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terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24026: Os nossos seres, saberes e lazeres (553): As matanças eram tempos de celebração e de paz entre as famílias (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)


Bragança > estaurante  "Solar Bragançano" > Cozinha do restaurante deste "distinto e afamado  restaurante", de que são proprietários a irmã e o cunhado do  Francisco Baptista. Fica na Praça da Sé 34, 5300-265 Bragança / Telefone: 273 323 875... Olhem-me só o que deixa antever a sua página no Facebook: é obrigatório lá ir!... O Francisco este anos todos sem nos dizer nada do restaurante da mana ?!...Em 2017 foi premiado como um dos 10 melhores restaurantes de Portugal!...

Foto (e legenda): © Francisco Baptista (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de hoje, 31 de Janeiro de 2023, trazendo até nós a tradição da matança do porco na sua casa, em Brunhoso:


AS MATANÇAS
por Francisco Baptista

As matanças eram sempre aos domingos, os únicos dias de folga que os lavradores tinham, e repetiam-se por tantos dias quantos os casais de irmãos ou irmãs que cada casal tinha. Procuravam-se escalonar de forma a não haver coincidências, para que todos pudessem estar presentes nesses dias festivos.

Eram tempos de celebração e de paz entre as famílias, em que se procuravam esquecer as querelas ou pequenas guerras que podiam existir entre irmãos e cunhados,  causadas por diferenças de indoles e temperamentos, por divergências nas demarcações dos terrenos, por palavras que no calor das discussões podiam soar a insultos, por dívidas esquecidas ou que tardavam a ser pagas ou por outras questiúnculas. 

 Os cunhados e cunhadas vinham de outras famílias com algumas diferenças de ser e de estar, os irmãos, sendo filhos do mesmo pai e da mesma mãe, nunca eram iguais pois tinham ADN diferentes, herdados de uma cadeia de antepassados de melhor ou pior qualidade e com o crescimento e com a constituição de famílias próprias e exclusivas as diferenças iriam acentuar-se mais, ao ficar também sujeitos à influência benéfica ou desfavorável do respectivo cônjuge.

Estes convívios tão salutares para reforçar os laços familiares, organizados com leis e regras que pareciam imutáveis, se desmoronou como um baralho de cartas, no último quartel do século XX, com a globalização, a desertificação, o abandono dos campos, a diminuição abrupta da natalidade, e a desagregação da família. Serão na sua génese,  não de influência judaico-cristã, mas serão de origem romana mais antiga, que está na base da nossa língua, das nossas estradas e comunicações, do direito civil e familiar, a civilização que nos deixou mais marcas.

Pela proximidade e pela conjugação de todos estes factores, com a morte das mães e dos pais que procuravam mantê-los unidos, os choques e os focos de desunião, motivados também por interesses egoístas e de grupo, iriam acentuar-se inevitavelmente.

Há alguns dias um amigo e vizinho, da minha idade, homem bom e como tal considerado por muita gente (para mim um homem bom tem que o ser no plural) disse-me que tinha sete irmãos e que não falava com quase nenhum. É um artista, um profissional honesto, sempre admirei estes homens e fiquei espantado, a explicação só poderá estar no que escrevi atrás sobre as relações, as diferenças e os conflitos familiares.

Em casa dos meus pais eram criados todos os anos dois porcos, numa loja ao lado da casa. Todos os dias antes do nosso almoço e da ceia, aquecia-se numa caldeira nas grades da lareira a "vianda" com produtos da horta, couves, beterrabas, abóboras, batatas, adubada com farelos, a que se juntavam outros restos que houvesse, pois eles, sendo glutões, não eram exigentes, que seria levada para ser despejada na pia de pedra onde comiam sofregamente. 

 No Outono, quando se aproximavam as matanças, para os cevar, tornando as suas carnes mais rijas, davam-se-lhes também rações cruas de batatas, bolotas e castanhas.

Na manhã do domingo aprazado para a matança, o pai e os filhos varões mais crescidos traziam para a lareira os maiores toros de carrasco ou de sobreiro e outra lenha mais fina de boa qualidade para aquecer o ambiente, dar calor a todos, e aquecer as grandes panelas de ferro que,  guardadas na despensas, depois de lavadas, teriam que cozinhar comida para mais de quarenta pessoas, entre crianças, jovens e adultos.

Havia dois porcos nédios, para serem sacrificados aos Lares, deuses da família, que eram o orgulho da nossa mãe pois tinha sido ela que os tinha criado, e sei, conhecendo-a bem, que se sentia muito contente por ter reunido toda a gente da sua família e da do seu homem, apesar do trabalho que lhe dariam.

Pelas nove apareciam os homens da família que iriam "fazer o mata-bicho", um pequeno-almoço frugal para aquecer, à base de figos secos e aguardente.

Os porcos, um de cada vez eram atados com corda e guiados para um banco, onde os mais velhos e os jovens adultos, os deitavam e agarravam para serem mortos com um golpe certeiro de uma grande faca, chamada porqueira, manejada entre as pernas dianteiras e o pescoço, pela mão hábil do matador, um homem da família, muitos anos um tio, mais tarde um primo, que lhe atingiam o coração com um golpe certeiro, para minorar o seu sofrimento.

Depois era queimado o pêlo com colmo de centeio e raspado com navalhas e com pedaços ásperos de cortiça, para o couro ficar bem limpo. A seguir era aberto, pelo matador, tirando-se todos os "pordentros",  as tripas, o fígado, os boches (pulmões), a bexiga, os rins, etc.

As tripas seriam levadas logo pelas mulheres da família para serem lavadas na água corrente e fria, por vezes próxima da congelação, de um ribeiro, para alguns dias depois a dona de casa ensacar as chouriças, salpicões e outros enchidos.

Parte do sangue do porco era cozido e dado a comer a quem gostasse, outra parte era tratado para não coagular para fazer os chouriços de sangue.

A carne do porco,  um bem primordial tal como o trigo, o centeio, as batatas, o azeite, a hortaliça, seria guardada na despensa, de diferentes formas para alimentar a família durante todo ano. A despensa da casa era uma espécie de grande arca frigorífica onde todos os alimentos se guardavam e conservavam.

Ao almoço em casa iríamos comer galinha, vitela, ou outras carnes em alternativa. Os homens e os jovens adultos bem instalados na mesa da sala com vinho à discrição, que quase todos apreciavam, iriam sair satisfeitos, apaziguados, e a pensar na próxima matança. As mulheres e a garotada na cozinha ou na entre-sala contígua, contentes à sua maneira. As mulheres porque tinham contribuído para a paz da família alargada e os primos e primas porque tinham tido um grande convívio, boa comida e muita brincadeira.

As matanças eram feitas nas ruas por causa do fogo e da água que era necessário utilizar na preparação das carcaças e aos domingos porque, sendo dia de folga,  não iriam estorvar o trânsito dos carros de vacas proibidos de circular, nesse dia, pela Santa Madre Igreja. Nos meses de Novembro e Dezembro, em Janeiro já não porque começavam os lagares de azeite a trabalhar e iriam despejar para os ribeiros o piche, um líquido escuro, que não era azeite, que também saía das azeitonas quando se espremiam e era encaminhado juntamente com a água utilizada, para o ribeiro mais próximo, tornando as suas águas turvas e impróprias para lavar as tripas.

As mulheres que criavam os porcos, preparavam as suas carnes e faziam os enchidos, as nossas avós, as nossas mães, as nossas tias, já morreram ou estão velhinhas, tal como os seus homens que os matavam , os "desfaziam" e plantavam as hortas, com grande abundância de hortaliças e outros bens alimentares.

Os porcos,  depois de mortos e preparados na rua,  eram pendurados em vigas nas despensas dois dias para verterem bem todo o sangue. Ao terceiro dia o chefe de família iria desfazê-lo, serviço que consistia em cortá-lo de acordo com as características das partes que o constituíam. Separar os presuntos, o toucinho, o lombo, as costelas, os pés, o focinho e outras partes, era um trabalho árduo que requeria pulso, uma boa machada e facas bem afiadas. Recordo-me que o meu pai fechava-se na despensa para fazer esse trabalho e não queria ninguém à sua beira.

Em alguns concelhos transmontanos felizmente ainda há casais, alguns jovens, que se dedicam a essa actividade. É bom que não se percam os bons sabores e a qualidade dos produtos da terra fria transmontana.

"Ao ser indagado, sobre qual a ave que mais gostava de comer,  um espanhol citou as qualidades do frango, da perdiz mas suspirou dizendo: Se o porco voasse... seria ele a primeira das aves".

O porco enchia a casa dos lavradores de bons sabores desde o focinho aos pés tudo se aproveitava:

- O focinho, os pés, as orelhas, o bulho (bexiga de porco enchida com carne com osso, curada no fumeiro), tudo cozinhado com casulas (vagens secas) e batatas, compunham um prato delicioso para comer nos dias frios do Inverno, obrigatório nos dias de Carnaval;

- Os presuntos curados com muito sal, depois cinza, a seguir limpos e pendurados nas despensas, não iriam ao fumeiro, o frio seco do planalto completava a sua cura; eram das peças mais importantes e apetitosas do animal, comidos com parcimónia em dias especiais e na recepção de familiares ou amigos;

- O toucinho, o parente pobre do presunto, era curado da mesma forma, tinha os seus admiradores, ficava mais saboroso com a passagem dos meses frios e quentes, quando o sol já desmaiava no horizonte, no tempo das sementeiras em Setembro e Outubro;

- A marrã, a carne entremeada da barriga seria grelhada à lareira acompanhada por batatas cozidas, grelos ou couves;

- Com as carnes magras do lombo e de outras partes, as donas de casa faziam os "chichos" que seriam postos em "suça", a marinar temperados com vários condimentos em alguidares ou barrinhões, durante alguns dias na despensa, muito saborosos; com o amor e as liberalidade das mães, alguns seriam grelhados na lareira e comidos com batatas e grelos ou couves, porém a maior parte seriam para fazer as chouriças e os salpicões, os enchidos mais valiosos do fumeiro;

- O fígado e os rins grelhados, eram petiscos que todos apreciavam; outro petisco guloso eram os rojões do redanho (diferentes dos rojões do Minho) fritos na sertã;

- Com a banha do porco fazia-se o "unto",  muito saboroso para barrar as torradas ou para temperar o caldo.

Aproveitando o tempo frio e seco, o contributo e inspiração do ciclo do porco as cozinheiras iriam encher os fumeiros de todos os géneros de enchidos, alguns com carne dele, outros com outras carnes, outros sem qualquer carne: as alheiras, os azedos, os chabilanos, os brancos, os doces e outros, breves dias depois do mata-porco iriam encher o fumeiro com formas e cores variadas, que consolavam a vista e anunciavam prazeres futuros ao paladar.

Infelizmente não há uma história fotográfica desses encontros familiares, nem das grandes fogueiras à lareira ou dos fumeiros que cobriam o espaço acima. As pessoas gostavam de conviver, sem se preocupar em registar os momentos. Também raramente alguém tinha máquina para tal, não fazia parte dessa cultura.

A fotografia que acima de publica,  é de um fumeiro feito pela minha irmã Ana Maria, há alguns anos na cozinha do restaurante dela e do marido em Bragança. Um restaurante distinto e afamado, "Solar Bragançano",  que continua aberto sendo ela a cozinheira. Foi professora de meninos e foi uma grande aluna da nossa mãe, a trabalhar à lareira com panelas de ferro e a fazer boas alheiras chouriços e salpicões. A história continua...


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Nota do editor:

Último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24018: Os nossos seres, saberes e lazeres (552): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (87): Uma visita a legados presidenciais, a pretexto da exposição Pintasilgo (Mário Beja Santos)

domingo, 31 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23478: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (33): "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate... à moda da "chef" Alice, que sabem pela vida, neste nosso querido mês de agosto...



Lourinhã > Chez Chef Alice > 29 de julho de 2022 > "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate"

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Vamos entrar no "nosso querido mês de agosto" (o das férias, do sol, do luar, das noites romãnticas, das manhãs de grandes marés vazias com quilómetros de praia de areia branca e maresia, das viagens, das festas, dos festivais, do regresso dos emigrantes à terra, dos reencontros, dos amigos, dos amores,  do campismo, dos petiscos, das mariscadas, da batada de peixe seco, das sardinhas assadas com salada de pimentos, e tudo o mais que a imaginação, o desejo e as memórias podem e devem acrescentar)...

Como aqui temos lembrado nesta série do nosso blogue, quem pode, ainda come todos os dias... E de preferência algum petisco mais fora do comum. E depois partilha essa experiência culinária com os amigos e demais leitores. 

O título da série é apelativo, bem humorado, e não ofende ninguém: "No céu não há disto,,,  Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande "... 

Que nos perdoem os crentes e os habitantes desse condomínio de luxo que é o céu do nosso imaginário (ou da fé de muitos crentes, cristãos e não cristãos). Sendo proibido falar de religião (além de política e de futebol), resta-nos muito pouco, aqui no blogue, até porque as memórias dos camaradas da Guiné estão a acabar,,, Ou são os detentores das memórias que estão a acabar... Não temos gente nova, "periquitos", a renovar a Tabanca Grande, e os "velhinhos", esses,  agora  só querem é  sopas e descanso... 

Que nos valhe, ao menos, no nosso querido mês de agosto, estas gulodices, afinal  brincadeiras inocentes, tão inocentes, tão doces, tão boas,  tão santas ou bentas, como os "pastéis de Belém", o "toucinho do céu", os "papos de anjos", as "barrigas de freira", os "pitos de Santa Luzia", as "fatias angélicas", os "queijinhos de hóstia" ou o "pudim abade de Priscos"...

"Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate" não devem ir à mesa do São Pedro, nem vêm no cardápio do restaurante do Céu... A "chefe" Alice, quando passa pela praça, bem cedo (há anos, que já não dá um salto à Praia da Vieira onde ainda se pratica a arte xávega),  e vê jaquinzinhos ou petinguinhas, é a sua perdição: abre os cordões à bolsa e enche-se de coragem, porque amanhá-los e fritá-los é uma estopada (não é tanto a trabalheira, é sobetudo o cheiro dos fritos que fica na cozinha).... 

Mas, no fim, são os seus convidados que lhe dizem, com um arroto de prazer e agradecimento:
- Olha, muito obrigado, soube-me pela vida, "chef"!

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Nota do editor:

quinta-feira, 17 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23086: No céu não disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (32): Hoje há lapas na chapa e sável frito com arroz de feijão, diz a "chef" Alice...

 


Foto nº 1 > Uma boa entrada: lapas abertas na chapa, com uns pingos de manteiga e limão, e enfeitadas  com uns talos de coentros... 


Foto nº 2 > O sável, frito, depois de cortado muito fininho, por causas das espinhas... 


Foto nº 3 > Arroz de feijão para acompanhar o sável, que já vinha  sem ovas...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Amigos e camaradas: nem só de guerra nem das memórias da guerra, ou só do  passado,  vive o homem (e a mulher). Pode parecer "pornográfico" vir aqui falar de "comes & bebes", num tempo em que volta a haver guerra na nossa casa comum, a Europa, e há já  alguns milhões de refugiados, sobretudo mulheres e crianças...Há gente a  morrer, a fugir, a passar fome... E muita angústia e medo. 

Mas quem pode, ainda come todos os dias... E de preferência alguma petisco mais fora do comum. E partilha essa experiência culinária com os amigos, nesta série que tem um título apelativo, bem humorado, e que não pretende provocar ninguém, "No céu não há disto"... Que nos perdoem os crentes e os habitantes desse condomínio de luxo que é o céu do nosso imaginário (ou da fé de muitos crentes, cristãos e não cristãos). É uma brincadeira inocente.

Pois aqui fica a refeição, simples e barata, que fizémos há dias, na Lourinhã. A "chef", do costume, é a Alice, para quem o sável faz parte das seus sabores de infância, ou não tivesse ele nascido ali perto do Rio Douro: da sua casa, em Candoz, vê-se o mítico Porto Antigo, na margem esquerda, na grande baía formada pela barragem do Carrapatelo... Também lá chegavam, antes de completado o plano de construção das barragens do Douro, a lampreia e o sável, e muita gente tinha pesqueiros no rio... 

A lampreia este ano nem lhe toquei. Não a há e a que aparece, nos restaurantes,  está a preços proibitivos. O sável já o comemos várias vezes. E hoje voltamos a comer. Sempre com uns amigos, que as coisas boas desta vida são para partilhar. 

Sem querer fazer inveja a ninguém, aqui ficam três imagens da nossa refeição de sável de há uns quinze dias atrás. As lapas não as comia há anos. Não são as lapas da Mdeira nem dos Açores, mas estavam ótimas. Foram apanhadas nos rochedos, de difícil acesso, nas imediações do Porto das Barcas, Lourinhã, em frente a Tabanca do Atira-te ao Mar, que  é a tabanca mais ocidental das tabancas europeias da Tabanca Grande. Uma gentil oferta dos "duques do Cadaval", a Maria do Céu Pintéus e o Joaquim Pinto de Carvalho,  da Tabanca do Atira-te ao Mar, com quem regularmente almoçamos ou petiscamos desde o início da pandemia de Covid-19.

PS - Também se faz, nesta região da Estremadura, um delicioso arroz de lapas. Fica para a próxima. Até não há muitos anos, muitos habitantes das aldeias ribeirinhas da Lourinhã eram pescadores-recolectores de polvos, navalheiras, sapateiras, ouriços do mar, lapas, mexilhões... Além do lazer, esta atividade  também tinha algum peso na diversificação da  alimentação.  Ainda me lembro desta gente, à noite, andar à "pesca ao candeio", na maré vaza, nas rochas, equipados com camaroeiro, um pau com um isco na ponta (em geral, sardinha)  e um gasómetro, que eram alimentado com carbonato de cálcio. Um espetáculo algo surreal...
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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22960: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (31): "Iscas com elas..."


Lourinhã > Atalaia >  Restaurante Adega do Careca > 23 de janeiro de 2022 >  As icas com elas, da dona Fátima.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Há dias deu-nos para a saudade, lá na Tabanca do Atira-te ao Mar, a ver o pôr do sol e a beber um Confraria Branco Leve Moscatel,  da Adega do Cadaval ((passe a publicidade)... 

"Há quanto anos é que vocês não comem iscas com elas ?", perguntou a Maria do Céu Pintéus aos habituais tabanqueiros. "O meu pai, no Cadaval, adorava o petisco!... E eu aprendi com ele a gostar das iscas com elas ou sem elas"... Ou sejas, as iscas de fígado (de bovino ou de porco), cortadas fininhas, marinhas e depois fritas, podiam ser servidas com "elas" (batatas no prato) ou  "sem elas" (no pão, como "sandocha").

Olhando para trás, descobrimos que não comíamos essas "miudezas" deste a crise das vacas loucas nos primeiros anos de 1990, no século passado. Muita tinta correu então sobre a doença de Creutzfeldt-Jakob, e milhares de vacas foram abatidas  em Portugal. Houve até um ministro da agricultura que comeu mioleiro para transmitir confiança aos consumidores e salvar a pecuária nacional...

A doença tinha um raio de nome de que já ninguém se lembra: encefalopatia espongiforme bovina   ou BSE (do acrônimo inglês,  bovine spongiform encephalopathy)

A verdade é que, na nossa casa, eu e a Alice deixámos de comer estes "petiscos", a começar pelas "iscas com elas" que, de resto, são apreciadas também no Norte e na nossa Tabanca de Candoz.  As criancinhas também deixaram de comer "mioleira", que era receita pelos pediatras... Mas continuamos a  apreciar as "tripas" (à moda do Porto) ou a "dobrada" (à moda "chef" Alice)...  Há, porém outras "miudezas", de que tenho saudades como, por exemplo, os "tomates" (túbaro) de carneiro com ovos mexidos; ou a "língua de vitela", estufada, com puré, que a minha mãe fazia, a par das "iscas com elas"...

A Maria do Céu pegou nas suas tamanquinhas e deu um pulo à vizinha, a dona Fátima, a "chef" do Restaurante Adega do Careca, fundado em 1977 por ela e seu marido, já falecido, que foi sargento da Força Aérea em Angola (, creio que passou pelo BCAÇ 21, em 1970/72, ao tempo do nosso amigo e camarada, também lourinhanense, o ex-alf mil paraquedista Jaime Bonifácio Marques da Silva. 

Somos clientes do restaurante (passe a publicidade), mas nunca tínhamos lá ido comer as "iscas com elas", que de resto não fazem parte do cardápio, mais especilaizado em peixe e marisco. Mas a dona Fátima preparou-as só para nós, os quatro, eu, a Alice e os "duques do Cadaval", régulos da Tabanca do Atira.te ao Mar (que não precisa de publicidade)... O Jaime, andarilho, em romagem pelo Norte,  não estava, não sabe o que perdeu...E foi um sucesso. Só vos digo: foi de comer e chorar por mais. na esplanada do Careca, com vista de mar...

Apenas um reparo: podiam ter uma corzinha de salsa, fica sempre bonito no prato. E tanto quanto me lembro, a minha mãe adicionava, à marinada, um pouco de baço raspado, para engrossar o molho. Vou pergntar ao "chef" Tony (Levezinho) qual é a sua receita secreta... Aposto que ele também adora iscas (ou, como dizia, o alfacinha do tempo do seu avô, os "bifes de cabeça chata")...

Na Guiné, não tenho ideia de as comer... Nem sei se as magricelas das vacas guineenses tinham fígado... As iscas de fígado deviam ser um petisco só para o vagomestre e o pessoal "menor" da cozinha, no tempo em que o cozinheiro da tropa ainda não era "chef"... Se fosse agora, outro galo cantaria, com os cozinheiros a atingirem o estrelato... No nosso tempo,  mandavam-se os soldados básicos para a cozinha...  Hoje cozinheiro da tropa tem que ser "general" de uma ou mais estrelas...


2. Este prato, muito popular, mas tascas de Lisboa, desde o séc. XIX, era comidinha das classes populares que não podiam chegar ao bife de vaca ou de novilho... E até já deu, em 2012,  origem a uma dissertação de mestrado em antropologia. Para um antropólogi não temas menores ou maiores...

O autor é  o Pedro Manuel Pereira da Silva. E o trabalho está aqui disponíbel, em formato pdf, no repositório deo ISCTE - IUL.

Silva, P. M. P. (2012). As iscas com elas ou Iscas à portuguesa: património, gastronomia e turismo em Lisboa [Dissertação de mestrado, Iscte - Instituto Universitário de Lisboa]. Repositório do Iscte. http://hdl.handle.net/10071/4983 .

Aqui o resumo do trabalho:

(...) "Nesta dissertação, apresentamos um estudo de caso sobre o prato tradicional Iscas de Fígado com/sem Elas. A partir de uma abordagem antropológica, analisamos o modo como este prato se tornou num símbolo e o seu papel como oferta gastronómica da cidade de Lisboa, num âmbito temporal que vem desde o século XIX até à actualidade, bem como a sua relação com o turismo. O ponto de vista dos anfitriões, em particular no que respeita aos restaurantes do centro da cidade, foi um dos aspectos analisados neste trabalho. 

Os resultados da pesquisa documental, dos levantamentos e das entrevistas efectuadas permitiu-nos identificar as características deste prato no âmbito da gastronomia portuguesa. Consequentemente, possibilitou-nos estabelecer uma perspectiva histórica e social da sua forma de consumo no espaço da cidade, reconhecer o seu papel no âmbito dos processos de patrimonialização que subsequentemente enformam as estratégicas de divulgação turística; e, finalmente, examinar a presença deste prato na oferta gastronómica da cidade de Lisboa. 

A legitimação antropológica da patrimonialização deste prato, em virtude da sua relevância gastronómica no contexto dos hábitos e vivências alimentares específicos da cidade de Lisboa, convive com a inexistência de divulgação institucional deste património no âmbito do turismo, o que tem fomentado o desconhecimento desta realidade gastronómica por parte de muitos anfitriões e profissionais de restauração. Simultaneamente, e de forma paradoxal, verifica-se a presença das Iscas de Fígado com/sem Elas numa vasta percentagem de restaurantes e casas de comida no centro histórico de Lisboa. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de 2021 >
Guiné 61/74 - P22495: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (30): Bacalhau com couves no forno, à moda da minha avó Maria, que era do Minho (Valdemar Queiroz)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22943: Tabanca dos Emiratos (9): Expo' 2020 Dubai UAE - Parte III: O Dia de Portugal, 14 de Janeiro de 2022 (Jorge Araújo)





Foto 1 - Expo’2020 Dubai  - Identificação do Pavilhão 
 de Portugal (parede frontal ao nível do solo). 


Foto 2 - Expo’2020 Dubai - “Peça artística” (“Pinguins de Magalhães”) da autoria de Bordalo II (Artur Bordalo), feito à base de plástico reciclável, colocada à frente do Pavilhão.



Foto 3 - Expo’2020 Dubai - Os repórteres lusos na Praça Central «Al Wasl»: da RTP (Inês Carranca) e da Tabanca Grande (Jorge Araújo).


Fotos (e legenda): © Jorge Araújo (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


“APONTAMENTOS” DA «EXPO’2020»

(DUBAI - 01OUT2021 / 31MAR2022)

Parte III  - O DIA DE PORTUGAL -

14 DE JANEIRO DE 2022 (*)




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); nosso coeditor, a viver neste momento em Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos.



1.  – PROGRAMA DE ACTIVIDADES (13 E 14 DE JANEIRO’2022)

◙ ▬ DIA 13 DE JANEIRO DE 2022 (5.ª FEIRA)

● Na véspera do “Dia de Portugal” na Expo’2020 (Dubai - UAE), 13 de Janeiro, foram agendados três eventos para o interior do Pavilhão Nacional. O primeiro, designado por «Portugal Business Briefing», tratou-se de um seminário empresarial organizado pela AICEP Portugal Global - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, com o objectivo de apresentar o nosso País nas áreas de comércio e de investimento.

No segundo, também em parceria com a AICEP, foram comemorados os 116 anos da fundação da Livraria Lello, com sede na Rua das Camélias, no Porto, também conhecida como “A Livraria Mais Bonita do Mundo”. O propósito desta celebração do seu aniversário na Expo’2020, no Dubai, coincidiu com a publicação das primeiras traduções para árabe de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, e de “Mensagem”, escrito por Fernando Pessoa (1888-1935). Para além do tradicional “bolo de aniversário”, foram ofertados 116 livros aos primeiros visitantes do dia.

A razão de ser desta iniciativa foi explicada por Aurora Pedro Pinto, a administradora da Livraria Lello, afirmando que “como exportadores e promotores da Literatura e da Cultura portuguesas, é com grande satisfação que contribuímos para que duas obras que retratam de forma tão especial o país e o seu povo cheguem ao mundo árabe”, num tempo em que a língua árabe tem cerca de 274 milhões de falantes.

Por último, a organização do terceiro evento foi da responsabilidade dos CTT - Correios de Portugal, S.A., que se traduziu no lançamento de um “postal comemorativo” relativo à participação portuguesa na Expo’2020, edição que abaixo se reproduz (frente e verso).


Foto 4 - Expo’2020 Dubai  – Reprodução do postal comemorativo editado pelos CTT.

 

◙ ▬ DIA 14 DE JANEIRO DE 2022 (6.ª FEIRA)

► A primeira Cerimónia Oficial do “DIA DE PORTUGAL” na EXPO’2020 (Dubai), decorreu na «Praça Al Wasl», com a chegada das delegações dos dois países – os Emirados Árabes Unidos (país anfitrião) e Portugal.

● Pelas 10:30 horas, procedeu-se ao hastear da Bandeira Nacional no mastro existente entre a dos UAE e a da Expo ao som d’ “A Portuguesa” (o nosso hino), seguindo-se os discursos oficiais a cargo dos principais representantes (vidé foto abaixo).

Concluída esta Cerimónia protocolar, as comitivas realizaram visitas aos pavilhões de ambos os países.     


Foto 5 - Expo’2020 Dubai – A Bandeira Nacional hasteada na Praça Central «Al Wasl».


► Espectáculo Musical com a presença da cantora Teresa Salgueiro

Pelas 15:00 horas, de novo na Praça Central «Al Wasl», um número significativo de visitantes da Expo’2020, de entre os quais se encontravam cerca de quatro centenas de portugueses, foram presenteados com um espectáculo musical de grande nível, onde actuaram a fadista Teresa Salgueiro, acompanhada por António Chainho, o nosso magno da guitarra portuguesa, com 84 anos, e por Marta Pereira da Costa, a primeira e única mulher guitarrista profissional de fado a nível mundial.

Foi, de facto, muito bom... e um grande orgulho para a diáspora lusa que teve o privilégio de a ele assistir.


Foto 6 - Expo’2020 Dubai – Actuação da fadista Teresa Salgueiro na Praça Central «Al Wasl», perante uma vasta plateia de convidados, com a repórter da RTP (Inês Carranca) em momento de gravação e transmissão para a redacção da RTP.


Pelas 17:00 horas, teve lugar a cerimónia de acolhimento da comunidade portuguesa, junto ao Pavilhão de Portugal, com o hastear da Bandeira ao som do hino Nacional, onde aconteceram diversas intervenções por parte dos responsáveis da Missão, seguido do visionamento da mensagem do Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que não pôde comparecer aos “actos oficiais” devido à situação pandémica do momento.






Fotos 7 e 8 - Expo’2020 Dubai – Cerimónia protocolar diante do Pavilhão de Portugal.


2 – MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

         ▬ Professor Marcelo Rebelo de Sousa



Foto 9 - Expo’2020 Dubai – A mensagem “virtual”, enviada pelo Presidente da República, para assinalar o “DIA DE PORTUGAL” na Expo’2020.


Eis algumas passagens da sua intervenção, gravada a partir do Palácio de Belém, em Lisboa, e que foi divulgada no sítio oficial da Presidência da República.

(…) Considera que “a “Expo’2020 Dubai” é a primeira exposição universal realizada no Médio Oriente, o que reflecte o crescente dinamismo dessa região, bem como o seu empenho em cada vez mais se assumir como plataforma de intercâmbio e de diálogo político, económico, científico, tecnológico e cultural, que não são mais do que os princípios e valores das exposições mundiais desde a sua origem”.

São estes também os princípios e valores que inspiram a participação de Portugal nesta “Expo’2020 Dubai”, sob o mote «Portugal, um mundo num país» ”.

Deste modo, “marca o regresso do nosso país às grandes exposições mundiais. Quero, por isso, sublinhar como foi significativa esta presença nacional num acontecimento mundial, que foi um verdadeiro encontro entre culturas, países, formas de ver a vida, e que nos permite promover e projectar Portugal, a nossa história, a nossa cultura, a nossa economia, as nossas empresas, a nossa gastronomia, a nossa geografia e o nosso povo”. (…)

Termina a sua mensagem com três “vivas”: “viva o Dubai, vivam os Emirados Árabes Unidos, viva o nosso Portugal”… seguido por uma salva de palmas por parte dos presentes na cerimónia.

De seguida, a Organização procedeu à oferta de algumas lembranças, nomeadamente “Galos de Barcelos” em louça (miniaturas) com as cores da Bandeira: vermelhos, verdes e amarelos, e um íman de lapela com a designação “Portugal”.



Momentos depois, em dois balcões distintos [fotos 10 e 11], foram oferecidos aos visitantes, nacionais e estrangeiros, centenas de “pastéis de nata” e uma garrafa de água, e, ainda, pastéis de “carne”, “bacalhau” e “peixe” (uma unidade de cada), tipo “almôndega”, servidos numa pequena embalagem de papel de alumínio, confeccionados no Restaurante do Pavilhão «Al-Lusitano», dirigido pelo Chef Chakall.



Foto 10 - Expo’2020 Dubai - Filas para recepcionar os “doces” da gastronomia portuguesa. No balcão da esquerda, os “pastéis de nata” e a água, no da direita, “os bolinhos” de carne, bacalhau e peixe… Tudo foi acontecendo de forma ordeira, aliás, como se pode comprovar pelas imagens.



Foto 11 - Expo’2020 Dubai - idem do referido na foto anterior.


Pelas 18:00 horas, como constava no programa, deu-se início ao «AL QANTARA SHOW», designação dada ao espectáculo de música e multimédia concebido exclusivamente para esse momento, considerado como o “ponto alto” de encerramento do “DIA DE PORTUGAL” na «Expo’2020.

O espectáculo teve lugar num dos palcos principais do recinto – o JUBILEE STAGE – onde actuaram o “Grupo de Percussão Retimbrar”, de Espinho, seguindo-se a actuação da cantora Teresa Salgueiro, acompanhada pelos guitarristas António Chaínho e Marta Pereira da Costa, e o Músico Fred Ferreira.

Foram noventa minutos de muitas emoções, com a diáspora lusa, a oito mil quilómetros de distância, a sentir-se em “casa” e onde os estrangeiros, no final, não regatearam os seus aplausos aos artistas lusos.



Foto 12 - Expo’2020 Dubai - O palco «Jubilee Stage» onde decorreu o espectáculo de encerramento do “Dia de Portugal” na Expo’2020. 



Foto 13 - Expo’2020 Dubai - Actuação da fadista Teresa Salgueiro durante o espectáculo, em português, na Expo’2020.



Postal (montagem) dos três músicos portugueses que acompanharam a fadista Teresa Salgueiro no espectáculo de encerramento do “Dia de Portugal”, na Expo’2020.



Foto 14 - Expo’2020 Dubai  – Panorâmica do palco «Jubilee Stage» e da plateia que assistiu ao espectáculo de encerramento do “Dia de Portugal”, na Expo’2020, e onde se falou e ouviu a língua de Camões.

Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Foi uma “reportagem curta”. Mas, mesmo assim, espero que tenha sido do vosso agrado… pois o espaço não é ilimitado. (**)

(Continua)

 

Votos de um óptimo ANO de 2022, com muita saúde.

Com um forte abraço de amizade.

Jorge Araújo.

23Jan2022

________

Notas do editor:


(*) Último poste da série > 14 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22904: Tabanca dos Emiratos (8): O nosso blogue em números: os seguidores nas "Arábias" (Jorge Araújo)

(**) Vd. postes de:


1 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22864: Tabanca dos Emiratos (6): Expo' 2020 Dubai UAE - Parte II (A): A Presença dos Países da CPLP: Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe... (Jorge Araújo)

2 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22869: Tabanca dos Emiratos (7): Expo' 2020 Dubai UAE - Parte II (B): A Presença dos Países da CPLP: Angola, Moçambique e Timor-Leste (Jorge Araújo)

domingo, 29 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22495: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (30): Bacalhau com couves no forno, à moda da minha avó Maria, que era do Minho (Valdemar Queiroz)

Foto: Cortesia da página do Facebook da Academia do Bacalhau de L.I.


1. Já o verão vai a caminho do outono e, depois, do inverno... Aliás, há um aforismo (da metereologia popular) que diz, "Primeiro de Agosto, primeiro de Inverno",,,

Tenho pena de quem não fez praia, por mil e uma razões, se calhar a primeira das quais é a constatação de que o tempo também já não é o que era... Ora o céu está nublado,  ora a nortada corta a respiração, ora o banheiro não mandou ligar o aquecimento central,  ora as marés roubaram a areia à praia, ora a senhora Covid-19 é que passou a ditar a moda...

Confesso que este ano não fiz praia. Já não o fiz, o ano passado. "Fazer praia",  para mim significava, desde há uns anos largos, fazer umas boas caminhadas, ao longo do areal, na maré vazia, de preferência de manhã, em praias com rocha e muito iodo... Por outras palavras, apanhar logo uma bebedeira matinal de azul, sol, sal e iodo...no "meu querido mês de agosto"... Que não o é mais...

Por agora, limito-me a ficar na esplanada,à beira-margem,  a apanhar sol,  a ler ou a escrever , a blogar,  a ver o mundo s passar a passar e, de tempos a tempos, comer um choquinho frito, à hora do pôr do sol. Há prazeres na vida cujas memórias emocionais a gente vai  levar para a outra vida... Se nos deixarem, claro, passá-las, lá na alfândega que há entre a terra e o céu... Duvido, no entanto,  que deixem passar o nosso contrabando...

Para já não sei quando (nem muito menos se...) posso voltar às minhas caminhadas da Praia da Areia Branca até ao Paimogo, passando pelo Vale de Frades e o Caniçal... E  a "cartografar" as rochas, com  a máquina fotográfica em punho ou a tiracolo... Lamentavelmente, já nem fotografia faço... 

Enfim, espero que o meu ortopedista, esse, sim,  faça um milagre lá para outubro ou novembro... É bom, amigos e camaradas,  acreditar em milagres, mesmo quando se  é um homem de pouca fé...

2. Mas já que falamos do verão fugidio e incerto de 2021, do verão do nosso descontentamento, é de perguntar: e as nossas comidinhas, amigos e camaradas ? 

Desde a primavera que não publicamos um poste da série " No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande"... O último foi o nº 29, com data de 22 de abril de 2021 (*).

A "chef" Alice, cá pelos meus lados, no meu "restaurante favorito", continua a fazer coisas boas, e às vezes muito boas: por exemplo, um arrozinho de lingueirão, há dias,  ou um xarém de ameijoas (, que aqui não há conquilhas), prometido para a próxima semana, a par de um espadarte grelhadinho... Coisas que não tenho publicado para que não me acusem de "favorecimento pessoal" e de "concorrência desleal"... E falo dela, da "chef" Alice, porque eu nem para ajudante  sirvo: sei abrir umas ostras, cortar ao meio um lavagante ou preparar uma sapateira... Ah!, sei abrir também latas; de atum, de feijão, de grão de bico...

Mas, como os nossos vossos vagomestres andam pouco criativos ou falhos de iniciativa, vou ter que arrancar com o material que há... E este é do bom, é do nosso Valdemar Queiroz que, pese embora a sua costela minhota, ainda está de longe nos poder e querer  revelar todos os seus secretos dotes culinários...


3. Escreveu o Valdemar Queiroz, em comentário ao poste P22494 (**);


João Crisóstomo, peço desculpa de, num poste atrasado, ter chamado "Encontros do Bacalhau" à ilustre e internacionalmente famosa "Academia do Bacalhau".

Não há dúvida, o bacalhau faz parte do ADN dos portugueses.

Teria sido o meu conterrâneo navegador-armador João Álvares Fagundes (c.1460-1522), a quem se deve o reconhecimento de parte das costas do nordeste americano, quem começou a comercializar o bacalhau que, depois de salgado e seco, servia de alimento nas grandes viagens dos Descobrimentos e nos períodos de abstinência / jejum de comer carne.

Depois, foi o nunca mais parar, confecionado de 1001 maneiras, e que toda a gente gosta.

Nas minhas várias idas aos Países Baixos, à casa do meu filho, habituei os brabantinos da família (Brabante, Província Neerlandesa fronteira com a Bélgica) a comer bacalhau, que eles chamam "kabeljauw" (lê-se: "cabaliau"), na ceia de Natal e agora atiram-se ao bacalhau para assar na brasa de que também gostam.

Só para dar apetite, vai uma receita que a minha avó Maria (***) fazia, às vezes, em dias de fornada de pão:

Ingredientes:

Bacalhau demolhado
Folhas de couve
Linha grossa
Batatas
Cebola
Azeite
Broa de milho

Modo de fazer:

(i) depois do bacalhau demolhado, passar folhas de couve por água fria; 

(ii) descascar e cozer as batatas;

(iii)  a postas de bacalhau são envolvidas na couve e seguradas com linha grossa para ir ao forno;

(iv) enquanto estão no forno, estando as batatas cozidas, cortam-se às rodelas e alouram-se em azeite na sertã;

(v) as postas são retiradas do forno quando as folhas de couve secarem completamente;

(vi) retira-se a linha, colocam-se as postas numa travessa juntamente com as rodelas das batatas fritas;

(vii) e para finalizar põe-se por cima cebola às rodelas finas e rega-se com bastante azeite;

(viii) acompanha-se com broa de milho... e tinto ou branco do melhor!

E depois vai um 'Vai Acima, Vai Abaixo, Vai a Cima e Bota Abaixo', que deste já não há mais.

Valdemar Queiroz

PS - A receita do bacalhau não era propriamente da minha avó Maria, em várias casas também era assim feito em dias de 'cozedura' da broa de milho. A minha mãe, em Lisboa, fazia no forno a gás. No forno a lenha, sobrava calor para as couves com 'cosedura' em volta do bacalhau a assar.

Mas, como andas de braço dado com uma afamada cozinheira de estrelas Michelin, podes chamar, será a 1002, "Bacalhau da Queiroza à moda da Alice".


4. Eu prometi publicar-lhe a receita, em honra dele, que é um homem "sozinho em casa, resistente e resiliente, que brinca com a sua DPOC, quando ela deixa".... E aqui vai, mesmo não tendo nenhuma foto do petisco (, publico a imagem do emblema da Academia do Bacalhau de Long Island, Nova Iorque), nem sabendo como a avó Maria chamava a este prato, lá do seu Minho, região donde se diz que "não há receita má... nem fome boa":

"Bravo, Valdemar, só preciso de arranjar uma foto à maneira, depois publico a receita da avó Maria na nossa série do "Comes & Bebes"... Este saber gastronómico lusófono (mais do que lusitano), que passa de geração em geração, não pode perder-se!... Bolas, e ainda falta tanto tempo para o Natal!... Luis"

PS - Recordo que a avó Maria era de Afife, Viana do Castelo, onde o Valdemar viveu até aos 9 anos. (***)
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Notas do editor:

(*) Últimas sugestões;

22 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22125: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (29): E por favor nem me enganem, são favas suadas, não são ervilhas, muito menos escalfadas... (Luís Graça)

15 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22105: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (28): sável frito com açorda de ovas, à moda da "chef" Alice, inspirando-se na gastronomia de Vila Franca de Xira

10 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22091: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (26): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte III: cozido à portuguesa, para despedida do inverno; frutos do mar, como saudação à primavera

28 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21954: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (23): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte II: Canja de garoupa e pimentos estufados em vinho do Porto

11 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21887: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (19): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte I: ainda não é verão (, mas um dia destes há de ser!), e já me está a apetecer uma saladinha de queixo fresco e uma paelha, com um bom branquinho...

(**) Vd. poste de 28 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22494: Tabanca da Diáspora Lusófona (17): A(s) nossa(s) Academia(s) do Bacalhau: Long Island, Nova Iorque: "Gavião do penacho, de bico p'ra cima, de bico p'ra baixo, vai acima, vai abaixo"... (João Crisóstomo)

(***)  Vd. postes de;


27 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21203: Efemérides (331): Os 100 anos de Amália, "o povo que lavas no rio" e Afife (onde vivi até aos 9 anos) (Valdemar Queiroz)

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22125: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (29): E por favor nem me enganem, são favas suadas, não são ervilhas, muito menos escalfadas... (Luís Graça)




Alfragide > 21 de abril de 2021 > "São favas suadas, senhor, não são ervilhas"... Segundo uma receita antiga da minha mãezinha, adoptada e apurada pela "chef" Alice..

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Ontem, confesso que pequei. Comi ao almoço um prato de favas suadas, um dos pratos do meu "top ten" gastronómico.  (Bem, senhora doutora dr, Ana Pimental, não foi bem um prato, foi um pratinho, juro pela minha rica saúde, de resto aí está a foto para o comprovar; mas sei que me vai puxar as orelhas na 3ª feira). Claro que, a seguir, "paguei as favas": não há crime sem castigo... Mas,  se não houvesse pecado na terra, a vida seria uma sensaboria (*)... 

O doente, submetido a radioterapia externa sobre a próstata, sabe que tem dois meses de amargura enquanto lá andar: tem que chegar ao IPO de manhã, "com o reto limpo e cheia a bexiga"... e deixar trabalhar a "radioterapia amiga" (**)... 

Além de beber muita "a(u)guinha da torneira", tem de "evitar" uma porrada de alimentos, nomeadamente os que provoquem obstipação e gases... A lista de proibições mata, logo à nascença, qualquer pobre candidato a pecador: pão branco (que, felizmente,  não gasto), cereais, amêndoas e nozes (de que sou fã), vegetais (ervilhas, feijões, couves, espargos, cebolas, alhos, e logo por azar favas, de que um perdido: como-as, só na época, mas uma meia dúzia de vezes); gorduras, fritos e  refogados: picantes, piripiri, pimentas de todas as cores (que também não gasto, as pimentas); mariscos (que adoro); fruta (laranja, limão, quivi, ananás, banana, morango, cereja, etc., etc.) (comia 4 peças de manhã, ao pequeno almoço, com iogurte natural, há 2 meses atrás); saladas (com tomate e azeitonas), e por aí fora...

Pior ainda: só "a(u)guinha", nada de bebidas alcoólicas,  muito menos cerveja e vinho branco (que é muito diurético)... E café, camarada, só três no máximo por dia (o que é um castigo para quem bebia seis).

Mas chega de desgraças: as favinhas suadas estavam - como eu hei de dizer ? - "queirosianas"... Mas a receita que o Jacinto, de "A Cidade e as Serras", provou e aprovou (, o "arrroz de favas", que fica  para a eternidade associado à Quinta de Tormes),  não tem nada a ver com as "favas suadas" da minha mãezinha, Maria da Graça, que era da Estremadura, e mais exatamente da Lourinhã....  A "chef" Alice, que é vizinha do Jacinto, adotou a receita e apurou-a. No Douro, não se faziam favas suadas no seu tempo de menina e moça, tal como não se comia lavagante ou arraia seca... e a sardinha era para três!).

Não sei se estas favas suadas são as melhores do mundo: de resto, meio mundo detesta favas... mas já pus no meu "testamento vital" uma das minhas últimas vontades (, não podem ser muitas, que não há tempo depois para cumpri-las todas): na véspera de eu morrer (, e oxálá seja num dia primaveril como o de ontem!), que me deem um prato de favas suadas!... 

E, por favor, não me enganem: são favas, e suadas, não são ervilhas, muito menos escalfadas. E têm que ser frescas, e descascadas uma hora antes... E se eu ainda puder ajudar (, o que deverá ser altamente improvável), sou eu que faço questão de descascar as favas... como sempre o fiz, com competência e paciência!... (Há quem goste de comer favas, mas não de as descascar.)

A cozinheira, essa, só pode ser a "chef" Alice, a quem também já pedi para, depois,  me mandar enterrar numa anta do meu país megalítico (***)... 

Enfim, espero (, mas, se calhar, é pedir demais à vida!),  poder ainda dizer, mesmo que seja baixinho, com a voz a sumir-se, antes de bater a bota: "Chita, as tuas favinhas souberam-me pela vida, como se dizia em Candoz... Ámen".

PS - A expressão "saber pela vida" , muito usada pelas gentes do Norte, e nomeadamente pelas mulheres, é deliciosa, e não se aplica só aos "comes & bebes"... Só encontro um equivalente na expressão do crioulo da Guiné, "manga di sabi".

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22105: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (28): sável frito com açorda de ovas, à moda da "chef" Alice, inspirando-se na gastronomia de Vila Franca de Xira

(**) Vd. poste de 19 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22115: Manuscrito(s)(Luís Graça) (200): Soneto do paciente do IPO - Lisboa, dedicado à equipa da unidade 3 do serviço de radioterapia que cuida de ti com gentileza, humanidade e competência

(***) Vd. poste de 5 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10332: Blogpoesia (198): Uma estranha maneira de dizer adeus (Luís Graça)