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sábado, 10 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13124: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte V: (i) A praxe (a história de uma partida a um alferes pira e que envolve também o cap inf Vasco Lourenço); e (ii) a cabra do mato que chorava (Fernando Pires, ex-fur mil at inf)


Capa da brochura "Histórias da CCAÇ 2533"



1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte V (Fur mil at inf, 3º pelotão, Fernando Pires)


[Imagem à esquerda: guião da CCAÇ 2533, cortesia de Carlos Coutinho, cuja coleção de guiões nos foi facultado pelo nosso camarada António Pires, do portal Ultramar Terraweb]


Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). Esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças).

A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento (que também nos facultou um exemplar em papel e que, até ao momento, é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande). Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em  Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras, cuja história já aqui foi publicada pelo nosso camarada e amigo Carlos Silva, carinhosamente tratado por "régulo de Farim".

 Começamos hoje a publicar a colaboração do fur mil at inf Fernando J. do Nascimento Pires, que pertenceu ao 3º pelotão,  São duas pequenas histórias: (i) a praxe (pp. 27/28); e (ii) a cabra de mato (p. 29). 

Aproveito para, em troca da sua colaboração, convidar o Fernando Piers para se juntar à nossa Tabanca Grande. Só precisamos de 2 fotos dele, uma atual e outra do tempo da tropa... O convite é extensivo aos restantes autores, que iremos publicando. (LG)










Cortesia de Fernando Pires (ex-fur mil at inf, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), e dos seus camaradas Joaquim Lessa e do Luís Nascimento


(Continua)
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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12027: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (27): Vídeo "Piriquito vai pró mato", gravado recentemente em Gadamael Porto


Vídeo (1' 03''): Piriquito vai pró mato. Alojado em You Tube > ADBissau

1. Gravação feita há dias em Gadamael Porto, e enviada ontem pelo nosso amigo e parceiro Pepito, diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.

Letra: Piriquito vai pró mato, oh lé, lé, lé /  Piriquito vai pró mato, oh, lé, lé, lé ,lé / Passarinho di gazela, oh lé, lé, lé,  / Piriquito vai pró mato, oh, lé, lé, lé lé /, Velhinho vai prá Lisboa, olé, lé, lé, lé ... 

Acompanhamento: realejo, palmas, vozes.
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domingo, 16 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11711: FAP (72): Eu, periquito, me confesso... (António Martins de Matos, ex- ten pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)

1. Mensagem de ontem do nosso camarada António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, atualmente ten gen pilav ref

Eu periquito me confesso
por António Martins de Matos

Disse o Luís Graça no seu discurso de boas-vindas do nosso último encontro [, em Monte Real, 8 de junho passado,] que tínhamos no nosso convívio uma série de novos periquitos.

Sinal de vitalidade, alguns dos novos a chegarem, só que não ouvi os habituais PIUs, tão característicos da recepção aos maçaricos por aquelas terras onde andámos. 

Sinal de velhice?

Alzheimer?

Estarei a ficar surdo?

É certo que já somos todos sessentões mas que diabo, um periquito é um periquito e, por mais airoso que seja, … tem de ser devidamente enquadrado. Este pensamento levou-me a recordar os meus tempos de Periquito na Guiné.

Eu, tenente piloto aviador dos jactos, embarquei para a minha comissão num DC-6, no Figo Maduro e na madrugada de 10 de Maio de 1972.

Algo que muitos teimam em não reconhecer mas que vem descrito nos compêndios da especialidade, uma guerra de guerrilha nunca se ganha nem se perde pela via militar, só termina com uma decisão política, (esperem um pouco, esta verdade vai mais uma vez ser confirmada no Afeganistão de 2013), estava absolutamente convencido que faria mais comissões, razão pela qual e podendo ter sido nomeado para Luanda me tinha oferecido para a Guiné, a ideia era começar pelo pior, depois logo se veria…

O voo foi sem história, até já conhecia a África das areias, só que, ao abrirem a porta do DC6..., cum caneco!, o calor e cheiro à África dos trópicos a entrarem-me pelas narinas.

Alguém me tinha ido esperar ao Terminal e logo me conduziu ao meu novo local de trabalho, o Grupo Operacional 12 e Esquadra 121 da Base, à chegada ouvi um ou outro PIU, nem sabia o que isso era.

Apresentações feitas às Entidades competentes e logo me deram um alojamento na Base, uns 9m2, uma cama de ferro, uns caixotes pintados de branco a fazerem de prateleiras tipo Móveis 3K e uma ventoinha que fazia um barulho semelhante a uma batedeira de bolos e que motivou a minha primeira decisão em terras africanas, comprar em Bissau e na “Casa Pintosinho” uma nova e silenciosa ventoinha que me deixasse dormir.

No dia seguinte à chegada lá vesti o meu fato de voo, emblema dos Falcões bem visível “à cause des mouches”, apresentei-me no Grupo 12, só aí é que percebi que aqueles PIUs insistentes que ia ouvindo me eram destinados !!!!

Piloto dos jactos, reacções rápidas, logo tentei cortar o mal pela raiz, apontei a um Furriel que acabara de “Piar”, o homem assustou-se quando viu um Tenente a vir na sua direcção, ao chegar ao pé dele perguntei-lhe algo que nada tinha a ver com a situação... Nunca mais houve PIUs e … fiz um amigo.

Mas sejamos claros e aqui que ninguém nos ouve, todo e qualquer militar que chegasse à Guiné, independentemente dos PIUs e correlativos e até ficar completamente à vontade naquelas terras (e ares), era um completo…Periquito.

A adaptação não era só em relação à guerra mas sim a tudo o que o rodeava, até mesmo o andar por Bissau era também algo de “misterioso e preocupante”, nos primeiros dias até fui armado com uma Walter PPK, sabia lá se havia algum turra à porta do Pelicano ou do Solar do Dez?

E, falando do Pelicano, dizia-me um piloto velho: “ Vamos comer uns Ninhos”?... Ninhos? Que raio de porcaria seria essa?

E uma ida às ostras? Eu até gostava do marisco, estava habituado a comer um prato delas (6) ali para os lados da Solmar ou da Portugália, abertas e com gelo, o susto que apanhei quando me puseram à frente um facalhão e uma travessa a fumegar cheia de pedras, tive que aprender como se comiam aqueles conglomerados.

Muitas outras coisas me foram sendo ensinadas pelos velhos, o uso do Lion Brand, não beber água da torneira, as pastilhas de sal e de quinino, as diferenças entre a bagaceira, o brandy e o whisky...

O ser periquito também tinha algumas vantagens, observava-se o ambiente sem ideias pre-concebidas ou segundas intenções, logo ao segundo dia constatei que o PAIGC podia terminar a guerra de um dia para o outro, bastava dar uma bazokada na carrinha dos pilotos que todos os dias seguia às 19:00 para Bissau e regressava às 21:00, de um só golpe acabavam com a acção da FAP.

Periquito mas não parvo, de imediato e apesar de não ter a respectiva carta de condução, comprei uma moto, uma Yamaha 200, linda de morrer, 16 notas da Metrópole, lá no meio do escuro da estrada Bissau-Bissalanca até podia ser comido por uma jibóia mas bazokada é que não me acertava.

Ao terceiro dia de comissão estreei-me a dormir no mato, em Pirada, algo que a maior parte dos velhos nunca tinham feito, claro que não disse aos FTs locais que era um PIRA acabado de chegar….nem eles me perguntaram, estavam preocupados com a situação do momento já que o comerciante local (Mário Soares de seu nome, nada a ver com o outro) se tinha ausentado, quando ele se ausentava era sinal divino e misterioso que podiam “embrulhar”, felizmente nessa noite nada aconteceu.

Depois foi o aprender a voar DO-27, “só podes levar 350 kg de carga”, logo a pergunta confusa mas pertinente do PIRA: “Há balanças no mato? Como é que peso a carga?”

“Não pesas, como regra e por cada passageiro contabilizas 70kg, podes levar 5, ou então 4 e umas malas, ou...vais fazendo as contas, se forem fusos e como na Marinha comem bem melhor que nos restantes quartéis, fazes 90 kg por cabeça".

"Antes de descolar e já que algum pessoal julga que um avião é parecido com uma Berliet, tens sempre de voltar a contar as cabeças não vá aparecer-te um passageiro clandestino”.

A minha primeira missão operacional de DO-27 foi levar 4 belos Coronéis de Bissau a Tite e Fulacunda, os seus temores ao constatarem que estavam na presença de um PIRA Aviador, apenas descolados de Tite e não fosse o PIRA perder-se, já todos apontavam com o dedo a direcção de Fulacunda, melhor sistema de navegação não podia existir.

A minha aprendizagem durou algum tempo, queixavam-se os do Exército que iam mal preparados para o Ultramar, a primeira vez que larguei uma bomba real foi… na Guiné, até essa data apenas tinha largado bombas de treino (e esta, heim?).

As primeiras impressões de voo na Guiné também foram estranhas, não se enxergava um palmo diante do nariz pelo que me parecia estar a voar num grande território, era o final da época seca, logo vieram as chuvas e fiquei com a ideia que o território tinha encolhido. E depois havia alguns temas que me faziam sentir um autêntico PIRA, em termos de reconhecimento do terreno não conseguia ver nada do que os pilotos mais batidos viam, eles bem se esforçavam por me mostrar o que estava por baixo da floresta mas os meus olhos não conseguiam focar para além da copa das árvores, era tudo verde, o resto ficava difuso.

Só quando passados alguns meses e na área do Morés finalmente consegui enxergar umas palhotas dissimuladas no meio da floresta, então sim, dei o treino por terminado, tinha deixado de ser PIRA e entrado directamente para a categoria de Velho.

Para o final da comissão todo o pessoal mais antigo acabava por ter uma nova tarefa, acolher os novos PIRAS, tentar tirar-lhes as dúvidas e receios, transmitindo-lhes um pouco da experiência acumulada, o circulo a completar-se.

E, como tudo na vida, se a maior parte dos PIRAS lá ia assimilando os conselhos dos mais velhos, também havia aqueles que, por razões desconhecidas, chegavam dizendo já saberem tudo de tudo… nunca seriam PIRAs!

Foram esses que identificaram bases de morteiro onde só havia… eiras de arroz!

Também foram esses que, em grande alvoroço, identificaram marcas de blindados anfíbios a saírem do rio Cacheu.

A observação posterior de um velho concluiu que, a ser um blindado tinha de ser do tipo bicicleta, já que havia apenas um “rodado”.

Mais tarde e depois de grande azáfama concluiu-se que o “rodado” pertencia às marcas que um crocodilo tinha deixado ao sair do rio em direcção à margem.

Passou a ser conhecido como “O Crocodilo”.

Há muitos anos que a guerra terminou…

O tempo foi passando…

Já não há ninguém que me ensine…

Tenho saudades de ser PIRA
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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11703: FAP (71): O AL III faz 50 anos de operação e eu gostaria de saber como se fazia a Instrução da sua pilotagem na época (Fernando Leitão, ten cor pilav, Área de Ensino Específico da Força Aérea, Instituto de Estudos Superiores Militares) 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11101: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4): Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)

1. Mail do Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez, (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), que tem andado um tanto escondido  "escondido" por detrás do poilão da nossa Tabanca Grande:

Viva,  Luís,

Acabei de votar Concordo ( mau grado o secretismo que deve envolver as votações...)

E votei Concordo porquê ?

Fui praxado,e não vi nada de mal nisso, antes pelo contrário.  A praxe serviu para criar nos piriquitos a necessidade de sentirem a dura realidade da guerra, como que um acordar para a mesma mas também para os familiarizar com as dificuldades...

Há duas ou três situações que por muitos anos que viva nunca esquecerei...

Estávamos em sobreposição com a companhia que íamos render a Bissum/Naga,e à noite,na messe ouvíamos um alferes da companhia velha a "contar vantagem" (como diriam os brasileiros...). Era um operacional de truz,no mato tivera inúmeros contactos com o IN...  Os turras tinham-lhe medo pois ia para o mato com galões apensos (ao estilo AB...).

Viríamos a saber depois,  por um seu furriel, que se tratava de um faroleiro que se pisgava do mato sempre que podia...). Pois durante as suas divagações, pousou-lhe um mosquito num braço... Sem sequer fazer menção de o afastar do braço, olhou-o e disse : 
- Mas que falta de respeito é esta ? Com tantos piriquitos e vais escolhar a velhice ? 

Aquilo foi uma espécie de abanão para a consciencialização de que a comissão dele chegara ao fim e a nossa chegaria,ou não...

Outra situação,esta sim, verdadeira praxe, foi o convite formal, feito por um furriel velho, à malta para alinharmos numa tainada de galinha da Índia que ele supostamente teria abatido... Caberia aos piras o pagamento das bebidas...

"Entramos pela madeira dentro",como soe dizer-se,com a massa para as loiras, e fomos presenteados com uma travessa cheia de nacos de ave, besuntada em molho de piripiri e tomate ,para se parecer com a travessa que os furriéis velhos colocaram para eles próprios...

Só que a deles tinha nhec e a nossa abutre... Depois de termos "dado cabo" da nossa parte,disseram-nos então o que acabáramos de comer... Foi uma risada geral...

Fizeram-nos ainda durante as saídas noturnas em que ia uma secção deles, a "vida negra" ao obrigarem a deitar no solo completamente encharcado junto aos palmeirais (eles deitavam-se na parte seca) e passando a palavra afirmavam terem "embrulhado" várias vezes ali... 
- Está a deitar, nem um pio... 

A época das chuvas tinha começado...Quando regressávamos ao quartel,tínhamos a farda completamente enlameada em contraste com a deles... Acabaríamos depois por constatar estarmos pertíssimo do quartel, mas tínhamos dado voltas e mais voltas em irculos fechados, com o deita e levanta, que nos baralhara e amedrontara...
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11100: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (3): Também praxei "periquitos", em Cufar... (António Graça de Abreu)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10185: Humor de caserna (27): Recepção aos piras do BCAÇ 2927 em Bissorã, em fins de outubro de 1970 (Armando Pires)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) com data de 16 de Julho de 2012:

Meus Caros Editores Camaradas:

Dias atrás, lembrou o régulo maior da nossa Tabanca que o verão está à porta e com ele, por causa dele, a habitual diminuição do produto “noticioso” ameaça deixar o mural da Tabanca a pão e laranja. E sugeria, como alternativa, a actualização e aprofundamento do nosso álbum fotográfico.

Faz tempo que dentro da minha cabeça bailava a vontade de dar o meu contributo para o enriquecimento dessa página do blog. Vamos então a ela, deixando para depois das férias as duas histórias que já se encontram alinhavadas nos rascunhos.

E começo pelo fim. Por aquele momento em que definitivamente respiramos fundo. O momento em que o pensamento voa longe, até que alcance a família, levando nas suas asas uma mensagem escrita que diz, sosseguem, mais uns dias e estou aí. O momento em que recebemos e damos as boas vindas aos que nos vêm render. Quem não recorda esses instantes que foram mistura de perplexidade e medo à chegada, de jubilo e paz na partida?

Tenho tão vivo e tão presente aquele 15 de Fevereiro de 69, quando saí da jangada e meti pé em terra firme de João Landim, assustado e atónito com tudo à minha volta, com uns tipos de camuflado de cor completamente diferente do meu a atirarem-me mãos cheias de amendoins (vim a saber depois que se chamava mancarra), ao mesmo tempo que gritavam, “salta periquito, vem que o paizinho quer ir para casa”, o bater metálico das culatras à rectaguarda, o roncar das Panhard  a ganharem posição na coluna, o arranque em grande velocidade estrada fora e, finalmente, a entrada no aquartelamento de Bula por entre filas de militares que se riam, que para nós se riam, com ar de quem mais parecia dizer, “coitadinhos, tão tenrinhos, nem sabem no que se metem”.

Depois, o tempo encarregou-se de tornar tudo isto normal, encarregou-se de em nós deixar fruir a ideia de que “a nossa hora também chegará”. E chegou em fins de Outubro de 1970, em data que a memória, a nossa e a deles, não consegue precisar.

Lá vêm os “piras”. 

Vindos da estrada de Mansoa, entram em Bissorã as primeiras viaturas que transportam a CCS e a CCAÇ 2781 do BCAÇ 2927. À sua espera a “Policia da Unidade”, formada pelo impagável Orlando Bonito, Fur Mil Amanuense, e o seu inseparável 1.º Cabo, o "Alentejano”, que se esforçou, todo o dia, por convencer os recém-chegados que, não obstante estarem “no mato”, tinham de andar devidamente escanhoados e ataviados, sem esquecer as botas devidamente engraxadas.

É destas praxes, destes momentos mais ou menos hilariantes, que cada um, no seu lugar e à sua maneira, preparava para receber condignamente aqueles que os vinham render, que quero dar testemunho nas fotos que se seguem. Peço desde já desculpa por algumas delas não serem “exclusivas”. De facto, algum tempo atrás, o Quim Santos, que pertenceu à CCAÇ 2781, que edita o blog “Guiné-Bissum” , pediu-me uma ou outra fotografia da sua chegada. Mas atrevo-me a oferecê-las ao nosso álbum por nele nunca ter visto semelhante tema retratado. Vamos a isso.


O pano é a legenda. "A ferrugem saúde os piriquitos". A festa dos putos é a vida.


Provocações! "Piras, tendes fome ? A velhice oferece-vos mancarra... Saltitão!...


A equipa de reportagem da RadioTelevisão de Bissorã registou o grande momento. Ao volante o Fur Mec Meneses, no lugar do realizador o Fur Trms Gesteiro, o camara é o 1.º Cabo Trms Carlos Senra. A velhcie saúda os piriquitos!"...


Esta até a mim me surpreendeu. Sobretudo ao ver que os pilantras foram aos fundos da enfermaria “gamar” as batas que não eram utilizadas mas que faziam parte do espólio a entregar. Aos protagonistas peço desculpa por me “faltarem” os nomes, mas vamos, a partir da esquerda: 1- “Setúbal”, pintor 2- Lameiras, mecânico 3- era o condutor da GMC rebenta-minas 4- o bate-chapas. O 5º sou eu, que também quis ficar para a posteridade. Cartazes: "Assistência à velhice", "Serviço de saúde ao domingo"...


Alinhada já no interior do aquartelamento de Bissorã, a coluna que transportou os homens do BCAÇ 2927.


Lindos e frescos, os periquitos sorriem para a objectiva. Aquele ali ao centro, de G3 com dilagrama e cigarro ao canto da boca, é o Furriel Cerqueira, o enfermeiro da CCS que me foi render.


E pronto! Chegou a hora de ir para casa. A nossa última coluna à partida de Bissorã para Bissau. Em primeiro plano a minha equipa. Juntos, unidos, como sempre estivemos naqueles 22 meses de Guiné. A contar da esquerda, eu, o 1º Cabo Enf Machado e os Soldados Maqueiros Maltez, Teixeira e João. Infelizmente, não está na foto o Soldado Maqueiro Daniel Agostinho, de cuja história já aqui vos dei conta no P9877. Esperou por nós em Lisboa e deu-nos uma grande alegria. 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9562: Humor de caserna (26): Chocos recheados para curar o paludismo (Henrique Cerqueira)

sábado, 1 de outubro de 2011

Guiné 63/74 – P8846: Memórias de Gabú (José Saúde) (7): “Piriquitos” exploram o centro “nevrálgico” da urbe guineense



1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


 “PIRIQUITOS” EXPLORAM O CENTRO “NEVRÁLGICO” DA URBE GUINEENSE

PASSEIO NA “5ª AVENIDA” DE GABÚ

Suavizavam o ar com o odor de uma “penugem” que os então “piriquitos” lançavam para o infinito de um horizonte inimaginável. A “incubação nos ovos” chegava ao fim. Tínhamos avezinhas. Um esticão de asas, um apalpar no escuro, uma vertigem dos mais fracos, o vociferar dos conteúdos da guerra, o trocar opiniões sobre os estratagemas do inimigo, as emboscadas, as minas, os ataques nocturnos aos quartéis entre tantos outros motes trazidos para a discussão davam azo, na altura, a uma conversa sempre indeterminada entre aquele grupo acabado de chegar ao Leste da Guiné. Cenário: a “5ª Avenida” de Gabú - quais turistas a passearem-se por terras das grandes metrópoles americanas! -. Ao fundo da dita cuja (“avenida”), eis o grupo a abancar no bar da Pensão Mar e a refrescar-se com as aprazíveis cervejolas. Era o princípio de uma jornada por terras de além-mar. Outras fainas se seguiriam.

A Guiné parecia-me apenas um sonho. Aliás, jamais me tinha ocorrido à ideia que o meu futuro militar me reservasse, como virtual conjectura, conhecer um dia a realidade da guerrilha guineense e as suas famosas bolanhas. Falava-se da Guiné como o diabo foge da cruz, recordo. A guerra naquela então província do Ultramar era terrível, afirmava-se. Traçavam-se cenários mórbidos da guerra na Guiné. A rapaziada comentava, a mensagem passava de boca em boca e nós, jovens, bebíamos as infaustas opiniões que entretanto nos chegavam. Porém, o destino contemplou-me e eu, tal como grande parte dos rapazes desses tempos, não fugi ao destino. Fui e voltei tal como parti, restando resquícios de histórias que contemporizam ainda hoje o meu calendário de vida.

Camaradas houve, e foram muitos, que já não usufruem, infelizmente, do prazer de partilhar momentos de convívio e narrar as suas histórias. Uns morreram em combate na densidade de um mato cerrado; outros faleceram numa emboscada; outros encontraram a morte em ataques aos quartéis; outros fecharam definitivamente os olhos em famigerados rebentamentos de minas anti-carro e anti-pessoal e, ainda, aqueles que morreram em momentos de verdadeira infelicidade.

Convivi com situações que me deixaram apreensivo quando em causa esteve a razão do último adeus. Momentos fatídicos, mórbidos, de camaradas que ousaram abusar do facilitismo e se deixaram cair, inadvertidamente, em princípios proibidos. Exemplifico o infeliz que encontrou a morte a limpar a arma esquecendo, entretanto, que tinha uma bala na câmara e outros em estúpidos acidentes com viaturas militares, enfim, todos, ou quase todos, temos histórias desta estirpe para contar.

Olho, atentamente, para duas fotos do meu álbum (Guiné) e revejo um passeio pela rua principal de Gabú, nos primeiros dias que ali “ancorámos”. O clique foi justamente dado em frente a uma casa onde residiam duas irmãs (se a memória não me falha), por sinal cabo-verdianas, comentava-se, que eram professoras na escola local. Vivendo momentos de uma juventude no seu auge, alguns furriéis e alferes, mormente, andavam doidos com as meninas que, por sinal, eram “boas como o milho”. Recordo que a malta andava mesmo“vidrada” de todo com aquele duo de airosas donzelas… mestiças. Parceiro? Não lhes conheci. Passemos à frente…

O grupo de turistas, todos janotas, embevecidos com a beleza natural que os rodeava, e o cheiro a África a inalar as nossas narinas, eis o grupo de “piriquitos” sentado a uma mesa do bar da Pensão Mar. Um nome que nada tinha a ver com a realidade deparada. O mais indicado, na nossa concepção, seria substituir Mar por Bolanha. O mar, lá longe, nem vê-lo. A bolanha era, isso sim, a afrodisíaca verdade constatada em terrenos circundantes. Mas aceitava-se a decisão do seu mentor.

África é, também, sumptuosa no consumo de bebidas, principalmente cerveja. O calor afirma-se como um aditivo determinante pelo prazer de consular as gargantas ressarcidas. Num convívio deveras saudável ficou uma tarde de passeio na apelidada “5ª Avenida” de Gabú, o alforge recheado de cervejas bebidas pelos “piriquitos” e um conhecimento mais profícuo de uma urbe onde as “bajudas” passeavam os seus corpos embrulhados em pedaços de pano garridos que torneavam a preceito os seus joviais e esbeltos corpos. O militar – “piriquito” – apreciava e… imaginava cenários quiçá inexequíveis de alcançar. Coisas de uma juventude irreverente.

Guiné, um país do qual guardo imensas recordações e que me levam agora, com 60 anos já feitos, trazer à estampa incontornáveis pequenas histórias intituladas “Memórias de Gabú”.


Refastelados à volta de uma mesa o grupo de furriéis ressarciam-se das cervejolas bem fresquinhas

À civil, os então “piriquitos” desbravavam o ambiente da “avenida”. Da esquerda para a direita: o Cardoso, Operações Especiais/Ranger, Eu, o Santos, Armas e Armadilhas, (?) e o Rui, Operações Especiais/Ranger



Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8837: Memórias de Gabú (José Saúde) (6): A notícia infeliz do desaparecimento da menina de Gabú

 

domingo, 21 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7315: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (8): Canquelifá e o desporto - Provas de Periquitos

1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 19 de Novembro de 2010:

Caro Vinhal
Ai vai mais uma das "Memórias boas da minha guerra".

Um grande abraço do Silva


Memórias boas da minha guerra (8)

PROVAS DE PERIQUITOS

Viviam-se dias calmos naquela “estância termal” de Canquelifá, no nordeste da Guiné, no final da comissão. O trabalho limitava-se a serviços de manutenção e a alguns pequenos patrulhamentos, a nível de Pelotão.

A população nativa cuidava pacatamente do seu gado, enquanto alguns deles vigiavam o “inimigo”, em cima de palanques feitos de troncos de árvores, colocados no meio do mancarral. De lá gritavam impropérios em idiomas locais, afugentando o “inimigo” – bandos de periquitos – ao mesmo tempo que lhes atiravam pedras, evitando que comessem os amendoins.

O Silva e a sua periquita

Dado o interesse da tropa por esses pássaros encantadores, para os apanharem e, por vezes, para os venderem, colocavam cola na rama da mancarra (amendoim), que os prendia pelas asas.
Ora, o pessoal da Cart 1689 andava entretido com um novo desporto: competições com periquitos e com um novo divertimento de domesticar periquitos.

As cenas abaixo descritas decorrem na parada, local espaçoso e apropriado para a actividade desportiva, aqui levada ao mais alto nível. A assistência era considerável.

Faziam-se apostas e ouviam-se os mais variados comentários.

- Força Spartacus! Anda, que vamos ganhar! – gritava o Mafamude.

- Força Ben Hur! Ataca, que até os comemos! - gritava o Matosinhos.

Um e outro em tronco nu e a transpirar ao sol, procuravam, através da imagem verbal, aproximar o seu desempenho ao dos respectivos ídolos bíblicos, promovidos pelo cinema, mas o físico de 1,50 e picos não estava compatível com tais ideias.
A inspiração nas quadrigas romanas, encontrou eco nas latas de conserva, que reluziam mais que os ditos carros das quadrigas, seguramente devido à limpeza prévia das formigas.

Tanto um como outro, os periquitos em competição (quais “aprendizes de equídeo”), de voos cortados e presos ao atrelado, lutavam entre si para alcançarem em primeiro lugar o ramo de mancarra colocado na meta traçada no chão, uns metros à frente.
Nesta final ganhou o periquito do Matosinhos porque, de repente, lhe mostrou uns amendoins já descascados. O Mafamude gritava pelo árbitro Nogueira (futuro árbitro da elite do nosso futebol) para reclamar:

- Não vale, não vale, este gajo fez trafulhice!

Ali mesmo, a cerca de 20 metros, decorria, em simultâneo, outra final de competição:

- Corre Djando, corre e come-lhe a mancarra – gritava o Sousa.

- Sprinta Jaburu, não sejas morcon - repetia o Tripeiro.

A mancarra era colocada no centro da meta e os periquitos, soltos em simultâneo, corriam para lá.
Ganhou claramente o Jaburu que atravessou a meta em primeiro lugar, seguindo em direcção ao Tripeiro que, mesmo em frente, lhe acenava com um porta-chaves brilhante, com o emblema do FCP.

Nova reclamação, junto do Nogueira, que foi “injustamente” aceite. O reclamante alegou “que o periquito fora escravizado para seguir cegamente esse emblema e não ligou nada à competição ”.

Ainda na mesma zona, já perto da messe, podia assistir-se aos mais variados treinos, tendo também em vista a superação do esforço e a optimização da técnica, aliás bem patente mais na vontade dos treinadores do que na dos competidores - periquitos. Numa primeira fase, o treino consistia em mandar o periquito saltar de um dedo indicador para o outro.

- Salta periquito! Salta!

O treinador Bazaruco aposta tudo no:

- Salta, filho da puta! Salta, se não dou-te cabo do canastro!

Mas o Varzim, tinha outros modos. Acariciava o seu pupilo e dizia-lhe baixinho:

- Salta Tarzan, que eu arranjo-te uma Jane! Salta!

O Dias, açoriano, também andava entusiasmado com essas sessões de treino matinal. Curiosamente, tal como o Fiscal, não tinha sorte com os seus amestrados, possivelmente devido ao hálito repelente que exalavam. O Fiscal, que ressacava continuamente nas manhãs do dia seguinte, nunca estava em forma e não conseguia os seus intentos. Mas isso era, também, porque quase todos os dias mudava de instruendo. Já tinha os dedos cheios de adesivos, devido às trincadelas que lhe davam. Normalmente, vingava-se de forma cruel. Por sua vez, o Dias, além da habitual ressaca, exibia um sorriso tenebroso, devido às deficiências dentárias, capazes de repelir qualquer periquito…

Ali próximo, estirado na rede à sombra das mangueiras, com as mãos atrás da nuca, o Alferes, que acabara de mastigar algum mata-bicho, ia soltando gargalhadas. E eu, noutra rede, não ria tanto como ele, apesar de estar a ler uma das obras proibidas do José Vilhena.

De repente, o Dias dá um grito enorme:

- Ah seu grande filho da puta! – ao mesmo tempo que sacudiu fortemente a mão direita com o periquito ainda mordendo tenazmente o dedo indicador. Quando o periquito se desprendeu, bateu no chão com tal força que, depois de um palrar meio cacarejado, ficou morto no chão.

O Dias seguiu, uma vez mais, para a Enfermaria e o Alferes levantou-se, agarrou no desgraçado por uma pata e chamou em voz alta na direcção da cozinha:

- Ó Faxina, Faxina! Prepara mais este!

Silva da Cart 1689

"O sorriso do Dias" (ao fundo, vę-se o Condesso compenetrado a escrever, alheio aos festejos apalhaçados dos gajos da 1689 - festejava-se mais um mês de degredo)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7159: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (5): Até beber urina

Vd. último poste da série de 8 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6951: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (7): O Miranda e a sua adoração pelo Fê Quê Pê

segunda-feira, 8 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5951: FAP (49): Apertar com os "piras" (Miguel Pessoa)


1. O nosso Camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (ex-Ten Pilav na BA 12, Bissalanca, 1972/74), enviou-nos, com data de 6 de Março, a seguinte mensagem:


APERTAR COM OS "PIRAS"

À chegada à Guiné do pessoal novato prestava-se, na maioria dos casos, a que o recém-chegado fosse objecto de uma recepção personalizada por parte do pessoal "veterano" há longo tempo (meses...) estabelecido no burgo.



Não sei como se processava esta recepção nas unidades do Exército mas penso que, tratando-se de rendições colectivas em que uma Companhia era substituída por outra, as cenas de recepção aos caloiros ("piras") deviam ser um acto mais colectivo do que sucedia na Força Aérea.


De facto, a maioria das nossas rendições era feita a título individual ("O Ten. X é nomeado para a BA12/Esq. 121 em substituição do Cap. Y", etc.). Portanto, o que sucedia era que permanentemente na BA12 se assistia à chegada sucessiva de novas caras, para substituir camaradas que entretanto acabavam a sua comissão.


Este facto proporcionava aos recém-chegados uma recepção personalizada, situação que testemunhámos frequentemente ao longo da nossa comissão, ou que sofremos nós próprios à nossa chegada ao TO da Guiné.


Um pouco de acordo com as características do novato, assim era preparada a recepção. Muitas vezes era engendrado um cenário em que os actores trocavam os seus papéis; quase sempre duas figuras importantes nesta recepção eram o "comandante" e o "capelão", motivo pelo qual era dado um certo ênfase às suas actuações, pelo papel importante que tinham na doutrinação do "pira" e que exigia desses actores um ar sério e ponderado.


Estou a falar do "pira" mas o primeiro caso que refiro é o de uma "pira", a enfermeira pára-quedista N... (a quem tínhamos a mania de chamar Amélia, vá-se lá saber porquê...) recém-chegada à Base, que logo no dia da sua apresentação teve direito à devida recepção, com a necessária conivência das suas camaradas enfermeiras lá colocadas.


Para além de um cenário maquiavélico que era engendrado (afinal até já estávamos no tempo em que isso se aproximava da realidade...), que passou pela ementa do jantar - uma "carne de macaco" que afinal era gazela - sucedeu que nesse fim da tarde se processava o treino da artilharia anti-aérea da BA12, com a largada de "flares" que eram massacrados pelos artilheiros no seu treino.
Naturalmente, aproveitou-se a coincidência para convencer a "pira" que a Base estava a ser abonada pelo IN* e, para agravar mais a situação, inventou-se uma série de evacuações a serem feitas de imediato, para pistas no mato e já noite cerrada, sendo que foi solicitada a sua colaboração para avançar, dada a necessidade de enfermeiras para o efeito. Bem argumentou a pobre que nem farda ou equipamento tinha, ao que lhe foi dito que ia mesmo assim, à “paisa”... É claro que a coisa foi abortada antes que a "pira" se apagasse ali mesmo.


No meu caso pessoal a coisa também não foi boa pois, sendo um oficial do quadro habituado ao cumprimento rigoroso do respeito hierárquico, não me agradavam muito os avanços dos alferes e furriéis "veteranos" que se valiam da sua "antiguidade na Guiné" para apertarem comigo. Considerava eu que, lá por ser "pira", não era razão para me pisarem os galões, só para me mostrarem o seu "estatuto" superior de "velhinhos".


Isso levou a que, num certo serão, uns tantos malandros resolvessem atacar o meu quarto disparando uns very-lights pela janela. E que a coisa não foi fácil é que até um bocado do fósforo de um deles veio atingir a minha mão, que ainda hoje tenho uma marca num dedo para o comprovar. O facto é que isso provocou da minha parte uma forte reacção, pois só me lembro de sair porta fora a disparar very-lights com a minha caneta, e não eram para o ar...
Felizmente conseguiu-se acabar esse serão sem baixas a lamentar. Da minha parte, no dia seguinte tive que tomar três acções imediatas: repor o stock dos very-lights indevidamente gastos, que podiam ser essenciais para a minha sobrevivência (e foram...); mandar pôr uma nova rede mosquiteiro na janela, que a outra tinha ficado toda furada; finalmente, ligar menos às tentativas de "praxe" dos tais "veteranos" e ganhar experiência rapidamente, para os calar(**).


Finalmente, um último exemplo, que não presenciei, pois se trata precisamente do piloto que foi substituir-me enquanto estive incapacitado. O Capitão B... nem era sequer um novato (já tinha feito uma comissão em Fiat G-91, em Moçambique). Mas, sendo "pira" na Guiné, teve direito à sua recepção, que mais tarde me descreveram.


Imagine-se o que é, à chegada do Capitão B..., aparecerem no terminal das chegadas da BA12 dois pilotos entrapados - O Comandante da Esquadra com a cabeça enfaixada e o outro piloto com um braço ao peito, a convencerem o recém-chegado que, dada a incapacidade dos dois e havendo pouco pessoal disponível, era necessário que o outro avançasse para um apoio de fogo imediato (ele que nem conhecia o território...). Eh! Eh! Tenho pena de não ter podido assistir a esta cena...


Enfim, estas acções, mais do que pretenderem achincalhar alguém, tinham como objectivo "desmamar" os novatos e apressar a sua integração no cenário de guerra existente. E nenhum mal daí veio para os "piras" que, à sua chegada, levavam um tratamento de choque para se aperceberem mais depressa do sítio em que tinham caído.


(*) Ocorrência que infelizmente não era preciso encenar em muitos dos nossos aquartelamentos.


(**) O que consegui rapidamente. Pois se até era eu quem atribuía as missões diárias aos pilotos...


Um abraço,
Miguel Pessoa
Cor Pilav Ref


Emblema da BA12: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:


27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5902: FAP (48): A guerra Páras-Fuzos, vista por um fuzileiro (Rui Ferrão)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4450: Estórias do Juvenal Amado (16): Borrasca no Pilão

1. Mensagem de Juvenal Amado (*), ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 30 de Maio de 2009:

Caro Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante tabanca

Dirão alguns que a minha posição nesta estória não é de algum modo de um soldado brioso.
Com 10 meses já estava farto de conflito e não sabia que ainda me faltam 17.

Mas voltando ao assunto, eu fui como tantos outros um homem de paz, que teve que ir para a guerra. A minha visão de valentia, nunca se mediu pelo o número de inimigos mortos, mas sim pelos foram evitados de ambos os lados.

Como o José Brás muito bem disse, muitos de nós preferimos o abraço do que o aço e o homem em vez de inimigo.

Gosto deste espaço em que polémicas à parte todos tem o seu lugar, enquanto uns como eu já se sentem em paz, penso que o blogue ainda cumpre o seu desígnio terapêutico, aos que necessitam de ajuda e sem coragem para escrever, se sentem também retrados nas várias estórias.

Podem pelo o menos dizer: - Vês eu não estava a mentir quando falava do que lá passei.

Um abraço
Juvenal Amado


2. Borrasca no Pilão

Sentado do lado da janela, parecia um pardal de telhado sempre ao saltos.

Muito magro, pequeno pouco maior que uma G3, foi durante toda a viagem de regresso à Guiné motivo de animação.

Quando avião se fez à pista e começou a ver o arame farpado a correr veloz, o seu semblante transformou-se ligeiramente.
- Já estamos de regresso ao arame farpado novamente - disse com algum desânimo.

As férias correram rápidas, os dias escaparam-se por entre os dedos, agora no corredor de rumo à saída do 727 pensava no calvário, que ia passar até chegar a Galomaro.

Ainda sinto o cheiro dos lençóis e a frescura daquele Novembro, que a escassas 3 horas deixei para trás.

Cada passada que dava me aproximava da porta, a hospedeira desejava-nos sorte. Tão apreciada durante toda a viagem, o seu sorriso depressa se diluiu nas ondas de calor, que me atingiu quando cheguei às escadas.

A roupa arde. O corpo ainda está à temperatura do ar condicionado.

Vou para os Adidos. Apresentei-me já sabendo que seria escalado para tudo que era serviço. Tenho que sair de Bissau rapidamente.

A mistura de periquitos e veteranos fazia uma manta de retalhos. Os braços e joelhos branquinhos contrastava com os rostos tisnados da malta mais velha.

A noite foi passada em cima do colchão sem lençóis e todo vestido, pois sabia lá quem já tinha dormido naquela cama.

No dia seguinte foi fatal, estou de piquete.

Quem comandava o piquete era um furriel novinho em folha, tão branco e magro, o suor corria-lhe em bica e dava-lhe um aspecto quase transparente.

Ou muito me engano ou se houver chatice, vai ser complicado convencer o furriel de que não deve fazer ondas.

No Pilão, conviviam entre a população, segundo era voz corrente, clandestinos do PAIGC, comandos africanos, fuzileiros e prostitutas, que eram responsáveis pelas visitas dos soldados às enfermarias com maleitas, que por vezes faziam temer o pior em relação ao futuro reprodutor dos mesmos.

Assim estava eu a rogar a todos as santinhos que não houvesse problemas lá para aqueles lados, quando o piquete foi chamado.

Estava visto que as minhas preces não tinham sido ouvidas.

Tinha estalado um fogachal com rebentamentos à mistura bem no meio do bairro.

Olho à minha volta, três ou quatro soldados mais velhos, o resto são acabados de chegar. Um Unimog com o nosso furriel no comando dirige-se para os cavalos de frisa da entrada do bairro. Os clarões estão cada vez mais perto e ouvem-se tiros.

Nós não conhecíamos o bairro, nem tínhamos qualquer preparação para lá intervirmos.

- Meu furriel o melhor é não entrarmos lá, sem que outros piquetes mais conhecedores lá entrem primeiro. Tentavam os velhinhos demover o furriel.

O bom senso ditava que aguardássemos que os piquetes de Bissau interviessem primeiro.

Passaram os piquetes do QG, dos Comandos, PM e não sei mais quantos. A coisa não dava sinal de abrandar, o cheiro a incêndio era intenso. Por fim lá nos fizemos à vida e entramos também.

As cubatas queimadas, feridos e possivelmente mortos deram-nos razão. Não teríamos salvação se fôssemos apanhados entre fogos, nem saberíamos donde nos chovia.

Regressamos aos Adidos, já madrugada tentei dormir, lembrava-me do sorriso da hospedeira, da fresquidão dos lençóis, dos sabores e perfumes de casa.

Os mosquitos atacavam em esquadrilhas, estou demasiado excitado para dormir.

Pensava: - Tenho que arranjar transporte para o Xime numa LDG ou coisa parecida, rapidamente, pois lá perto está a minha segunda casa.

Juvenal Amado

O Geba ao fundo

Piscina de Bafatá

De regresso a Galomaro há que festejar. O Passos, Ivo, Catroga, Setã, Alfredo, Silva, Ferreira, Romão e Viseu
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de1 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4270: Blogpoesia (42): Reflexão - É mais fácil (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3162: Estórias do Juvenal Amado (15): Adeus, até ao meu regresso

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3799: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (3): O hino da CCAÇ 2405 (1968/70) (Victor David)

1. O Victor David (foto do lado esquerdo) respondeu, em 24 do corrente, a um pedido meu, dirigido ao pessoal que passou por Dulombi, para nos mandarem letras do Cancioneiro de Dulombi / Galomaro ("Amigos e camaradas de Dulombi, avós, pais e netos: Para vosso conhecimento. Infelizmente não tenho o mail (actualizado) do Jorge Rijo. O dos seguros foi desactivado: julgo que ele passou à reforma. Reforço o pedido: Kadé o Cancioneiro de Dulombi ?")...

Na véspera, já tinha recebido um mail do Rui Felício. Do Jorge Rijo, não há notícias. O Paulo Raposo, por sua vez, vai aparecendo, de tempos a tempos.


2. Mensagem do Rui Felício (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70), de 23 do corrente:


Meu caro Luís Graça:

A minha ausência das lides bloguistas não significa menos atenção ao teu blog, que visito com a regularidade possível. Respondendo ao teu e-mail referente ao designado Cancioneiro do Dulombi :

(i) Como disse na altura que escrevi o post que tu referes, fui eu de facto o autor da letra da cantoria dedicada aos periquitos que nos substituiram, e que a malta da CCAÇ 2405 costuma cantar nos almoços anuais que realiza. A música foi arranjada pelo Jorge Rijo, essa sim plagiada de uma cantiga que na altura andava em voga (essa cópia da musica está assumida também no mesmo post);

(ii) Por isso fiquei um tanto confuso com a reivindicação de autoria feita pelo tal Luis Dias. Ou então não entendi bem o que ele quiz dizer com isso;

(iii) Não me faz diferença nenhuma que a autoria me seja atribuida ou não, até porque aquilo foi uma versalhada sem qualquer valor poético ou literário. Mas as coisas são o que são e não tenho a menor dúvida que fui eu que a escrevi e nem sequer me inspirei nalguma outra de que me tivesse servido como molde ou como ideia;

(iv) O que não quero é que se pense que me intitulei autor de versos que o tal Luis Dias diz que já tinham sido feitos por ele. E não quero porque não é verdade...

(v) Como também disse na mesma altura do tal post que referes, não sou já capaz de a reproduzir integralmente e quem a tem transcrita para papel é de facto o Jorge Rijo, cujo contacto de e-mail não tenho. Aliás, da última vez que falei com ele disse-me que ia arranjar um endereço electrónico mas desde então nada mais me disse.

Reencaminho este e-mail para ao Vitor David e para o Raposo. Pode ser que eles possam encontrar os tais versos.

Um abraço do teu amigo
Rui Felício

3. Comentário de L.G.:

Rui, não quero que o avô se zangue com o neto... O que o Luís Dias reclamou, muito modestamente, foi apenas a paternidade... da letra do Adeus Guiné:

É o fim do castigo ,
Terminou a comissão,
É necessário gritar
Piras! Não venham,
Deixem isto acabar,
Morrer de tédio,
Sem remédio.
Isto é vida de cão,
A velhice vai embora
Enquanto a bajuda chora
E a nau está a naufragar.
(...)

Entretanto, tenho notícias frescas do Victor David. Um abraço para os baixinhos de Dulombi, Jorge Rijo, Paulo Rsposo, Rui Felício e Victor David. LG


4. Mensagem do Victor David (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70):

Caríssimo Luís Graça:

A minha veia de escritor passou toda para o Felício aquando da nossa passagem pela Guiné, pelo que não tenho colaborado no blogue activamente, mas não tenho deixado de ser um leitor atento e interessado na grande qualidade dos seus escritos e orientação. Para mim continua a ser dos mais completos, interessantes e valiosos documentos para a memória dos tempos inesqueciveis que passámos na Guiné, sobretudo porque são depoimentos de quem viveu os factos e não de quem os trata jornalisticamente, impingindo-nos a sua versão não vivida!...

Bem, mas respondendo ao pedido que foi lançado no blogue àcerca da letra do Hino da CCaç 2405, na altura da recepção à companhia que nos foi render em Dulombi e, depois de devidamente analisada a papelada em arquivo próprio, aqui vai ela (de autoria do Felício - ou do Rijo - já não sei) e música, também me não lembro de quem - mas de uma canção na moda naquela altura:

SÊ BENVINDO, PIRIQUITO,
PIRIQUITO,
JÁ CANSAVA DE ESPERAR,
DE ESPERAR.

COMO VÊS ISTO É BONITO,
COM MUITA COBRA E MOSQUITO
E GUERRILHA A CHATEAR,
A CHATEAR.

ANDA CÁ, ESTÁ SOSSEGADO,
DESCONTRAI, POUSA A CANHOTA
QUE O IN ESTÁ NOUTRO LADO,
ANDA PRAÍ EMBOSCADO,
EM ALGUM PONTO DE COTA.

ATAQUES, FLAGELAÇÕES,
MUITAS MINAS, EMBOSCADAS,
VERY LIGHTS AOS MONTÕES
E MANGA DE ROQUETADAS,
AS SABOROSAS RAÇÕES
E A CARNE AFIAMBRADA.

HÁ ABELHAS E MOSQUITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ,
MOSCA CHATA E FORMIGA,
OLÉ LÉ LÉLÉ,
SAPOS, RÃS E UNS LAGARTITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ
MAS É TUDO MALTA AMIGA!
OLÉ LÉ LÉ LÉ.

Um abraço
Victor David
BAIXINHO DO DULOMBI ( com muita honra!)

P.S. Quem souber de que canção era a música, que dê uma ajuda!

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes desta série:

20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)

21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3772: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (2): Tecnil, Tecnil / Eu passei lá muitas noites / Certamente mais de mil (Luís Dias)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3690: O meu Natal no mato (21): CCAÇ 2402, Có, 1968, e Olossato, 1969 (Raúl Albino)

1. Mensagem de Raúl Albino (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá, Olossato, 1968/70, com data de 15 de Dezembro de 2008.

Caros amigos,

Aqui vai o meu contributo para esta quadra natalícia. Que o próximo ano seja, para o blogue, de tanto ou mais sucesso do que aquele que está a terminar. Que a vossa saúde e energia nunca vos falte.

Um grande abraço e que tenham um Natal Feliz dentro do possível neste ano de esquecimento. Merecemos, não?
Raul Albino.



Relatos de Natal da CCaç 2402

Vou incluir, neste meu artigo alusivo ao Natal, algumas fotos de recordação desses períodos da nossa comissão por terras da Guiné.


Companhia de Periquitos

Muitos já terão ouvido falar de Companhias de Periquitos na guerra do ultramar, mas para aqueles que não perceberam bem o que isso significava, aqui vai uma imagem que vale por mais de 1000 palavras. Esta é a Companhia de Periquitos Nativos N.º 00, armada até aos dentes (se eles os tivessem, claro), que apesar de ter feito uma comissão completa, nunca ganharam o estatuto de Companhia de Veteranos. Cumpriram cabalmente a sua missão de reforço na luta anti-stress dos nossos militares e foram considerados, por todos sem excepção, uma grande companhia … para os bons e maus momentos.


CCaç 2402 – Natal de 1968 em Có

Vemos aqui o nosso comandante de companhia Capitão Vargas Cardoso a encenar uma deslocação da RTP para recolha de mensagens de Natal. Na verdade, isso só viria a concretizar-se no Natal seguinte.


C Caç 2402 – Natal de 1969 no Olossato

Aqui sim, a RTP foi ter connosco para recolha das célebres mensagens natalícias para serem vistas pelas famílias na sua televisão ou na do Café da esquina. Estão a filmar o meu grupo, eu sou o primeiro à direita do operador de câmara e pareço estar a exibir o meu sorriso pepsodente para a imagem. Estarei, possivelmente, a debitar uma mensagem padrão equivalente a esta que agora vos dirijo, tão em voga na altura.

Envio aos dedicados editores deste blogue, todos os tertulianos e suas famílias os meus votos de um Santo Natal e um Melhor Ano Novo. Nós por cá estamos bem. Adeus e até ao meu regresso.

Raúl Albino
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3450: Blogoterapia (72): Comentário ao P3402 (Raúl Albino)

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3687: O meu Natal no mato (20): Visita de Natal do COMCHEFE a Cutia (Jorge Picado)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3280: O meu baptismo de fogo (4): Como fui praxado e bem praxado na BA12, em Bissalanca, em Setembro de 1968 (Jorge Félix)

Jorge Félix
Ex-Alf Pilav Helis,

BA 12, Bissalanca,
1968/70,
hoje residente em Braga

(Cortesia do blogue
Especialistas da BA12, Guiné 1965/74)


1. Mensagem de Jorge Félix, com data 1 de Outubro de 2008:



Assunto - O meu baptismo de guerra (*)

Caro Carlos, este foi o meu primeiro, contado "40 anos depois"...


Em 23 de Setembro de 1968 "encerra-se a presente caderneta, em virtude do seu titular marchar para a BA12, conforme O.S. da D.S.P de 26 de Julho de 68".

Em 28 de Setembro já voava para Catió, pelo que a minha viagem para Bissalanca deve ter sido no dia 25.

Para fazer uma rendição individual, eu mais o Alf Pinto - já falecido - tínhamos o Ten Ruana e Ten Arada ao fundo das escadas do avião que nos transportou, montados no jipe que nos transportava na placa de Bissalanca.

O comportamento, um tanto ou quanto estranho, só o percebi alguns meses depois, quando soube o que significava a palavra "apanhado pelo clima". Apeados no Biafra, assim se chamava o Bar dos pilotos em Bissalanca, foi ter que beber, até que todos os pilotos residentes nos tivessem cumprimentado e desejado boa estadia, num local que com certeza nós "iríamos gostar muito" (sic).

Depois de devidamente apresentados, zarpámos para Bissau. A praxe continha uma visita guiada à noite da "enigmática cidade". Ao longe escutavam-se uns sons parecidos com os foguetes amorteirados das nossas aldeias. Aquilo visto de perto é que tem piada.

Eu e o Pinto, já etilicamente tratados, a tudo dizíamos sim, a tudo com respeito olhávamos. A todos éramos apresentados, com a devida bebida a acompanhar, para selar a amizade.

Regressados à Base, até à cama fomos transportados. Bem, tinha que ser. Da maneira em que nos encontrávamos não seria fácil descobrir o local onde as camas estavam quanto mais as camas.
- Durmam bem, até amanhã ! - e ali ficámos.

Eu, num quarto sozinho, sentia um fortíssimo cheiro a Lion Brand , um antirrepelente para mosquitos, O silêncio era negro, o calor doentio, a casa de banho ficava muito,muito longe. O melhor era contar carneiros e tentar adormecer.

Foi o que aconteceu. Passados algum tempo de eu ter adormecido já sonhava com a guerra. Rebentamentos por cima da minha cabeça, ruídos fortíssimos esventravam as paredes e porta do quarto, tiros e luzes fortes queimavam o meu quarto, até que. Fui acordado por gritos aflitos de um companheiro que tentava apagar o incêndio que já ia avançado do tapete, ateado por verylights que tinham sido mandados para dentro do quarto.

Acordado, reconheci o som de latas e garrafas rolando por cima do telhado zincado. Vi na cara do Arada, Ruano, Pavão, enquanto tentavam apagar o incêndio, o medo que estava destinado a mim. Rapidamente tivemos que fugir daquele ambiente de fumo e fogo, até os bombeiros chegarem. Eu, arrastado até à rua, reclamava as minhas bolachas , o IN , todos os restantes Pilotos que praxavam os periquitos, respiravam fundo por se terem safo de um assalto que podia ter acabado mal.

Eu, sendo baptizado, nem baptizado fui.

No dia seguinte comentavam, ainda praxando:
- Se não morreste ontem, tão cedo não vais morrer!!

Jorge Félix

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Jorge: O VB, nosso querido co-editor, deu o mote, e eu lancei o desafio. Como foi isso, pá, a "primeira vez" do guerreiro ?... Uns pensavam que se borravam todos, outros que ficariam impávidos e serenos, metidos na vala ou abrigados atrás do bagabaga... Julgo que a situação da "primeira vez", o nosso baptismo de fogo, dá pano para mangas, dá histórias e estórias... E todos os registos são possíveis, dos mais dramáticos aos mais hilariantes, como o teu... Obrigado, Jorge. Vê-se mesmo que também bebeste a água da bolanha... E como o teu humor nos faz taão bem, nestes dias depressivos de outono e de maus presságios para todos nós, portugueses, guineenses, homens e mulheres de todo o mundo que apenas querem viver e trabalhar com dignidade, com decência... Imagina que hoje é o Dia Internacional do Trabalho Decente!... Um Alfa Bravo. Luís
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3270: O meu baptismo de fogo (3): O meu baptismo de fogo em Catió (Jorge Teixeira)

2 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)

25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3241: O meu baptismo de fogo (1): E depois, nunca mais houve paz em Cuntima... (Virgínio Briote)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

1. Texto de Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74).

Com o Sangue na Guelra
por B. Sardinha

Tomei conhecimento deste Blog após algum tempo, muito, depois de criado.

Embora procure actualizar-me rapidamente, tenho consciência que muito me falta ainda ler do que já está escrito, mas não podia nem queria deixar de participar, não com factos de guerra propriamente ditos, que felizmente não vivi fora dos quartéis por onde passei, mas com outros que poderão ser interessantes para quem se queira dedicar a estudar, investigar, e pretenda um dia, daqui a mais alguns anos - não faltam muitos para se extinguirem os últimos de nós pela lei natural da vida -, analisarem, com a devida distância, as implicações que tiveram estas guerras de guerrilhas da altura, no comportamento social, individual e colectivo e no pós- independência das colónias ou províncias, hoje Países, onde nos batemos como se dizia, pela Pátria.

Tudo isto a propósito do que li escrito pelo Amílcar Mendes, da 38.ª de Comandos, a quem antes de mais envio o meu abraço, onde além de nos dar a conhecer na 1ª pessoa as tragédias sofridas por estes camaradas, se sentiu, certamente que não neste blog mas na sociedade em geral ou por pessoas pouco identificadas ou mal esclarecidas, apelidado de assassino.

No contexto da guerra, se assim o quiserem entender, todos que lá estivemos o fomos. Até mesmo eu, sem nunca ter saído da frente de um rádio o posso ter sido. Não acredito que qualquer camarada, no seu perfeito juízo, assim o considere. Só pode ser dito por alguém que nunca lá esteve ou por razões políticas que o motivem e me escuso de referir.




Guiné >Região do Oio > Mansoa > 2005 > Panorâmicas de Mansoa na actualidade > Fotos enviadas pelo nosso amigo e camaarada Constantino Neves e a ele cedidas pelo ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria José Couto, da sua Companhia, a CCS/BCAÇ 2893. Voltou à Guiné em 2005. Já aqui publicámos fotos dele, do Cacheu, de Quinhamel e de Bafatá.

Fotos: © José Couto / Tino Neves (2006). Direitos reservados.


Tenho amigos que, continuando a sê-lo, embora pensem dessa forma, não consigo demovê-los, acham que por se terem ausentado na altura certa todos os outros o deveriam e poderiam ter feito e assim são co-responsáveis, mas cada um sabe das condições de vida que tinha, da sua formação e esclarecimento político e contactos na altura.

Mas voltando aos operacionais comandos, é certo que eram vistos de forma diferente da outra tropa, começavam logo por ser voluntários recrutados na instrução, mas quem é que aos 20 anos, sabendo ou calculando que ia parar à Guiné, Angola ou Moçambique não queria ir melhor preparado, não queria ser herói, chamar a atenção das miúdas e mostrar-se forte e valente sem medos nem receios?

Só quem nunca teve 20 anos e nunca cometeu excessos pode dizer uma tal barbaridade, ainda por cima não assumida ao que parece.

É verdade que estes militares tinham uma postura que lhes era transmitida e eles assumiam-se como diferentes, melhores e superiores, era uma outra forma de se afirmarem quando nada tinham tido antes onde pudessem fazê-lo, era normal naquela idade, a libertação dos pais e das dependências, a passagem a homem. Veja-se como mo Amílcar Mendes retrata e se distancia hoje dessa postura, mas assume-a.

Recordo um episódio da chegada desta companhia de comandos periquitos, a 38.ª a Mansoa, e o alvoroço que criaram quando substituíram à Porta D’armas os velhinhos do BCaç 3832, desejosos de regressarem a casa.

Habituados que estávamos a sair uniformizados mas sem obrigatoriedade de jogar com as peças certas de cada uniforme, quer dizer sairmos à vontade já que os passeios se limitavam a três ruas, irmos até à sede dos Balantas ou ao cinema, beber umas cervejas no Simões ou simplesmente dar uma volta, com estes à porta d’armas não podíamos sair do quartel se não estivéssemos fardados a rigor, quer dizer, sapatos e meias altas já que de botas de lona ninguém passava. Também não se lhes podia chamar periquitos.

Claro que rapidamente se espalhou isto no quartel e, passado pouco tempo, estava uma quantidade significativa de militares fardados a rigor, alguns até com a farda n.º 1, a formar à entrada do quartel e a pedir revista pelo oficial de dia.

Esta atitude tomada pela velhice e outros menos velhos como eu, com apenas 5 meses de Guiné, foi ultrapassada de imediato e voltou tudo à normalidade. Mas ficava sempre um mal estar que só o tempo esbatia, o conhecimento e a porrada que uns e outros íamos levando, cada uns nas suas situações.

Outras coisas eram feitas de propósito para obrigar a essa divisão, mas era normal no regime da altura e em qualquer outro que arranje formas de distrair para impedir aquilo que é importante, e era importante impedir que a generalidade dos militares, mais ainda os operacionais considerados de elite, não se misturassem e apercebessem da realidade, mas é esse estudo e as suas implicações que pode e deve ser feito por especialistas da matéria. Mas dizia eu que havia coisas que eram mal interpretadas e aceites, tais como terem construído um refeitório e um bar só para eles, onde acabou por não ser, já que eu, como individual, acabei por almoçar com eles uma vez e no bar passei muitas horas, mas tenho consciência de que terei sido mesmo uma excepção.

Ninguém pode hoje criticar um antigo militar que aos 20 anos esteve envolvido em actos que fizeram parte de um passado da história de Portugal, quando se tenham cingido ao andamento normal da situação vivida no local.

Não creio que alguém seja hoje capaz de chamar isso a Salgueiro Maia, também ele tendo chefiado um grupo operacional de comandos e um oficial que tinha orgulho na sua farda e no seu porte, mas que o tempo ajudou igualmente a amadurecer e a quem todos devemos o contributo e a bravura em 25 de Abril de 1974.

Um abraço para todos
B. Sardinha