depois, com muito trabalho, silêncio absoluto, algumas lágrimas, a missão estava cumprida.

A vida continuou e passadas quatro semanas, a 18 de Abril [de 1969], nova emboscada: dois soldados mortos. (Os primeiros e únicos mortos em combate, da CCaç 2615).

Desta vez fui "poupado" pela equipa de saúde e fiquei livre para dar apoio moral ao meu amigo Jorge Leitão, furriel de Operações Especiais, a imagem da raiva e do desespero, sem encontrar explicação para o que lhe tinha acontecido.

O ambiente ficou pesado. As conversas na messe e nos quartos giravam sempre à volta do mesmo assunto. Finalmente, aos seis meses de comissão, tinha começado a guerra.

(Na noite de 22 para 23 de Abril, tive um sonho/pesadelo. Eu, que dormia sempre tranquilamente, acordei em sobressalto. Nesse sonho, surgia um avião IN, voando baixo, com um foco de luz para localizar os alvos. E onde é que eu me protegi contra o avião? Nos abrigos de Aldeia Formosa? Não. O meu esconderijo era um tanque/piscina, protegido por uma frondosa nogueira, numa quintinha, com uma casa amarela, que ainda hoje existe, perto do antigo CISMI, na estrada Tavira/Santa Luzia, onde eu passei as férias de verão de 1962.)

Entretanto, a vida no quartel de Aldeia Formosa continuava com uma rotina de paz. Até o corneteiro tocava para o almoço. E no dia 23 de Abril de 1970, poucos minutos depois das 11h30 começou o toque para o primeiro turno ir almoçar. Quase em simultâneo o IN inicia o ataque ao quartel, com armas ligeiras e pesadas, muito perto do início da pista de aviação.

Corri para o abrigo com uma turma de cerca de trinta alunos, previamente treinados.
A resposta das NT foi um pouco lenta, pois naquele momento, mais de metade do efectivo estava de marmita e não de G3.

Lembro-me de ouvir o Alferes do Pelotão FOX gritar: Vou fazer tiro directo... e pensei que com o Obus a disparar, a situação estava controlada. E assim aconteceu...

Foi um baptismo duro. Senti alguma raiva por saber que o IN estava ali tão perto, mas já estava preparado... e depois, aquele sonho/pesadelo alertou-me ainda mais para a possibilidade de acontecer algo semelhante...

Concluindo, o baptismo foi a única vez que estive debaixo de fogo. Durante toda a comissão, não tive oportunidade de disparar um único tiro. A última vez que disparei a minha G3 foi, algures, nos arredores de Évora, um tiro certeiro, como deve fazer um bom atirador, para destruir o prato que tinha utilizado na semana de treino.
A minha missão nesta guerra... foi de paz.

Um dia destes eu escrevo mais um capítulo.

Um Abraço
Manuel Amaro
Fur Mil Enf
CCAÇ 2615
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de 22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3223: Convívios (85): Pessoal da CCAÇ 2615, no dia 18 de Setembro de 2008 em Benavente (Manuel Amaro)

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2895: Tabanca Grande (72): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2895 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)

(**) Vd. poste de 16 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3325: O meu baptismo de fogo (11): Mampatá, 20 de Fevereiro de 1973 (António Carvalho)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3328: Memórias literárias da guerra colonial (7): O baptismo de fogo de A. Graça de Abreu, em Cufar, aos 17 meses (Luís Graça)

Guiné >Região de Tombali > Cufar> O António Graça de Abreu, no aeroporto de Cufar, em Dezembro de 1973, posando junto a umn heli, Allouette III. No mês anterior, o aquartelamento de Cufar tinha sofrido uma flagelação com foguetões 122, e um ataque com RPG [lança-granadas foguete] e armas automáticas, nas proximidades dos arame farpado... Dezete meses depois do início da comissão, o António recebia finalmente o tão desejado quanto temido baptismo de fogo. Recorde-se que o António Graça de Abreu foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74)

Foto: © António Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.


1. Com muita graça e alguma ironia, dizia há dias o Graça de Abreu que ele, na Guiné, tinha pertencido à "sacrossanta administração militar" (*) ... Tudo isto por que nunca se ter considerado "propriamente um operacional", muito embora estivesse integrado num comando de agrupamento operacional (CAOP1, localizado sucessivanente em Canchungo, Mansoa e depois Cufar, 1972/74).

Escrever um diário (secreto) aos 25 anos e decidir depois publicá-lo aos 60, é um acto de coragem mas também de grande maturidade humana e de honestidade intelectual. Não se trata de memórias, reconstituídas (e reconstruídas) muitos anos depois. Aqui é-se confrontado com factos e emoções em primeira mão. Aqui um homem faz strip-tease, desnuda-se, expõe-se em público... Não dá para fazer maquilhagem.

No seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Águi Pura (Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp), o António revela e revela-se. Os seus leitores passam a saber muito mais coisas dele e sobre ele, relativos ao período da sua vida entre os 25 e os 27 anos, incluindo aspectos da sua vida íntima, para além da sorte e do azar na guerra e da sua vida e da vida dos seus camaradas, no dia-a-dia, no TO da Guiné, entre 22 de Junho de 1972 (quando chegou a Bissau) e 17 de Abril de 1974 (último dia em que escreveu o seu diário, na véspera do regresso a Lisboa, uma vez finda a comissão).

Na realidade, o António era um aspirante a oficial miliciano, com a especialidade de atirador de infantaria, e curso de dois meses de minas e armadilhas, que chegara a estar mobilizado para a Guiné (CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863)... Só que à última hora teve de ser operado a "uma velha luxação crómio-clavicular no ombro direito" (pp. 53/54). Como consequência, foi reclassificado, por razões médicas, em "Secretariado, Serviço de Pessoal"... e desmobilizado. Nunca mais pensou no raio do Ultramar! Na época, era a Sorte Grande, a Taluda, o Euromilhões, para jovens como nós!...

Ficou, entretanto, como alferes amanuense, no Regimento de Infantaria 1, na Amadora, no batalhão de mobilização... Mas não há bela sem senão: acontece que o nosso camarada, ao fim de 2 anos de tropa, na Metrópole (tinha entrado em Outubro de 1970), tem o azar de voltar a ser mobilizado... e novamente para a Guiné... E desta vez para um CAOP.

Não ficou em Bissau, na guerra do ar condicionado - como dizíamos nós, operacionais, com desprezo, por quem ficava no back office, no bem-bom, "longe do Vietname" - foi para o mato, "um mato mais dócil, mas mato" (p. 16), chefiar uma secretaria... E ei-lo, em 26 de Junho de 1972, "sentado à minha santa secretária de guerra, com uma ventoínha por cima a refrescar"...
- E quanto a 'embrulhanço' ? - pergunta o leitor, curioso e já algo impaciente e incrédulo.

O tempo flui, corre, escoa-se, enquanto tudo, à volta, parece embrulhar (um termo que é,de resto, caro ao nosso autor), e o homem lá se vai prepando psicológica, mental, fisica e logisticamente para o inevitável baptismo de fogo ...

Passa o tempo de Cachungo (até 1 de Fevereiro de 1973) bem como o tempo de Mansoa (de 3 de Fevereiro até 19 de Junho de 1973)... Passam-se os meses e até o primeiro ano, e nada de baptismo de fogo. Claro, há a guerra ali tão próxima, os camaradas feridos e mortos... no mato. O nosso catecúmeno veio, ainda virgem, à Metrópole, de férias (sortudo, por duas vezes, primeiro em Novembro/Dezembro de 1972 e depois em Abril de 1973), até ser mudado, de armas e bagagens, para o temível sul... Ele e o seu CAOP1.

Cufar... "É melhor do que eu imaginava. Em termos de guerra, segurança pessoal, companheiros de armas e instalações" (25 de Junho de 1973, p. 121)... E foi verdade: passaram-se os meses, aproximava-se o ano da peluda (1974), e nada! O nosso alferes já se resignava a voltar para casa, sem o retemperador, iniciático, imprescindível baptismo de fogo... Até que... a coisa aconteceu (p. 159)...

Fica aqui o relato dessa cena - a sua primeira vez, debaixo de fogo - na primeira pessoa do singular. Espero que o António me perdoe o atrevimento, quiçá o abuso. Quis-lhe fazer uma pequena surpresa e, de certo modo, um homenagem, uma pequena homenagem.

Ele merece: além de ser actor, foi um observador participante, disciplinado, atento, informado e honesto da realidade político-militar do TO da Guiné, na fase terminal da guerra (estará em Cufar, no sul, até ao início de Abril de 1974)... Mesmo em condiçõs adversas, soube manter e escrever regularmente o seu diário e sobretudo conseguiu transmitir-nos (até agora, como ninguém, com grande riqueza de detalhes) o quotidiano, intra-muros, de três importantes aquartelamentos, em três regiões distintas - Canchungo (norte), Mansoa (centro) e Cufar (sul), que foram sede de comando de agrupamento operacional (CAOP).

Fá-lo com talento literário, mas também - e não menos importante - com sensibilidade, solidariedade, portugalidade, compaixão e sentido de humor. Embora situando-se, na época, politicamente à esquerda, o António não permite que as suas observações sobre a Guiné, a guerra, o PAIGC e as NT sejam deturpadas pelo viés ideológico... Recusa o estereótipo e o preconceito. É crítico em relação às suas fontes de informação. Não embandeira em arco (seja a favor do PAIGC, seja das NT).

Depois de viajar pelo mundo (e sobretudo pela China, que é a sua segunda pátria), o António regressou um dia, "lavando a alma na espuma das lágrimas", e em boa hora decidiu "desenterrar" o seu diário e os seus aerogramas, para fazer contas com o passado e partilhar connosco "o quotidiano da guerra da Guiné", numa época em que o PAIGC já usa contra nós meios tecnológicos da guerra convencional (morteiros 120, foguetões 122, mísseis terra-ar...).

De referir, ainda, que em Cufar o António conviveu (e fala desse convívio com apreço e amizade) com gente de outras unidades, de que destaco o Pel Int 9288 (representado na nossa Tabanca Grande pelo ex-1º Cabo António Baia) (**) e a açoriana CCAÇ 4740 (também muito bem representada, entre nós, pelo António Manuel Salvador, igualmente ex-1º Cabo Enfermeiro).

Mas demos à palavra ao nosso autor:

Cufar, 14 de Novembro de 1973

Vieram os 'jactos do povo', como os guerrilheiros lhes chamam. Gostei, desta vez não apontaram aos vizinhos do lado, era connosco e, como costuma acontecer, tivemos sorte. Foram disparados oito foguetões 122 e só rebentaram três, a mais de quinhentos metros de Cufar.

Eram oito da noite, eu estava no gabinete do capitão a jogar xadrez com o Eiriz, o alferes das transmissões, quando ouvimos o silvo de um foguetão e um primeiro rebentamento. Saltámos rapidamente para a vala situada ao lado do edifício onde já havia gente abrigada, caímos uns por cima dos outros e ficámos quietinhos, à espera. Uns dez minutos depois, porque não havia mais foguetões, saímos da vala, não muito assustados. Foi um ataque pequeno, daqueles que só servem para criar insegurança e medo.

O médico, o Bastos [, um antigo condiscípulo do Porto, no tempo do Liceu D. Manuel II], ficou por baixo de uma molhada de alferes e saiu da vala zangadíssimo, agastado com o Miguel Champalimaud (sobrinho do António Champalimaud, o 'tio Patinhas' português). O rapaz caíra-lhe em cima e, com os foguetões a rebentar, o Miguel peidara-se, cagara-se como um rei por cima da cabeça do Bastos. Uma cena de antologia digna do Chaplin, do 'Charlot nas Trincheiras da Guiné'.


Feitas as contas, nos últimos oito meses, o IN havia flagelado vários aquartelamentos na região, por diversas vezes. Retomando o diário do António(15 de Novembro de 1973, p. 159), "Catió 'embrulhou' seis vezes, o Chugué vinte, Cobumba doze, Caboxanque quatro, Cadique dez, Cafal quinze, Cafine catorze, Bedanda onze e Cufar apenas três".

Comparado com os vizinhos, os de Cufar podem dar-se por felizes, resume o António: "Não nos podemos queixar, somos uns privilegiados, vivemos no buraco mais seguro do sul da Guiné".

O António não perdeu o sentido do humor, depois desta primeira (ao que parece, se bem li o seu diário com atenção) experiência de contacto com o IN, na realidade, uma vulgar flagelação, à distância. Mas que metia respeito, metia... E por que não medo, como o António admnite explicitamente ? Se não sentíssemos medo, nunca poderíamos avaliar, correctamente, as situações de perigo, e decidir em conformidade "lutar ou fugir"...Foi o medo (e não a temeridade) que nos transformou em espécie biológica bem sucedida, em termos evolutivos. Foi o "flight or fight" que nos deu as competências para lidar com as situações de vida ou de morte, de risco, de perigo...

O nosso escritor aproveita, então, a seguir, a oportunidade para descrever, com muito humor, os apuros em que andou o "meu tenente-coronel B", periquito, aquando da flagelação a Cufar. Ele não assistiu à cena, mas socorre-se do relato, divertidíssimo, em primeira mão, dos "meus soldados" [do CAOP1] que foram testemunhas presenciais (pp. 159-160).

Cufar, 15 de Novembro de 1973

(...) Aos primeiros rebentamentos, o tenente-coronel atirou-se para a vala mais próxima do seu quarto. Vinha em tronco nu, só tivera tempo de vestir as calças. Já havia soldados abrigados e chegaram mais nuns tantos que se atiraram de cabeça para dentro da vala caindo aos molhos em cima do tenente-coronel.

A vala, além de enlameada, albergava um formigueiro de formigas baga-baga, uns bichos quase do tamanho de um dedo que trepam pelo corpo e mordem, têm umas pinças tipo caranguejo que espetam na carne e fazem sangue. Ora no fim do ataque, o pessoal começou a sair da vala, o tenente-coronel foi um dos últimos e guinchava de dor. Caíra e permancera mais de um quarto de hora em cima do formigueiro das baga-baga. As formigas haviam-lhe entrado pelas calças, subido até aos testículos e mordiam-no todo. Tinha ainda formigas espetadas nas costas. O nosso Chefe de Estado Maior metia pena. Tirara as calças em frente aos soldados e, em cuecas, com gritos de dor, uma a uma, ia arrancando as formigas que estavam cravadas no seu corpo. Tratou-se de uma cena nunca vista nos aerópagos da guerra" (...).


São cenas de guerra como estas que ficaram na memória daqueles homens e que eles um dia contaram (ou hão-de contar) aos seus netos...

Mas, depois disso, houve mais embrulhanços em Cufar, no tempo em que ele lá esteve (pp. 164-165):

Cufar, 26 de Novembro de 1973


" 'Embrulhámos' outra vez e hoje foi mais teso, mais duro. Os guerrilheiros atacaram apenas a um quilómetro de distância, a coisa foi rápida, uns dez minutos de fogo, a típica flagelação, o dispara e foge, mas palavra, desta vez tive mais medo, até porque me estreei a ver as granadas de RPG deixando o rasto luminoso, voando não para um qualquer aquartelamento nosso vizinho, mas em direcção a mim e rebentando não muito longe da minha cabeça. Não dá conforto nenhum" (...). (Negritos meus, LG).

O António consulta o calendário e conta os riscos que faltam para a peluda:

(...) "Faltam-me três meses e vinte e oito dias para terminar oficialmente a comissão. Agora, nestes últimos quinze dias, fomos flagelados por duas vezes. Não estou a gostar. Quantos ataques me esperam ainda ? É aguentar e cara alegre! Os guerrilheiros não me vão propriamente dar um enorme pontapé no cú e fazer com que eu entre de jacto pelas bocarras do inferno" (...)

Houve uma terceira flagelação a Cufar, de novo com foguetões 122, em 4 de Dezembro de 1973, às 9h15 da noite (p. 166)... Até que chegou o ano da peluda.

A 4ª flagelação a Cufar foi no dia 20 de Janeiro de 1974, às 10h da noite... O PAIGC fez questão de assinalar, em toda a região sul, o 1º aniversário do assassinato de Amílcar Cabral, atacando Gadamael, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Bedanda, Chugué e Catió, além de Cufar. O António lia a revista Vida Mundial e ouvia uma cassete com o Concerto de Aranjuez, do espanhol Joaquim Rodrigo. No momento do ataque, teve a brilhante ideia de gravar, por cima, outra música, esta de guerra, como ele nos conta no seu diário (21 de Janeiro de 1974, pp. 186-189) (***).

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3276: Memórias literárias da guerra colonial (3): O poder na ponta das espingardas, segundo A. Graça de Abreu (Parte I) (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

(***) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

Ficheiro áudio com ataque a Cufar, 20 de Janeiro de 1974

Junto envio também uma transcrição de um ataque no dia 20 de Janeiro de 1974 e também um link com o ficheiro audio com o respectivo ataque.

http://pwp.netcabo.pt/0240632001/ataqueguine.mp3

Gostava muito de ver estes meus (nossos) textos no seu blogue da Guiné.
Abraço, António.

Cufar, 20 de Janeiro de 1974

(…)
Boum, boum, pum, catrapum, pum.
- Aí está, um ataque!...Caralho! Um ataque, foda-se!
Tá, tá, tá, tá, tá.
-Um ataque, caralho! Venham mais. Aí vêm elas!...
Boum, boum…
-Tumba, um foguetão, caralho!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum.
- Dá mais, Manel! Estamos a levar no coco, estamos a embrulhar, caralho!
Pum, catrapum, tá, tá, tá, tá, tá, tá…
-Espera aí um bocadinho!
Boum…
-Espera aí que me eu vou-me já vestir, espera aí um bocadinho!
-Tumba, aí vem outra… Toma lá mais!...Espera aí um bocadinho, João…
Boum, boum…
-Estou-me a vestir, é preciso é calma!
Boum, pum, pum…
-Espera aí um bocadinho, estou-me a vestir, é preciso é calma.
Boum, boum…
-Estamos a embrulhar, caralho! É preciso ter calma. Estou no meu quarto. Hoje é o dia…
Boum, boum…
-Tumba, tumba, tumba!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, catrapum, pum...
-Espera aí. Eh, com um filha da mãe!
Boum, boum…
-Ah, grande embrulhanço! Manda mais, João!
Boum, boum…
-Toma lá mais!...
Tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, catrapum, pum, pum, boum, boum...
-Isto é a sério, isto não é a brincar.
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Olha p’rá aquilo! Porra, estamos a embrulhar, o que é preciso é calma!... Estou-me a vestir…
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Já estou vestido.
Boum, boum…
-Porra! Tumba, tumba, aí vem outra, aí vai outra!...
Pum, pum, pum, pum, boum, boum…
-Caralho!
Boum, boum, pum, catrapum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Porra, estão todas a cair p’ra ali, caralho!...
Tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá…
-Aí vêm outras. Eh, eh, eh! Já estou vestido.
Boum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Aí vem outra!
Pum, pum…
- Tumba! Devem vir mais.
Boum, boum…
- A lógica da guerra, pá, é impressionante! Eu estava aqui sossegadinho, pá, elas começaram a cair… Aí vêm mais, aí vêm mais!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum, catrapum, pum, pum…
- Deixei-me estar sozinho aqui no quarto, mas estou nervoso! Os nossos amigos estão a lembrar-se de nós!
Pum, pum…
- Tumba, tumba!
Boum…
- Ah, Cufar de um caraças!... Eh, eh! Guiné, Guiné, 20 de Janeiro de 1974!.. Ah, caraças!...
Boum…
- Isto é morteirada! Ora bem, deixa lá apagar a ventoinha. Só mandaram estas?...
Boum, pum…
- Aí vai outra! Aí vem mais! Isto agora são morteiradas nossas. Aí vai outra!
Boum…
- Já acabou o ataque?... Vamos embora, já estou cá fora!
(Meti o gravador ligado a gravar no bolso da perna direita do camuflado e fui ter com os meus soldados.)
Boum, pum, pum…
- Toma, toma, porra! Aí está!...
Estão bem?...
Boum, pum, pum…
(Voz de soldado):
- Se calhar a minha tabanca deve estar mas é toda fodida!
Boum…
(Confusão de vozes).
- Foda-se. São nossas ou são deles, caralho? Já acabou, os gajos?...
(Voz):
- São nossas.
Boum…
(Voz de soldado)
- Não gravou isto, meu alferes?
- Está a gravar, oh, homem, está a gravar esta merda!
Boum…
- Já acabou. Aí vai mais, caralho! Quem é que está aí metido na vala, deitado no buraco?
Boum…
(Confusão de vozes)
- Aí vai mais uma, toma lá mais fartura!
(Voz de soldado):
- Isto é RPG que rebenta no ar e rebentou uma canhoada.
Boum…
(Voz de soldado):
- A minha chinela, perdi a puta da sapatilha.
(…)
- Os gajos já pararam. Agora são só nossas. Os gajos já não estão a mandar nada, agora é o obus de Catió.
(Voz de soldado):
- Carrega-lhe, é o primeiro ataque do ano. Os cabrões atacam até acabarem as munições. Mas cuidado com os gajos no fim do ataque…
(…)
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado):
- Vê se encontram a minha sapatilha.
Boum…
- Oh, Loureiro (soldado condutor do nosso CAOP1), o que é que você está a fazer deitado no buraco?
(Soldado Loureiro):
- Estava entretido…
(Voz de soldado):
- Agora já acabou, mas pode vir ainda uma retardada, mas isso é pouca coisa.
(Voz de soldado):
- Eu vi o very-light no ar e depois, foda-se, foi sempre fogachal.
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado ):
- Olha se eu estivesse na minha tabanca lá em baixo, deve estar toda fodida…
(…)
(Voz de soldado):
- Alguém viu a minha sapatilha?...
Boum…
(…)
- Espera aí que eu vou mijar, estou a precisar!
(Voz de soldado)
- Oh, meu alferes, não mije para dentro da vala, caralho!
- Oh, pá, não faz mal.
(Voz de outro soldado):
- Ora, um gajo, num ataque, mesmo com merda e mijo, e tudo, vai!
Boum…
(Voz de soldado):
- Eu perdi a minha sapatilha, isso é que foi o caralho!