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quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23551: Historiografia da presença portuguesa em África (330): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Se acaso existe algum valor nestas impressões de viagem e no cuidado posto pelo Padre António Joaquim Dias quanto à história da presença missionária franciscana na Guiné, dar-se-á o caso o estudioso ou curioso poder reter o olhar de um missionário que ali viveu intensamente na década de 1930 e transitou para a seguinte. Não faz o panegírico da missionação franciscana, mas não ficamos com dúvidas que foi uma pequena saga a sua instalação, o seu fervor apostólico. Como homem do seu tempo, deixou registado o seu olhar sobre aquele mosaico étnico que deixava qualquer viajante assombrado, como era possível em território tão diminuto encontrar-se aquela riqueza multiétnica, multilinguística, aqueles usos e costumes que variavam radicalmente no mesmo espaço e lugar, numa convivência alegadamente pacífica, sem qualquer radicalismo religioso, que se prolonga aos dias de hoje. Tenho vários cartapácios ainda para ler, vamos ver quantas mais surpresas nos reserva o Padre António Joaquim Dias.

Um abraço do
Mário



Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (3)

Mário Beja Santos

Que grande surpresa, estas Impressões da Guiné escritas por um missionário que ali viveu mais de oito anos, são documentos que ele vai publicando ao longo dos anos no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira, ainda não sei o que nos reserva este conjunto de cartapácios, a verdade é que há imagens magníficas sobretudo no noticiário guineense. O Padre António Joaquim Dias regressou a Portugal depois de oito anos e meio de apostolado missionário em terras da Guiné e resolveu vazar no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira a partir do número de novembro de 1942 em diante impressões e dados históricos da presença missionária franciscana na antiga Senegâmbia Portuguesa. Elaborou um texto sobre os missionários franciscanos na Guiné e conta que em 1931 foram desviados do campo apostólico de Moçambique os primeiros missionários, não foi operação indolor, como ele escreve:
“Antigos e prestimosos obreiros de Deus e da Pátria, lamentavam o abandono a que eram condenados. Na Guiné havia míngua de obreiros. Durante anos, um único sacerdote foi todo o clérigo da colónia. Gostosamente prestamos aqui homenagem cordial ao Padre José Pinheiro, ainda vivo e reformado após mais de 30 anos de serviço na Guiné, o qual soube trabalhar sozinho e aguentar-se, esperando contra toda a esperança dias melhores, menos agrestes. Estes surgiram em 1931, com modesto reforço, ao qual se seguiu outra um pouco mais nutrido, em 1932”.

E recorda o seu estabelecimento na vila de Cacheu, as bases da missão central de Bula, em chão de Brâmes ou Mancanhas, a primeira missão da Guiné depois de séculos de entorpecimento religioso e paralisação missionária. Relata os acontecimentos entre 1934 e 1937, não ilude a falta de recursos, começam a aparecer escolas em Farim, em Có, refere que o Governador Carvalho Viegas não era grande apoiante do trabalho missionário, mas que, no entanto, sabia fazer propaganda da presença missionária, iam surgindo artigos anónimos aludindo à obra de assistência social e às missões religiosas, isto quando na prática era o próprio governador que as não apoiava. Nesse ano de 1935 apareceu o Reformatório de Menores e Asilo de Infância Desvalida de Bor, com o auxílio de mais quatro irmãs Franciscanas Hospitaleiras. As baixas eram enormes, em 1936, Padre Pedro, absolutamente exausto, era forçado a sair da Guiné. No ano seguinte era inaugurada a Escola do Sagrado Coração de Jesus de Pelundo. Interrompe aqui o Padre Dias a sua descrição para nos falar de aspetos etnográficos e etnológicos que julga pertinentes divulgar, e espraia-se sobre o mosaico étnico da Guiné.

À luz dos conhecimentos da época, refere a seguinte tipologia: Fulas e Mandingas provenientes de uma mistura de Etíopes e de Nigríticos (negros sudaneses e nilóticos); as demais tribos constituiriam o grupo dos Nigríticos litorais ou guineenses, que não usam línguas Bantus. Diz faltarem estudos sobre a origem e parentesco etnográfico destas gentes africanas e alude a algumas referências sobretudo da literatura de viagens sobre as gentes da Guiné, caso das obras de Valentim Fernandes e de Duarte Pacheco Pereira, pondo ênfase que no século XVI já figuravam na Guiné os Balantas, os Felupes, os Banhuns, os Beafadas e os Nalus. Há também referências à tribo Papel, eram situados na chamada Costa de Baixo, nas ilhas de Pecixe e Jata e provavelmente também na ilha de Bissau.

Os Bijagós também não são esquecidos. André Alvares de Almada, no seu "Tratado Breve dos Rios da Guiné", cita e localiza diferentes etnias, com exceção dos Baiotes, Manjacos, Fulas e Futa-Fulas, e depois o Padre Dias lança-se numa apreciação do mosaico étnico.
Os Felupes já nos primeiros anos do século XVI ocupavam a posição geográfica atual; os Baiotes estavam agora confinados entre o rio Cacheu, os Felupes, os Banhuns e a fronteira, mas não são referenciados na já citada literatura de viagens e o Padre Dias diz mesmo que o Padre Marcelino Marques de Barros dá os Baiotes como uma subdivisão dos Felupes; os Banhuns tinham um território que constituía centro comercial das ilhas de Cabo Verde, estendiam-se pela margem esquerda do rio Casamansa avançando por cima dos Felupes, e eram cingidos ao sul pelos Brâmes, que já lá não existem, e por cima e pelos lados por Cassangas; estes, assentavam no local que cingia os Banhuns, o Padre Marcelino Marques de Barros faz dos Cassangas uma subdivisão dos Beafadas; os Mandingas apareciam agora instalados nas regiões de Farim, Paxisse e Oio (onde tomam o nome de Oincas), alargaram durante o século XVI o seu espaço territorial para a região de Mansoa até às margens do estuário comum aos rios Geba e Corubal; os Balantas terão descido do rio Casamansa para as zonas em que hoje vivem: Barro, Bissorã, Mansoa e Nhacra; os Buramos ou Brâmes comprimiram-se inicialmente entre o rio Cacheu e os Banhuns, foram-se espalhando por toda a região de entre os rios Cacheu e Geba, contam hoje com os regulados de Bula, Có e Jol, o Padre Marcelino diz que os Brâmes são uma subdivisão dos Banhuns; os Papéis podem ser confundidos com os Brâmes por ocuparem territórios afins e estendem-se hoje por toda a ilha de Bissau; os Manjacos são os marinheiros da Guiné, permanecem um ponto de interrogação no quadro etnográfico da colónia, Brâmes, Papéis e Manjacos mantêm afinidades etnográficas e linguísticas; os Beafadas ou Beafares já no século XVI ocupavam as regiões onde hoje vivem, do Quínara ou Guinala, e do Cubisseque e Bissegue, é dado como seguro existiram afinidades linguísticas entre Beafadas e Manjacos; os Nalus mantêm-se igualmente no território que habitavam no século XVI, a sul do rio Tombali; os Fulas constituíam no passado o Grande Império Fula ou Grão-Fula, que principiava no rio Senegal e se estendia para o Sudão, em concorrência com o Grande Império Mandé ou Mandinga, Fulas-Forros e Fulas-Pretos representam migrações Fulas, que foram deslocando para o litoral grupos étnicos instalados primitivamente a leste, são os autóctones mais bronzeados da colónia e ocupam atualmente as zonas do Gabú, Bafatá e Forreá; os Futa-Fulas ou Fulas do Futa Djalon, enviados outrora ao Forreá para extensão da supremacia política, é o tipo mais aproximado do Fula clássico, não foram mencionados pelos escritores de Quinhentos, por não existirem então no nosso território, povoam atualmente a região do Boé; os Bijagós são indígenas de cor preta, encontrando-se porém nalguns sinais evidentes de mestiçagem, dialetos e costumes variam quase de ilha para ilha, podendo admitir-se talvez a hipótese de imigrações várias.

Depois desta exposição sobre os grupos étnicos, o Padre Dias especula o número de habitantes da Guiné, mas diz claramente que falta um recenseamento seguro. O seu poder de observação vai até aos usos e costumes, como se exemplifica:
“As tatuagens estão em moda em alguns grupos étnicos. Usam-nas Manjacos, Brâmes, Papéis, Balantas e Bijagós, no peito, no ventre, nas costas e braços. São produzidas por escarificações à faca ou agulha e infetadas ou cheias de massa de azeite de palma com cinza. Os Mandingas usam tatuar-se na testa e frontais. Os Futa-Fulas tatuam os lábios a azul, pintam da mesma cor as pálpebras inferiores e abrem sinais particulares nas palmas das mãos. Notam-se penteados exóticos em quase todas as etnias, são feitos com pente indígena de madeira, semelhante a largo e comprido garfo de muitos dentes. Os Felupes ornam a carapinha, depois dos dez anos, confiadas de búzio; os Papéis de Biombo (ilha de Bissau) usam risca ao meio ou então tranças isoladas apertadas na base ou ainda tranças em torno da cabeça, de onde pendem anilhas de latão. Os exóticos penteados das mulheres Futa-Fulas, sobremontados por alta forma de palha, são adornados com fita de palha tingida de negro e abastecida de moedas e contas. Os Balantas penduram anéis e anilhas de latão da carapinha torcida e besuntada de azeite de palma e carvão moído, ou então rapam a cabeça, à faca ou a vidro, deixando somente algumas placas de cabelo, de forma redonda, ou valada, longitudinais ou transversais. Das pequenas tranças das mulheres Beafadas pendem conchas e moedas, em toda a volta da cabeça. Finalmente são inconfundíveis os dois sistemas de penteado Bijagó: tufos de cabelo soerguidos no alto da cabeça ou então empastada a carapinha toda em azeite de palma, barro ou carvão moído".

(continua)
Guiné - Catedral de Bissau
Guiné - A Igreja de Cacheu, única relíquia dos velhos tempos
Mancanha em dia de festa
Missão do Felupes. A casa que serve de igreja, escola e residência missionária
Bolama. A procissão na festa de S. José
Guiné. Tipo bijagó
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23533: Historiografia da presença portuguesa em África (330): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23533: Historiografia da presença portuguesa em África (330): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
É mais a riqueza do olhar, a sinceridade do proselitismo que nos atrai na prosa do Padre António Joaquim Dias que labutou na Guiné cerca de oito anos e meio e regressou a Portugal em 1942 publicando as suas impressões e a história do regresso dos Franciscanos à Guiné no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira. Recordo que estes apontamentos seguramente foram tidos em conta pelo Padre Henrique Pinto Rema responsável por aquele que é seguramente o mais completo estudo sobre a história das missões católicas da Guiné, infelizmente esgotado. A vivacíssima descrição do Padre Dias permite-nos igualmente tomar nota do estado de desenvolvimento da Guiné, a importância que se atribuía à navegação marítima na ausência de infraestruturas rodoviárias e também se pode verificar pela leitura que ele faz do mosaico étnico, o que então era tido como conhecimento etnográfico, etnológico e antropológico.

Um abraço do
Mário



Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (2)

Mário Beja Santos

Que grande surpresa, estas Impressões da Guiné escritas por um missionário que ali viveu mais de oito anos, são documentos que ele vai publicando ao longo dos anos no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira, ainda não sei o que nos reserva este conjunto de cartapácios, a verdade é que há imagens magníficas sobretudo no noticiário guineense. O padre António Joaquim Dias escreve como se estivesse a conversar com o leitor e agora prepara-se para viajar, falando-nos do território, cita um relatório datado de 1928 intitulado “Missão Botânica e de Reconhecimento Agrícola. Relatório sobre a flora da Guiné Portuguesa”, é seu autor o engenheiro agrónomo António de Figueiredo Gomes e Sousa: “O solo da parte plana é formado exclusivamente de aluviões argilosas, misturadas até certo ponto de sedimentos arenáceos, as quais derivam, ao que parece, de fortes arrastamentos das terras altas do Futa-Djalon, sob a ação de grandes cursos de água, hoje extintos, que tiveram no território um largo delta, como se depreende da existência dos longos estuários dos rios Cacheu, Geba, Grande de Buba e Cacine, e da constituição e localização das ilhas dos Bijagós”.

E o mesmo autor faz referências à geologia, distinguindo as terras altas e rochosas do Boé, bastante arenosas, de vegetação pobre e de pouca fauna, e em que predominam as laterites férricas e as terras baixas com os seus pântanos e os leitos dos rios, e depois dissera sobre bolanhas e lalas, que se acham desprovidas de sedimentos arenáceos, e tece o seguinte comentário: “Argila e húmus, roubados às terras pelas chuvas torrenciais, são carreados em quantidade para os rios e para o mar, pelas inundações e pelas marés ao retirarem”. E assim se compreende estes rios, canais e braços de mar que recortam o território em quase todas as direções. E pretende explicar ao leitor algo que lhe possa passar despercebido: “Os rios tomam os nomes das povoações indígenas principais que banham ou ainda os das regiões que servem. O mesmo rio recebe, às vezes, nomes diferentes, segundo a altura do seu percurso. Isto explica-se pelo isolamento em que viveram as tribos até aos nossos dias. Compreende-se como o rio Cacheu teve, pelo menos, os nomes de Cacheu, São Domingos e Farim; e o Corubal mantém ainda os de Cocoli, Gabú, etc.”.

E faz uma pequena descrição dos diferentes rios, só como curiosidade vejamos o que ele escreve sobre o Rio Grande de Bolola ou Buba:
“Teve importância, nos séculos passados, quando o negócio se movimentava nas povoações das suas margens: Biguba ou Buba, Guinala ou Quínara, Bisségue ou Cubisseque e Balola ou Bulola. Hoje serve a minúscula povoação de Buba, onde se bifurca para terminar quase logo, e ainda as propriedades agrícolas ou pontas, poucas e decadentes. Este esteiro de água salgada, cheio de braços enganosos para todos os lados, vai roendo a região de Quínara, da qual já desanexou as ilhas de Bolama e das Cobras, como também ajudara o Tombali a desanexar da zona do Cubisseque a Ilha dos Escravos. Como seus parceiros, o Cumbidjã, ajudado por braços de mar a quem chamaram rios, apressa-se a esfacelar o chão dos Nalus; mas Tombali, Cumbijã e Cacine, especialmente os dois primeiros, constituem estradas magníficas para a saída do não menos belo arroz daquela zona, de que é centro e metrópole comercial a povoação de Catió, recentemente elevada a sede de Administração Civil”.

E dá-nos seguidamente uma descrição da organização administrativa da Guiné, recorda o leitor que temos por vezes noticiário a que o estudioso não pode ficar indiferente, será o caso da descrição da missão dos Felupes em que se vê uma imagem da casa em construção que serve de igreja, escola e residência missionária, apraz registar um comentário sobre esta etnia: “Bastam-se a si mesmos. No seu chão encontram tudo o que lhes é indispensável para a vida. A palmeira dá-lhes o coconote, o azeite e o vinho, e o solo arroz em abundância. E não têm outras necessidades. Pelo que a vida lhes corre mansamente. Os portugueses cedo tentaram infiltrar-se entre eles, mas encontraram uma oposição pertinaz. Os mesmos cabo-verdianos que tão habilmente penetraram nas terras de outras tribos da Guiné, quando se aventuravam ao país dos Felupes levavam uma vida de receios”.

Encontrei igualmente neste fecundo Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira outros textos intercalados com as memórias do Padre António Joaquim Dias que darão leitura estimulante a quem investiga as coisas da Guiné. Logo um primeiro texto sobre o primeiro decénio da missão franciscana da Guiné, haverá um comentário da redação a dizer que saiu do punho do mesmo Padre António Joaquim Dias. Não nos esqueçamos que estamos nos primeiros anos da década de 1940, foi mais precisamente em 1942 que o Padre Dias voltou da Guiné e já tinha preparado um texto para publicação. Lembra-nos que cerca de vinte anos atrás o Governo Português, logo na pessoa do comandante João Belo, empenhara-se no ressurgimento missionário das colónias como complemento indispensável a “nossa colonização integral e classicamente portuguesa”.

O prelado diocesano não dispunha de clero para esta ressurreição na Guiné e no final do ano de 1929 foi tomada a decisão pela Direção das Missões de Cabo Verde em organizar o serviço missionário na Guiné, contava com o apoio da legislação promulgada pelo governador Leite de Magalhães. Foram os Franciscanos que aqui retornaram, foi nomeado Vigário-Geral o Cónego António Miranda de Magalhães que desconhecia a Guiné, elaborou um plano organizativo que o Padre Dias considerou enfermar de vários defeitos essenciais. Foi em 1932 que se constituiu a primeira Missão Franciscana da Guiné que aqui chegou em fevereiro desse ano, de Bolama foram a Bissau e depois a Cacheu. Não havia onde albergar os missionários em Cacheu, lá se arranjou um velho casarão, os autóctones cederam algum mobiliário e o Padre Dias comenta que era uma instalação verdadeiramente franciscana. Os recém-chegados dirigiram-se ao Vigário-Geral propondo uma missão católica central onde coubesse a formação de escolas para o ensino profissional e agrícola, propunha-se Bula para sede desta missão, para aproveitar os edifícios do Estado, o Vigário-Geral aceitou a transferência de Cacheu para Bula, vários missionários foram colocados em Cacheu e Farim.

O Padre Dias descreve os edifícios de Bula e o entusiasmo manifestado por muitos autóctones, as crianças iam à escola primária e tece o seguinte comentário:
“Os Manjacos do Churo tinham oferecido resistência tenaz ao pacificador da Guiné, Teixeira Pinto, mas acolheram bem a escola missionária, como ser um meio ainda absolutamente indígena e gentio. Foi situada a poucos metros da residência do régulo, foi feita de pau a pique, coberta a palha. Aberta por um professor indígena contratado, passou, depois, aos cuidados do auxiliar secular europeu António José de Sousa, que para ali fora de bom grado. Dormia, coitado, a um canto da escola, incomodamente, e cozinhava para si mesmo, ao fim da aula”.

No ano de 1933, aumentou o pessoal missionário com quatro Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas para educação de raparigas indígenas num internato de Bula. O Governo da Colónia concedeu verba para a criação de uma escola em Bula, em regime de internato, para professores e indígenas de ambos os sexos. Alargou-se o sistema educativo ao regulado de Có, construiu-se ali escola missionária. As irmãs tratavam dos doentes, ele fala no tratamento de úlceras por vezes horripilantes. Em 1934 chegou o novo Vigário-Geral, veio acompanhado de mais dois missionários. Um comerciante de Farim, Mário Lima Wahnon, cedera às missões gratuitamente 2000 metros quadrados de terreno para construção de uma igreja, só que faltou verba para as obras, os ofícios religiosos eram celebrados num edifício dispensado por uma casa comercial francesa. Entrou em funcionamento o internato masculino de Bula e a respetiva escola, só que este missionário adoeceu gravemente, foi uma operação delicada manter aberta a escola de Có.
Veremos seguidamente a evolução missionária entre 1935 e 1937 e vamos sentir o olhar perscrutante do Padre Dias a falar das diferentes etnias.

(continua)

Frei Henrique Pinto Rema, Palácio de Belém, 9 de outubro de 2018, condecorado com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23513: Historiografia da presença portuguesa em África (329): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23513: Historiografia da presença portuguesa em África (329): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Graças ao indefetível apoio da bibliotecária da Sociedade de Geografia de Lisboa lá vou mergulhando por mares nunca por mim navegados, cheguei a porto ignoto, o Boletim Mensal das Missões Franciscanas, sempre à busca de uma nova pérola, sei muito bem que não posso encontrar nada de mais completo daquilo que escreveu o Padre Henrique Pinto Rema sobre as missões católicas da Guiné. Mas logo me chamou a atenção este Padre António Joaquim Dias, andou em missionação mais de oito anos pela Guiné, guarda recordações inolvidáveis de Bolama e as suas impressões são dignas de ser postas em público, três quartos de século depois.

Um abraço do
Mário



Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (1)

Mário Beja Santos

A leitura do Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira, um conjunto de cartapácios que ando a folhear na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, reserva surpresas quanto à Guiné. No boletim referente a janeiro de 1943 começam a ser publicadas as impressões do Padre António Joaquim Dias. Começa por alertar quem para lá viaja, e deste modo: “Como na Guiné é verão todo o ano, o sol é fogo e o suor hábito inveterado, muna-se de roupas leves, claras e sem forros. Os casacos brancos e batinas da mesma cor, coadjuvados pelos capacetes ou chapéus coloniais, igualmente brancos, são os únicos para-raios a defender-nos das picadas terríveis do sol tropical”.

E começa a sua descrição da Guiné, não se pode dizer que não seja bom observador:
“Para quem leva os olhos feridos e a alma picada pelas penedias basálticas das ilhas de Cabo Verde, a entrada na Guiné sabe bem, enternece até ao fundo da alma. Da água do oceano, ergue-se a planície imensa, aveludada. É um alfobre, risonho e ondulado, de um quente verde-amarelo, a espreguiçar-se, convidativo, acariciador. O mangal mergulha as raízes na própria água salgada e lança outras, aéreas e robustas, a segurar melhor a Guiné, a vincá-la mais ao chão, que o mar lhe disputa. Não se sabe onde o oceano termina e a terra começa.
Aquele, atrevido, infiltra-se por todos os lados, em baías e canais, no continente fronteiro; e estende também os seus braços, numa luta titânica, a procurar arranjar mais espaço, maior domínio, mais um pedaço para o seu leito. Investe contra os próprios rios, a quem desrespeita, às vezes, por léguas e léguas, com lhes sujar e salgar a água cristalina, ósculo amoroso de terra amiga. É por isso que, na Guiné, viaja-se navegando; e, navegando, se vai a toda a parte, como dizia o outro”
.

Dá-nos a saber que andava a pesquisar sobre as antigas missões da Guiné, mas preferiu começar por crónica ligeira, continua a dar muita importância aos roteiros e viagens, acha proveitoso lermos arquivos de Geografia, de Etnografia e até de História. Promete não escrever nenhum roteiro, dizendo que foi apenas à Guiné e regressou, começou no porto de Bolama e terminou no de Bissau, por onde voltou. Ficamos a saber que embarcou para a Guiné em fevereiro de 1934, foi para África por livre vontade, ia acompanhado por outro confrade missionário, “levávamos umas roupas, uns livros, muito entusiasmo para o trabalho, muita confiança no Senhor e a saúde precisa”. Fora-lhes abonada a viagem, encontraram benfeitores em Bissau, eram missionários sem côngrua. Terá feito o seu apostolado até 1942, e confessa o seu pesar pela partida: “Não é debalde que, durante oito anos, nos afazemos a chamar nossa terra mesmo à África. Ao dobrar Caió – a porta da Guiné –, duas lágrimas, grossas e quentes, desceram rapidamente as faces”.

Confessa que está a escrever no Hospital de Jesus, com data de outubro de 1942, veio com pouca saúde, e dedica os seus textos aos obreiros evangélicos, presentes e futuros, da saudosa Guiné. Disserta sobre o trabalho de missionário, não é só o apostolado, há a instrução literária, o saber acompanhar as técnicas agropecuárias e observa que é da máxima conveniência haver missionários que saibam traçar, em escala, projetos simples de edifícios a levantar nas missões, e explica porquê: “As missões sofrem, não raro, pelo prejuízo que lhes advém da falta dos edifícios, das demoras dos traços, sujeitando-se a perder os auxílios financeiros terminado o ano económico. Os técnicos, por via de regra, gostam de delinear bonecos bonitos, alçados vistosos que, amanhã, possam despertar a curiosidade pública… Nem sempre, porém, essas belezas e devaneios artísticos se coadunam com a exiguidade de recursos das missões”. E deriva para uma outra observação: “Não são contrários à tradição missionária portuguesa os estudos e coleções de História Natural e de Etnografia, recomendados, insistentemente, e favorecidos, desde 1926, pela legislação missionária o Comandante João Belo”.

Dá-nos uma impressão de Bissau, capital da Guiné desde dezembro de 1941, parece estar a conversar connosco:
“Para além, para nascente, a parte antiga, a começar na Amura ou pequeno recinto muralhado, onde ainda se conversam em minúscula igreja paroquial e os edifícios do quartel e repartição militar; ali o centro, a este lado do poente e lá para o alto, a parte nova. Repare numa coisa: a cidade parece reclinar-se numa encosta que não existe; espreguiça-se molemente. E para dar-se tom, para roncar, como aqui dizem, ela rasgou avenidas, abriu ruas; mas esqueceu-se de levantar casas. Anda agora empenhada nisso. Entre os edifícios, novos e menos novos, sem serem velhos, avultam: a imensa Casa Gouveia, da CUF, a maior empresa comercial da Guiné; depois, o Banco Nacional Ultramarino, única entidade bancária da colónia; ainda o edifício dito das Repartições; a imponente Catedral, em românico estilizado, mas não rematada; a Companhia da África Ocidental Francesa; um dos improvisados hotéis, que são três ao todo; mais algumas casas comerciais; um ou outro chalé modesto, particular ou do Estado; os bairros dos funcionários, que há para todos os gostos; talvez também o hospital, com seus múltiplos pavilhões de um só piso, e não vejo mais nada que mereça citar-lhe, a não ser a nova Alfândega. Ao centro da Praça do Império, no alto da povoação, atira-se para os ares uma espécie de obelisco granítico de uns quinze metros de altura; um monumento ao Esforço da Raça. A vasta praça, incontestavelmente uma das mais amplas do Império Português, aguarda que adotem de edifícios condignos, entre os quais há de sobressair o Palácio do Governador, em construção. Acrescentemos a isto umas dezenas de casinhotos térreos, em paredes de barro, meia dúzia de edifícios de primeiro andar, rodeados das indispensáveis varandas, ainda algumas ruas e vielas, - e aí tem o meu amigo a ínclita cidade de Bissau”.

Deplora a desolação de Bolama: “Chorarei eternamente com quem me hospedou durante sete anos e me livrou dos mosquitos enfadonhos e venenosos de Bissau, das temíveis biliosas, perniciosas e quejando as esferas africanas". Começara a desventura de Bolama, tal como ele a descreve: “Dia e noite, as ruas mais desertas, ainda mais tristes. Muitas casas apagadas, diminuídas as luzes nas ruas, desolados os comerciantes. Bolama assemelhava-se a cemitério imenso. E, noite fora, manguços aos punhados – espécie de gatarrões, feios e fedorentos, monopolizavam os passeios do jardim público, para seu folgar ameno”.

Recorda aquele jardim, o quintal da sua casa, o adro da igreja, e pergunta-se: “Como viverá agora, esse malfadado jardim de Bolama e o burgo inteiro? A acarinhada povoação de outros tempos terá sucumbido, enfim? Os coqueiros do lado fronteiro ao hidroporto poderão continuar a distrair-se com as evoluções, os soberbos Clipper que por ali vão zumbir, despejar forasteiros, levar movimento e vida”. Suspira uma Bolama nova, pede benevolência ao leitor por exaltar a sua querida Bolama. As impressões vão continuar, as que escreveu agora datam de Lisboa, 1 de janeiro de 1943.

(continua)


R.P. António Joaquim Dias
Dançarino Mancanha da nossa Guiné
Bolama, interior da Igreja
Bolama, Câmara Municipal e Administração do Concelho
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23486: Historiografia da presença portuguesa em África (328): Bissau, 1753: Escaramuças na construção da Fortaleza de S. José (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23416: Notas de leitura (1462): A lusitanização e o fervor católico na Guiné, um ideário do Estado Novo na publicação “Política de Informação”, por José Júlio Gonçalves, 1963 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
A grande mudança que constituiu a governação de Sarmento Rodrigues, uma verdadeira arrancada nas comunicações, transportes, infraestruturas, urbanização, saúde, educação, etc., também se fez acompanhar de uma preocupação confessional e cultural, os discursos de Sarmento Rodrigues eram perfeitamente claros quanto à necessidade de intensificar o uso da língua portuguesa num processo cultural mais amplo, prismado de "lusitanização". Numa atmosfera imperial, também se era sensível ao facto de a Guiné sofrer todos os impactos de séculos de crescente islamização e aonde o mundo missionário progredira de forma lenta e inconstante, havia que mudar as coisas. É à luz desse ideário que se deve ler, penso eu, o trabalho de compilação elaborado por José Júlio Gonçalves que, reconheça-se, leu cuidadosamente todos os artigos publicados sobre esta matéria religiosa no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Tudo mudou com a independência, a língua portuguesa é a do Estado e as missões são um dos pilares fundamentais nas políticas de saúde e de educação na Guiné-Bissau. São assim as ironias da História...

Um abraço do
Mário



A lusitanização e o fervor católico na Guiné, um ideário do Estado Novo

Beja Santos

José Júlio Gonçalves foi professor extraordinário do então Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina. O seu livro de ensaios publicado em 1963, “Política de Informação”, inclui um trabalho que o autor publicara anteriormente no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa em 1958 e que aqui vem completar com largas referências a outras colaborações recolhidas no referido Boletim Cultural que permitem ao autor apresentar um quadro da vida confessional da Guiné para, sem ambiguidades, retomar uma política seguida pelo governador Sarmento Rodrigues para reforço da língua e da cultura portuguesa bem como de maior suporte à religião católica na colónia, de modo a travar fundamentalmente os riscos de um islamismo que pudesse vir a constituir um elemento dissolvente da presença portuguesa. Como é sabido, nem a religião islâmica se revelou hostil à presença portuguesa como se mostrou agradada pela aceitação das escolas corânicas, pela crescente construção de mesquitas e do apoio às peregrinações a Meca. Uma luta surda se travou entre vários governadores entre os apoios à escola laica ou à escola de missionários. A missionação na Guiné datava de fresca data, foram os franciscanos que se impuseram e daí a respeitabilidade com que ainda hoje são credenciados. O sistema educativo foi permanentemente frágil e difuso, conheceu crescimento durante o período da guerra colonial graças aos familiares dos militares e deles próprios, investiu-se tarde e más horas no sistema educativo. Este, deploravelmente, continua em bolandas desde a independência.

O trabalho de José Júlio Gonçalves mostra-nos as etnias animistas (Felupes, Baiotes, Banhuns, Papéis, Brames, Balantas e Bijagós), as etnias animistas pouco islamizadas (Manjacos e sub-ramos Balantas), as etnias gradualmente islamizadas (Cassangas, Nalus, Beafadas e Pajadincas), seguem-se as etnias quase completamente islamizadas (predominantemente Fulas e Mandingas) e as minorias constituídas por católicos e por um grupo ainda mais minoritário de protestantes.

Vê-se que o autor leu atentamente a bibliografia da época e que lhe permite dissecar todas as etnias animistas à luz das investigações do tempo. É nas entrelinhas e nas observações que se perceciona qual a mensagem que o autor pretende fazer passar. Predominam as escolas muçulmanas sobre as escolas missionárias. Lembra-se que em meio século de atividade, entre 1900 e 1950, o islamismo obteve na Guiné mais adesões que os cristãos em cinco séculos de evangelização. Apela-se a uma maior eficiência da atuação dos missionários católicos, mas não se hesita em escrever: “Indígena islamizado está perdido para o cristianismo. Os maometanos guineenses têm grande respeito pelos missionários cristãos; não têm mesmo hesitação em mandar os filhos às escolas onde eles lecionam. Mas ao menor intento de catequese, ao mais pequeno sinal de que o espírito da criança se está interessando pela religião dos brancos – logo se ergue uma barreira a isolá-lo e a afastá-lo de tal influência. O missionário bem sabe isso e evita distribuir assim a sua atividade pelas áreas francamente islamizadas”.

E surpreende-nos com a afirmação que é possível catequizar as populações islamizadas, “não se esqueça que o sul de Portugal já foi habitado por muçulmanos que, em boa parte, se fizeram cristãos”. Mas as surpresas não ficam por aqui, o autor alerta para a possibilidade de os brancos se socorrerem de práticas de feitiçaria ou passem a usar amuletos iguais aos dos negros. E não sendo muito claro a quem está a culpabilizar, observa que o islamismo avançava em direção à faixa litoral e que não havia firmeza no binómio Administração – Missões. Sugere uma ocupação missionária que deve não só visar as regiões ainda pagãs como também as dominadas pelas etnias islamizadas.

Falando do protestantismo na Guiné, diz existir uma missão evangélica anglo-americana que tem sede em Bissau e várias filiais e que mantém um dispensário de combate à lepra em Bissorã. É um protestantismo que sabe atuar no campo assistencial e que dispõe de fundos. E deixa um alerta: “Os missionários protestantes não favorecem a nossa política de integração porque não lusitanizam, mas são cuidadosos no trato com as nossas autoridades administrativas”.

Discreteia seguidamente sobre alguns aspetos mais representativos da influência árabe-islâmica na Guiné, especificando a ação dos marabus, mouros, judeus e sírios. Contextualiza a atividade das confrarias muçulmanas (a Qadiria e a Tidjania), citando Teixeira da Mota:
“A confraria dos Qadiria foi fundada no século XII na Mesopotâmia. Na África Ocidental, o movimento está desligado da confraria-mãe e subdividido em confrarias independentes, embora todas subordinadas aos ideias e práticas da ordem Qadiria. Os fiéis aspiram ao aniquilamento do ser perante Deus, para o que se recomendam práticas comparáveis às dos dervixes orientais (…). Na nossa Guiné os principais centros Qadiria são Jabicunda e Bigene, na circunscrição de Bafatá. Parece que a maioria dos Mandingas do nosso território segue a ordem Qadiria. Quanto à confraria Tidjania, diz igualmente Teixeira da Mota que “é de origem relativamente recente (fins do século XVIII) e especificadamente africana, constituindo, além do lado religioso, uma ordem política e em certas épocas também guerreira, nomeadamente sob o afamado Al Hadj Omar, que se serviu dela para combater os Qadiria, cuja influência suplantou no Futa Djalon e Futa Toro. Na Guiné Portuguesa um dos principais centros Tidjania é Ingoré, onde um xerifo prepara numerosos talibés vindos de áreas distantes, inclusive Beafadas. Ao que parece, a maioria dos Fulas segue esta ordem”.

As etnias islamizadas iam exercendo a ação catequística junto dos animo-feiticistas, daí resultando fenómenos como a mandinguização e a fulanização. E o documento de divulgação salta agora para as Artes Plásticas, concluindo que as proibições religiosas na escultura, vedando, por exemplo, a reprodução de figuras animadas, tornavam as Artes Plásticas muito pobres, as grandes exceções era a escultura bijagó e o que restava da escultura nalu.

Em jeito de conclusão, o autor enfatizava a urgência de: dar maior incremento à ação missionária e católica, sugerindo que a catolicização devia ser predominantemente dirigida para as famílias monogâmicas; estudar atentamente os nexos políticos resultantes da peregrinação a Meca, sobretudo naqueles aspetos que mais de perto se prendem (ou possam vir a prender-se) com a nossa soberania nas terras guineenses; combater a difusão do árabe como língua franca e litúrgica da Guiné, incrementando o crioulo e criando mais escolas para difusão do português; vigiar sempre a administração da Justiça – pedra de toque da nossa civilização e que mais vivamente apaixona a mentalidade dos primitivos atuais. Todo o ato injusto conduz à rebelião latente. Daí a necessidade de a justiça europeia nunca dever aparecer inferiorizada em relação aos preceitos corânicos.

Todo este quadro ideológico enunciado por José Júlio Gonçalves se esfumou com as realidades da independência da Guiné-Bissau. A esfera confessional está alterada: o islamismo pouco cresceu, quem cresceu significativamente foi o catolicismo, e ambos os credos, a que se pode adicionar o protestantismo, se relacionam bem, sem querelas. A língua portuguesa, como Amílcar Cabral sempre advogou, foi “roubada” aos portugueses, é língua do Estado, Cabral era firme nesta decisão, o enclave tinha que se distinguir da língua francesa, para não ser engolido. Tal como Teixeira da Mota sugeria, o crioulo é a língua franca dos guineenses e a língua portuguesa lá prossegue aos tombos… sem preocupações de lusitanização. Quanto às missões, florescem, são respeitadas nos domínios da Saúde e da Educação, sobretudo. Em muitos casos, estes missionários são apoiados por organizações não-governamentais de gabarito, que contam com voluntários de excecional qualidade, preparando formadores e pessoal técnico e auxiliar em vários ramos da Saúde.

Imagem referente à Fundação Instituto Social Cristão Pina Ferraz, Missão Católica de Cumura.
Imagem referente à Fundação Instituto Social Cristão Pina Ferraz, Missão Católica de Cumura.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23410: Notas de leitura (1461): "Crónicas Soviéticas", por Osvaldo Lopes da Silva; Rosa de Porcelana Editora, 2021 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23359: Notas de leitura (1456): Os Jesuítas na Senegâmbia, os personagens de um insucesso (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Não foi por acaso que a título excecional se detalhou no blogue a "História das missões católicas da Guiné", pelo Padre Henrique Pinto Rema. Bom seria que dispuséssemos de vários contraditórios: o que era efetivamente a presença do islamismo naquelas paragens quando ali arribámos em meados do século XV; é facto que há relatos, e muito esclarecedores, das práticas animistas naquilo que se convencionou chamar a Grande Senegâmbia, a antropologia, a etnologia e a etnografia têm efetuado importantes trabalhos sobre práticas animistas quer no continente guineense quer na área arquipelágica. Já o padre Pinto Rema na sua obra incontornável acima referida dava conta dos inúmeros escolhos que se punham à atividade missionária, o clima, a hostilidade dos traficantes de escravos e outros mercadores, a ignorância das línguas nativas, a solidão. Tudo dificultava a construção de igrejas e a catequização. O diálogo religioso com a comunidade islâmica era impossível, vivia-se em intolerância; e a perseguição aos ídolos revelava-se totalmente ineficaz. Os franciscanos foram os mais persistentes, os jesuítas vieram cheios de entusiasmo, morreram quase todos. Um deles, o padre Manuel Álvares, deixou-nos um documento sobre esse território que era conhecido como a Etiópia Menor que, estranhamente, nunca passou de manuscrito. Coisas da cultura ou da incúria cultural.

Um abraço do
Mário



Os Jesuítas na Senegâmbia, os personagens de um insucesso

Beja Santos

Fez-se referência no blogue, e de modo exaustivo, à obra fundamental de ação missionária na Guiné, “História das missões católicas da Guiné”, pelo Padre Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. O padre Pinto Rema referiu-se à presença dos jesuítas, convirá dela dar mais algum detalhe. Uma das figuras fundamentais é o padre Manuel Álvares. Convém não confundir o missionário com o gramático. Sobre a obra do gramático, recomenda-se a leitura do artigo “A época e a obra de Manuel Álvares”, por Rui Nepomuceno, Revista Islenha, n.º 45, dezembro de 2009. Era também jesuíta e ficou especialmente conhecido pelo seu trabalho modelar como gramático. Este padre Manuel Álvares de que vamos falar foi estudado por Manuel Pereira Gonçalves, ele apresentou uma comunicação intitulada “Atividade e obra do padre Manuel Álvares nos rios da Guiné (século XVII), alguns apontamentos”, no Congresso Internacional de História, Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas, consta das Atas, volume I, Cristandade Portuguesa até ao século XV, Evangelização Interna, Ilhas Atlânticas, África Ocidental, Universidade Católica, 1993.

Manuel Álvares chegou à ilha de Santiago em 1607 e pouco depois partiu para o continente africano para ajudar o padre Baltazar Barreira, que aqui missionava desde 1605. Álvares de Bissau seguiu para Quínara e depois para a Serra Leoa, ia ao encontro do padre Baltazar Barreira que aqui andava em catequização. O autor deste trabalho enfatiza as principais razões do insucesso deste trabalho de missionação: o clima é devastador, os missionários morrem como tordos, dois logo em 1604, mais dois em 1607 e mais dois em 1608. Quando chegam para missionar já os Mandingas ensinavam o Corão. Acresce que os jesuítas não conheciam as línguas nativas. O bispo em Cabo Verde insistia em mandar visitadores, tentava-se assim estimular a missionação, mas eram visitas inúteis. Para além da região muçulmana, os missionários defrontavam-se com o animismo e o seu cortejo de idolatrias. Como no passado, e até no presente, o africano animista explica o sucesso ou insucesso da sua vida e das suas atividades pela proteção do Irã. E havia uma outra condicionante bem terrível: o isolamento. A vida religiosa só se compreende quando vivida em comunidade, mesmo os Trapistas vivem em comunidade e com regras. Ora estes religiosos, sacerdotes e irmãos auxiliares, iam na disposição de construir igrejas e sentiam que naquele deserto humano não havia ninguém com quem pudessem manter um diálogo. Numa tentativa de ultrapassar esta situação, o padre Baltazar Barreira pediu ao seu superior Provincial que enviasse para a Missão da Serra Leoa pelo menos dois sacerdotes que dessem continuidade ao seu trabalho.

Nove dias após a chegada a Santiago, o padre Manuel Álvares acompanhado pelo Irmão Pedro Fernandes parte para o Rio Grande. Mais tarde, assistiu ao batismo da irmã e do irmão do rei D. Filipe de Leão, rei da Serra Leoa. Baltazar Barreira considerou que foi o casamento católico do irmão que moveu a irmã a receber o batismo. Como havia o receio de que vivendo no meio de pagãos podia perder a fé, a irmã do rei teve de abandonar o local onde vivia. Quem estiver interessado em estudar esta matéria com mais profundidade, recomenda-se a Monumenta Missionária Africana, Padre António Brásio, volume IV, a partir da página 621. Os jesuítas enviaram quinze sacerdotes ao todo, quase todos morreram. Ainda se exerceu missionação no Cacheu, que tinha uma igreja com clero diocesano e religioso e uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Natividade. Eram muito poucos os templos no território do que é hoje a Guiné, Santa Cruz no Rio Grande teve uma igreja dedicada a Nossa Senhora, durante bastante tempo houve um clérigo que lá ia dizer missa.

Um dos mistérios da histografia missionária e dos estudos do colonialismo é nunca a obra deste padre ter passado do manuscrito, Ethiopia Menor e Descripção Geographica da Provincia da Sérra Leõa, é considerado um trabalho de referência, incompreensivelmente não está acessível ao público. O padre Manuel Álvares discreteia sobre muitos assuntos, um deles tem a ver com o catecismo, seguramente que o preparou para a sua ação missionária. Tem aspetos curiosos, vale a pena citá-los:
“Os céus, apesar de incorruptos, imperfeitos, eternos, independentes, não foram feitos por si mesmos. Receberam de alguém o seu ser. É a primeira causa criadora. Também as estrelas, os planetas e todas as coisas deste mundo tiveram a sua primeira causa criadora. Nada há que não tenha um princípio e que não remonte a sua existência à primeira causa”. Mais adiante:
“O homem atingirá o dom da imortalidade por raro privilégio de Deus, ainda que não o possamos atingir pela própria natureza. A imortalidade do homem só é pela Providência Divina, é Deus que o encaminha para o fim sobrenatural; e ao homem não é dado o prémio nem o castigo antes de morrer”.

Porque não se salva o gentio a quem não foi anunciada a mensagem evangélica? O padre Manuel Álvares é da opinião que se tiverem vivido segundo a lei natural serão salvos. E porquê? Desde que tenham adorado quem os criou; tenham falado verdade, não tenham cobiçado o alheio; tenham guardado respeito pelo alheio; não tenham prejudicado em nada o que é dos outros; tenham usado com fidelidade aquilo que lhes pertence; tenham sido fiéis a todos os princípios, mesmo os matrimoniais.

O padre Manuel Álvares morreu em 1617. No século XVII, é possível que um ou outro sacerdote jesuíta tenha, em viagem esporádica, passado por aquelas paragens da África Ocidental, mas não há memória de outra presença efetiva e continuada. Anos mais tarde, em julho de 1642, os jesuítas deixam definitivamente a missão e os últimos sacerdotes rumam em direção a Lisboa.

Vale a pena seguidamente acompanhar a ação missionária do padre Baltasar Barreira, que teve uma atividade significativa em Cabo Verde, na Guiné e na Serra Leoa.

Ritual fúnebre na Senegâmbia, final do século XVII, imagem retirada de: https://www.researchgate.net/figure/FIGURA-2-Missionario-capuchinho-queima-casa-de-idolos-na-Africa-Centro-Ocidental-decada_fig2_304710892.
Missionário capuchinho queima casa de ídolos na África Centro-Ocidental, década de 1740, imagem retirada de: https://www.researchgate.net/figure/FIGURA-2-Missionario-capuchinho-queima-casa-de-idolos-na-Africa-Centro-Ocidental-decada_fig2_304710892.
Escultura da extremidade superior de sono em bronze com representação de duas pessoas montadas, acompanhantes e provavelmente um cão, imagem retirada de: https://revistas.ufrj.br/index.php/abeafrica/article/viewFile/19406/12989.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23346: Notas de leitura (1455): "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac; Europa Editora, 2022 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20153: Historiografia da presença portuguesa em África (177): O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Antes de mais, permito-me relembrar a quem acompanha estes pedaços da História da Guiné que aqui no blogue se publicou em extensa recensão a obra incontornável do Padre Henrique Pinto Rema "A História das Missões Católicas na Guiné", da Editorial Franciscana de Braga, que ainda está à venda a preço módico.
Este segundo relato do opúsculo que Teixeira da Mota publicou no Bolamense em 1958 relata dois martírios, missionários mortos, bem como os seus acompanhantes. Repare-se que no segundo episódio Frei Manuel de Malpica fazia parte da Missão da Serra Leoa, o que nos reconduz ao território da Senegâmbia Portuguesa, que foi minguando até ao século XIX e depois destroçado na Convenção Luso-Francesa de 1886. Este opúsculo possui um bom recorte literário, incontestavelmente apologético: quem se oferecia para missionar devia estar mentalizado para o martírio.

Um abraço do
Mário


O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (3)

Beja Santos

O primeiro número deste jornal publicado em Bolama data de 1 de agosto de 1956, trazia uma consigna: “Servimos Bolama, os governos da Província e toda a família guineense”. O jornal irá desaparecer em 1963, aqui se reproduz a capa do último número, do que se consultou os editores não deram quaisquer explicações para tal extinção. Há dois aspetos surpreendentes, no cômputo destas edições: a tentativa, inglória, de reerguer a importância de Bolama, dela falando a torto e a direito, dedicando-lhe farto noticiário, sem descurar um aspeto etnográfico geral, mostrando imagens das diferentes etnias e realizações por toda a colónia; e procurando dados culturais que ajudassem a entender a presença portuguesa, na administração, na ocupação e até na missionação. Da leitura de todos os números, pareceu de manifesto interesse republicar um artigo de Teixeira da Mota intitulado “A morte de dois franciscanos setecentistas, na Guiné”. No número anterior pôs-se ênfase no primeiro episódio do opúsculo referenciado pelo historiador Teixeira da Mota. Ele lembra estes folhetos que tiveram larga profusão, principalmente no século XVIII. E à data em que ele publicou esta notícia no Bolamense alguns já estavam reproduzidos. Estranhava o historiador que este opúsculo não era mencionado nas mais conceituadas investigações, como na obra de Sena Barcelos, João Barreto, D. José Ribeiro de Magalhães ou Freire Manuel de Monforte, estes dois últimos missionários.

Relatado o episódio do martírio dos Bijagós, vamos agora ao segundo caso:
Almirante Teixeira da Mota
“A notícia deste primeiro sucesso certamente move o sentimento ainda à mais insensível pedra, e quando na nossa lembrança vive impressa a magoada história pretendo com o segundo golpe aumentar mais o pesar.
Havendo pouco tempo que se tinha recolhido o Padre Fr. Manuel de Malpica da Missão da Serra Leoa, donde veio por terra à Deponga e Rio de Nuno, tendo feito nestas paragens grandes frutos em alguns cristãos que hoje vivem quase com os mesmos ritos dos gentios, e aos quais lhes posso dizer com o maior orador dos portugueses que são cristãos no credo e hereges nos Mandamentos, finalizada esta sua incumbência, que fez e concluiu com os olhos de Deus e proveito das almas, estando no Rio de Nuno com um moço do Hospício, que o acompanhava, depois de recitar naquelas estéreis e infrutíferas terras admiráveis sermões com proveito de muitas almas, lhe maquinaram e teceram tais enredos, mostrando sempre que o amavam e temiam, usando destes pretextos e pedindo-lhe se não ausentasse, ao que o religioso condescendendo a seus roubos se deteve algum tempo, que gastou em os catequizar. Mas vendo que não tinham emenda em o perseguir, tratou de se pôr nas mãos de Deus, cuidando em fazer sua viagem para a Bolola, vizinha do Rio Grande, por ter concluído por então da sua parte o desígnio da missão. Metendo-se a uns intrincados bosques por se acautelar do caminho, onde só habitavam feras e residiam monstros, principiou logo a experimentar o terrível efeito da fome, e para de alguma sorte não sentir o da sede lambia e chupava o orvalho que de manhã rociava a aurora nas folhas das plantas. E depois padecer grandes e imensos trabalhos, chegou a Bolola, e debaixo de fiança ao rei desta terra se passou à Praça de Geba, povoação cristã, de onde mandando-se pelo síndico dos religiosos que ali estava a dita fiança ou resgate, se embarcou para Bissau.

Deste Hospício de Bissau, depois de estar convalescido de algumas moléstias, foi para o Hospício de Cacheu. E depois de embarcado começou a navegar prosperamente, mas tendo a lancha dado fundo sobre o sítio chamado Bijamita lhe saíram ao encontro os gentios denominados Brames, de um rio que vai do caminho de Cacheu para Farim e si ao pé de Canhop. Ao qual sítio lhes saíram e se puseram em tom e forma de os cativarem, como costumam, tomando logo a popa e a proa da lancha; e entrando dentro não acharam resistência, mataram a maior parte dos escravos.
Desta tirania escapou por então o padre e o piloto, o padre absolvendo a todos e clamando aos gentios e dispondo aos cristãos da parte de Deus se conformassem. Outros que também dormiam, depois que o motim espertou a todos, se lançaram a nadar em forma de escaparem; e aos que ficaram, entrando a ira dos gentios, matou a todos. E este religioso experimentou o ser degolado com um traçado, permitindo Deus que o dito padre, escapando das fomes e sedes nos matos e da ferocidade de muitos bichos, viesse a acabar a vida nas mãos daqueles bárbaros, em 26 de Abril de 1743.

Para se louvar é o zelo da santa e reformada Província da Soledade, pela perseverança em que continua a mandar os seus religiosos para o exercício missionário para bem das almas de todos os inumeráveis habitantes daquela conquista, indo uns e vindo outros há cento e tantos anos, em tempo do Senhor Rei D. João IV, sendo pedidos e mandados pela sua real piedade e grandeza para conduzir ao redil da Igreja de Roma as ovelhas desgarradas pelas cegas veredas e caminhos da gentilidade. Colhendo com efeito nos primeiros anos e muitos depois conhecidos frutos de tão grande seara, expondo-os agora e a nós a esta parte aos referidos e semelhantes insultos que outras muitas vezes têm sucedido.

E por isso é necessário expressar, como é público e notório a todos os filhos da Europa que para as ditas terras selvagens navegam, o quanto vivem cativos quotidianamente da indolência e tirania gentílica”.

Findo o relato, Teixeira da Mota observa que se deduz claramente que o primeiro episódio passado nos Bijagós teve lugar entre a Ilha de Pecixe e a região de Canhobe portanto no Canal de Cajegute ou proximidades. Neste segundo episódio, a referência é confusa, mas a indicação da região de Bijamita sugere o Rio Mansoa. Na época designavam-se em conjunto por Brames os atuais Brames, Manjacos e mesmo Papéis, o que é difícil saber ao certo quais foram os autores do assalto à lancha em que seguia Frei Manuel de Malpica. Os “Rios da Guiné” não foram somente vias de comunicação pacífica facilitando o estabelecimento dos portugueses. Os episódios relatados são somente dois entre muitos outros atos de guerra e pirataria que neles tiveram lugar, e em que se destacaram os Bijagós.

Releva Teixeira da Mota que o comércio de escravos veio contribuir para o agravamento de tal estado de coisas. Estes textos de Teixeira Mota foram publicados no Bolamense em 1958.

E deste modo finda esta síntese informativa ao jornal Bolamense cuja leitura nenhum investigador das terras da Guiné deve descurar.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20143: Historiografia da presença portuguesa em África (175): O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18829: Notas de leitura (1082): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (8) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
O padre Henrique Pinto Rema descreve o período turbulento que acompanhou a independência da Guiné-Bissau, a fúria nacionalizadora levou à degradação das instituições missionárias e ao desperdício desses missionários ativos na ação educativa e sanitária.
Segue-se um relato pormenorizado do reerguer destas atividades, relato que finda com a descrição do trabalho das missões até 1981.
A história destes franciscanos que aqui chegaram em 1955 já veio contada aqui no blogue, em recensão de outra obra. Fica a confirmação de que o trabalho de Pinto Rema continua a ser inultrapassável e bem merecia continuidade até ao nosso tempo.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (8)

Beja Santos

Estamos chegados à investigação quanto ao trabalho das missões católicas na República da Guiné-Bissau, derradeiro capítulo do indispensável livro “História das Missões Católicas na Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. O autor recorda como sempre foi limitado o domínio português na Guiné e recorda a existência de feitorias comerciais sempre transformadas em fortalezas, praças ou presídios. O território ocupado na chamada Senegâmbia foi reduzidíssimo. O capitão de Marinha Ernesto J. D. C. e Vasconcelos em As Colónias Portuguesas, Lisboa, 1903, refere a superfície da Guiné em 11.384 quilómetros quadrados. Lopes de Lima avaliava em 1844 a superfície da Guiné em 16 a 18 milhas quadradas e a sua população em 2500 livres ou libertos (incluindo a tropa) e 2000 escravos. Em 1891, o Capitão Viriato Zeferino Passalagua, Secretário-Geral interino, ao entregar o governo da Guiné a Luís Augusto de Vasconcelos e Sá, disse em discurso público:  
“Tem esta colónia seis pontos definitivamente ocupados: a ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e Geba. A área da província da Guiné é grande; porém, a esfera de acção do nosso domínio e especialmente da nossa autoridade é limitada aos pontos por nós ocupados, que, na nossa área são quase nada em relação à da província”.

Pinto Rema refere os primórdios do nacionalismo, o aparecimento do MING e depois o PAIGC, realça as greves de 6/7/8 de Março de 1956, em que houve agressão dos marítimos e estivadores à força policial, a polícia prendeu cinco cabecilhas grevistas e levou-os para a esquadra. O Governador Melo e Alvim veio pessoalmente à esquadra libertar os cinco presos. Os polícias sentiram-se vexados. Seguiram-se dois dias de greve e protesto. Serão os mesmos grevistas que em Março de 1956 irão desencadear novo protesto em 3 de Agosto de 1959. Pinto Rema descreve o chamado massacre do Pidjiquiti detalhando que os insubordinados dispõem de remos, barras de ferro, pedras e arpões. No primeiro recontro, os dois chefes da polícia serão selvaticamente agredidos, depois de terem disparado para o ar. Na continuação das tensões, a polícia perdeu o autodomínio e começou a atirar a matar. Havia 13 a 15 mortos espalhados no cais do Pidjiquiti mais os cadáveres de marítimos e estivadores arrastados pelas águas do Geba, estes dados foram fornecidos ao autor pelo guarda Francisco Valoura, mais tarde funcionário colonial. Acendera-se o rastilho para futuras contestações. Segue-se o ataque a S. Domingos em 21 de Julho de 1961 e depois as destruições em Suzana e Varela.

Finda a descrição sobre a luta armada, chegamos ao 26 de Abril em Bissau. A 1 de Maio de 1974 chega à Prefeitura Apostólica da Guiné um extenso telegrama onde se diz em dado momento: “A Santa Sé acompanha atentamente o evoluir da situação para ponderar quais as novas indicações que possam eventualmente vir a ser dadas para a vida da Igreja nesse território". O diretor do trissemanário A Voz da Guiné, padre Cruz Amaral, foi substituído por um militar marxista e no jornal os portugueses começaram a ser postos em cheque. Inicia-se a debandada. O êxodo atingiu proporções tais que no dia da declaração da independência por Portugal, 10 de Setembro de 1974, havia em toda a Guiné menos de 100 civis brancos. As Irmãs Franciscanas Hospitaleiras que trabalhavam no Hospital Central de Bissau foram forçadas a abandonar o seu mister acusadas essencialmente pelas suas exigências com o pessoal menor, foram acusadas de prepotência por quererem correção, presença nos serviço e trabalho. Em finais de Setembro, o padre Lino Bicari, filiado no PAIGC e com credências de Luís Cabral, expõe aos missionários a linha do PAIGC em matéria de religião e ensino. A liberdade religiosa seria salvaguardada mas as escolas passariam a ser património nacional, a escola passaria a ser absolutamente laica. Progressivamente, a vida das missões entrou num descalabro e subiram de tom as acusações anónimas. O Prefeito Apostólico é prevenido por um missionário de Catió que seria expulso por ter colaborado com a PIDE/DGS. Monsenhor Amândio Neto entende não dever estar presente na hora da transmissão de poderes, então prevista para o dia 12 de Setembro, marcou passagem de avião para 9. O Núncio Apostólico escreveu-lhe: “Esta é a hora menos oportuna para Vossa Reverência se ausentar”. Os missionários vivem solidários com o Prefeito Apostólico e este em 10 de Setembro envia um telegrama ao presidente Luís Cabral saudando no momento histórico, saudação que abraçava todo o pessoal missionário e o povo cristão, augurando futuro glorioso, pacífico e progressivo para a República da Guiné-Bissau.

Após o golpe de Estado de 14 de Novembro, Nino Vieira deu sinais claros que pretendia que as Missões Católicas estendessem a sua ação educativa nas escolas e levassem a sua ação sanitárias aos hospitais.

A nova diocese de Bissau é criada em Março de 1977 pela Bula Rerum Catholicaram. O autor é minucioso a descrever a dinâmica apostólica na diocese de Bissau, o novo bispo sai prontamente em visita às missões. Pinto Rema descreve o trabalho do Movimento de Grupos de Jovens, do Centro Artístico Juvenil e Seminário de Bissau e faz um relato minucioso do diálogo ecuménico travado com protestantes e muçulmanos.

No termo do seu trabalho, Pinto Rema analisa as missões atuantes em 1981. Depois de 960 páginas despede-se assim: “As últimas centenas de páginas foram escritas por quem viveu de muito perto os acontecimentos que relata mas só minimamente interferiu neles. Pôde, assim, ser o mais possível imparcial. Abriu um leque bastante vasto de perspectivas para a visão de conjunto surgir mais nítida. Teme, porém, que tenha escondido a floresta para mostrar a árvore. Eu ficaria muito satisfeito se este meu trabalho despertasse a curiosidade de verdadeiros historiadores para uma pesquisa do fenómeno religioso na actual República da Guiné-Bissau, a partir do ponto de vista católico”.
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Nota do editor:

Postes anteriores de:

21 de maio de 2018 Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (1) (Mário Beja Santos)

28 de maio de 2018 Guiné 61/74 - P18688: Notas de leitura (1070): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (2) (Mário Beja Santos)

4 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)

11 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

18 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)
e
25 de junho de 2018 Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)
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2 de julho de 2018 Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18816: Notas de leitura (1081): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Chegámos à penúltima etapa, a atividade missionária entre 1955 e 1973.
Em 1955, a Missão da Guiné Portuguesa foi elevada à categoria de Prefeitura Apostólica. É um período de construções e de intensificação da ação educativa e existencial. Em 1961, começa o refluxo missionário com a chegada de contingentes militares que ocupam instalações de muitas missões, e muitos missionários, por insegurança, abandonam lugares. Como observa o Padre Pinto Rema, a atividade missionária foi apanhada entre dois fogos, e dá o exemplo do Padre António Grillo, da Missão de Bambadinca, que ainda é recordado pelos muçulmanos e animistas de Bambadinca, Samba Silate e Nhabijões.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (7)

Beja Santos

Prevíamos ser este o texto derradeiro da necessariamente longa recensão à incontornável obra “História das Missões Católicas da Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982. Não será assim, haverá ainda um texto sobre as missões católicas na República da Guiné-Bissau.

O período ora em análise compreende 1955 até 1973. Temos agora os franciscanos na Prefeitura Apostólica. Com efeito, em 1955, a chamada Missão da Guiné Portuguesa foi elevada à categoria de Prefeitura Apostólica. D. Martinho Carvalhosa, franciscano português, é confirmado como Prefeito Apostólico. O gesto da Santa Sé coroava o esforço missionário dos últimos 15 anos. O autor descreve assim D. Martinho:  
“Sempre insatisfeito com os outros, ele está em toda a parte a dar palavra de ordem aos seus padres e religiosos e aos seus professores-catequistas. Como construtor de igrejas, de capelas, de residências missionárias e de escolas, os gerentes das casas fornecedoras de materiais, os administrativos da Guiné e os encarregados das obras estão-lhe constantemente no pensamento para lhes regatear preços e pedir descontos especiais em ajudas. Ele próprio empenha, em meados de 1954, ao Banco Nacional Ultramarino, o seu vencimento de 500 contos, depois de ter obtido autorização da Santa Sé e do seu conselho missionário”.

E segue-se ume esclarecimento importante:  
“Monsenhor Carvalhosa está a par dos movimentos subversivos, ainda subterrâneos, em 1955. Acompanhá-los-á de perto e com ansiedade, até à sua manifestação violenta na madrugada de 21 de Julho de 1961, no ataque a S. Domingos. Ele previu o que representavam as greves dos estivadores no cais do Pidjiquiti nos dias 6, 7 e 8 de Março de 1956 e os recontros então havidos com as forças da ordem, as organizadas debandadas para território estrangeiro (aliás sempre notadas pelo Superior da Missão de Bula em 1956 na sua área), a existência de certos grupos de orientação política e rácica e a rebelião do Sul contra os impostos”.

Monsenhor Carvalhosa regressa à metrópole em Setembro de 1962, sucede-lhe o Padre João Ferreira, que chega a Bissau no ano seguinte. Por razões de saúde, retira-se em 1965. Nas ausências dos Prefeitos Apostólicos tomou quase sempre conta do expediente da Circunscrição Missionária da Guiné o Padre Amândio Neto, franciscano português que chegara a Bolama em 1941.

Pois bem, os franciscanos da Província de Santo António de Veneza chegam a Bissau em 1955, logo entre eles D. Settimio Ferrazzetta, que irá ter um papel da maior importância na tentativa de reconciliação entre as partes em litígio no dramático período do conflito político-militar no fim do século. Até ao ano de 1969 a única congregação feminina que exerceu atividade na Guiné foi a das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Em 1969, a Prefeitura pediu ao governo da Guiné a entrada de mais uma congregação irmãs religiosas estrangeiras, as Missionárias Franciscanas do Coração Imaculado de Maria, com sede em Roma.

Um apontamento sobre a ação educativa. Em Julho de 1954, Monsenhor Carvalhosa escrevia: “Na Guiné é absolutamente certo que a diferença entre o indígena das nossas escolas e os assimilados é nula ou simplesmente mínima”. Um acontecimento político acabou por contribuir para a melhoria da ação educativa na esfera missionária. O Governador Melo e Alvim chega à Guiné no início de Janeiro de 1954 e logo se lançou nos preparativos da viagem do Presidente da República General Craveiro Lopes, que ocorreu em Agosto de 1955. Apareceu dinheiro e as obras começaram a sair dos alicerces. Escreveu então o Prefeito Apostólico: “Foi possível que durante 18 meses, em construções, movimento escolar, assistência e meios culturais as missões católicas avançassem 10 anos”. Mas as dificuldades eram inúmeras, como escreve Pinto Rema:  
“O pessoal docente era formado nas escolas das Missões de Bula e Bafatá. Os rapazes dali saídos não eram muitos nem possuidores de grande bagagem cultural. No entanto, tal pessoal docente era único capaz de se sujeitar a todos os ambientes e a trabalhar nas piores condições. A ausência de escolas de adaptação no Leste da província da Guiné explica-se pela extensão enorme daquela área, servida unicamente pelas missões de Bafatá e Bambadinca e sem meios de transportes capazes para a tal constante fiscalização, sempre necessária”.
Na ação assistencial, ganha relevo o histórico que o investigador apresenta acerca da leprosaria de Cumura.

Bastante interesse tem também o conjunto de notas que o autor intitula “As Missões da Guiné na conjuntura da guerrilha”. As instalações das missões vão sendo sacrificadas com a chegada de contingentes militares. Logo a Missão de Mansoa foi a primeira a ser sacrificada com entrega ao Exército do pavilhão acabado de construir, em Maio de 1961. O Governador Peixoto Correia pediu à Prefeitura, em Junho de 1961, a cedência de duas salas, do refeitório e dos sanitários da missão de Bula. Foi ocupada a escola missionária de Mansabá e também a Missão de Suzana foi ocupada em Outubro de 1961. Nesse mesmo mês, o comandante militar pede à Prefeitura o edifício das Missões de Catió e depois Teixeira Pinto, Bambadinca, Ingoré e Xitole. Tudo muda em Bissau com o êxodo provocado pela guerra e o autor descreve detalhadamente o funcionamento das missões neste período crítico. Dar-se-ão conflitos entre missionários e as Forças Armadas. Veja-se o exemplo da Missão de Bambadinca que atingiu diretamente um missionário altamente prestigiado e que trabalhava na área populosa de Samba Silate e Nhabijões. Vindo de férias em Abril de 1962, o Padre António Grillo vê-se entre dois fogos, guerrilheiros do PAIGC e Forças Armadas, os grupos comandados por Domingos Ramos já estão ativos. O Padre Grillo vê-se envolvido, é preso em Fevereiro de 1963 e recambiado para Itália. A Missão de Bambadinca é ocupada pelo Exército que nunca mais a abandonou. Pinto Rema explica que o mal funcionamento das escolas no mato é fenómeno anterior à chegada da guerrilha, mas o período de subversão a partir de 1962 alterou tudo. Falando ainda de Bambadinca, diz o autor que as escolas da Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Finete e Santa Helena não abriram em Outono desse ano por falta de frequência dos alunos e por causa da intranquilidade da área. A guerrilha iria afetar profundamente a atividade missionária em todo o território, incluindo Bissau e os Bijagós.

(Continua)
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Nota do editor

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