quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21514: FAP (123): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte II (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)


Guiné > Região de Gabu > Setor e Noé > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967. As tão faladas colinas do Boé... "O resto era deserto", diz o fotógrafo...

Foto (e legenda): © Manuel Coelho  (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Madina do Boé  > CCAÇ 1790 >  1968 > Desenho com a quadrícula alfanumérica de referenciação que se sobrepunha às cartas 1:50.000 que todos os pilotos. Era da autoria do comdante da CCAÇ 1790, o cap inf José Aparício. um Um exemplar desta quadrícula [4] foi entregue a um piloto de DO-27 que passou por Madina e depois passou a ser utilizada como elemento de coordenação entre a CCaç 1790 e os pilotos dos Fiat G-91 nas acções aéreas de apoio de fogo.


Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12 > 1966 >  A nova pista 


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Madina do Boé  > 16 de julho de 1968 > "Coube-me a mim efectuar a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o ten cor pqdt Fausto Marques [, cmdt do BCP 12],  e por um feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde eu, o ten pqdt Gomes e um soldado da CCaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda tenho de que alguma vez estive  no "Algarve na Guiné”.

Fotos (e legendas): © José Nico (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É um texto notável, da autoria do José Nico, aqui publicados no nosso blogue, em 30 de abril de 2018 [e só parcialmente reproduzido no seu livro "A Batalha do Quitafine", lançado em plena pandemia de Covid-19:  esgotada a 1ª edição, tem já 2ª edição à vista (*)]. 

É a guerra, na primeira pessoa no singular, tendo como cenário Madina do Boé e as suas colinas circundantes, entre abril e julho de 1968.

Por ser demasiado extenso e ter surgido  num único poste (**),  decidimos reeditá-lo agora, por partes, com a expressa autorização do autor. 

É uma homenagem também aos bravos de Madina do Boé, tanto do Exército como da FAP. Madina do Boé que, como se sabe, viria depois a ser retirada, no ano seguinte, em 6 de fevereiro de 1969, por decisão do Com-Chefe, gen Spínola.

[Título, revisão e fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, em três partes, da responsabilidade do editor LG]


A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) 

Parte II (***)

por José Nico (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)



Como apoiámos Madina do Boé em Abril de 1968 


Por todos os motivos já indicados, o apoio de fogo a Madina do Boé pela Força Aérea, era fundamental. No entanto, a nossa eficácia nessas situações era, na generalidade, muito limitada. Isso acontecia tanto no caso de Madina do Boé como no dos outros aquartelamentos apoiados. 

É certo que,  quando os aviões chegavam ao local, os ataques terminavam porque o inimigo tinha receio de ser localizado e não se revelava mas, por outro lado, era muito difícil infligir-lhe danos dada a dificuldade de referenciar com precisão os alvos. As indicações dadas pelas forças terrestres em termos de direcção e distância eram apenas estimativas e, do ar, mesmo que a direcção fosse uma indicação satisfatória,  já a distância era impossível de medir a olho, com alguma precisão, sobre o manto verde da mata. 

 Em Madina, nas curtas visitas dos DO-27 e em conversa com os comandantes de companhia,  fomo-nos apercebendo que o inimigo utilizava repetidamente bases de fogos que já estavam bem identificadas o que correspondia às características de campo de treino de tiro que a zona tinha para o PAIGC. Foi por isso que em 10 de Novembro de 1966 a reacção da companhia CCaç 1416 fora tão certeira. (*)

No início de Janeiro de 1968,  a CCaç 1790 que na altura se encontrava em Bissau como unidade de intervenção do Comando Militar, iniciou a sua deslocação para Madina do Boé onde assumiu a responsabilidade de todo o Boé, com uma pequena guarnição destacada em Béli.

O ex-comandante da CCaç 1790 descreveu-me assim a posição que foi ocupar:

“Madina do Boé é uma pequena povoação com características físicas específicas. É rodeada por pequenas elevações (com cerca de 300 m de cota média), que são a continuação na Guiné da cordilheira do Futa Djalon da Guiné Conacri. 

Madina fica num vale fértil com muita água, tem um clima agradável, a ponto de em brincadeira os militares que ocuparam anteriormente a posição terem ali colocado uma tabuleta com a expressão “Madina do Boé, o Algarve na Guiné”, e que ali permaneceu até ao fim da presença portuguesa. 

Não havia um aquartelamento militar propriamente dito, mas antes uma dezena e meia de abrigos enterrados dispostos em círculo com um diâmetro de cerca de 1,5 kms e ocupados, cada um, por 5 a 7 militares. 

No centro da povoação havia três casas edificadas. A população que ali vivia também dispunha de abrigos junto das suas tabancas. Por razões óbvias os abrigos estavam ocupados em permanência; era ali, e em cada um, que se tomavam as refeições e se fazia a rotina dos dias. 

Os montes em redor davam comandamento e capacidade de observação contínua sobre as nossas posições. Evitávamos, por isso, ajuntamentos de pessoas que constituíssem alvos fáceis; mesmo quando se jogava futebol, fazíamo-lo junto de valas a céu aberto onde nos podíamos rapidamente abrigar em caso de ataque.

O PAIGC atacava Madina do Boé quase diariamente, normalmente com armas pesadas, morteiros de 82 mm e canhões sem recuo de 75 e de 82 mm. 

A partir dos meados de 1968 passou também a utilizar atiradores especiais ["snippers"] que,  embora fazendo tiro a grande distância, e sempre à mesma hora, acertaram algumas vezes; nunca causaram mortes, mas provocaram alguns feridos graves, e criaram uma enorme instabilidade emocional. 

O desencadear das longas flagelações com armas pesadas tinha características próprias: ocorria normalmente aos crepúsculos, especialmente no vespertino, por razões de segurança das unidades do PAIGC que realizavam o ataque. É que durante a noite não havia operações aéreas na Guiné; por isso após o pôr-do-sol, estavam seguros que só na madrugada seguinte poderiam aparecer os Fiat G91; quando atacavam ao raiar da aurora faziam-no muito rapidamente sendo esses ataques intensos, mas terminando logo de seguida para evitarem qualquer ataque aéreo de resposta.

[...] Está hoje completamente comprovado que o PAIGC teve sempre nos arredores de Madina oficiais e sargentos cubanos que regulavam o tiro das suas armas pesadas com muita eficácia; como nos montes em redor tinham excelentes postos de observação de tiro, e meios adequados para o efeito, escolhiam facilmente as zonas a bater, e faziam correr as salvas por todo o aquartelamento.”



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Carta de  Jabiá (1959) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da colina Felo Gorlige (cota 192), que circundava o quartel de Madina do Boé, a norte, enquanto Dongol Dandum (cota 171) ficava a sul.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


Quando se chegou ao final de Março de 1968,  o PAIGC começou a aumentar novamente a pressão sobre Madina do Boé mas dessa vez houve três novos factores que jogaram um papel fundamental.

O primeiro foi que face à rotina dos ataques,  o comandante da CCaç 1790 desenhou uma quadrícula alfa numérica de referenciação que se sobrepunha às cartas 1:50.000 que todos utilizavam. [Vd. imagem acima].

Quando a situação começou a ficar complicada,  um exemplar desta quadrícula [4] foi entregue a um piloto de DO-27 que passou por Madina e depois passou a ser utilizada como elemento de coordenação entre a CCaç 1790 e os pilotos dos Fiat G-91 nas acções aéreas de apoio de fogo.

O segundo factor era uma vulnerabilidade dos cubanos, que utilizavam emissores-receptores nas frequências da banda FM dos 80 Mhz que podiam ser escutadas nos rádios (transistores) do pessoal. Por essa razão, era normalmente possível ouvir-se em Madina as comunicações do inimigo, em castelhano, e por vezes deduzir onde iria caír a próxima salva, e também conhecer os resultados dos ataques aéreos quando estes se realizavam.

O terceiro factor foi a decisão de pôr uma parelha de Fiat G-91 no ar ao fim do dia e tentar o contacto rádio em rota para Madina. Se o inimigo não se tivesse manifestado, a parelha entrava em espera, por alturas de Bambadinca, na esperança de poder intervir imediatamente se o PAIGC entretanto desencadeasse alguma flagelação. 

A espera era efectuada alto para reduzir o consumo de combustível e depois, se tudo corresse de feição, bastavam apenas 6 minutos de voo a 400 KIAS [5] para atingir um alvo na zona de Madina do Boé. 

Quando os aviões iam armados com foguetes e metralhadoras (caso da parelha de alerta) o tempo de espera podia atingir cerca de 40 minutos mas, nessas condições, com tão baixa capacidade letal, era difícil provocar danos sérios no inimigo. Com bombas nas estações internas, dada a curta autonomia do Fiat G-91 sem tanques externos, a espera tinha uma janela muito estreita, no máximo 20 minutos, e portanto era necessário muita sorte.

Foi com estes preparos já em força que ao fim da tarde de 9 de abril de 1968, o PAIGC desencadeou uma flagelação com armas pesadas. Logo após caírem as primeiras salvas,  o comandante da companhia [, a CCAÇ 1790, o cap inf José Aparício ] conseguiu contacto rádio com os Fiat G-91, na frequência do apoio aéreo (FM 49.0 Mhz), e utilizando a quadrícula de coordenação indicou a localização da base de fogos do inimigo. 

Os aviões apareceram rapidamente sobre o local e atacaram com foguetes 2,75” e metralhadoras as posições indicadas o que fez parar imediatamente o ataque ao aquartelamento. 

Logo a seguir o pessoal do Exército começou a ouvir nos “transistores” vozes cubanas pedindo macas e enfermeiros para socorrerem as muitas baixas que tinham sofrido. Estes resultados foram divulgados de imediato através de uma mensagem “relâmpago” que não chegou ao meu conhecimento.

Lembro-me, no entanto, que na manhã do dia seguinte, 10 de Abril de 1968, fui escalado para uma missão com o Cap Pilav Vasquez que era na altura o comandante da Esquadra 121. A caminho da linha da frente disse-me que íamos ver se Madina do Boé precisava de apoio e que os aviões iam armados com bombas incendiárias e foguetes, para além das metralhadoras, é claro. Percebi depois que ele estava ciente do resultado do ataque no dia anterior e pretendia tentar uma segunda oportunidade.

Nem sonhava o que o destino me tinha reservado quando levantei a tampa que escamoteava o botão vermelho do STARTER e o cartucho de arranque do motor disparou. Depois, a rotina das operações aéreas não exigia grandes explicações e, que me lembre, não houve praticamente quaisquer comunicações entre os dois pilotos. 

Descolámos e eu segui o n.º 1 em escalão de combate a cerca de 300 mts de distância. O comandante da parelha voava o Fiat G-91 5403 e eu o 5427.

Ainda estávamos a subir, acompanhando o Rio Geba, quando o n.º 1 tentou o contacto rádio com Madina do Boé:

- Madina, Madina, Tigres chamam!

Mal terminara a chamada,  ouvimos imediatamente a voz do Capitão Aparício, sinal de que estava à espera que aparecessem aviões na frequência de apoio ar-solo:

- Tigres, aqui é Madina! Informo que o inimigo está a instalar-se a meio da encosta no ponto 2! - disse isto muito de seguida como se tivesse a informação presa na garganta e estivesse em pulgas para a soltar.

Acho que, embora bem sentado e amarrado, até estremeci. É desta que levam, pensei logo eu. Na quadrícula verifiquei que o ponto 2 era uma pequena elevação chamada Felo Gorlige [vc
carta de  Jabiá (1959)] que ficava mais ou menos no enfiamento da pista de Madina. 

Conhecia perfeitamente o local. A resposta do Cap Vasquez, no seu estilo peculiar que mais parecia um sussuro, foi extraordinariamente pausada e lacónica,  não deixando transparecer a emergência que subitamente nos caíra no colo:

- Madina, entendi que estão no ponto 2 a meio da encosta. Confirme!

- Afirmativo Tigres, afirmativo!

Depois destas comunicações nenhum de nós disse qualquer palavra. Cada um ficou a pensar com os seus botões. Eu pensava que,  apesar da situação parecer favorável a indicação de “a meio da encosta”,  deixava em aberto uma grande margem de erro. Além disso, se a vegetação na zona fosse relativamente densa,  a cobertura ia ser reduzida e, em consequência, a margem de erro aumentava.

Vi o avião da frente voltar ligeiramente á direita porque baixou a asa desse lado durante uns momentos e a seguir começou a descer e a afastar-se, indicação de que estava a acelerar. Calculei que fosse adquirir à volta de 400 KIAS e foi isso que aconteceu.

Estávamos nessa altura a cerca de 60 Kms em linha recta e nessas condições era impossível descortinar a zona onde se localizava Madina. Na trajectória que seguíamos passámos praticamente sobre a confluência do rio Corubal com o rio Geba e foi sempre a descer suavemente que fomos perdendo altitude. 

Aproveitei para ir ligando o armamento e certifiquei-me, por diversas vezes, que tinha os “pylons” internos ligados e os externos, que suportavam as calhas dos foguetes, desligados. Faltava apenas armar as espoletas o que normalmente se fazia já muito perto do alvo mas dessa vez resolvi deixar tudo pronto para o ataque. Não queria falhar. No visor seleccionei 140 milésimos que era a minha referência pessoal para as incendiárias em voo rasante a 400 KIAS.

Quando cruzámos novamente o rio Corubal, a cerca de 15 kms de Madina, começámos a perceber os contornos do terreno e pensei então que o melhor seria largar as bombas no seguimento do impacto das do n.º 1 para tentar aumentar a extensão da zona coberta. Estas conjecturas foram interrompidas porque entrámos em voo baixo e deixámos de ver a zona do alvo. 

De Madina, no prolongamento da pista, o terreno eleva-se ligeiramente para Oeste e os aviões vinham a voar abaixo dessa lomba. Foi bom porque isso iria garantir uma surpresa total e, apesar de por alguns momentos não vermos o objectivo, sabíamos que os aviões voavam alinhados com ele. 

A partir desse momento entrámos numa final longa e alucinante, característica dos ataques a muito baixa altitude, em que o terreno parecia escorregar freneticamente por debaixo da barriga do avião. Só quem passou por situações como esta poderá entender o que senti naqueles momentos porque eu não sou capaz de o reproduzir por palavras com a eficácia merecida. Os dados estavam lançados e a expectativa do que estava prestes a acontecer devia estar a injectar-me “toneladas” de adrenalina no sangue.

Concentrado no controlo do voo e no seguimento do avião da frente,  vi de repente o n.º 1 desaparecer quando passou a pequena lomba antes da pista e continuou rente ao solo. Segundos depois foi a minha vez e nessa altura já vi o outro avião parecendo trepar a encosta do Felo Gorlige  [vd. carta de Jabiá, 1959, escala 1/50 mil]. De repente vi o clarão das bombas a explodir mas, à distância, pareceu-me que o espalho não tinha sido grande coisa.

Focado na encosta onde ia largar o armamento e com a velocidade que levava, não via mais nada. Não vi sequer as casas e abrigos do aquartelamento que ficaram á minha direita, mesmo ali ao lado.

Naqueles poucos segundos de acção o meu Mundo encolhera-se espantosamente e resumia-se ao Felo Gorlige.

Foi então que passei por uns momentos de confusão porque, de repente, apercebi-me que não era seguro entrar na fumarada que alastrava sobre a zona do alvo. Não podia largar mais acima como queria e só me restava a possibilidade de largar mais curto e foi o que fiz. Foi tudo muito rápido. Depois entrei na nuvem de fumo do lançamento anterior e limitei-me a puxar o nariz do avião para cima para ter a certeza que não colidia com o solo.

Ainda estava a subir voltando apertado pela direita, todo torcido e comprimido na cadeira de ejecção, a tentar localizar visualmente o avião do Cap Vasquez, quando a voz do Cap Aparício me encheu o capacete:

- Em cheio,  Tigres, em cheio. Era mesmo aí!

De seguida detectei o n.º 1 já a voltar sobre o Dongol Dandum numa trajectória que só podia ser para lançar os foguetes no alvo. Armei também os meus e executámos depois 4 circuitos de tiro em que fomos disparando os foguetes aos pares procurando bater a zona envolvente ao redor da mancha de fogo. 

Depois, como o combustível não dava para mais, o n.º 1 entrou em contacto rádio com Madina para nos despedirmos ao mesmo tempo que iniciámos uma subida para os 20.000´ de regresso a Bissalanca. 

Ainda me parece, ao recordar este episódio, estar a sentir a intensa calma que, depois daqueles minutos esfusiantes, pareceu inundar-me o espírito. Como de costume nestas missões entrámos numa inicial curta com o COLLECT TANK a debitar e o respectivo indicador a mostrar menos de 250 lbs de combustível remanescente.

Duas horas depois, descolei numa segunda parelha de G-91, armada com foguetes e metralhadoras, que bateu outros pontos nas imediações do aquartelamento, segundo a orientação dada pelo comandante da CCaç 1790. Dessa vez levei o G-91 5401 mas já não consigo determinar quem foi o outro piloto.



O que disseram os cubanos naquele dia


As comunicações rádio dos cubanos escutadas em Madina, na sequência deste ataque, prolongaram-se por várias horas. No essencial pediam apoio para a evacuação da enorme quantidade de feridos que tinham sofrido e referiam também a existência de cerca de 30 mortos. O tom de aflição e a insistência nos pedidos de socorro reflectiam claramente uma situação de extrema gravidade. 

Foi um apanhado dos indicadores recolhidos nessas escutas que o capitão Aparício plasmou pormenorizadamente numa nova mensagem “Relâmpago” e que eu tive oportunidade de ler no dia seguinte de manhã. Foi com alguma surpresa que tomei conhecimento dos resultados pois nada me indicava com segurança que tinhamos atingido o alvo e que as consequências tinham sido tão devastadoras para o PAIGC  [6]. 

A única informação que podia ter algum significado fora a dada pelo comandante de Madina quando largámos as bombas no Felo Gorlige mas essa era uma avaliação visual a uma distância de 3 Kms, portanto pouco fiável.

Não é pois de estranhar que este momento me tenha marcado e se tenha somado aos instantâneos que, passados quarenta e seis anos, ainda perduram na minha memória.

Nos dias 12, 14, 16 e 17 de Abril continuámos a efectuar saídas com os G-91 em apoio de Madina de Boé. 

A partir de 16 de Abril desistimos da configuração com foguetes e metralhadoras e passámos a levar os aviões armados com duas bombas de 200 kgs nos “pylons” internos e mais duas de 50 Kgs nos “pylons” externos. Só não os levámos à carga máxima (2 bombas de 200 Kgs e 4 de 50 Kgs por avião) por causa da resistência ao avanço provocada pelos suportes que tinham de ser montados nos “pylons” externos com o consequente aumento do consumo de combustível e redução da autonomia.

A actividade da Força Aérea em apoio da CCaç 1790, durante o período mencionado, e que na prática se manteve com menor intensidade até à desactivação de Madina [, em 6 de fevereiro de 1969], acabou por dar resultado e o inimigo,  se não “encolheu as unhas”,  teve que passar a empregar tácticas menos favoráveis. 

Mais do que isso não seria nunca possível, nem em Madina do Boé, nem em qualquer outra posição periférica dado que o PAIGC e os seus reforços internacionalistas beneficiavam do santuário proporcionado pelas Repúblicas da Guiné-Conacri e do Senegal. Nunca abandonou a zona mas as flagelações diminuíram de frequência e de intensidade. 

Foi certamente para compensar esta quebra nas suas acções ofensivas que passaram a utilizar uma táctica que escapava completamente à acção punitiva dos aviões: os franco-atiradores [, "snippers"], como referiu o ex- comandante da CCaç 1790 no seu testemunho, atrás reproduzido.

(Continua)



Guiné > BIssau > Bissalanca > BA 12 > 1968 > A Frente dos "Tigres", os Fiat G-91.

Foto (e legenda): © Mário Santos (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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 Notas do autor

[4] - Esse exemplar da quadrícula para o apoio aéreo a Madina do Boé ainda existe.

[5] - KIAS – Knots Indicated Air Speed (velocidade ar indicada em milhas náuticas por hora)

[6] - Testemunho do ex comandante da Ccaç 1790, actual Tcor Inf (R) José Aparício após uma visita à Guiné em 1994:

“Regressados a Madina visitámos os montes circundantes de onde éramos atacados. Constatei que a quadrícula alfa numérica que utilizávamos estava correcta, e os vários pontos eram efectivamente as bases de fogo que referenciámos na quadrícula.

Um dos elementos que nos acompanhava, e que desempenhava as funções de governador do Gabu, mas que nos tempos da nossa permanência pertencia às forças do PAIGC estacionadas na zona, pediu-me para o seguir sozinho, que me queria mostrar um local; pediu-me para não tirar fotografias e não falar do assunto aos jornalistas e operadores de imagem que nos acompanhavam, o que cumpri, 
naturalmente. 

Chegados ali, na contraencosta de um dos montes à volta de Madina, na direcção (E), mostrou-me o local onde foram enterrados os mortos do PAIGC na zona, descrevendo-me a maneira como enterraram os corpos. Quem ficou constrangido e embaraçado pela situação, fui eu, e por respeito não ousei voltar a olhar com insistência para o espaço e estimar o número de sepulturas, mas que eram muitas. 

Na longa conversa que ali mantivemos, referiu-me os ataques aéreos de 9 e 10 de Abril de 1968 confirmando o juízo que ao tempo tínhamos formulado das circunstâncias de então. Falou-me também das dificuldades que tinham nas evacuações de feridos, já que os hospitais de que o PAIGC dispunha na região com médicos cubanos, se encontravam longe, em Boké a (S) e Kundara a (N). As forças do PAIGC à volta de Madina tinham enfermeiros cubanos, que nos dias dos citados ataques se viram ultrapassados pela situação, passando toda noite a pedir auxílio para transportar os muitos feridos existentes, o que foi ouvido em Madina.”
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Notas do editor;


terça-feira, 3 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21513: Da Suécia com Saudade (83): Velhinhos a recordar no Sloppy Joe’s Bar, Key West, Florida, EUA... (José Belo, ex-alf mil, CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)


José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia


1. Mensagem de José Belo [ ex-alf mil, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); cap inf ref; jurista; autor da série "Da Suécia com Saudade"; vive na Suécia há mais de 4 décadas; régulo da Tabanca da Lapónia; tem c. 180 referências no nosso blogue]


Date: quinta, 22/10/2020 à(s) 23:18

Subject: Velhinhos a recordar no Sloppy Joe's Bar [Key West, Florida, EUA] 

Ou,,, da Florida com quase...saudade.


Uma inocente história que leva à mistura militares de Abril e Novembro  à a Praça Vermelha de Moscovo, no âmbito da Conferência do Conselho Mundial da Paz, somada ao Conselho Superior de Disciplina do Exércit[, português..]o , duas meninas com tanto de bonitas como de voluntariosas, noites de luar, enfim, uma verdadeira caldeirada de Peniche.

Estaríamos em 1977 ou 1978...

Enquanto aguardava (em casa) a decisão do Conselho Superior de Disciplina do Exército quanto à minha futura situação militar, continuava a receber mensalmente o meu soldo de Capitão de Infantaria.

Com pouco que fazer decidi contribuir nas  actividades do Conselho Português para a Paz e Cooperação então presidido pelo Senhor General Costa Gomes.

Dele faziam parte intelectuais representativos, socialistas politicamente activos e com importantes cargos públicos, independentes, comunistas ,jornalista, escritores, sacerdotes,etc, etc.

As Conferências Internacionais multiplicavam-se um pouco por toda a parte: Europa Ocidental e Oriental,África,Medio Oriente,Ásia e América do Sul.

Tive oportunidade de participar em algumas delas em países então bem exóticos e bem fora das rotas turísticas do Portugal de então.

No regresso de uma destas Conferências realizada na Índia, e acompanhado por um outro então Capitão de Infantaria, fomos obrigados a passar quatro dias em Moscovo enquanto aguardávamos ligação aérea para Lisboa.

A viagem aérea tinha sido longa,cansativa e monótona. Chegámos ao hotel por volta das onze, de uma noite de verão em Moscovo,com temperatura agradável e uma incrível lua cheia.
Depois de demasiadas horas sentado em cadeira de avião apetecia-me "esticar as pernas".
O hotel, de seu nome Rússia, ficava a umas escassas centenas de metros da Praça Vermelha ,do Kremlin e do mausoléu de Lenine.

Um silêncio total nas ruas e Praça Vermelha. Completamente desertas,exceptuando as sentinelas na entrada do Kremlin e junto ao túmulo de Lenine.

Vestido à "menino fino",  lisboeta, de blazer e bem engravatado,(uniforme muito útil em tais Conferências) encetei o meu passeio solitário pela Praça Vermelha.

As enormes e bem polidas pedras da calçada que a cobria como que brilhavam à luz dos monumentos. Com as mãos displicentemente nos bolsos considerava quantas tragédias e acontecimentos históricos aquelas pedras teriam presenciado ao longo dos séculos.

Sinto inesperadamente uma mão firme em cada braço. Tendo em conta a hora,o local histórico e completamente deserto,de imediato pensei.....o que é que terei feito?

Depois de Custóias e outros presídios militares,  lá vou agora parar à Sibéria?!

Olhando por cima do ombro verifiquei ter por de traz de mim duas jovens,tão bonitas que "faziam doer"!

Num inglês primitivo e com fortíssima pronúncia russa uma delas disse:

- A hora tão tardia,sozinho,tão pensativo....certamente que tens problemas!

Para mim pensei.... problemas não tinha mas, aparentemente, vou tê-los!

Com um sorriso quente a outra menina afirmou convincente:

-Vamos ajudar-te quanto à tua solidão. Custa 40 dólares! Vinte para mim e vinte para a minha amiga. Amanhã acordas mais feliz!

Tendo em conta que as "meninas" eram mesmo lindas, tais propostas feitas na madrugada a um pobre macho ibérico deviam ser... proibidas!

Na Praça Vermelha deserta na madrugada? A 200 metros do mausoléu de Lenine? Frente às sentinelas do Kremlin?

Como era esta situação minimamente possível? Para mais, nesse ano , o dono do Kremlin ainda era o Senhor Leonid Brejnev [1906-1982], dirigente de "barba rija", se comparado com os que lhe sucederam no cargo.

Olhando em volta,e quase instintivamente,resolvi regressar ao hotel... sozinho! Acabando por ter que enfrentar as infindáveis gargalhadas do outro Capitão sentado no Bar do hotel.

Hoje,quase meio século depois desta história?

Pois...

Um abraço do J.Belo
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21512: Agenda cultural (761): dentro em breve, a 2ª edição de "A Batalha do Quitafine" (2020, 384 pp.). Aceitam-se encomendas "on line" (José Nico, ten gen pilav)

edição de autor, 2020, 384 pp.



1. Mensagem de José Nico, gen pilav ref, ex-ten pilav (BA 12, Bissalanca, 1968/70):
 
De: José Nico <BatalhadoQuitafine@sapo.pt>
Date: segunda, 2/11/2020 à(s) 14:14
Subject: 2ª edição de "A Batalha do Quitafine"
 

Caros senhores

Na sequência de contactos anteriores venho informar o seguinte:

1. A primeira edição da Batalha do Quitafine esgotou-se no princípio de Setembro.

2. O interesse demonstrado por todos os que tiveram conhecimento da 1ª edição, esgotada em pouco tempo (três meses e poucos dias) sem que tenha sido precedida de qualquer ação de divulgação na comunicação social ou cerimónia de lançamento público e ao merecer comentários altamente favoráveis dos leitores, levaram a uma conjugação de esforços de diversas entidades para se conseguir uma 2ª edição.

3. Julgo que estão agora reunidas condições suficientes para avançar com essa 2ª edição, tendo como meta a época do Natal.

4. Dos 500 exemplares dessa 2ª edição 200 ficarão com o autor e poderão ser adquiridos através deste e-mail: BatalhadoQuitafine@sapo.pt

5. Avisarei os destinatários assim que a edição ficar disponível e agradeço a todos que divulguem esta informação a outros eventuais interessados.

Melhores cumprimentos

J. Nico

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ÍNDICE GERAL 

Nota  Introdutória

Agradecimentos

Lista de Fotografias,

Lista de Infografias e Mapas

PARTE I. Contraguerrilha Antiaérea na Guiné

  Confronto de Assimetrias

            Desequilíbrios versus desequilíbrios

            Vantagens do PAIGC

            Génese das guerras de libertação nos territórios ultramarinos

            Assimetrias favoráveis ao PAIGC

O Cripto-Império dos Cavalos de Tróia

            Portugueses aliados do inimigo sempre os houve e haverá

            Oposição, uma aventura chique e romântica

            A Nação não contava, o importante era o regime

            Responsabilidade de ter feito muito melhor

Primeiros anos da Defesa Antiaérea do PAIGC

            Um passado de conflitualidade

            Primeiras baixas em voo

            Conflitualidade endémica naquela área de África

            Evolução da guerrilha antiaérea após 1964

Guerrilha Antiaérea e o Know-how Cubano

            Amílcar Cabral hipnotiza os cubanos

            As DShK nas flagelações aos aquartelamentos

            Assessoria antiaérea cubana no Quitafine

            Obséquios e afectos em honra de um agressor

PARTE II.  Especificidades da Contraguerrilha Antiaérea

Detecção das AA

            Os pilotos raramente se apercebiam do fogo antiaéreo

            Detecção das munições tracejantes

Adversários atípicos

            Um espaço aéreo partilhado

Eficácia do Poder Aéreo na Guiné

As diferentes formas de combater

A Manutenção e a Prontidão das aeronaves

Limitações funcionais da Força Aérea

Descobrindo a guerrilha antiaérea

PARTE III.  Primeiros Meses da Batalha do Quitafine          

Situação no Quitafine no Final de 1967

Projecto da operação Apocalipse

A táctica antiaérea altera-se radicalmente

Capacidade de contraguerrilha antiaérea

Dameol, Banir, Cassumba e Cassequelã 

Acossando o Inimigo

Deram-nos uma missão

Alguma sorte num mar de contrariedades

PAIGC decide defender o terreno

“Sentados nos pelos do cú”

Cassebeche, o Cavalo de Batalha

Construção dos primeiros espaldões no Cassebeche

As incursões nocturnas

Operação Regar o Prestígio

Eclosão nas Cuevas del Vasquez

PARTE IV.  Momentos Marcantes da Batalha do Quitafine 

Uma Grande Surpresa

Uma organização do terreno notável

Operação Martelada III

Ataque no dia 7 de Março de 1968

O rosto do inimigo

Operação Tempestade Betelgueuse

Heli-assalto no Quitafine

A guerrilha evita o contacto, evade-se e dispersa

Deixem-nos Engordar, Vamos Apanhá-los à Mão

Ingredientes e contornos de uma decisão

Construindo mais uma estrada para a “Guiné Melhor”

Aterragem inopinada no Cassebeche

O Comandante do Grupo 1201 torce o nariz

Operação Vulcano

O comandante-chefe à noite no Quitafine

Detalhes da operação Vulcano

A máquina aérea de contraguerrilha em acção

Ataque inicial e colocação da primeira vaga de assalto

O inimigo resiste e mantém a capacidade antiaérea

Lições aprendidas mas ignoradas

A reacção do inimigo intensifica-se

Reconhecer o erro em prosseguir com a operação

Finalmente a decisão de retirar

Ressaca e Lições da Operação Vulcano

Contabilização dos danos para ambos os lados

O que sobrou da operação

Ensinamentos da operação Vulcano

Um ensaio prévio teria revelado as fragilidades do plano

O Final da Batalha do Quitafine

            Derradeiras acções contraguerrilha antiaérea

            Última quádrupla no Cassebeche

PARTE V.  Outras Acções Antiaéreas do PAIGC

O Abate do Comandante do Grupo 1201

            Reconhecimento visual ao corredor do Guilege

            Um reconhecimento fotográfico que correu mal

            Gandembel, um presente para o PAIGC

            Afinal não era o inimigo, mas “à noite todos os gatos são pardos”…

            Reacção do Grupo Operacional

            Briefing no COMCHEFE

            A tese da armadilha e a manipulação da DGS pelo PAIGC

 Um Ataque com Olhos Azuis

            Do ideal missionário à ajuda humanitária

            A decisão

            Era impossível falhar aquele alvo

            Reconhecimento pós-ataque

            Uma razão para o suicídio do PAIGC

Último Suspiro da Artilharia Antiaérea do PAIGC

            Canhões AA 37 mm no corredor do Guilege

            Operação Pérola Azul

            A melhor arma dos G-91 contra-guerrilha

PARTE VI. Epílogo

Resiliência da Força e a Contribuição Vital do Poder Aéreo

Defesa Antiaérea e Antiaérea Ofensiva

A Guerrilha em Posições Fixas

Os “Santuários” do PAIGC Mesmo Ali ao Lado

Missões Assimétricas e a Declaração Unilateral da Independência

Resultados da Batalha do Quitafine

Benefícios da “Guerra de Libertação” 

Abreviaturas

Bibliografia

Indice Remissivo

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Nota do editor:

Último poste da série >30 de outubro de  2020 > Guiné 61/74 - P21495: Agenda cultural (760): lançamento original, "on line", a partir do Jardim Constantino, ontem 5ª feira, do livro do Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas" , 1º volume. Disponível na Livraria Leituria.

Guiné 61/74 - P21511: (In)citações (172): Contradições… Já são demais, texto extraído do livro "Estilhaços..." de Joaquim Coelho (Abel Santos)

1. Em mensagem do dia 29 de Outubro de 2020, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) enviou-nos este texto intitulado "Contradições... Já são demais", retirado do livro "Estilhaços...", com a devida autorização do seu autor, o Sargento Paraquedista Joaquim Coelho.


Contradições… Já são demais

Joaquim Coelho

Se servir nas Forças Armadas exige disponibilidade total, mesmo da própria vida, é preciso que os incentivos cativem os interessados mais capazes.

Com o fim do SMO (Serviço Militar Obrigatório) criou-se um vazio muito grave no percurso de formação cívica dos cidadãos. Apesar de ser um serviço incómodo para os mais bem instalados na sociedade, é nas Forças Armadas que se cultivam os mais nobres valores da ética e da disciplina, bem como os valores patrióticos e de cidadania que deveriam ser preservados, difundidos e absorvidos pelos jovens da sociedade. Os padrões da disciplina e a cultura da mística fundamentada nas tradições castrenses ajudam a moldar a personalidade dos mancebos dentro dos princípios da responsabilidade e do respeito da causa pública. As Forças Armadas são a mais importante instituição para defesa da coesão nacional, onde a camaradagem ajuda a fortalecer o espírito de corpo determinante para levar acabo as mais diversas acções com vista à defesa da soberania nacional e da liberdade democrática.

É notório que a maior parte dos governantes não está à altura de entender o que é a vida militar. Porque não querem ou porque pertencem à “vanguarda dos covardes e desertores” que renegaram o serviço militar e a defesa da Pátria. Não percebem que é preciso um forte “espírito de corpo” para enfrentar situações de perigo, em que cada um defende o espaço onde se movimentam os companheiros, na reciprocidade da ação comum. Muitos governantes deste país nunca souberam quanto é desconfortável andar dias seguidos com as fardas encharcadas, dormindo no chão e alimentados por rações de combate que, grande parte da população acharia intragáveis. As consequências para a saúde aparecem mais tarde, desgastando o corpo e o espírito mais precocemente, pelo que necessitaram de tratamentos e cuidados de saúde mais específicos e adequados.

Se as remunerações não compensarem o esforço do desempenho as evoluções nas carreiras se processarem com décadas de atraso e os incentivos se reduzirem a zero, não tarda nada que nas Forças Armadas (única instituição isenta na salvaguarda dos valores patrióticos) fique apenas os incapazes e os desafortunados. Depois, em vez da pujança física e capacidade moral vamos ter umas Forças Armadas deprimidas e compostas de gente desmotivada, incapaz e infeliz. Estamos a assistir ao desmoronar dos alicerces que sustentam as instituições chave da democracia: Forças Armadas e Justiça.

Quando vemos os políticos, incapazes e incompetentes, a afrontar as instituições mais credíveis do país, tentando modelá-las à sua imagem e semelhança, não atendendo à especificidade das respectivas necessidades básicas, só podemos esperar novos protestos que poderão conduzir a um levantamento nacional que os ponham na ordem ou mande para o inferno, antes que Portugal se afunde mais no caos económico e na corrupção instituída, alguém terá de dizer basta e imitar a Maria da Fonte.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)

Guiné 61/74 - P21510: FAP (122): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Madina do Boé  > 16 de julho de 1968 > "Coube-me a mim efectuar a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o ten cor pqdt Fausto Marques [, cmdt do BCP 12],  e por um feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde eu, o ten pqdt Gomes e um soldado da CCaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda tenho de que alguma vez estive  no "Algarve na Guiné”.



Foto (e legenda): © José Nico (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O José Nico, ten gen pilav ref, publicou recentementee, em plena pandemia de Covid-19, um livro de  memórias,  "A batalha do Quitafine: a contraguerrilha antiaérea na Guiné e a fantasia das áreas libertadas" (edição de autor, Lisboa, 2020, 384 pp.) (*)... 

Profusamente ilustrado, com cerca de 120 fotografias, infografias e mapas, o livro esgotou-se, num ápice, sem qualquer promoção (a não ser talvez no nosso blogue e no boca a boca de camaradas e amigos...).

O autor vai fazer uma reimpressão (, tiragem de 500 exempales), havendo já um número razoável de pedidos de encomenda.  Entre esses pedidos, já está o nosso, já que o livro não chegou às nossas mãos, na primeira hora, com muita pena nossa.  

Conforme acordado com o José Nico, vamos publicar um poste a chamar a atenção para essa reimpressão e para novos pedidos de encomenda do livro.

O José Nico, mesmo não sendo formalmente membro da Tabanca Grande, tem mais de vinte referências no nosso blogue e frequenta com regularidade os convívios da Tabanca da Linha, também ela, "fechada", por causa da pandemia em curso.

Graças ao Mário Santos, mas também ao Miguel Pessoa, tem-nos chegado alguns textos notáveis do José Nico, ex-.ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70.

O nosso grã-tabanqueiro Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA, BA 12, Bissalanca, 1967/69) apresenta o autor do livro, seu contemporâneo, camarada e amigo,  nestes termos:

(...) "O General Nico iniciou a sua carreira como cadete na Academia Militar em 1960, sendo brevetado em 1964, após 3 anos de tirocínio...

Voou depois em Tiger Moth, Piper Cub, Chipmunk, C-45, Broussard, Alouette III, Puma SA 330, DO27, T6, T-33, T-37, F-86, Fiat G-91, DC-6, C-130H e Boeing 707.

Dedicou toda a sua vida ao ideal da Força Aérea e cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1967 e 1970.

O então Tenente Piloto Aviador José Nico era um Oficial rigoroso e dedicado. Em combate, mostrou sempre bravura, coragem e serenidade, apesar do perigo constante da reacção do inimigo; tudo isto, aliado ao seu porte correcto e disciplinado... actuou em missões de reconhecimento fotográfico e visual, bombardeamento, apoio de fogo e escolta de protecção às nossas tropas de superfície e da Marinha.

Este livro é um documento histórico de uma grande riqueza analítica, que relata sem subterfúgios um pedaço indelével das nossas vidas." (...) (**)


José Nico, ten gen
pilav ref
2. Um dos textos notáveis, da autoria do José Nico, aqui publicados no nossoblogue, e 30 de abril de 2018 (e também parcialmente reproduzido no seu livro, acima citado), tem a ver com outra batalha, não a de Quitafine (, contra as antiaéreas do PAIGC, )  mas a de Madina do Boé, entre abril e julho de 1968.

É texto demasiado extenso mas de leitura empolgante que surgiu num único poste (***)... e que merecia muito mais comentários do que aqueles que teve (, quatro na altura).

Vamos reeditá-lo agora, por partes, com a devida autorização do autor, com quem falámos ao telemóvel. É uma homenagem também aos bravos de Madina do Boé, tanto do Exército como da FAP.  Madina do Boé, como se sabe,  viria depois a ser retirada, no ano seguinte, em 6 de fevereiro de 1969, por decisãodo Com-Chefe, gen Spínola.

[Título, revisão e fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, em três partes, da responsabilidade do editor LG]


A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (***)

por José Nico (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)

 

A imagem que perdura é clara. Vejo-me no espaço que existia entre os pré-fabricados onde estava instalado o Grupo Operacional 1201 da Base Aérea n.º 12, com a sala de equipamentos e as Esquadras de um lado e a sala de briefings, o bar e sala de estar, gabinete do comandante do Grupo e a Secretaria, do outro. 

Sei que foi ao começar o dia de trabalho, pouco depois de ter chegado à Base, vindo de Bissau. Alguém que passa por mim, entrega-me um papel com uma mensagem rádio e é esta mensagem que me vejo a ler com alguma surpresa e ao mesmo tempo com satisfação porque, finalmente, tínhamos conseguido desferir um rude golpe nas forças com que o PAIGC matraqueava, há anos, a companhia do Exército instalada na isolada posição de Madina do Boé, no Leste do território. 

Depois de muita pesquisa e com o apoio do ex-comandante da CCaç 1790 [, hoje cor inf ref José Aparício],  cheguei à conclusão que este flash da minha memória respeita ao dia 11 de Abril de 1968, uma quinta-feira.


Madina do Boé – O alvo para a estreia dos cubanos 
em combate

Desde o início da luta que o PAIGC escolhera o aquartelamento de Madina do Boé como um alvo preferencial. Terá sido até esta a primeira posição do Exército que o inimigo pensou aniquilar ou, pelo menos,  forçar o seu abandono, muitos anos antes de tentar o mesmo com o Guilege. 

Com essa finalidade criou uma base dedicada em território da Guiné-Conacri, junto à fronteira e a curta distância de Madina do Boé, numa povoação chamada Kambera. Era ali que se organizava para as incursões e era para ali que retirava depois das flagelações.

De facto, Madina era uma posição em que o apoio de outras unidades terrestres não era viável e o apoio de fogo da Força Aérea, além de só ser possível durante o dia, só era imediato em termos relativos, dada a distância. A posição estava isolada e só podia contar com os seus próprios meios.

As limitações no apoio a Madina do Boé, a que se somavam outras vulnerabilidades,  como era o facto de estar rodeada de pequenas elevações [1] , são a justificação para que a zona tenha sido escolhida para uma espécie de campo de exercícios e carreira de tiro do PAIGC. 

Era ali que os quadros, regressados dos países onde recebiam formação militar, se exercitavam e ganhavam experiência. A ideia de que a zona era difícil de proteger,  levou mesmo a então URSS a prometer ao PAIGC construir uma pista para aviões de transporte Antonov para apoio logístico directo, assim que conseguissem desalojar os portugueses daquela posição. 

Esta ideia era inexequível enquanto a Força Aérea mantivesse a superioridade aérea mas o PAIGC, segundo declarações de 'Nino' Vieira, acreditou durante muito tempo nela.

Foram essas vulnerabilidades que também justificaram o facto de Madina do Boé ter sido o alvo escolhido para a primeira acção de combate com o envolvimento dos cubanos. Amílcar Cabral,  que estava nessa altura muito preocupado com a segurança dos seus novos apoiantes internacionalistas [2], enviados por Fidel de Castro na sequência da Conferência Tricontinental de Havana, em Janeiro de 1966, escolheu Madina para fazer uma demonstração das capacidades dos seus guerrilheiros. 

Esta decisão, em princípio acertada, não evitou porém o desastre que, por acaso, foi relatado por uma testemunha privilegiada, o cubano Oscar Oramas, que foi o embaixador de Fidel em Conacri e simultaneamente o executivo para o apoio ao PAIGC. É assim que ele descreve essa acção no seu livro“Amílcar Cabral para além do seu tempo” [Lisboa, Editora Hugin, Lisboa, 1998] [3]:

(...) “A primeira operação militar de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efectuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de Novembro de 1966 [, ao tempo da CCAÇ 1416]:

Esta instalação militar conta com uma edificação na sua superfície, a partir da qual combatem os guineenses fulas incorporados no exército colonial, enquanto os Portugueses se mantêm em trincheiras e refúgios subterrâneos, onde instalam a sua artilharia.

O comando guerrilheiro  situa-se para esta operação, a uns 500 metros do quartel, instala um canhão B-10 junto de uma grande árvore, com a ideia de o proteger do fogo inimigo. A operação é dirigida pelo Comandante Domingos Ramos, um dos principais dirigentes do PAIGC. 

Pela parte cubana encontra-se o tenente Artémio, chefe dos assessores cubanos, com umas dezenas de combatentes guineenses e cubanos, e Ulises Estrada, Chefe da 5ª Direcção do Ministério do Interior cubano. 

Junto deles, encontra-se a operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que participa na operação com o fim de filmar um documentário que sirva para propagandear, principalmente na Europa, a luta que o PAIGC está a liderar.

Domingos dá ordem para o início das acções e o canhão B-10 começa a disparar acompanhado pelo fogo de espingardas dos guerrilheiros. A resposta dos Portugueses não se faz esperar; têm coberta a pequena elevação [, a colina de Dongol Dandum,] de onde ataca a guerrilha e as suas granadas de morteiro começam a produzir impactos certeiros sobre o comando guerrilheiro, provocando a confusão e a desorganização.

Domingos, atrás da árvore onde está situado o canhão, atira-se para cima do corpo de Ulises com a clara intenção de o proteger, quando é atingido por um estilhaço de morteiro, que lhe provoca uma ferida que sangra copiosamente. Ulises, ajudado por outro cubano, transporta-o para o posto médico, situado a uns 100 metros na retaguarda, mas o seu corpo chega a este já sem vida.

O grupo guerrilheiro dispara todas as munições que em Boké haviam decidido utilizar neste combate e empreende uma retirada desorganizada, a qual é aproveitada pelos Portugueses para lançar uma salva de morteiros para os atingir.

Ulises considera que o mais importante nesse momento é evitar que o cadáver de Domingos caia nas mãos do Exército português, e, acompanhado por outro cubano, toma um camião e condu-lo até Boké, República da Guiné, entregando-o a Aristides Pereira para que seja enterrado com todas as honras que merece como um dos fundadores da luta do PAIGC”. (...)  

[A versão de Oscar Oramas é tirada a papel químico do depoimento de Ulises Estrada...]

Depois deste episódio,  que naturalmente abalou a direcção do PAIGC, as acções contra Madina do Boé só voltaram a intensificar-se novamente em Outubro de 1967 (na época das chuvas,  quando todo o Boé ficava completamente isolado). 

Dessa vez, durante 13 horas consecutivas,  a posição foi violentamente bombardeada, e os combatentes do PAIGC conseguiram mesmo aproximar-se das redes de protecção. Logo às primeiras horas do dia seguinte, com a chegada do apoio aéreo e o bombardeamento da zona envolvente pelos Fiat G-91, o ataque cessou imediatamente.

(Continua)

 José Nico, ten gen pilav ref

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Notas do autor {, complementadas pelo editor LG]:

[1]-  O próprio aquartelamento ficava no sopé de uma elevação chamada Dongol Dandum com cerca de 100 metros de altura. [Vd. carta de Madina do Boé, 1958, escala 1/50 mil: a colina Dongol Dandum, a sul do antigo aquartelamento de Madina do Boé, está na cota 171].

[2] - Testemunho de Ulises Estrada Lescaille: “Recordando a Amílcar Cabral, líder anticolonialista de Guinea Bissau, "La Fogata", 21 de maio de 2003
http://lafogata.org/003oriente/oriente5/or_record.htm

(...) “Cubanos em Guiné:

Oramas fue designado posteriormente embajador de Cuba en la República de Guinea con la tarea principal de atender las relaciones con el PAIGC, mientras que a mí, como oficial de la Inteligencia cubana vinculado al apoyo a movimientos de liberación nacional, el comandante Manuel Piñeiro me asignó la misión de llevar en abril de 1966, en la motonave cubana Uvero, la ayuda solicitada por Amílcar y otras prometidas por el Che a diferentes movimientos de liberación nacional.

Paralelamente se unen al PAIGC los primeros tres médicos y asesores militares cubanos, quienes participan en el primer combate contra el ejército portugués el primero de mayo de ese año.

Una vez concluida la misión en el Uvero, en noviembre de 1966, a pesar de la preocupación de Amílcar - que no se encontraba en el país, por temor a la muerte o captura de uno de nosotros en los frentes de batalla, me uno a las guerrillas comandadas por Domingo Ramos, comisario político del PAIGC, en la primera operación militar de envergadura en la que participan los instructores militares cubanos, bajo el principio de convertir el combate en una escuela.” (...)

Já agora, aqui fica o resto do depoimento do Ulises Estrada, publicado em "La Fogata", em 21 de maio de 2003 [, e onde diz do Amílcar Cabral: "Aunque no era comunista, tenía vastos conocimientos del marxismo- leninismo"]:


(...) Así, en el Frente Este, atacamos el cuartel de Madina Boé, una fortaleza muy bien protegida por los tugas (portugueses) con el apoyo de miembros de la tribu fula, que eran los que estaban en la superficie, ya que los soldados estaban en trincheras bien cubiertas o bajo tierra.

Me encontraba al lado de Domingo, quien con la mitad de su cuerpo cubría el mío para protegerme, cosa que no pude evitar, y abrimos fuego con un cañón B-10 desde una pequeña elevación situada a unos 600 metros del cuartel. Los portugueses tenían colimada la zona y respondieron con certeros disparos de mortero, mientras nosotros continuamos haciendo fuego con el cañón sin retroceso, ametralladoras y fusiles.

Un rato después de iniciado el combate, sentí que corría por el lado derecho de mi espalda un líquido caliente y pensé que estaba herido por uno de los morterazos que caían a nuestro alrededor. Era Domingo, sangraba copiosamente. Tomé su cuerpo en unión de otro compañero y lo condujimos al puesto médico, situado a unos cien metros de la zona de combate. El médico cubano me informó que había fallecido. No podíamos dejar el cadáver del dirigente guineano en manos portuguesas. Tomamos su cuerpo y en un camión nos trasladamos a través de sembrados de arroz hacia la frontera con Conakry.

Llegamos a Boké, donde se encontraba el puesto de mando fronterizo y entregamos su cadáver al compañero Arístides Pereira, para que pudieran darle sepultura y rendirle los honores que merecía este luchador, que fue uno de los primeros altos jefes del PAIGC en caer en combate.

Los cubanos continuaron combatiendo junto al PAIGC en numerosas acciones militares. Nueve de ellos entregaron allí su sangre generosa: Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro LLopins, Radamés Sánchez Bejerano, Eduardo Solís Renté, Felipe Barriendo Laporte, Radamés Despaigne Robert y Edilberto González. (...)

[3] - Note-se como Oramas, numa lógica de culto da personalidade, tradicional nas ditaduras comunistas, fantasia sobre a acção do chefe guerrilheiro [, Domingos Ramos.] para a acomodar ao seu estatuto de herói nacional, apesar do desaire sofrido. 

Não me parece nada credível que o movimento de Domingos Ramos tenha sido para cobrir o Ulises que é um preto matulão. Era mais digno e honroso que se atirasse para cima da Isabel. O mais provável é que Domingos Ramos que estava de pé, pois era o chefe e só assim conseguia ver os impactos do B-10, tenha sido atingido e desfaleceu caindo sobre o Ulises que estava ao seu lado.

[Vd. também postes de:


18 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo) ]

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Notas do editor :

(*) Vd. postes de:

25 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21293: Bibliografia de uma guerra (97): "A Batalha do Quitafine", de José Francisco Nico, Ten-General PilAv. O livro pode ser adquirido através do endereço "batalhadoquitafine@sapo.pt" (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)

Guiné 61/74 - P21509: Parabéns a você (1887): Ten-General PilAv António Martins de Matos, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21505: Parabéns a você (1886): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21508: Efemérides (344): No dia de Finados, lembro os meus camaradas Manuel Gaio Neto, Joaquim Pinto de Sousa, Gabriel Pereira Bagaço e João Fernandes Caridade (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)



1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos, (ex-Soldado Atirador Art da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), lembrando a memória de 4 camaradas caídos em campanha, a propósito do Dia de Finados que hoje se celebra.



DIA DE FINADOS


As lembranças que tenho de vocês sempre vão secar as minhas lágrimas e me fazer sorrir
Saudades eternas, amigos e camaradas, descansem em paz, e um até já


Manuel Gaio Neto, Soldado At Art - CART 1742
Prado - Santa Maria - Vila Verde
Falecido em combate em 8 de Novembro de 1967 na Tabanca de Ganguiró

Joaquim Pinto de Sousa, 1.º Cabo At Art (MG-42) - CART 1742
Verride - Montemor-O-Velho
Falecido em combate em 19 de Dezembro de 1967 em Sinchã Jobel

Gabriel Pereira Bagaço, Soldado Apontador Morteiro 81 - Pel Mort 1191
Ribeiro do Melo - Lages do Pico - Açores
Falecido em Combate em 29 de Julho de 1968 - Ataque IN ao aquartelamento de Buruntuma

João Fernandes Caridade, Soldado At Art - CART 1742
Vitorino de Piães - Ponte de Lima
Falecido em resultado de acidente de viação em Buruntuma

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21502: Efemérides (343) : No dia de Finados, lembremos os nossos queridos mortos da Tabanca Grande: já lá vão 82 em 820

Guiné 61/74 - P21507: Notas de leitura (1321): "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo; 5livros.pt, 2019 - Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2020:

Queridos amigos,
Rendo-me à tenacidade do organizador da história de Biambe, um aquartelamento que em 1965 foi reconhecido como uma posição estratégica para a defesa da ilha de Bissau, ali em território próximo do Morés, junto a Encheia. Manuel Costa Lobo é um recolector singular, leu diferentes histórias de unidades que por Biambe passaram, conversou com protagonistas, dá sequência cronológica às imagens, a seu tempo, como veremos, falará de si e do seu desempenho de furriel-enfermeiro. Não conhecia uma empreitada semelhante a esta, homenagear os biambenses e contar a história de um lugar criado por causa da guerra, falar da sua fundação, a crueldade do duplo controlo a que eram sujeitas as populações, mostrar como os militares portugueses respondiam taco a taco a uma guerrilha agressiva, impiedosa. Interrogo-me como é possível que a historiografia da guerra da Guiné oblitere tudo ou quase tudo o que se passou nos primeiros anos da guerra, polarizando-se no homem providencial que chegou em 1968 e que já então dizia que a situação da Guiné era altamente crítica, expressão que utilizará quando se retirar da Guiné em 1973. Há que dar os parabéns à iniciativa de Manuel Costa Lobo, ela abre imaginação a outros tipos de trabalhos que iluminem um qualquer lugar da guerra em todo o seu tempo.

Um abraço do
Mário


Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (1)

Mário Beja Santos

Por uso e costume, o antigo combatente fala da sua experiência, comenta o lugar ou lugares em que permaneceu, fala do quotidiano, a guerra está sempre presente. Há também as histórias de unidade, passadas todas estas décadas ainda há quem as esteja a cotejar, é um dever de memória que mais cedo ou mais tarde nos abala a consciência. A raridade de haver narrativa de como se constituiu um aquartelamento e fazer figurar todos os que lá estiveram, honrar o esforço, homenagear o heroísmo, abraçar quem figurou na gesta coletiva, naquele lugar e por todo o tempo da guerra. "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo, 5livros.pt (telemóvel 919 455 444), 2019, é um documento exemplar, uma faina de coligir a implantação de um aquartelamento em 1966, numa das regiões mais ásperas da luta armada, nas fímbrias do Morés, ali ganhou esporas de valentia a CCAV 1485, seguir-se-ão outras unidades até se chegar à missão final, que marcará a partida das forças portuguesas na região. Não é literatura memorial, é um registo dos dados disponíveis destas unidades envolvidas a que se vão averbar testemunhos e ilustrar com imagens, muitas delas pessoais. Biambe era lugar estratégico para evitar infiltrações do PAIGC na ilha de Bissau.

O autor conta como o propósito desta obra começou entre os anos de 2013 e 2014 e releva a importância estratégica de Biambe, faz logo destaque que em janeiro de 1965 o SIPFA (Serviço de Informação Pública das Forças Armadas Portuguesas) referia que na zona de Bissorã a atividade da guerrilha tinha sido intensificada, nomeadamente nas matas de Olossato, Queré e Biambe, havia na região bases bastante ativas do PAIGC. Deu-se a resposta atacando a base de Biambe que seria comandada por Agostinho da Silva, o Gazela. E adianta o autor onde fica Biambe: no Oio, a cerca de 30 quilómetros a norte de Bissau. E escreve: “A zona do Oio era particularmente violenta. Bula e Bissorã distam cerca de 40 quilómetros, uma zona desguarnecida com Biambe pelo meio. Como Biambe ficava mais perto de Bissorã, cerca de 14 quilómetros, competia às tropas aqui estacionadas efetuarem as patrulhas e as operações naquela área. Os Altos Comandos reconhecem que Biambe é uma zona fulcral da manobra do PAIGC e toma-se a decisão de ali implantar um aquartelamento, os materiais de construção desta nova unidade foram concentrados em Bula e Binar”. Em 20 de abril de 1966, chegaram as primeiras tropas ao Biambe. As forças do PAIGC não irão dar descanso, usarão todas as suas armas: flagelações, emboscadas, destruições de pontes, colocação de abatises, minas. Tempos ásperos, para se fazer abastecimentos e levar os materiais para um novo quartel, houve que contar com reforços, assim aconteceu a Operação Arranque, tudo é descrito ao pormenor, o autor recolhe testemunhos de como a partir de um local desmatado se criaram condições de alguma segurança, a despeito das destruições que a guerrilha provocava. O leitor tem fotografias eloquentes nos trabalhos dos sapadores, do icónico poilão de Biambe, um Dakota a lançar os géneros de paraquedas. São flagelações atrás de flagelações. Há uma vítima mortal.

Conta-se a história da deserção do José Augusto Teixeira Mourão, o seu depoimento irá aparecer no livro que Gérard Chaliand escreverá em 1966 sobre a luta armada na Guiné, encontrou-o na base de Maké, em pleno Morés. Enquanto se implanta o aquartelamento, debatendo-se a unidade militar com problemas incríveis de abastecimento, estabelecem-se contactos com população, obviamente sujeita ao drama do duplo controle, um tormento interminável. Tudo começa com o pedido do homem grande de Embande pretender cumprimentar o comandante da companhia, haverá receção a um grupo de 30 homens, inicia-se a aproximação. O PAIGC reage, incendeia a tabanca de Embande e mata o chefe. A tabanca de Camã foi encontrada totalmente abandonada, a população dispersa-se. Ali perto está o destacamento de Encheia, a unidade militar de então, a CCAV 1485 será louvada e considerada uma unidade de elite. Em Biambe vivem-se horas difíceis, ainda não há solução para o problema do reabastecimento por via terrestre.

Já se passou meio ano, decorrem as operações no perímetro Biambe-Encheia e Biambe-Bissorã. Melhorou o relacionamento com as tabancas da periferia. De 1966 para 1967 o armamento do PAIGC aperfeiçoa-se, chegaram os canhões. A propaganda do PAIGC delira e exagera com os números dos seus resultados: “Nas operações levadas a cabo destruiu-se uma quinzena de quartéis inimigos, tais como Olossato e Enxalé, mesmo quando foram reconstruídos, foram novamente destruídos ou danificados”. No início de 1967 estão consolidadas as obras de construção do quartel, as operações continuam, colabora o Pelotão de Caçadores Nativos 55, as flagelações estão intermitentes, preferencialmente ao fim do dia. Começa-se a construir a tabanca junto ao quartel, havia já um número razoável de apresentados. “Era importante reunir a população numa tabanca junto ao quartel, tirando-a dos locais onde o IN tinha a liberdade de se acolher e de se abastecer. A CCAV 1485 iniciou com muito sacrifício este trabalho e as unidades que se lhe seguiram vieram a concretizar”. Trabalho dificílimo, a desconfiança da população era enorme.

A missão da CCAV 1485 finda em maio, é substituída pela CART 1688. Começa a construção da pista para o DO 27. “Sem auxílio de ninguém, quer pessoal quer material, só com paz, picaretas, enxadas e carros de mão, logo ao terceiro dia de ocupação do Sector começou o pessoal desta CART a fazer a sua pista”. Não param as flagelações e continuam os patrulhamentos, há captura de guerrilheiros e de material, o PAIGC incendeia tabancas, em novembro a pista foi inaugurada. Durante o tempo em que a CART 1688 se instalou no Biambe até ao fim do ano apresentaram 69 elementos da população. E chegámos a 1968 e a atividade operacional não abranda de um lado e do outro.

Começou a era de Spínola, a CART 1688 será condecorada, aproxima-se o fim da sua comissão, o autor elenca os resultados e antes de nos falar da unidade que vem substituir, a CCAÇ 2464, dá-nos uma narrativa de grande emoção, Zé do Biambe, fala de um artigo do Coronel Damasceno Loureiro Borges (antigo Comandante da CART 1688) que ficou marcado por uma história singular. Primeiro fala de Biambe, dizendo que o quartel estava situado na orla de uma mata num pequeníssimo alto que dominava uma estreita e comprida bolanha, a meio ficava a tabanca e junto à bolanha situava-se a Fonte do Biambe. Um dia, ia uma força de segurança para a dita fonte, uma bazucada troou nos ares de Biambe, as nossas tropas ripostaram, o IN retirou deixando morto um elemento da população.

“Cerca de duas horas depois:
- Meu capitão, tem pessoal na bolanha! (Assim me falava um militar guineense).
- Não pode ser! Os turras não iam para a bolanha por ser um local descoberto e o quartel fica para além…
- Tem sim, olhe os jagudis (abutres).
- De facto, uma nuvem de jagudis fazia círculos no ar em redor de um ponto, sinal da presença de algum animal ferido ou morto.
Decidimos fazer reconhecimento.
- Cá está ele. Está vivo! Cá está o ‘turra’ (gritou o guia).
- Como estás tu aqui?
- Como fui ferido, para não atrasar a fuga, os meus camaradas disseram-me para eu ficar aqui, até me virem buscar.
Mostrava serenidade. Não indiciava qualquer traço de terror. Não se vislumbrava qualquer mancha de sangue naquele corpo jovem.
- Então o que tens?
- Entrou bala aqui.
E para indicar o local, despiu a camisa e com o dedo indicou um buraco de bala, junto ao mamilo esquerdo.
Como disse, era jovem, chamava-se Zé do Biambe e tinha vindo com o seu grupo montar emboscada na Fonte às quatro da madrugada.
Regressados ao quartel, foram ministrados os primeiros socorros na enfermaria e enquanto permanecia deitado na maca foi pedida uma evacuação tipo Y.
Alguns minutos após a chegada ao quartel:
- Posso dormir um bocadinho?
- Sim, até chegar o avião.
Fechou os olhos… E sereníssimo, sem um esgar, sem um gesto, sem um queixume… morreu.
Nunca presenciara nem nunca imaginei que alguém pudesse morrer assim tão, tão serenamente.
Se presto homenagem ao militar português, na pessoa dos militares que me acompanharam na CART 1688, perante ti, Zé do Biambe, curvo-me com admiração por todos os que lutaram, do teu lado, pela tua casa”.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de31 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21500: Notas de leitura (1320): A festa do corpinho... (Jorge Cabral, "Estórias cabralianas", Lisboa, ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60)

Guiné 61/74 - P21506: Histórias... com abracelos do Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72)(2): Segundo o meu antigo soldado Bona Baldé e outras fontes, cerca de metade do 16º Pel Art terá sido fuzilado depois da independência


Guiné > Região de Binar > Bibar > Pel Art > Obus 14 > O Carlos Arnaut a introduzir os elementos de pontaria, com alguns serventes, soldados do recrutamento local, a apreciar.

Foto (e legenda): © Carlos Arnaut (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Carlos Arnaut, membro nº 817 da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil art, cmdt do 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72):

Date: sábado, 31/10/2020 à(s) 23:27
Subject: Crónica da Guerra da Guiné

Caro Luís,

Não posso deixar de me solidarizar com o Manuel Luís Lomba (*) quando critica, com toda a justiça, a ignomínia do abandono daqueles que na Guiné combateram ao nosso lado:

" Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático.

"O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC." 


Mais do que indignação, foi com um profundo sentimento de revolta que ouvi da boca de um ex-soldado do meu pelotão, Bona Baldé, que cerca de metade dos seus, e meus, camaradas de armas tinham sido fuzilados logo após a independência.

Como todos os que conviveram com pelotões de artilharia bem sabem, os seus efectivos eram constituídos por graduados oriundos da metrópole e soldados do recrutamento provincial, como era o caso do Bona Baldé, de etnia fula.

Esta notícia foi-me transmitida aquando do nosso reencontro em Lisboa, que me comoveu até às lágrimas, em circunstâncias só possíveis pelo génio e persistência deste Guinéu na conquista do que lhe era devido pela Mãe Pátria.

Sem grandes certezas quanto a datas, presumo que no início de 1972, por ordem do Comando de Batalhão sediado em Nova Lamego, fiz deslocar uma secção de obus para reforçar a segurança do aeroporto, comandada pelo Furriel Rodrigues e de que fazia parte o Bona.

Dado que esta situação era de carácter temporário, o alojamento do pessoal foi feito em moranças de familiares e amigos, sob o olhar benévolo e condescendente do Rodrigues.

Nesse período Nova Lamego sofreu uma flagelação com mísseis, das primeiras, tanto quanto sei, que aconteceram no TO, tendo um deles destruído parcialmente a morança onde dormia o Bona Baldé, o que com o estouro lhe provocou a surdez do ouvido esquerdo e ferimentos ligeiros por projecção de detritos.

Quando do regresso a Dara da secção, reparei que o Bona girava a cabeça para a esquerda quando falava com alguém, tendo-me respondido que nada ouvia de um lado e daí o comportamento algo bizarro.

Depois dos abraços e notícias da família, foi pai de dois filhos durante a minha comissão sendo eu "padrinho" da filha mais nova, soube que tinha tido que fugir da Guiné para escapar à morte, quando me relatou o destino de outros camaradas, tendo-se refugiado na Mauritânia, onde mercê das suas qualidades conseguiu construir um negócio proporcionando à família uma vivência confortável.

Fiquei também a saber que a razão primeira da sua vinda a Portugal,onde o filho mais velho já estava a trabalhar, teve como objectivo tratar de obter uma pensão como deficiente das Forças Armadas, a que muito justamente considerava ter direito. 

Fiquei estarrecido com a sua competência em navegar nas ondas da nossa malfadada burocracia, tendo desenterrado no Arquivo Geral do Exército o relatório do ataque, conseguiu ser observado por uma Junta Médica, que confirmou a sua surdez irreversível, faltando apenas o meu testemunho no Auto de Averiguações já em curso para que lhe fosse outorgada a pensão a que tinha indubitavelmente direito.

Fui ouvido no quartel em Sacavém, onde confirmei quer as circunstâncias da sua presença em Nova Lamego, quer a sua óbvia surdez, tendo tido a alegria de não muito tempo depois receber o Bona em minha casa, portador de uma garrafa de Chivas em bolsa de veludo e rolha de prata, para além da notícia de lhe ter sido concedida uma pensão vitalícia com retroactivos à data do acontecido.

Estes diligências ocorreram em 1984, já ele se tinha entretanto estabelecido na terra natal, a poeira das vinganças já se tinha desvanecido, e os retroactivos de 12 anos devem ter-lhe caído como um jackpot no Euromilhões.

Numa romagem de saudade em 1985 à já então Guiné-Bissau, visitei Dara, onde me confirmaram quer o fuzilamento de soldados do meu pelotão como também o de diversos elementos do corpo de milícias, para além da amputação de três dedos da mão direita ao homem grande que nos vendia a carne de vaca que consumíamos no destacamento.

Perante tudo isto, ninguém pode deixar de sentir o sabor amargo de quem se sente traído pelo abandono daqueles que vestiram e honraram a nossa farda. (**)

Abracelo,