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sexta-feira, 19 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19992: Historiografia da presença portuguesa em África (168): a colónia das terras vermelhas, por Machado Saldanha: excertos de "O Império Português na primeira Exposição Colonial Portuguesa : álbum-catálogo oficial" [, Porto, 1934,] capa + pp. 279-283.












Guiné: a colónia das terras vermelhas, por Machado Saldanha. In: O Império Português na primeira Exposição Colonial Portuguesa : álbum-catálogo oficial [, Porto,  1934,] capa, + pp. 279-283. (*)


1. No início da década de 1930, a colónia portuguesa da Guiné tinha pouco mais de 340 mil habitantes, dos quais apenas 983 eram "brancos" (0,29 %) e 1310 "mestiços (0,38%)... 

No catálogo da Exposição Colonial do Porto,  de 1934, faz-se a apologia da Guiné como "colónia de exploração", dando-se algumas "dicas" para a fixação do europeu: a parte oriental (região leste) era "mais saudável", devido à disposição orográfica, sendo a vinda do colono aconselhada na estação "seca ou fresca", de dezembro a abril...

Não se esconde que a "ocupação" total e efetiva do território só se efetuou a partir de 1913 (início das campanhas de pacificação do capitão Teixeira Pinto)... A festa do "fanado", as festas do Ramadã e o regime matriarcal dos bijagós são três notas marcantes da "idiossincrasia" guineense, segundo o autor do texto, Machado Saldanha, que não esconde a sua "simpatia" pelos povos guineenses, os "aborígenes", termo muito em voga na época, mas hoje arcaico e até depreciativo... (O "africanista" Machado Saldanha usa até um termo, não grafado nos dicionários, para expressar a sua admiração por estes povos, o "maravilhosismo"...).

Pelas fotos publicadas, Bolama, a capital,  ainda era uma cidadezinha colonial com alguns belos edifícios, mas Bissau parecia caminhar, rapidamente, para a suplantar e substituir como capital da colónia, uma década depois.

Trata-se de um escrito jornalístico, e não propriamente propagandístico, O  autor, por exemplo, não deixa de sublinar que a economia local ressentia-se da grande crise do capitalismo em 1929, havendo excesso de produção das oleaginosas em todo o mundo...  A "mancarra" e o arroz eram já os dois principais produtos da agricultura guineense. E até aos finais da década de 1920, e desde 1917, a balança comercial era equilibrada, as exportações excedendo as importações.

Era uma terra "pujante", plena de potencialidades, na perspetiva deo "desenvolvimento económico da colónia". Machado Saldanha destaca também  algumas das recentes realizações da administração da colónia, como a rede de estradas e a rede de linhas telefónicas e telegráficas (c. 800 km, 16 estações). Não deixa de apontar para 3 vertentes essenciais para o futuro: a saúde, a educação e o fomento agropecuária, embora a perspetiva ainda fosse meramente "assitencial"... Um dos graves erros da administração colonial, como sabemos, foi a tardia aposta na formação de quadros técnicos e superiores... Privilegiava-se ainda, desde a I República,  a construção de infraestruturas, mas era preciso esperar pelo pós-guerra e o "desenvolvimentismo" do Sarmento Rodrigues...

Machado Saldanha compara o litoral da Guiné ao "sistema fiórdico da Noruega" (sic), "entrecortado por diversos braços de mar e por um grande número de canais, constituindo uma espécie de rede aquática, engrossada por alguns rios que nascem em território francês, a leste da colónia", sem citar os nomes dos grandes rios como o Geba e o Corunal. Curioso, o rio Corubal era navegável até ao Xitole (ou Xitoli...), por navios de cabotagem, o que deixou de acontecer com o início da guerra na década de sessenta, obrigando ao abandomo das férteis "pontas" que existiam na bacia hidrográfica do Corubal (como, por exemplo, a ponta do Inglês, a ponta João da Silva, a ponta Luís Dias...).

Além de Bissau e Bolama, os principais centros comerciais eram já Bafatá, Canchungo, Mansoa e Farim ... Bissau, por sua vez, já possuía um cais de cimento armado aonde podiam acostar navios de 8 mil toneladas... Curiosamente, as fotos são todas de... Bolam, incluindo a do terreno da futura Escola de Artes e Ofícios...

2. Surpreendentemente, Machado Saldanha  tem nome de rua na cidade de Luanda, uma rua comprida de mais de 3 km, no Bairro Neves Bendinha (ex-Bairro Popular), na parte sudeste da capital. Pelo que apuramos, ele foi um elemento influente, liberal,  da redação do diário ABC - Diário de Angola, fundado em 1958. (**)

Nascido possivelmente no início do século, temos dúvidas sobre a sua região de origem: ou Aveiro ou Cabo Verde. De qualquer modo, ao longo da sua vida, como jornalista, teve uma relação especial com a Guiné, Cabo Verde e Angola.

João Manuel Rocha, que fez um estudo recente sobre a imprensa diária de Luanda, antes da independência, diz o seguinte: "De forma resumida e muito simplificada, pode traçar-se uma paisagem que coloca o Diário de Luanda no papel de porta-voz do regime (...) ; O Comércio como entusiasta da política colonial; o Província como arauto de aspirações autonomistas da sociedade colonial; e o ABC como pólo de aglutinação de oposicionistas ou pelo menos críticos relativamente ao regime e às suas políticas coloniais. (**)

Este investigador cita, entre outros, o testemunho de Adelino Torres, que integrou a redacção do ABC em 1961 e 1962, antes de partir para o exílio, e que escreveu o seguinte em 2000: "É justo relembrar a actividade do quotidiano ABC de Luanda que, cercado (e, poder-se-ia dizer, constantemente 'trucidado') pela Censura, sobrevivia em 1961 com quatro elementos: o director Machado Saldanha, um velho e honrado democrata; o chefe de redacção Acácio Barradas, hoje no Diário de Notícias de Lisboa; e dois redactores: Adolfo Rodrigues Maria e o signatário". (**)

Há pelo menos 10 registos bibliográficos do Manuel Machado Saldanha, na biblioteca digital do portal Memórias de África e do Oriente, da Fundação Portugal-África, Universidade de Aveiro. Tem vários escritos sobre a economia e o comércio coloniais. (LG)

PS - Em 1934, a colónia portuguesa da Guiné ainda era um projeto de país... Será que alguém, no  Estado Novo,  alguma vez pensou ou pôs a hipótese de vir a ser um país independente, como aconteceu com os seus vizinhos, francófonos, embora  com relações privilegiadas com Portugal ? E nós, hoje, podemos fazer a pergunta, meramente teórica e seguramente ingénua: o que seria a Guiné-Bissau sem a maldita guerra colonial / guerra de libertação ? E o que seria o nosso país, hoje, sem o 25 de Abril de 1974 ?
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 Notas do editor:

 (*) Último poste da série > 17 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19985: Historiografia da presença portuguesa em África (167) “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (Mário Beja Santos)

 (**) Vd. João Manuel Rocha, « Os jornais diários de Luanda em vésperas da guerra colonial », Ler História [Online], 74 | 2019, posto online no dia 25 junho 2019, consultado no dia 07 julho 2019. URL : http://journals.openedition.org/lerhistoria/4898  ; DOI : 10.4000/lerhistoria.4898

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19988: (Ex)citações (356): A Exposição Colonial do Porto, 1934: a balanta Rosinha, com os seus seios ao léu, foi capa de revista, num tempo e lugar em que nenhum jornal ou revista se atreveria a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880, Angola, 1972-74)



Capa da "Civilização: grande magazine mensal", Porto, 1928-1937 (Direção de Ferreira de Castro, e Campos Monteiro) > Exposição colonial portuguesa, 1934: a Rosinha Balanta, fotografada pelo portuense por Domingos Alvão (1872-1946). Exemplar da coleção de Mário Beja Santos (2017) . [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Comentário de Fernando de Sousa Ribeiro ao poste P17782 (*):

[ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74), do BCAÇ 3880; é licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; vive no Porto; está reformado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018, sentando à nossa sombra do nosso poilão nº lugar nº 780.]

A grandiosa Exposição Colonial do Porto, ocorrida no Palácio de Cristal em 1934, deverá ter sido um ensaio geral para a (ainda mais grandiosa) Exposição do Mundo Português de 1940, em Lisboa. Ainda Salazar não tinha vergonha de chamar colónias às colónias.

Feita à imagem e semelhança de outras exposições coloniais realizadas em França, Inglaterra, Alemanha, etc., a Exposição Colonial do Porto de 1934 foi organizada por Henrique Galvão, esse mesmo, o do assalto ao paquete Santa Maria, que antes de ser um feroz opositor de Salazar tinha sido um seu fervoroso admirador.

A Exposição Colonial do Porto teve como finalidade, como facilmente se compreende, exaltar o orgulho imperial dos portugueses, supostamente portadores de um mandato divino de civilizar os povos primitivos sob seu domínio, e ao mesmo tempo consolidar o regime do Estado Novo, comandado pelo pulso de ferro de António de Oliveira Salazar. 

A exposição teve características idênticas às das exposições coloniais estrangeiras, a começar pela redução dos povos colonizados à condição de indígenas atrasados, cujo exotismo se procurava sublinhar. Para tanto, mostraram-se seres humanos trazidos das colónias ao público visitante, como se de animais do jardim zoológico se tratasse.

No caso da Exposição Colonial do Porto de 1934, a Guiné teve um papel de particular relevo, não necessariamente pelas melhores razões. Foi instalada uma "tabanca" de bijagós numa ilha de um pequeno lago existente nas imediações do Palácio de Cristal, onde pessoas seminuas eram exibidas ao público como se estivessem no seu ambiente natural. Ora o clima do Porto é consideravelmente mais frio do que o da Guiné. Nem quero pensar no frio que essas pessoas terão passado.

O grande êxito da exposição foi, sem sombra de dúvida, uma moça balanta de seios descobertos, a Rosinha, que deve ter povoado os sonhos eróticos de muitos homens do Porto. Além da Rosinha, teve também bastante sucesso entre o público um menino guineense que andava completamente nu, o Augusto. Mas a balanta Rosinha é que foi a grande sensação da exposição. Multidões acorreram ao Palácio de Cristal para verem ao vivo as mamas da Rosinha, além da pilinha do Augusto. Até capa de revista a Rosinha foi, com os seus seios ao léu. É claro que, naquele tempo, nenhum jornal nem nenhuma revista se atrevia a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra, mas como a Rosinha era negra, já podiam mostrar...

Há poucos anos, encontrei na internet um blog com uma vastíssima coleção de imagens da Exposição Colonial do Porto. Dezenas e dezenas de imagens, para não dizer centenas. Não consigo voltar a encontrar esse blog. O que encontrei foi uma página de um outro blog, que faz uma referência mais resumida à exposição, mas que mesmo assim já consegue ser muito elucidativa. É a seguinte:

Porto, de Agostinho Rebelo da Costa Aos Nossos Dias > 23 de setembro de 2013 > Diverimentos dos portuenses, IX.

Também encontrei o seguinte trabalho académico:


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19479: Agenda Cultural (672): "Amores pós-coloniais", pelo grupo de teatro Hotel Europa... De 7 a 24 de fevereiro de 2019, no Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa


Cartaz do espetáculo "Amores pós-coloniais", Teatro D, Maria, de 7 a 24 de fevereiro de 2019 (Reproduzido com a devida vénia...)



1. Teatro: "Amores pós-coloniais"
Companhia: Hotel Europa
Data: de 7 fevereiro a 24 fevereiro 2019
Horário: qua: 19h30; qui: 21h30; sex: 21h30; sáb: 19h30; dom: 16h30
Local: Teatro Nacional D. Maria II

Praça Dom Pedro IV
Telef 213 250 800
http://www.teatro-dmaria.pt


Sinopse:

(...) Amores Pós-Coloniais inicia um novo capítulo de investigação na companhia Hotel Europa, estendendo o ciclo de investigação do colonialismo ao tema do amor.

“Este espetáculo de teatro documental pretende refletir sobre o amor enquanto espaço político e utópico, discutindo o que significava amar no espaço colonial e pós-colonial.

Este trabalho irá utilizar como metodologia um cruzamento entre a pesquisa de arquivo e a recolha de testemunhos reais. Pretendemos retratar com este espetáculo as políticas do amor no espaço colonial e perceber como a violência do colonialismo condicionava as relações amorosas. 


Iremos recolher testemunhos com antigos soldados Portugueses que tiverem filhos com mulheres África no tempo da guerra, mulheres de origem Portuguesa que se apaixonaram por homens negros pertencentes aos movimentos de Libertação, e também as relações que saíram da relação entre os países Africanos e os países da Europa de Leste. Este trabalho irá também entrevistar os filhos que saíram dessas relações, tentando fazer o escrutínio do que era o amor durante o período Colonial e Pós-Colonial.” (...) 

Sessão com interpretação em Língua Gestual Portuguesa a 24 de fevereiro.

Ficha técnica:

Hotel Europa. André Amálio, criação; Tereza Havlíčková, cocriação e movimento; André Amálio, Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro Salvador, Romi Anauel e Tereza Havlíčková, interpretação.

Preço: 11 €  (ver descontos)

Fonte: Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019



Capa da Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019, e reprodução da p. 40, com o anúnico da peça de teatro "Amores Pós-Colonais"


2. Nota do editor Luís Graça:

O sítio "Agenda Cultural de Lisboa", propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Cultura, Divisão de Promoção e Comunicação Cultural, utilizou indevidamente, duarnte alguns dias ou algumas horas, uma imagem do nosso blogue, da autoria do nosso camarada Virgílio Teixeira, sem qualquer referências à fonte e aos créditos fotográficos. Escusado será lembrar que uma das 10 regras de ouro do nosso blogue  é justamente o "respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor".


Depois de apresentado o devido protesto, o Virgílio Teixeira, que foi alertado por nós e que ficou deveras incomodado, recebeu a seguinte mensagem da produtora do espetáculo "Amores Pós-Coloniais", Joana Santos, com pedido de desculpas:


Data: Mon, 4 Feb 2019 12:35:05 +0000
De: Hotel Europa
Assunto: Uso da imagem: pedido de desculpa
Para: Virgílio Teixeira

Boa tarde caro Virgílio Teixeira,

O meu nome é Joana Santos e sou a produtora do espectáculo Amores Pós-Coloniais da companhia de teatro Hotel Europa, com a autoria de André Amálio & Tereza Havlíčková, que vai estar em cena no Teatro Nacional D. Maria II.

Escrevo pois foi-nos comunicado que é o senhor que está representado na fotografia que chegou a ser usada para a divulgação do espectáculo.

Em nome da companhia Hotel Europa queremos pedir desculpa pela utilização da fotografia neste contexto sem a sua autorização.

A imagem foi usada durante muito pouco tempo pois como não tínhamos informação sobre autoria e créditos decidimos deixar de a usar e substituí-la. O departamento de comunicação do Teatro divulgou muito pouco a imagem e já tinha feito um pedido para que fosse substituída mas vai agora reforçar por pedido nosso. Já identificámos os sítios na internet que têm de substituir e o pedido já foi feito. Na agenda impressa essa alteração já não pode ser feita.

Mais uma vez, pedimos imensa desculpa pelo incómodo desta situação, não foi de todo intencional da nossa parte.

Muito obrigada pela atenção.
Com os melhores cumprimentos
Joana Santos (...)

André Amálio & Tereza Havlíčková (...)
Hotel Europa
Performance.Theatre.Dance

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Nota do editor

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18905: Historiografia da presença portuguesa em África (127): Exposição Colonial do Porto, 1934: imagens inéditas para o nosso blogue (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
A comitiva guineense impressionará as populações nortenhas, outras comitivas se seguirão, sempre abrilhantadas, com régulos, moranças, reprodução de ambientes, assim será no Parque Eduardo VII, na Exposição Industrial de 1937, na Exposição do Mundo Português, passarão a ser uma atração permanente, darão também brado na efeméride do VIII Centenário da Tomada de Lisboa, em 1947. Há, felizmente, um excelente repertório destas participações, impunha-se no nosso blogue este material esteja convenientemente inventariado. Aqui fica mais uma peça para o inventário.

Um abraço do
Mário


Exposição Colonial do Porto, 1934: imagens inéditas para o nosso blogue

Beja Santos

Publicação encontrada na Biblioteca do Arquivo Histórico do BNU, o guia da mais importante exposição colonial que precede a Exposição do Mundo Português. Realizou-se no Porto, em 1934, o seu coordenador foi Henrique Galvão, contou com uma plêiade de colaboradores de primeira água, logo o fotógrafo Domingos Alvão, de que podemos ver abaixo algumas imagens.

Para Francisco Vieira Machado, Subsecretário de Estado das Colónias, era uma manifestação inequívoca da vitalidade do Terceiro Império, tratava-se do chamamento africano, ia a par da regeneração nacional que se dotara de uma missão civilizadora sem precedentes, transportar os ideais pátrios, a Cruz de Cristo e os valores culturais para abraçar os indígenas com os padrões das quinas, a mítica miscigenação que será tão propalada pelo luso-tropicalismo, sem qualquer ressonância, aliás, em território guineense, a presença branca era bem minguada.

O que para o caso interessa é que a Guiné deu brado, e no blogue já juntámos algumas peças elucidativas. O Augusto irá aparecer em publicidade ao tabaco; a Rosinha foi a beleza eleita, as meninas Bijagós, de peito ao léu e a bambolear-se nas suas saias de ráfia, causaram uma onda de protestos das senhoras que percorriam todo aquele certame e se sentiram vexadas com o público atentado ao decoro e bons costumes. Ainda não tínhamos publicado esta fotografia do régulo Mamadu Sissé, Tenente de 2.ª linha e companheiro de jornada do Capitão Teixeira Pinto que no livro aparece como régulo de Susana, coisa estranha de um Mandinga de quatro costados aparecer implantado em chão Felupe, vemos igualmente a imagem da frontaria da exposição, bem bonita por sinal e arrojada para aqueles anos 1930 em que a Arte-Déco não era vista com bons olhos pelos adeptos da casa portuguesa, com beirais imaginados por Raul Lino.

O BNU fora oportunamente interpelado para enviar elementos sobre as indústrias, a agricultura e os serviços, de Bolama e de Bissau informaram o governo em Lisboa de que havia pouca coisa capaz de ser prantada no certame, fizeram-se uns gráficos e mandaram-se imagens do que havia de melhorzinho, como sinais de progresso.

Foi, indiscutivelmente, uma mostra singularíssima, junto do Palácio de Cristal acorreu muita gente, era hora de ver o que se fazia no tal Império Português, lá tão longínquo, prestaram-se informações sobre negócios, era uma comunicação não só destinada às empresas como procurava seduzir gente disposta a partir para África. A apresentação artística da exposição foi muito cuidada, já aqui falámos do trabalho de Eduardo Malta e de outros na decoração dos diferentes pavilhões[1].
Sem dúvida alguma, foi um grande ensaio para a exposição de 1940.







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Notas do editor:

[1] - Vid postes: P8253; P13511 e P17775

1 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18887: Historiografia da presença portuguesa em África (125): 1917: O BNU na Guiné e as convulsões republicanas (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8253: Notas de leitura (237): Eduardo Malta, a Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934) e a Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2011:

Queridos amigos,
 
Quem anda a catar pela Feira da Ladra pode ser compensado.
Numa banca de revistas e boletins antigos, numa secção de bilhetes postais encontrei estas preciosidades. Nunca fui muito à bola com os retratos de circunstância do Eduardo Malta, poses de gente poderosa, o Malta às vezes era cruel e enfatizava as linhas da fatuidade e do bacoco, tudo aquilo muito bem disfarçado de quadros a óleo quase com direito do retratado passar à posteridade.
No caso em apreço, vergo-me ao talento, não é qualquer um que desenha estes 3 guineenses que vieram até ao Porto, em 1934 e foram depois esses mesmos desenhos apresentados em 1937, numa exposição em que os parisienses olharam atónitos para o confronto das linhas maciças e varonis das artes soviética e nazi.

Um abraço do
Mário


Eduardo Malta, a Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934) e a Guiné

Beja Santos

Um dos cunhos mais representativos do nacionalismo que fundamentou o regime de Salazar foi a elegia dos Descobrimentos entendida como “idade de ouro” da Nação. A Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934) que foi o primeiro grande ensaio desta fé no Império. Realizou-se no Palácio de Cristal e abriu as suas portas ao público em 16 de Junho. Os visitantes iriam ser confrontados com 15 subsecções representativas do Império Colonial, isto enquanto certame; nos terrenos circundantes do Palácio de Cristal, era possível encontrar em miniatura uma floresta tropical, uma picada, aldeias típicas de todas as colónias, enfim, procurava-se dar a sensação ao visitante de que estava a viajar pelas diferentes parcelas do Império; num lago inclusivamente instalou-se um “arquipélago dos bijagós”. 

A exposição veio a encerrar com o cortejo colonial que percorreu algumas ruas do porto, era uma autêntica marcha etnográfica com homens e mulheres envergando trajes tradicionais, animais e veículos. 

Foi um verdadeiro ensaio para a exposição de 1937 que decorreu em Lisboa e intitulada Exposição Histórica da Ocupação, e que se realizou no Parque Eduardo VII, no mês de Julho. 

Um outro momento fulgurante será a Exposição do Mundo Português que se realizou em Lisboa em 1940 e foi, por ventura, o acontecimento mais espectacular de todos aqueles que o Estado Novo promoveu em torno da glorificação do Império.

Henrique Galvão foi o coordenador do certame do Porto. Entre os artistas que convidou figurou o nome de Eduardo Malta. Malta faz parte da galeria dos pintores retratistas do Estado Novo. Os três desenhos que aqui se reproduzem foram esboçados no Porto no decurso da Exposição Colonial Portuguesa e foram apresentados no Pavilhão Português na Exposição Internacional de Paris de 1937.

Nestes três desenhos alusivos à Guiné, é possível ver-se a grande qualidade do traço de Malta, um inequívoco artista do regime que hostilizava abertamente as correntes artísticas contemporâneas e que foi alvo de um maciço abaixo-assinado de protesto pela sua nomeação como director do Museu Nacional de Arte Contemporânea (hoje Museu do Chiado).

O primeiro desenho é um impressionante esquiço de Mamadu Sissé, um régulo mandinga que combateu ao lado de Teixeira Pinto, no chamado período das guerras da pacificação. O que impressiona é a posição lânguida, os traços do rosto, o desenho da sabadora, a posição das mãos, o venerando régulo parece meditar, o desenho da sua mão direita é sublime.


Segue-se o desenho de Abdulai Sissé, filho do régulo. Está sentado, tem a pose distinta de um africano europeizado. Novamente Malta recorre a linhas suaves para delinear o corpo, tornando-o evidente em toda a sua compleição. Abdulai é esguio, possui feições distintas e elegantes, tudo lhe assenta bem, olha-nos de frente como se testemunhasse com o seu olhar reflectido o futuro projectado. Atenda-se na elegância das pernas cruzadas que dá peso específico à dimensão deste homem de duas culturas.


E, por último, Rosinha. É uma jovem ensimesmada, com um olhar de modéstia e timidez. Nasceu para viver apagada, não dar nas vistas. É tudo extremamente correcto e marcado pela vontade do artista de enfatizar a africanidade: ao contrário de Abdulai, aquele manto não é europeu, são linhas muito suaves que escondem o busto, as próprias mãos estão escondidas, nem temos o direito de lhe ver o cabelo (no caso do régulo, é compreensível que o artista escondesse o cabelo de Mamadu Sissé com o cofió, um rei não se deixa desenhar ou fotografar de cabeça ao léu). Rosinha é a beleza africana mas tudo nela é secundário, adicional, é para ver e passar à frente. Mulher é mulher.


Diga-se o que se disser da arte de Eduardo Malta, a Guiné ficou-lhe a dever estes três belos retratos de cunho modernista, são desenhos para guardar.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8230: Notas de leitura (236): Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho (Mário Beja Santos)