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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4847: Buba: o Alf Mil Lourenço (CCS/BCAÇ 2834) e o Fur Mil Trms Pinho (CCAÇ 2382) (Manuel Traquina)

Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Malta da CCAÇ 2382 instalada nma monumental baga-baga (candidato ao concurso O Melhor Baga-Baga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de Junho de 1968.

Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto: © Manuel Traquina (2008). Direitos reservados



1 Pedido de esclarecimento do editor L.G., em 8 de Agosto de 2009, ao Manuel Traquina:


Manuel: Quem era o Alf Lourenço ? E o Fur Pombo ? (*) A que unidades pertenciam ? ... Presumo que à CCS do Batalhão...

Já li o teu livro, vou fazer um recensão. Gostei. És um bom contador de histórias... Parabéns... Podes adaptar e mandar mais umas tantas para o blogue...

PS - Não havia nenhum Alf Lourenço na Companhia dos Maiorais... Fiz confusão com o José Belo (que está na Suécia)... Vou ter que rectificar...


2. Resposta do autor do poste (*), com data de 20 de Agosto:Amigo Luis Graça:

Em relação à poesia dedicada ao torneio de futebol de salão em Buba (*), esclareço que o Alferes Lourenço (0 árbitro) pertencia à CCS do BCAÇ 2834. O Furriel Pinho foi na altura alcunhado de "o triste Pombo" Era o Furriel de Transmissões da [CÇAÇ] 2382 (A Companhia do Olho Vivo). Escrevi já anteriormente um pequeno artigo sobre ele, "O Pinho e os seus Rádios" (**). Era um grande amigo, um bom camarada infelizmente falecido hà cerca de um ano.

No meu livro (***) ele é falado algumas vezes e consta também a sua foto na despedida de Buba onde tem um ferimento na cabeça.

Um Abraço
Traquina

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 8 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4797: Cancioneiro de Buba (1): A paixão do futebol (João Boiça / Manuel Traquina)

(**) Vd. poste de 17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

(***) Traquina, Manuel Batista - Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. Abrantes: Palha de Abrantes. 2009. 230 pp., 70 fotos [Contactos do autor, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70: Telefones: 241 107 046 / 933 442 582; E-mail: traquinamanuel@sapo.pt] .

Vd. também poste de 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)

sábado, 8 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4797: Cancioneiro de Buba (1): A paixão do futebol (João Boiça / Manuel Traquina)

Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação e o aquartelamento vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.


Foto: © José Teixeira (2005). Direitos reservados


Onde vais, ó triste Pombo

Letra: João Boiça

[Revisão e fixação de texto: Editor L.G.]

Fado cantado por Amadu Jaló, acompanhado à guitarra por Saico Sandé e à viola por Já Te Vi-te

Onde vais, ó triste pombo,
Carregado de ilusões ?
Vou estagiar para Nhala,
Arejar os meus collhões.

Manda um rádio se faz favor,
Não digas sim ou não,
Diz apenas um segredo,
Que o animal é um cão.

Chegarei devagarinho
E com desculpa para dar,
Se ganhar que bom que é,
‘Fui a Nhala passear’...

Ó São Lourenço de Buba,
Continue-me a aludar,
Não queiras que a malta toda
Cá do pombo vá troçar.

São Lourenço, anula bolas,
São Lourenço, apita bem,
São Lourenço ajuda os pombos,
Que a gaiola já “cá tem”.

Não digas nada a ninguém,
Esqueces as horas de amargura,
Os três jogos já passaram,
A pé, não… de viatura!

Esqueço-me das ordens todas,
Alheio-me do Capitão,
É que o jogo corre às dez
Porque a mensagem diz cão.

Chegarei descansadinho
E com desculpa e feitio,
Fui a Nhala caminhar
Se perder o desafio.

São Lourenço, eu fiz promessa,
Fui à capela rezar,
Uma lâmpada se perder,
Doze velas se ganhar.

Ó São Lourenço de Buba,
Só tu me podes safar,
Apita marca ‘penaltes’,
Faz o pombinho ganhar.

Ó São Lourenço de Buba,
Dá-me a tua protecção,
Apita e faz batota,
Alegra-me o coração.

Ó São Lourenço de Buba,
Fiz as minhas orações,
Sou devoto e cumpridor,
Deixa-me dar encontrões.

Torno Buba independente,
Toda a malta hei-de matar,
Será um cataclismo
Se o pombo ganhar.

Ó São Lourenço de Buba,
Eles até levam gaiola,
Se perco, então, meu santinho,
Dá-me balas e pistola.

Dá-me canhões, dá granadas,
Arame para armadilhar;
Dá-me turras com fartura
E deixa-me comandar.

Correrei o campo todo,
Serei carga de jumento,
Mas também te pagarei
Um jantar no cruzamento.

Só para ganharem um quarto,
Usaram desta artimanha,
Fizeram uma coluna
E mandaram-me como ‘aranha’

“Avisado pela comichão de censura”


In: Manuel Batista Traquina: Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. Abrantes: Palha de Abrantes. 2009. pp. 140-141.


Comentário de L.G.:

Versos alusivos a um torneiro de futebol de salão, jogado na pequena parada do aquartelamento de Buba, e que reuniu quatro equipas: as companhias, os pelotões, a Engenharia, e as Transmissões (+ outros).

A arbitragem era chefiada pelo Alf Lourenço (aqui o São Lourenço, e não o Sr. Lourenço, como aparece no livro). Por seu vez, o grande entusiasta do torneio e manager da equipa de Transmissões era o Fur Mil Trms Pombo que, que nesse mesmo dia e para seu grande desgosto, que teve air apoiar a coluna para Nhala, a 15 km de Bula, na estrada para Aldeia Formosa.

O autor não do diz mas tanto o Lourenço como o Pombo deviam pertencer à CCS do BCAÇ 2834, de que dependiam tanto a CAÇ 2382 (A Companhia do Olho Vivo). Mas o Lourenço também ser o Alf do mesmo apelido, da CCAÇ 2381 (Os Maiorais, a que pertencia o nosso querido Zé Teixeira, 1º Cabo Enf);

Na época havia várias subunidades em Buba:

CCS / BCAÇ 2834
Pelotão de Morteiros nº 2138
2º Pelotão / BCA
7º Destacamento Especial de Fuzileiros
15º CCmds
COP4 (criado em 19 de Janeiro de 1969), sob o comando do major Carlos Fabião
Outras...

Secretamente o Pombo pediu a um amigo que, via rádio, em código combinado pelos dois, lhe comunicasse a hora do desafio. A preocupação, secretíssima do Pombo, tornou-se conhecida na parada. O 2º Sargento Inf João Boiça, apoiante da equipa rival, fez-lhe então este versos, alcunhando-o ‘triste Pombo'...

O Manuel Traquina (foto actual, à esquerda) publicou no seu livro estes versos que atestam, não só o espírito de humor e camaradagem reinantes na CCAÇ 2382 e e outras subunidades que estavam em Buba, na época, bem como a importância que tinha o futebol… Era uma das poucas diversões a que os militares portugueses se permitiam o luxo... Tinha, além, um efeito positivo na manutenção e melhoria do moral do pessoal, como de resto o atestam outros postes já aqui publicados.
_________

Nota de L.G.:

(*) Traquina, Manuel Batista - Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. Abrantes: Palha de Abrantes. 2009. 230 pp., 70 fotos [Contactos do autor, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70: Telefones: 241 107 046 / 933 442 582; E-mail: traquinamanuel@sapo.pt]

Vd. também poste de 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)

(**) Vd. postes anteriores do Manuel Traquina:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3457: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (4): Baptismo de fogo e gemidos na noite

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3855: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (5): As colunas Buba-Aldeia Formosa

12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4019: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (6): Estrada nova Buba - Aldeia Formosa

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4327: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (7): O saxofone que não tinha sapatilhas

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)

23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina)

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)

sábado, 1 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4763: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (3): O fado do 49! O Serafim, da CCAÇ 675, Binta 1964/66


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), é jornalista profissional, conhecido no seu meio por “JERO”, e enviou-nos uma mensagem, com data de 30JUL2009, e o título:


O Fado do 49!

Camaradas,

Se as conversas são como as cerejas … as estórias da tropa são com as cerejeiras! Não sei se já alguém escreveu isto alguma vez mas julgamos que nos fazemos entender…

Lembrei-me do 49 quando há dias arrumava uns papéis velhos em casa.

Hesitei se devia ocultar o nome verdadeiro do protagonista desta estória real. Achei que não o devia fazer. O “49” era um homem a sério e nada do que vou contar é ofensivo da sua memória.

Num papel velho que encontrei um “apontamento” dizia respeito às punições da CCaç 675 no ano de 1964,na Guiné:
“Serafim Silva Santos, 1º Cabo Condutor Auto Rádio Telegrafista nº. 2949/64, punido com 5 (cinco) dias de detenção porque no dia 28DEZ64, quando conduzia uma viatura não ter tomado as devidas precauções e cuidados, provocando com o seu desleixo o queimar-se a junta da cabeça do motor, por falta de água no radiador. Não é mais severamente punido atendendo ao seu bom comportamento anterior. Infringiu os deveres 5º. e 9º. do Artº. 4º. do R.D.M.”.

Acabámos a comissão na Guiné em Maio de 1966 e, depois de fazer o espólio no Quartel em Évora, fomos para a vida civil. Os anos passaram e nas reuniões anuais dos ex-combatentes o Serafim nunca mais deu sinais da vida.

Em 1997 – 31 anos depois de termos regressado da Guiné - realizou-se mais um encontro dos antigos combatentes da Companhia de Caçadores 675. Desta vez o encontro foi na zona de Pombal para comodidade dos “velhotes” residentes no Norte do País.

Repetiram-se os abraços e velhas piadas dos anos anteriores e de repente aparece uma “cara nova”.


- Oh Moreira, quem é este senhor. Era da Companhia?

- Oh Oliveira, estás a ficar velho! Este gajo é o Serafim, o Radiotelegrafista!

- G’anda Serafim não te via há mais de 30 anos. Desculpa lá mas nem te conhecia. Então o que é tens feito? Tens que cantar o “fado dos cagatórios”.

Ainda me lembra de um bocado da letra: “Sentadinho a ganhar massa nos cagatórios da praça”!

Seguiu-se a confusão habitual na arrumação da “malta” para o almoço da praxe e o Serafim ficou numa mesa perto da minha.

Fiquei de frente para ele e não era capaz de o deixar de fixar.

Trinta anos é de facto muito tempo e ali estava ele: magro, envelhecido, de cabelo branco e bigode “à Prince”, desdentado e com o rosto sulcado de rugas.

Do rapaz que eu tinha conhecido na Guiné já quase nada restava. Talvez só os olhos – intranquilos - e o ar de “reguila”, que era a sua imagem de marca na Companhia nos longínquos anos de 1964-66.

O 49, como era tratado ao tempo, chegou à Companhia uns meses depois de estarmos instalados no Norte da Guiné. Era um rapaz metido consigo mas tinha uma “pinta” que não enganava. A vida já tinha passado por ele com dureza e deixara marcas que eram visíveis no “reguila” que se adivinhava em todos os seus gestos.

Jogava bem a bola, cantava o fado e fazia o que lhe competia sem margem para reparos. A excepção foi aquele azar na cabeça do motor…

Mas ele era “grande” era quando cantava o fado!

Quando a malta se juntava à noite e o 49 arrancava o seu fado, com sotaque do Porto, era sempre um êxito: “Sentadinho a ganhar massa nos cagatórios da praça”.

Que raio de letra! Passados aqueles anos todos nunca mais me esqueci do fado, do 49 e da sua maneira pungente de cantar aquela letra. Parecia que aquilo lhe vinha das entranhas. Da alma. Parecia quase pessoal e nos arquivos da minha memória aquele fado tinha ficado mesmo gravado.

E trinta anos depois ali estava ele: magro, envelhecido, de cabelo branco e bigode “à Prince”, desdentado e com o rosto sulcado de rugas.

O Moreira, um dos meus amigos dilectos da Companhia, estava por perto e perguntei-lhe:

- Eh pá, onde foste descobrir este tipo?

- O gajo mora em Gaia e trabalha numa fábrica de molduras. Ganha mal, coitado, e ainda trabalha aos fins-de-semana como pedreiro para ganhar mais algum. E nesta “fase do campeonato” mete-se um bocado nos copos…para esquecer as agruras da vida!

Mais malta cumprimentava o Serafim e incitava-o a cantar o fado dos cagatórios”! Afinal não era só eu que recordava o “tal fado “ da Guiné de 1964!

Na minha mesa estava o ex-Alferes Mendonça com quem eu ia trocando impressões de quem parecia bem e mal na vida, tendo em atenção o aspecto exterior.

Chegou a vez de falar no 49, o Serafim, que depois do regresso em 1966 tinha vindo pela primeira vez a um almoço da Companhia.

- Oh Mendonça, aquele rapaz tem mesmo cara de passar uma vida difícil!

- Oh Oliveira, você não sabe a vida daquele tipo?!

- Eh pá, não sei nada. Nunca mais o vi em trinta anos.

E o ex-Alferes Mendonça, que era Comandante de Companhia nas ausências do Capitão Tomé Pinto, contou-me que, por ter acesso à “papelada” de todos os elementos da Companhia, sabia alguma coisa da vida do Serafim. O 49 tinha passado a sua infância em casas de correcção e estava detido na prisão-escola de Leiria quando foi chamado para a inspecção.

- Oh Oliveira, ele praticamente veio da prisão para a Companhia. Está claro que, por recomendação do Capitão, este facto foi ocultado e, embora fosse alvo de discreta vigilância, nunca causou problemas. E sabe o que é que o pai dele fazia? Era guarda das “sentinas” de um dos mais velhos cafés da “Baixa” do Porto!

Parei de comer a minha sobremesa e recuando no tempo descobri finalmente “as raízes” do fado do 49: Sentadinho a ganhar massa nos cagatórios…Nessa tarde de confraternização estive várias vezes junto do 49 mas já não lhe voltei a pedir para cantar o seu fado…

No ano seguinte voltou a aparecer na festa da Companhia. Desta vez foi no Porto Alto, junto a Vila Franca de Xira.


Estava ainda mais magro e mais envelhecido Mas de bigode “à Prince”, e com o seu “ar reguila” de sempre. Já não se dava ao trabalho de esconder a sua dependência ”pelos copos”. Já poucas coisas o agarravam à vida.


Foi a última festa da Companhia a que o 49 veio. Morreu poucos meses depois.

Ao longo de uma existência complicada como teve o Serafim, os “5 dias de detenção “ por ter deixado queimar a junta da cabeça do motor em 1964” devem-lhe cá ter dado “um abalo ao pífaro” (1)!

A “malta” da minha Companhia da Guiné não mais esquecerá o Serafim e o seu fado: “Sentadinho a ganhar massa…”!

É verdade que é “um património em circuito fechado” mas tem “apenas”o valor da vida autêntica, que nos marca enquanto por cá andamos.

Felizmente que na vida a sério há “patrimónios” bem mais importantes dos que os dos “realities shows” da televisão dos nossos dias!


Digo eu!

Abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675


Legenda:


(1) - Esta expressão era muito usada no calão militar e o seu significado é bem explícito…


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4410: Cancioneiro de Bambadinca (4): Romance do Padre Puim (Carlos Rebelo † )

Lisboa > 24 de Maio de 2009 > O Arsénio Puim, na casa dos seus filhos, estudantes universitários, à conversa com uma antiga paroquiana e amiga do Padre Mário de Oliveira (também conhecido por Padre Mário da Lixa), a Maria Alice Carneiro, esposa do Luís Graça. Durante a guerra colonial, foram seguramente os dois casos mais conhecidos, pelo menos públicos e notórios, de conflito de ruptura, por razões de consciência, de capelães militares com Exército...

Em Maio de 1971, "por volta do 13 de Maio, talvez antes, a 10, 11 ou 12", o Alf Mil Capelão da CCS do BART 2717 (Bambadinca, 1970/72) foi intimado a comparecer em Bissau para receber a guia de marcha, de volta à sua terra, por ter sido considerado uma figura indesejável no CTIG... O seu quarto e os seus objectos pessoais foram revistados, não por agentes da PIDE/DGS, mas por dois oficiais superiores do comando do batalhão.... O seu diário foi, abusiva e ilegalmente confiscado... (É uma história a ser recontada, muito proximamente, aqui no nosso blogue).

Por sua vez, o Padre Mário de Oliveira, da diocese do Porto, foi capelão militar do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69). tendo sido expulso em Março de 1968, menos de cinco depois da sua chegada ao CTIG, uma história já aqui contada, na I série do nosso blogue (*)...

O Puim considera-se duplamente maltrado pela instituição militar e pela hierarquia religiosa. À data era capelão-mor, no CTIG, o Padre Gamboa, que tinha o posto de major, coordenando e supervisionando todo o trabalho de capelania (Vivia, em instalações próprias, em Bissau, conhecidas por Vaticano). Em Fevereiro de 1971, o Puim ainda tinha participado, em Bolama, num retiro espiritual, com os demais capelães da Guiné, dirigido pelo Major Capelão Gamboa. Houve discussão acesa, foi discutido o papel dos capelães na guerra colonial, a posição da Igreja, etc.

O mais importante é dizer, aqui no nosso blogue, que o nosso camarada Arsénio Puim, com os seus 73 anos, está vivo e recomenda-se. O novo membro da nossa Tabanca Grande, já começou a (re)organizar as suas memórias. Promete publicar algumas notas do seu famoso diário (que lhe foi devolvido pelo Exército a seguir ao 25 de Abril, embora censurado, rasurado e amputado de uma ou mais páginas)...

Tive o grande prazer de o abraçar no domingo à tarde, como prometido... Ele regressa a São Miguel, na 3ª feira. E fez-nos uma sugestão: que um dos próximos convívios da malta de Bambadinca ou do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné seja realizado nos Açores, onde de resto há muitos antigos combatentes que estiveram no CTIG... Também ele, durante muito anos, se recusou a falar do seu tempo da Guiné e só este ano veio, propositadamente, ao 3º convívio da CCS do BART 2917 (**), onde tinha/tem muita gente que o admira(va) e acarinha(va)... Como era o caso do nosso malograo camarada Carlos Rebelo, falecido em 6 do corrente, e que passa a figurar, de pleno direito, a partir de hoje, na lista dos amigos e camaradas da Guiné. Juntamente com o Zé Neto, é o segundo membro do blogue, já falecido (***).

Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados


1.
Mensagem do Benjamim Durães (ex-Fur Mil, Pel Rec Inf, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72):

Luís, depois de ler a mensagem do Puim no nosso blogue (****), a mesma me fez recordar uns versos feitos pelo ex-Furriel Mil Sapador Carlos Rebelo (falecido no passado dia 6 de Maio), que ele escreveu em 2007 e me entregou para ser lido no 1º Encontro-Convívio da CCS/BART 2917 que se realizou em Setúbal, os quais foram já publicados na revista dos Serviços Sociais da CGD - Caixa Geral de Depósitos.

Assim, e em memória do Carlos Rebelo, aqui transcrevo os versos, intitulado Romance do Padre Puim.

Um Abraço
DURÃES
_____________

ROMANCE DO PADRE PUIM
OU UM EPISÓDIO DA GUERRA COLONIAL
(PARA O PADRE PUIM, ONDE QUER QUE SE ENCONTRE, TANTOS ANOS DEPOIS) (*****)


FOI MAIS OU MENOS ASSIM
QUE SE PASSOU COM PUIM,
PADRE DAQUELA FORNADA
DO VATICANO SEGUNDO
E CAPELÃO MILITAR:
CRITICOU A HIERARQUIA
POR USAR E ABUSAR
DOS PRISIONEIROS DE GUERRA,
VELHOS, MULHERES E CRIANÇAS,
QUE A TROPA EM SUAS ANDANÇAS
TRAZIA AO AQUARTELAMENTO.

PADRE PUIM PREDICAVA
CONTRA O FACTO E APONTAVA
CERTOS ACTOS DESUMANOS
QUE O EXÉRCITO PRATICAVA.

ISTO CAIU MUITO MAL
NO GOTO DE UM GENERAL
QUE PÔS A PIDE EM ACÇÃO:
PUIM FOI NOTIFICADO
E DIGAMOS CONVIDADO
A CALAR-SE, OU ENTÃO…

ENTÃO FOI O QUE ACONTECEU:
PADRE PUIM FOI DETIDO
E DE IMEDIATO TRAZIDO
DESDE O MATO À CAPITAL
PARA FALAR COM O TAL
NO SEU QUARTEL GENERAL.

REAFIRMOU O QUE DISSE
E ATÉ DISSE INDA MAIS:
QUE NÃO GOSTAVA DA GUERRA
E POUCO DE GENERAIS.

E DISSE QUERER SABER
QUAL A RAZÃO DE TER SIDO
DEMITIDO.

AQUI O TAL GENERAL
ESCUSOU-SE A DIZER TAL,
MAS PERANTE A INSISTÊNCIA
E O TOM DE VEEMÊNCIA
DOS PROTESTOS DE PUIM,
RETORQUIU-LHE ASSIM:
- DIGAMOS QUE O SENHOR FOI
CONSIDERADO INDESEJÁVEL
AO C.T.I.G. (1).

PADRE PUIM PERGUNTOU:
- SIM? MAS, PORQUÊ?
AO QUE O GENERAL REPETIU
O QUE ANTES JÁ DISSERA,
E ASSIM,
UMA, OUTRA E OUTRA VEZ.

FICOU À ESPERA PUIM
DA EXPLICAÇÃO QUE NÃO VINHA,
ATÉ QUE DISSE O QUE DISSE:
- SE EU SOU INDESEJÁVEL AO C.T.I.G.,
O C.T.I.G. É INDESEJÁVEL PARA MIM.
BOA TARDE!

VIROU AS COSTAS, SAIU
NUNCA MAIS NINGUÉM O VIU
A FALAR COM GENERAIS
E OUTROS ASSIM QUE TAIS.

EU, QUE FUI SEU AMIGO,
SEI DOS CUIDADOS E DORES,
QUANDO ENTROU NO AVIÃO,
DE REGRESSO AOS AÇORES
DONDE ERA NATURAL,
E ENTÃO UM SIMPLES PADRE,
ANTES DE SER CAPELÃO
NO EXÉRCITO DE PORTUGAL.


(1) Comando Territorial Independente da Guiné


CARLOS REBELO (†)
ex-Fur Mil Sapador da CCS/BART 2917

[Revisão / fixação de texto para esta edição no blogue: L.G.]
____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCL: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

Vd. também poste de 27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

(**) Vd. postes de:

18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4372: Convívios (131): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com o Arsénio Puim e os filhos do Carlos Rebelo (Benjamim Durães)

19 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4378: Arsénio Puim, o regresso do 'Nosso Capelão' (Benjamim Durães, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)

(***) Vd. poste de 7 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4301: In Memoriam (22): Carlos Rebelo, a última batalha (Abilio Machado, ex-Alf Mil, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72)

(****) Vd. poste de 23 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4404: CCS do BART 2917: a emoção do reencontro, 38 anos depois (Arsénio Puim)

(*****) Vd. postes anteriores da série Cancioneiro de Bambadinca:

8 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3586: Cancioneiro de Bambadinca (3): Mais versos de O Bando, a CCAÇ 12 do Srgt Piça (Tony Levezinho / Gabriel Gonçalves)

7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3582: Cancioneiro de Bambadinca (2): Brito, que és militar... (Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, 1969/71)

24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4220: Cancioneiro do Cantanhez (2): Cabedu és nossa terra (Tony Grilo, Canadá)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cantanhez > Cabedu > CCAÇ 1427 (1965/67)> Capelinha do antigo destacamento de Cabedu ... O autor da foto, Tony Grilo, esteve em Cabedu ao tempo da CCAÇ 1427 que, em 30 de Maio de 1967, foi substituída pela CART 1614 (*).

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cantanhez > Cabedu > Vista aérea do destacamento e da tabanca de Cabedu, com a sua pequena pista de aviação.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catió > Cemitério de Catió > Duas sepulturas de militares portugueses, pertencentes à CCaç 1427 (1965/67), segundo informação do Tony Grilo.

Fotos: © Tony Grilo (2009). Direitos reservados.

1. Resposta do nosso camarada da diáspora (vive no Canadá desde 1972), Tony Grilo, que foi Apontador de obús 8,8, em Cabedu, Cacine e Cameconde, 1966 e é membro da nossa Tabanca Grande desde Março último (**)... Ele entrou em contacto connosco, em 5 de Março, tentando saber notícias da malta que passou por Cabedu, entre 1966 e 1968: CCAÇ 1427, CART 1614 e BAC [Bateria Anti-Costa].


Amigo Luís Graça:

Obrigado pelo teu email.

Dando resposta as tuas perguntas àcerca de Cabedu, vou tentar explicar o melhor possível.

Era um acampamento no meio da célebre mata do Catanhez, só podíamos sair de lá, por mar ou de avião.

Era um acampamento pequeno quando lá cheguei (em Julho de 1966).Tinha uma pista para avionetas e helicópteros,uma população muito pequena, talvez umas 15 a 20 tabancas [moranças],com uma clareira de uns 100 metro até à mata.

Quando cheguei, estava lá a [CCaç] 1427,uma companhia velha, com bastante experiência, e com algumas operações no Catanhez, onde numa delas tiveram 2 mortos e vários feridos, um deles com uma bazucada na cabeça. Por sinal tiveram que deixar o corpo na mata e fugir, pois os turras caíram-lhes em cima, se não fugissem ainda lá ficariam mais (***).

Da 1427 ficaram 2 mortos enterrados em Catió. Aí vão as fotos das seputuras (***).

Durante os meus 18 meses en Cabedu, alargámos o acampamento para o dobro, fizemos abrigos subtertrâneos, um paiol de munições, uma igreja (aí vai a foto) e um campo de futebol.

Estavamos perto de um famoso acampamento, Darsalame, onde o Amilcar Cabral e o Agostinho Neto [o autor deveria querer dizer 'Nino' Vieira..., já que o angolano Agostinho Neto era dirigente do MPLA e não do PAIGC], paravam muito. Numa das operações da [CCaç] 1427 e mais 2 companhias, quase que apanharam o Amílcar, mas ele foi mais esperto e safou-se.

Fomos atacados muitas vezes, pois os turras tinham a pouca vergonha de vir mesmo à beira da mata, apontavam o canhão sem recuo, em fogo directo, e salve-se quem puder. Mas assim que o obus 8,8 começava a vomitar, os turras calavam-se logo e fugiam, pois onde elas (as granadas)caíam faziam um estrago termendo.

Muita fome se passava aí, pois estavamos quase sempre sem mantimentos. Como tudo era trazido por batelões, levavam uma vida a chegar lá, então tínhamos que nos desenrascar, as galinhas dos pretos é que pagavam. Quando não havia chance para isso, iamos para a tabanca comer bianda com eles.

Apanhei ai uma fraqueza tão grande, por vezes não conseguia segurar-me nas canetas, até que tive que ir para Bissau ao hospital fazer exames, pois estava com uma anemia do último grau. Pois é, meu caro Graça, desculpa a liberdade, até bicho branco deitava nas fezes...

Quanto à tua pergunta sobre a minha vinda para o Canadá... Foi mais uma das minhas aventuras (pois a gente só esta bem onde não está).

Como tinha cá a minha irmã e cunhado, nesse tempo tudo foi muito fácil para eu imigrar, e então vim. Mas hoje, se me perguntares se estou arrependido, em parte estou, pois deixei um bom emprego e tinha uma boa situação em Portugal. Por outro lado, estou feliz pois pude dar uma boa educação aos meus 4 filhos que, todos, estão bem na vida, aqui.

Emfim, nem tudo na vida são rosas.

Graça, agora aí vão uns versos que eu fiz em Cabedu.

Um grande abraço para toda a TERTúLIA.
Tony Grilo

2. Cancioneiro de Cantanhez > Cabedu, nossa terra (*****)
por Tony Grilo


Nas tabancas dos nativos
Nós fazemos uma acção
Que certo Mundo não sabe
Que nos sai da coração.

O inimigo espreita
Atacando gente boa,
Mas os soldados respondem
Sem ser com tiros à toa.

De canais e muito mato
É composta a região,
Os musquitos são malignos
Terroristas de picão.

Com insectos ou sem eles
Que o tempo se vá passando,
Oh malta, já estamos vendo
O Niassa navegando.

Em Cabedu, em Cabedu,
Vão desfilando tantos soldados,
Mesmo com guerra, és nossa terra,
Nestes dois anos amargurados.

Oh Cabedu, oh Cabedu,
És fortaleza desta Guiné,
Te defendemos com valentia,
Aqui no mato, de noite e dia.

Cabedu, 1966
Tony Grilo

[Fixação / revisão de texto: L.G.]

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3182: Em busca de... (38): Causas da morte do Alf Mil Manuel Sobreiro (Mampatá, 1968) Parte II (José Martins)

Vd. postes de:

5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3986: O Nosso Livro de Visitas (57): Tony Grilo, Canadá: Artilheiro, apontador de obus 8,8 (Bissau, Cabedu, Cacine, Cameconde,1966/68)

24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4073: Tabanca Grande (126): Tony Grilo, Artilheiro, Apontador de obús 8,8 (Guiné, 1966/68)

15 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4192: Estórias avulsas (28): Sorte na Vida... ou quando uma dor de dente te salva a vida (Tony Grilo, Canadá)

(***) Segudo os dados recolhidos e tratados pelo nosso camarada A. Marques Lopes, haveria apenas um militar da CCaç 147, sepultado em Catió:

Vd. poste de 5 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2811: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (3): De 1966 a 1967 (A. Marques Lopes)


(...) Avelino do Patrocínio Lage, Soldado / CCaç 1427 / 03.01.66 / Cafal / Ferimentos em combate / Paranhos, Porto / Corpo não recuperado.

(...) Adolfo do Nascimento Piçarra, Soldado / CCaç 1427 / 20.03.66 / Catesse / Ferimentos em combate / Ferradosa, Alfândega da Fé / Cemitério de Catió, Guiné.

(...) Albino Teixeira Martins, Soldado / CCaç 1427 / 20.03.66 / Catesse / Ferimentos em combate / Cachopo, Tavira / Corpo não recuperado.


(****) Vd. último poste da série > 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3950: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (7): Manuel Maia, o bardo do Cantanhez

1. Mensagem, algo original, do Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74)

Caro Luis tive oportunidade de ler comentários de camaradas relativamente ao artigo supracitado (*), de que espreitei a parte evidenciada na caserna, e decidi também, à guiza do que tantos já fizeram, dizer de minha justiça pela forma de sextilhas...

Presumo que se trata de jornalista jovem a querer "ganhar espaço" e influenciado por gentalha que teima a apelidar-nos de maus da fita.


Se porventura achares por bem dar a conhecer ao resto do pessoal da caserna, fá-lo. Um abraço do Manuel Maia. (**).


Assente em deturpada narrativa
de escória desertora, fugitiva,
escriba da Visão, agride, insulta.
Do vilipêndio, a geração sofrida,
em nome dos que lá deram a vida
exige-lhe o pedido de desculpa.

Não fomos assassinos, mercenários,
mas antes combatentes, solidários
com povos que aprendemos a gostar.
A prova está no enorme abraço dado
entre afros e as gentes deste lado
de cada vez que encontro tem lugar...

Depois da desastrosa entrada em cena,
terá de retractar-se a estulta pena,
p´ra além do que é dever, está o direito.
Da exigência não abramos mão
pois mancha a veterana condição
e mortos mereciam mais respeito...


___________

Notas de L.G.:

(*) 27 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3947: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (6): Luís Graça, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

(**) 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)





Guiné > Região de Tombali > Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O Manuel Maia no seu hotel de muitas estrelas...

Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados

Texto enviado por Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74)


2ª PARTE DA HISTÓRIA DA 2ªCCAÇ BCAÇ 4610/72, EM SEXTILHAS (*)
por Manuel Maia (**)


34
O grupo, sem alferes, foi comandado
por Maia, o mais antigo graduado,
na zona onde actuavam fuzileiros.
Com Zé Maria,Moura e os rapazes
mostrámos ser também assaz capazes,
ao nível dos melhores entre os primeiros...


35
Um dia, Paiva, furriel Cafal,
tentado p´lo viçoso laranjal
avança resoluto p´ros citrinos...
Com dois soldados, sacos carregados,
a tiro logo ali são atacados,
salvando-lhes os fuzas seus destinos...

36
Corria a madrugada e um fogachal,
estremecendo arame de Cafal,
semeia o medo e o caos de repente.
Passado instante a malta então reage,
põe cobro ao grande arrojo, vil ultraje,
e expulsa do sector a turra gente...


37
P´ra registar estudos fluviais,
Marinha requereu que junto ao cais
Terríveis protegessem seu pessoal.
De noite,ao serviço da secção,
Barbosa levou tiro de raspão,
por ter cigarro aceso em breu total...


38
Cafine era o local, que foi criado,
por este grupo, mais sacrificado,
para alojar orquestra(i) p´ra chegar.
Começa ali a saga tabancal
com chapa/zinco, adobe tinto a cal,
reordenando as gentes do lugar...


(i) pessoal que não ia ao mato


39
Já fartos de gazela estilhaçada,
trouxemos p´ro quartel uma manada,
de vacas inimigas para abate.
Tão logo, via rádio uma mensagem,
obriga a soltar gado na pastagem
p´ra lá da tal bolanha, onde há combate...


40
Psícola foi termo conhecido
p´ra referir acções em que o sentido
visava dar aos afros importância...
Não raro, exageros se cometem
que as posições da tropa comprometem
esvaziando à ideia, a relevância...


41
Reconheceu Bissau o empenhamento
na luta feita guerra e sofrimento,
daí o prémio DUGAL, merecido.
Com grupo no CHUGUÉ, outro em FATIM,
´speramos comissão chegar ao fim,
felizes por saber dever cumprido...


42
Depois de nove meses/sacrifício,
vivendo ou vegetando(?) em tal suplício,
na terra onde a fartura era de balas.
As casas chapa/zinco construídas
p´ras gentes das aldeias destruídas,
seriam a razão p´ra fazer malas...


43
P´ra trás ficava tudo que era horrendo,
buraco, casa/campa, algo tremendo,
da sub-humana vida experimentada.
CAFAL, a sensação mais dolorosa
jogados para zona mais perigosa,
na frente da bolanha atribulada...


44
Saídos do inferno de CAFAL,
rumamos,p´ra CAFINE,em zona igual,
dois grupos p´ra COBUMBA, uma outra frente.
Chegados a FATIM vimos o céu,
que o CHUGUÉ, certamente também deu,
e o DUGAL emprestou, seguramente...


45
Na hora de partir, já eminente,
desgraça surgiria,em acidente,
p´ra todos nós da forma mais brutal...
buscando últimas prendas na cidade,
partiram, moderada velocidade,
uns quantos furriéis,para seu mal...


46
Foi junto a NHACRA, rádio emissora,
soltou-se o banco em tão maldita hora,
no asfalto AFONSO e LIMA caem sós.
Enquanto o transmontano se finou,
co´a morte açoreano ´inda lutou,
p´ra se apagar dois dias logo após...


47
Roubados de entre nós pela má sina,
de forma tão marcante,e repentina,
lembrá-los deixa os olhos rasos de água.
Um ar sereno e calmo AFONSO tinha,
enorme coração LIMA detinha,
tristeza, choros, raiva, a nossa mágoa...


48
Nem tudo correu bem, infelizmente,
morrendo quatro tão precocemente,
bem novos para estarem de partida.
A crise de asma um deles sucumbia,
enquanto alcoolizado outro fugia,
desastre aos outros dois roubou a vida...


49
Varreram-se, já, nomes da memória
p´ra deles ter registo nesta história
que foi a nossa, grada mas sofrida...
assim, requeiro a todos o favor
de fornecerem dados com rigor
lembrando uma ocorrência, bem vivida...


50
Foi PRATA a comandar grupo primeiro,
LINDORO no segundo a timoneiro,
ALMEIDA do seguinte a tomar norte.
No quarto é de OLIVEIRA a condução,
justiça leva ALMEIDA e chega então,
um pira p´ra africana,antes do FORTE...


51
BARRADAS, GINJA, são profissionais,
milicianos todos os demais
sargentos desta nossa companhia...
CASEIRO, VIOLANTE, AFONSO, ANTUNES,
dos p´rigos lá do mato estão imunes,
à banda dão fulgor, categoria...


52
CORTEZ ruma a Bissau, cunha é TRANSPORTE,
NAVEGA tem na escuta a mesma sorte,
na urbe encontra ALMEIDA o paradeiro.
Um curso de tabanca p´ro FRAGOSA,
a paz da secretária MARTINS goza,
dos negros,professor,foi o CORDEIRO.


53
RIBEIRO,pira calmo e recatado,
TEIXEIRA, um brincalhão endiabrado,
de paciência feito o ZÉ MARIA.
São LIMA e MOURA dois homens de mato,
tal como o BRITO, embora mais novato,
no MAIA, a irreverência contagia...


[Oitava decassilábica]

Olhando a vida à volta do passado,
imposição/catarse necessária,
revejo,a breve instante emocionado,
AFONSO (ii), mente sã e libertária
da guerra interventor mas desfasado...
ao lado em postura solidária,
ANTUNES enfermeiro brincalhão,
e LIMA (iii), um enorme coração.


(ii) Afonso, furriel miliciano de transmissões morto em acidente na semana da partida.

(iii) Lima, furriel miliciano de Op Esp, morto em acidente na semana da partida.

Antunes, furriel miliciano enfermeiro, morto em acidente pouco depois da chegada


_________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez

(**) 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Os Lassas na abertura da estrada Cufar/Cobumba. Em Novembro/Dezembro de 1972, a 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, de que o Manuel Maia, novo membro da nossa Tabanca Grande, era Fur Mil At, integra as forças de Spínola que vão tentar reconquistar e ocupar o coração do mítico Cantanhez: Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine, Jemberém...

Foto: ©
Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

1. O Manuel Oliveira Maia fez há dias uma primeira tentativa para entrar em contacto connosco e ser admitido na nossa Tabanca Grande. Não mandou fotos, por que ainda anda às voltas com estas novas tecnologias... É o que deduzimos, de resto, da leitura do seu blogue, MAMOM, aberto em Janeiro passado e contendo já vários postes sob o título "Evocação da Guiné". Diz ele, em jeito de apresentação:

"Tenho 58 anos, sou licenciado em História pela FLUP [Faculdade de Letras da Universidade do Porto] e só agora estou a começar a 'gatinhar' nas novas tecnologias. Por isso mesmo não consigo ainda dominar esta máquina que me tem baralhado. Com o tempo chego lá".

Pois é, Manuel, isso com o tempo (e a teimosia) a coisa vai. Tudo se aprende, haja força de vontade.
Entretanto, recebemos hoje um segunda mensagem do Manuel Maia, que diz o seguinte:

"Português dos quatro costados, apreciador de ditados populares, decidi tomar a nuvem por Juno e utilizar o conhecidíssimo 'quem cala consente', daí o atrevimento de escrever, de forma faseada, aquilo que tinha solicitado há dias e que dá o título a este mail, esperançado em que alguém da companhia possa lê-lo. Desde já o meu muito obrigado".

Pois é, Manuel, a gente não cala mas consente. Isto quer dizer que estás mais do que autorizado, tens luz verde para entrar na nossa Tabanca Grande e sentar-te à sombra do poilão. Com tempo e vagar, mandas-nos algunas fotos e conta-nos por onde andaste, com a tua 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 (já percebi: Bissum, na região de Bula, Cafine, Cafal Balanta., na região do Cantanhez / Cacine..).

E, olha, parabéns, pela arte e engenho de narrar, com humor, os feitos gloriosos dos Terríveis que ousaram penetrar no Santo dos Santos, que era, para o PAIGC, o Cantanhez. Furriel Maia, estás aprovado com 20 valores. São trinta e três sextilhas, ou seja, estrofes de seis versos de dez sílabas métricas. Não os revi todos, mas batem certo: são mesmo decassílabos... Ou não fosses tu um homem de letras, e quiçá um émulo de Camões.... O Camões do Cantanhez!

Fico a aguardar o resto do poema épico, agora a entrar - espero bem - no mítico Cantanhez, lá por alturas de Novembro/Dezembro de 1972, quando o velho Spínola decidiu reconquistar e ocupar essas míticas terras de Tombali, numa prova de força contra o PAIGC: Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine, Jemberém... Vou ver depois como chamar a esse novo Cancioneiro... (LG)


2. Assunto - HISTÓRIA EM SEXTILHAS DA 2ª CCAÇ BCAÇ 4610/72


2ª CCAÇ BCAÇ 4610/72, OS TERRÍVEIS


1. Da mais remota aldeia ou simples terra
chegaram aprendizes para a guerra,
à Eborina urbe alentejana.
Três meses lá passados chegou dia
do voo p´ra Guiné que ninguém queria,
p´ra trás ficava o Templo de Diana...


2. Corria o ano dois após setenta,
manhã dia antonino,calorenta,
em terra há corações despadaçados.
No voo baptismal p´ra maioria,
vai tropa dos Terríveis,que escondia,
seus medos peito adentro,bem fechados.


3. Pousada a nave,agreste é a paisagem...
em camiões Berliet se faz viagem
até ao Cumeré, p´ro I.A.O.
Em cada face há rios de suor
vincando esgares e rictos de estupor,
nas rugas desenhadas pelo pó...


4. No Cumeré surgiu nova instrução
com muitos pius saudando a comissão
que ora começavam, coitaditos...
De fardas novas, pele esbranquiçada,
são alvo da chacota e gargalhada
dos velhos que gozavam periquitos...


5. Desajustado,bronco e petulante,
republicano guarda é o comandante
do nosso batalhão de Bissorá.
Destino de Bissum foi libertário
livrando-nos do velho salafrário
a Bula, a administração nos ligará.


6. Bissum passou a ser morada nova
e os nervos aos Terríveis pôs à prova
daí as muitas noites mal dormidas.
Enquanto em casa a música (a) descansa,
no mato ,atirador faz segurança
travando assim as turras investidas...

(a) Pessoal que não ia ao mato


7. A sobreposição foi conseguida,
serena,com quem estava de partida,
de volta p´ra Lisboa, por Bissau.
Pintada fôra a manta com mil perigos
de ataques incessantes inimigos,
buraco...afinal nem era mau...


8. E desse tempo há coisas que ficaram,
partidas/praxe com que nos brindaram,
algumas bem gozadas,vejam bem...
Na messe à noite,em plena cavaqueira
connosco, bem bebido, em brincadeira,
alferes velho,ali,conta vantagem...


9. No mato, embrulhara manga deis...
(recorda pelo menos vinte e seis...)
nalguns sentira mesmo uns sustozitos...
Mostrava o seu galão,com arrogância
ao turra a quem cheirava, inda à distância,
julgando impressionar os periquitos...


10. Aterra no seu braço um vil mosquito
sem respeitar velhice, algo esquisito,
com tanto sangue pira,ali à mão...
A frase foi marcante pois lembrava
que a sua comissão se acabava
e a nossa, acabaria um dia,ou não...


11. Tainadas e petiscos, noite afora,
para empurrar o copo,sem demora
dos piras, p´ra cerveja ,sai a massa...
caçadas p´la velhice, são galinhas
do mato,algo enfezadas, mas durinhas...
que mais não são que abutres p´ra desgraça...


12. O tempo foi passando,devagar,
mais lento que a vontade militar,
até surgir primeiro fogachal...
falhada e curta fôra flagelação
que teve p´ros Terríveis o condão
de ensinamento p´ro perigo real...


13. Primeiro ataque há medo e confusão
que geram caricata situação,
no ar pairavam sustos, grande é o drama...
às quatro morteiradas do inimigo
Terríveis, responderam...do abrigo,
a tiro de espingarda e dilagrama...


14. As balas tracejantes da milícia,
p´ra quem ataque é óptima notícia,
à noite dão um ar de foguetório...
na messe, alto betão protege audazes,
Almeida e Maia,acalmam seus rapazes
formando o grupo frente ao refeitório...


15. Ao pânico de início seguiu logo,
a calma a analisar poder de fogo,
co´a ajuda da milícia sabedora.
Saído da tabanca,Eusébio(b) berra:
- Pára essa merda toda, acaba os guerra
mi misti poupa bala,cá põe fora!!!

(b) milícia


16. Do simples dilagrama, à morteirada,
angústia e raiva ali é despejada,
travado apenas foi grupo terceiro.
Enquanto no quartel,há confusão,
Almeida e Maia formam pelotão
havia que impor ordem no terreiro...


17. Às vezes,lembro aqueles fins de tarde,
a lavadeira ali,fazendo alarde,
dos dotes que lhe deu a natureza...
Bajuda prometida de milícia,
rasgado tem sorriso de malícia,
a torneada Quinta, uma beleza...


18. Coragem mostra ter milícia nova,
por actos de bravura que renova,
a cada compromisso para acção.
Nas notas p´ra Bissau, branca é chefia,
Inchunfla é comandado com mestria,
de cada vez que faz golpe de mão...


19. Milícia velha um dia, por ciúme,
da nova, p´ra quem ronco era costume,
fogueira quis fazer em pleno mato...
a ideia era atrair a turra gente
tomar as suas armas facilmente,
ganhar direito à fama, ao estrelato...


20. Coluna estava imóvel, faz bocado...
de trás, parti, semblante carregado,
à cata do porquê dessa inacção...
- Nós tem que ter fogueira furriel!
Faz frio, manga dele aqi nos pele...
pessoal pá,não guenta a situação
...


21. Está a andar para o quartel,directamente!
Vais lá fazer um fogo que te aquente...
disse eu a Armando, o guia da secção.
- Pessoal tem de ir nos sítio dos bandido
se não vais lá, furriel, ficas fodido,
Armando...pá, faz queixa ao capitão...


22. Cantina foi o ponto de paragem
para aquecer gargantas da friagem
daquela madrugada quase ronco...
Suborno fôra a via que eu usara
travando,com cerveja,a sanha ignara
do pessoal de Armando,guia bronco...


23. Com Marcelino Mata, a lenda viva,
operação fizemos, punitiva,
às tropas inimigas do sector.
Sucesso retumbamte o resultado
do chefe militar, idolatrado,
que olhava os p´rigos, sempre sem temor...


24. Do mato após dois dias regressados,
sofridos, fartos já dos enlatados,
comida,banho e cama são anseios...
Jantar nos negam dando por razão
abono de combate com ração,
sabendo não haver ali mais meios...


25. Do peixe da bolanha e arroz/cimento
que havia alimentado o regimento,
notada foi a ausência do Caseiro.
Já fartos do menú que este dispensa,
Almeida e Maia encontram na despensa
o dito, a comer frango com casqueiro...


26. Com delicado pé, quarenta e cinco,
derruba Almeida a porta chapa/zinco,
com Maia,no apoio,do seu lado.
À guiza de castigo,fica então
contestatário Maia com missão
de vaguemestre,um mês, tendo agradado...


27. Deu frango, em quartos, com batata assada,
ração completamente inusitada,
e vacas extra em compra inolvidável...
A cada copo o preço era espremido,
cigarro tinha acção de lenitivo,
Rebenta Minas(c) fôra inigualável...

(c) Rodrigues


28. Rodrigues, ganadeiro,cá de fora,
que acolitava o Zé (d), a toda a hora,
manteve-se em funções por minha opção.
Provada foi justeza da medida
pois compra à populaça é conseguida
mercê dos seus recursos d´ocasião...

(d) Caseiro


29. P´la vaca são pedidos quatro contos,
cigarro e copo ali ganham descontos,
p´ra reduzir o preço ao animal.
- Mil e quinhentos peso é pouco, pouco...
dou mil,cigarro e copo,não sou louco,
está magra e foi roubada,por sinal...


30. Nos mapas expedidos p´ra Bissau,
Terrivel,capitão daquela nau,
seu nome apunha aos actos mais ousados,
daí governadora rapidez
de olhar o salvador do Cantanhez
em si e seu punhado de soldados...


31. Consolidada a imagem em Bissau,
João Terrível, tido um homem mau
´statuto VIP, granjeou de vez.
Monocular figura,quase mito,
ao empurrá-lo a sul teria o fito,
d´impor a paz na mata Cantanhez...


32. Cafal-Balanta asila meio cento,
garante-lhes espaço/sofrimento,
lugar junto à bolanha, em cova nua.
Dois dias p´ra aramar são preenchidos,
cansados dormirão,enfim,vestidos,
sem tecto,em colchão de ar,a olhar a lua...


33. Indescritível sensação de horror
com noites sem dormir, tal o temor,
desprotegido espaço nos calhara.
A urgência em aramar era ambição,
que todos partilhavam, pois então,
o medo já estampava cada cara...

Manuel Oliveira Maia

[Fixação/revisão do texto/edição: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3882: Tabanca Grande (117): Gumerzindo Caetano da Silva, ex-Soldado Condutor da CART 3331 (Cuntima, 1970/72), que nos lê na Alemanha

(**) Há muitas referências a Cafal no romance do Mário Fitas, já publicado em 'episódios': vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3799: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (3): O hino da CCAÇ 2405 (1968/70) (Victor David)

1. O Victor David (foto do lado esquerdo) respondeu, em 24 do corrente, a um pedido meu, dirigido ao pessoal que passou por Dulombi, para nos mandarem letras do Cancioneiro de Dulombi / Galomaro ("Amigos e camaradas de Dulombi, avós, pais e netos: Para vosso conhecimento. Infelizmente não tenho o mail (actualizado) do Jorge Rijo. O dos seguros foi desactivado: julgo que ele passou à reforma. Reforço o pedido: Kadé o Cancioneiro de Dulombi ?")...

Na véspera, já tinha recebido um mail do Rui Felício. Do Jorge Rijo, não há notícias. O Paulo Raposo, por sua vez, vai aparecendo, de tempos a tempos.


2. Mensagem do Rui Felício (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70), de 23 do corrente:


Meu caro Luís Graça:

A minha ausência das lides bloguistas não significa menos atenção ao teu blog, que visito com a regularidade possível. Respondendo ao teu e-mail referente ao designado Cancioneiro do Dulombi :

(i) Como disse na altura que escrevi o post que tu referes, fui eu de facto o autor da letra da cantoria dedicada aos periquitos que nos substituiram, e que a malta da CCAÇ 2405 costuma cantar nos almoços anuais que realiza. A música foi arranjada pelo Jorge Rijo, essa sim plagiada de uma cantiga que na altura andava em voga (essa cópia da musica está assumida também no mesmo post);

(ii) Por isso fiquei um tanto confuso com a reivindicação de autoria feita pelo tal Luis Dias. Ou então não entendi bem o que ele quiz dizer com isso;

(iii) Não me faz diferença nenhuma que a autoria me seja atribuida ou não, até porque aquilo foi uma versalhada sem qualquer valor poético ou literário. Mas as coisas são o que são e não tenho a menor dúvida que fui eu que a escrevi e nem sequer me inspirei nalguma outra de que me tivesse servido como molde ou como ideia;

(iv) O que não quero é que se pense que me intitulei autor de versos que o tal Luis Dias diz que já tinham sido feitos por ele. E não quero porque não é verdade...

(v) Como também disse na mesma altura do tal post que referes, não sou já capaz de a reproduzir integralmente e quem a tem transcrita para papel é de facto o Jorge Rijo, cujo contacto de e-mail não tenho. Aliás, da última vez que falei com ele disse-me que ia arranjar um endereço electrónico mas desde então nada mais me disse.

Reencaminho este e-mail para ao Vitor David e para o Raposo. Pode ser que eles possam encontrar os tais versos.

Um abraço do teu amigo
Rui Felício

3. Comentário de L.G.:

Rui, não quero que o avô se zangue com o neto... O que o Luís Dias reclamou, muito modestamente, foi apenas a paternidade... da letra do Adeus Guiné:

É o fim do castigo ,
Terminou a comissão,
É necessário gritar
Piras! Não venham,
Deixem isto acabar,
Morrer de tédio,
Sem remédio.
Isto é vida de cão,
A velhice vai embora
Enquanto a bajuda chora
E a nau está a naufragar.
(...)

Entretanto, tenho notícias frescas do Victor David. Um abraço para os baixinhos de Dulombi, Jorge Rijo, Paulo Rsposo, Rui Felício e Victor David. LG


4. Mensagem do Victor David (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70):

Caríssimo Luís Graça:

A minha veia de escritor passou toda para o Felício aquando da nossa passagem pela Guiné, pelo que não tenho colaborado no blogue activamente, mas não tenho deixado de ser um leitor atento e interessado na grande qualidade dos seus escritos e orientação. Para mim continua a ser dos mais completos, interessantes e valiosos documentos para a memória dos tempos inesqueciveis que passámos na Guiné, sobretudo porque são depoimentos de quem viveu os factos e não de quem os trata jornalisticamente, impingindo-nos a sua versão não vivida!...

Bem, mas respondendo ao pedido que foi lançado no blogue àcerca da letra do Hino da CCaç 2405, na altura da recepção à companhia que nos foi render em Dulombi e, depois de devidamente analisada a papelada em arquivo próprio, aqui vai ela (de autoria do Felício - ou do Rijo - já não sei) e música, também me não lembro de quem - mas de uma canção na moda naquela altura:

SÊ BENVINDO, PIRIQUITO,
PIRIQUITO,
JÁ CANSAVA DE ESPERAR,
DE ESPERAR.

COMO VÊS ISTO É BONITO,
COM MUITA COBRA E MOSQUITO
E GUERRILHA A CHATEAR,
A CHATEAR.

ANDA CÁ, ESTÁ SOSSEGADO,
DESCONTRAI, POUSA A CANHOTA
QUE O IN ESTÁ NOUTRO LADO,
ANDA PRAÍ EMBOSCADO,
EM ALGUM PONTO DE COTA.

ATAQUES, FLAGELAÇÕES,
MUITAS MINAS, EMBOSCADAS,
VERY LIGHTS AOS MONTÕES
E MANGA DE ROQUETADAS,
AS SABOROSAS RAÇÕES
E A CARNE AFIAMBRADA.

HÁ ABELHAS E MOSQUITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ,
MOSCA CHATA E FORMIGA,
OLÉ LÉ LÉLÉ,
SAPOS, RÃS E UNS LAGARTITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ
MAS É TUDO MALTA AMIGA!
OLÉ LÉ LÉ LÉ.

Um abraço
Victor David
BAIXINHO DO DULOMBI ( com muita honra!)

P.S. Quem souber de que canção era a música, que dê uma ajuda!

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes desta série:

20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)

21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3772: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (2): Tecnil, Tecnil / Eu passei lá muitas noites / Certamente mais de mil (Luís Dias)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3772: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (2): Tecnil, Tecnil / Eu passei lá muitas noites / Certamente mais de mil (Luís Dias)


Rui Felício, ex- Alf Mil, CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70) (foto à esquerda): Procura-se vivo ou morto... Anda a monte com os primeiros decalíssabos que deram origem ao famoso Cancioneiro de Dulombi... Dão-se alvíssaras. L.G.


1. Mensagem do Luís Dias, respondendo a um pedido meu ( "Tens mais letras do 'cancioneiro de Dulombi' ? E da Tecnil ? Há mais recolhas de versos ?"):


Os versos que colocaste não são do Cancioneiro do Dulombi (*), nem da Tecnil, fazem parte dos 'poemas' que eu escrevi durante a comissão. Mas não tem qualquer importância.

Do Cancioneiro do Dulombi, só me lembro de um refrão, que era cantado com uma música popular.

Dulombi te deixarei,
Dulombi te deixarei,
e o dia está bem perto,
As tuas bajudas giras
Vamos deixá-las aos piras,
Que nós vamos de regresso.



Da TECNIL (**) havia também este refrão:

TECNIL, TECNIL,
Eu passei lá muitas noites,
Certamente mais de mil,
TECNIL, TECNIL.
Quando aparecem macacos,
Vira jardim infantil.


Quando fazemos o convívio anual, os nossos ex-praças lá cantam estas modinhas. Eles é que têm as letras.

Um abraço

Luís Dias

2. Comentário de L.G.:

Luís:

O seu a seu dono... Vou corrigir... E fazer mais um poste sobre o Cancioneiro de Dulombi... Os versos são teus, mas o que importa é que os teus camaradas se apropriaram deles e cantaram-nos (e continuam a cantá-los nos vossos convívios)...Em Dulombi e em muitos outros sítios da Guiné, havia poetas, como tu, que nos ajudaram a não perder a alma e a manter a cabeça em cima do pescoço e o pescoço em cima dos ombros...

De resto há uma tradição poética, iniciada pelos Baixinhos de Dulombi, a malta da CCAÇ 2405, de 1968/70. Num dos postes, o ex- Alf Mil Rui Felício escreveu isto (***):

"Tinhamos acabado de receber no Dulombi a Companhia de atónitos periquitos que, durante uma semana, iam ficar em sobreposição connosco.

"Acolhemo-los com o aquele ar superior de guerreiros invencíveis, calejados pelos combates, a pele tisnada dos sóis tropicais, e além das costumadas praxes, meio inofensivas, que exercemos sobre eles, dedicámos-lhes, com a proverbial simpatia característica dos Baixinhos do Dulombi, um hino de recepção ao periquito que ainda hoje cantamos em todos os almoços anuais de comemoração que realizamos.

"Fui eu o autor da letra (perdoem-me o orgulho ) que, em versos decassilábicos, procurava transmitir aos novatos o que era o dia a dia que os esperava nos confins do mato onde iriam passar dois anos.

"O Alf Mil Rijo sacou dos seus dotes musicais até aí ocultos e plagiou uma música que se adaptasse à versalhada que em momento de suprema inspiração eu tinha produzido. É ele que hoje guarda religiosamente essa letra que eu, embora seu autor, não sou já capaz de reproduzir na íntegra" (...).

Pois é, meu caro Luís Dias, ainda não consegui sacar ao teu avô Rui Felício essa famigerada letra. Em 5 de Setembro de 2006, mandei-lhe um pedido que ele deve ter arquivado... O actual dono das letras parece ser o ex-Alf Mil Jorge Rijo, que anda incontactável, depois de se reformar dos seguros. Vou-lhes, daqui, solenemente, implorar, a ambos (e aos outros dois Baixinhos de Dulombi, que eu conheço, o Paulo Raposo e Victor David, que não nos esqueçam, a mim, a ti, a todos nós, de modo a slavarmos e enriquecermos o Cancioneiro de Dulombi / Galomaro...

Rui, Jorge, Luís, camaradas !... Seria uma pena que os últimos épicos da Pátria, os derradeiros Camões, que fomos nós, os últimos poetas do Império, deixem perder, por negligência, incúria, esquecimento, cansaço ou qualquer outra razão - por muito válida que possa ser ou parecer -, os últimos versos que escrevemos, a pena numa mão e a espada na outra, nos campos de batalha da Guiné...

Obrigado. Abraço. Luís
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)

(**`) TECNIL, empresa de engenharia e construção de estradas... Estava por toda a Guiné (ou quase), no tempo do Spínola e depois... da independência. O nosso camarada e amigo António Rosinha trabalhou nela como topógrafo, nos anos 70/80, se não me engano.

(***)5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

Vd. ainda:

Blogue CCAÇ 2700 > Dulombi, 1970/72, de Fernando Barata

Blogue Histórias da Guiné 71/74 > CCAÇ 3491, Dulombi, de Luís Dias

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)

Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do Edifício do Comando após o tornado de 25 de Abri... de 1971 . A maior parte dos militares portugueses não estava famializarizado com as bruscas tempestades tropicais, nem menos preparado para suportar o calor e a humidade do território... (LG)

Foto: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.


1. Recolha de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), e membro da nossa Tabanca Grande:

ADEUS, GUINÉ (*)

É o fim do castigo ,
Terminou a comissão,
É necessário gritar
Piras! Não venham,
Deixem isto acabar,
Morrer de tédio,
Sem remédio.
Isto é vida de cão,
A velhice vai embora
Enquanto a bajuda chora
E a nau está a naufragar.

Adeus Guiné!

Grita se quiseres,
Se te apraz.
Se te sentes feliz,
Se isso te satisfaz .
Eu não quero continuar de verde-claro,
Saí do Dulombi!
Deixei Galomaro!
Sofre-se porquê?
Se não mereces tal sacrifício
Ou é apenas vício?
Tu não sabes o que andas a fazer
ou afinal até sabes….!
Espero que de mim
só leves suor e muitas lágrimas.
Cheira bem, cheira a Lisboa!
Aqui o tempo está parado,
Lá parece que voa.
Sabes como é,
Tudo é finito.
Assim, solto meu grito,
Ponho-me de pé.
Atraca o navio.
É hora de embarque.
Viro as costas ao cais,
Aqui não volto mais,
Não há lágrimas em destaque.

Adeus, Guiné!

[Fixação e revisão de texto: L.G.]

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Nota de L.G.:

(*) Vd. blogue Histórias da Guiné 71-74 > CAÇ 3491 - Dulombi > 8 de Julho de 2008 > História do regresso


Este blogue pretende ser um "espaço de confraternização para todos aqueles que, como combatentes, tiveram de percorrer as matas, as bolanhas, as picadas e os rios da Guiné, entre Dezembro de 1971 a Março de 1974" e propoe-se, em especial, "invocar aqui a história e as 'estórias' dos elementos da CCAÇ 3491, aquartelados em Dulombi e também em Galomaro. Fomos dos últimos combatentes do denominado 'Império Português'.

Vd. também o poste no nosso blogue > 8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos (Luís Dias)


(...) "No dia 28 de Março saímos do Cumeré em direcção ao Porto de Bissau, com o pessoal da companhia a cantar canções do Cancioneiro do Dulombi e da Tecnil e músicas populares portuguesas, em que se destacava aquela do 'Cheira bem, cheira a Lisboa'…O embarque no navio Niassa deu-se sem quaisquer peripécias, a não ser o costume do amontoado de pessoas e bagagens nos porões, onde as praças seguiam 'empilhados' – péssima maneira de estimar quem dera o coirão pela Pátria. (...)