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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24988: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (43): Arroz de moiras com grelos ("Chef" Alice)


Marco de Canveses > Paredes de Viadores > Candoz  > Quinta de Candoz > 21 de dezembro de 2023 >  O arroz de moiras com grelos,à moda da "Chef" Alice...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A tropa e a guerra roubaram-nos pelo menos dois, três ou quatro Natais nas nossas vidas... Por isso, que os nossos leitores nos perdoem estas recordações profanas em tempo tão sagrado como esta quadra festiva em que comemoramos o nascimento, em Belém,  do deus feito homem dos cristãos... Há dois mil anos... Em que tanto a terra do Menino Jesus como a dos nossos antepassados lusitanos eram uma colónia ou província do Império Romano... (Na verdade, a gente não sabe o que eles comiam nem que língua falavam, herdámos e adaptámos a língua dos colonialistas romanos.)

 Mas eu pergunto-me também: será que os habitantes da cidade galaico-romana de  Tongóbriga, no Freixo, Marco de Cansveses, a escassos quilómetros da nossa Quinta de Candoz, já conheciam esta delícia da gastronomia da nossa terra, que é o arroz de moiras com grelos ? 

A resposta é não: ainda o arroz, oriundo do Extremo Oriente, não tinha chegado à Lusitània... Nem muito menos as moiras (e os mouros)...

O termo "moira" é usado aqui, na região duriense (ou do Baixo Douro) para designar uma "chouriça feita de sangue fresco e  carne de porco, temperos e vinho tinto verde"... Indispensável no cozido à portuguesa e, com mais razão, no arroz de moiras com grelos ou arroz de grelos com moiras (depende das quantidades)..Há mutas receitas na Net. É um prato típico aqui na nossa regiáo, Marco de Canaveses e Baião. Ceme-swe todo o ano, e agora é que sabe bem com o frio de rachar.

2. Em Tormes, que fica em Santa Cruz do Douro, Baião, também aqui perto de Candoz, ao alcance de um tiro de obus 10.5,  nem o Jacinto nem o seu criador, o Eça de Queiroz, alguma vez terão provado o "arroz de moiras com grelos"... 

Ou talvez, sim,  o Eça era um "gourmet"... Se tivesse comido, em vez das favas, teria feito o elogio do divinal arroz de moiras com grelos... Recorde-se aqui a antológica descrição (ou uma parte dela) da primeira refeição, no solar de Tormes,  do princípe Jacinto e do seu amigo Zé Fernandes em "A Cidade e as Serras":

(...) Uma formidável moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do lenço cruzado, ainda suada e  esbraseada  do calor da lareira, entrou esmagando o soalho, com uma terrina a fumegar. E o Melchior, que seguia erguendo a infusa do vinho, esperava que Suas Incelências lhe perdoassem porque faltara tempo para o caldinho apurar (...).

[Jacinto], desconfiado, provou o caldo, que era de galinha e rescendia. (...) Tornou a sorver uma colherada mais cheia, mais considerada. E sorriu, com espanto: 
-
−  Está bom!

Estava precioso: tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia: três vezes, fervorosamente, ataquei aquele caldo.

 − Também lá volto!   −  exclamava Jacinto com uma convicção imensa.   − É que estou com uma fome... Santo Deus! Há anos que não sinto esta fome.

Foi ele que rapou avaramente a sopeira. E já espreitava a porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija rapariga de peitos trementes, que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o sobrado - e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas!... Tentou todavia uma garfada tímida - e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:

 - Ótimo!... Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia! 

E por esta santa gula louvava a serra, a arte perfeita das mulheres palreiras que em baixo remexiam as panelas, o Melchior que presidia ao bródio...

- Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo! 

O homem óptimo sorria, inteiramente desanuviado: 

- Pois é cá a comidinha dos rapaz da quinta! E cada pratada, que até Suas Incelências se riam... Mas agora, aqui, o Sr. D. Jacinto, também vai engordar e enrijar!

O bom caseiro sinceramente cria que, perdido nesses remotos Parises, o senhor de Tormes, longe da fartura de Tormes, padecia fome e mingava... E o meu Príncipe, na verdade, parecia saciar uma velhíssima fome e uma longa saudade da abundância, rompendo assim, a cada travessa, em louvores mais copiosos.  (...)

In: Excertos de: Queiroz, Eça de -  A Cidade e as Serras". Livros do Brasil, 2016, pp. 153/153 (Obras de Eça de Queiro, 8) (Fixação do tcxto e notas de Helena Cidade Moura).

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22784: O meu sapatinho de Natal (4): o que é feito de ti, camarada Dinis Giblot Dalot (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o melhor condutor de GMC do mundo ? (Luís Graça)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca)  > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole > Ponte do Rio Jagarajá > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)> "Eu, o então Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf Henriques, pau para toda a obra, pião de nicas, e o soldado condutor autorrodas Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou, pelo menos, o melhor que eu alguma vez conheci...  


Foto (e legenda): Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52,  adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)  

Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:

(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12  [, vivia no Porto, na altura ];

(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [, empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].

Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:

(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [, vive em Lisboa];

(iv) ex-alf mil manutenção material,  Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 
 [, vive em Lisboa];

(v) ex-fur mil  at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive  em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];

(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [, cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];

(vii) Pinto dos Santos, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852,
 [, vivia em Resende].


Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Estou a rever-te, há 52 anos atrás, na Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole. Eu e tu, o Dalot, o Dinis G. Dalot, ou melhor, o Dinis Giglot Dalot. Sguramente tu foste o melhor condutor de GMC que eu alguma vez conheci (!). Berliet e GMC nas tuas mãos,  carregadas de sacos de arroz ("bianda"), não ficavam atoladas na famigerada estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. E mesmo assim, era preciso que os cabos de aço ou os troncos das árvores não aguentassem... 
 
Reguila, setubalense, franzino, seco de carnes, condutor de pesados na vida civil, com boas manápulas para segurar um daqueles volantes de GMC ou Berliet, apanhaste logo no princípio da comissão, em julho de 1969, cinco dias de detenção. Quem foi o s.... que te deu cinco dias de detenção ?....Certo, por seres reguila, setubalense, condutor de pesados, descendente de franceses, e se calhar por seres o melhor condutor de GMC que eu alguma vez vi na vida... 

Gostava de te rever, Dalot. Sinceramente, gostava de te rever. Tenho um numero de telemovel, teu, mas se calhar antigo
 Ligo, vai para o "voice mail". Tu fazes parte da mítica galeria dos meus heróis, tu e todos os bravos soldados condutores autorrodas que passaram pela Guiné, a começar pela nossa CCAÇ 2590/CCAÇ 12.

Eu dizia-te que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Tu ofendias-te: eras o mais profissional dos nossos condutores auto. Não sei porque não chegaste a 1º cabo: eras  profissional de pesados já na vida civil. E continuaste  depois, na peluda, com uma empresa tua, se não erro. Mas eu sentia que a  porrada te magoara muito, mexera como teu brio, a tua autoestima. 

Reencontei-te em 1994, em Fão, Esposende, quando a malta de Bambadinca (CCS/BCAÇ 2852, 1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) se juntou pela primeira vez. Inicialmnete, vivias em Porto Alto, Samora Correia, Benavente. Depois mudaste a empresa para Aljubarrota, Batalha. Bate certo ? Perguntei ao Adélio Monteiro, mas também não sabe do teu atual paradeiro.

Mas voltando aos dias 17 e 18 de setembro de 1969... Há dias de sorte, escrevi eu: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem desta operação logística, Op Belo Dias II, em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembras-te ?).

Não sei se era lenda. As GMC andavam a gasolina, E tinham um depósito de 150 litros, com alcance operacional de c. 480 km e velocidade máxina de 72 km/hora. Em teoria, gastava pouco mais de 30 aos 100.  Mas picadas da Guiné, com carga e com guincho, é possível que gastasse o dobro ou até o triplo....O modelo era GMC 6x6 , caixa aberta, de 2 1/2 t, m/1952, do tempo da guerra da Coreia e herdeiro do célebre camião GMC CCKW , também conhecido como "Jimmy", o camião de transporte de carga do Exército Norte Americano  de que se produziram, entre 1941 e 1945,  572,5 mil unidades.

A CCAÇ  2590 / CCAÇ 12 tinha duas, foram vitimas de minas A/C. Tu, Dalot,  adoravas conduzi-las. Ninguém melhor do que tu para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva ou de atolar-se na berma da estrada… Berma ? Estrada ? Qual berma, qual estrada!... Picadas cheias de minas e armadilhas!...

Ninguém melhor do que tu para conduzir este mamute de ferro, de 4 t, mais duas toneladas e meia, senão três,  de sacos de arroz… Ninguém melhor do que tu, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares,  à força de guincho. 

Só não tinhas faro era para as minas, que isso era tarefa dos picadores. Aliás, na galeria dos heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores…

O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. E da poeira, embora se  estivesse em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de abastecimentos  para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).

Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos mais de  meio milhar de homens, fora a população local e as milícias que dependiam  inteiramente (caso de Mansambo, aquartelamento que fora construído de raíz e não tinha tabanca nem campos de cultivo...) dos abastecimentos feitos pela tropa. 

Nós levávamos-lhes praticamente tudo, até o correio.... Ou seja: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, o azeite, o vinho, as latas de conserva, as bolachas, as batatas, as bebidas em garrafa e em lata, os artigos de cantiga, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, os materiais de construção, os sacos de cimento, etc.

Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau em LDG até ao Xime (no caso da Zona Leste) e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). Ou através dos "barcos turras" que chegavam a Bambadinca. 

Era um comboio com várias dezenas de viaturas, incluimdo viaturas civis, de comerciantes de Bambadinca, Bafatá, Galomaro, Xitole, o Rendeiro, o Regala, o Jamil, as casas comerciais de Bafatá. como a Gouveia. As Berliet e as GMC (e, mais tarde,  as camionetas civis, já no decurso da Op Belo Dia III, em novembro de 1969) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta (menos de uma secção).

Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). A estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita, pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca. No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 (*). 

O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita (*),  destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as suas subunidades de quadrícula a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento, a Op Belo Dia II.

2. São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui. Mas ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier, a DO-27.

No meu tempo o sargento piloto Honório, cabo-verdiano, era uma figura muito popular entre as NT, porque nos trazia o correio e alguns frescos. A sua fama era lendária, pela sua coragem e destreza, para não dizer "maluqueira" (, tolerada, mas não apreciada pelos outros pilotos da BA 12, em Bissalanca)... Era capaz de aterrar numa nesga de terra, dizia-se.  Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas.

De qualquer modo, o helicóptero, o AL III, só era usado para fins estritamente militares: apoio de helicanhão, transporte de tropas especiais e heliassaltos, evacuações Y para o hospital militar de Bissau. Argumentava-se que o helicóptero era um luxo, custando 15 contos por hora (mais do o ordenado mensal de dois alferes)…

Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eram feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (como em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…

Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, a tua vitura,a tua GMC,  Dalot. E ia justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… Em suma, ia no "lugar do morto"... 

A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês)  considerava-me já quase um "veterano"…

Recordo-me da viatura em que eu ía: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, a proteger os flancos, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog (, já não me lembro o nome: o Adélio Monteiro não  era, vinha mais atrás ) que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… Tu, Dalot, que  atrás de mim,  levavas um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, e sete toneladas de ferro e arroz...

Daquela vez vez foste tu, Dalot,  e a tua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão, em 13 de janeiro de 1971, em Nhabijões... Também numa GMC!... Era a minha sina!...

A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta (, apesar da  desmatação recente, em abril/maio de 1969, Op Cabeça Rapada), as bolanhas, os curso de água, os charcos, etc. era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos ou que iam em cima das viatura, ou os que conduiam as viaturas…

Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…

Estamos a falar da segunda quinzena de setembro de 1969, em que realizámos  mais outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II). Uma operação com 2 destacamentos (A e B) (*)

Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A,  cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA-Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].

A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 de Setembro, proveniente de Bambadinca, donde saira de manhã (longas horas inteiro para se fazer 18 km), prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar. Passámos a noite nos "bunckers" de Mansambo.

Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da GMC do Dalot (MG-17-21) que vinha imediatamente a seguir àquela, e que pertencia à CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3 mil kg de arroz. Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um 1º cabo do Pel Caç Nat 53. O condutor da GMC, o soldado Dalot, saiu ileso.

A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores, seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.

Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas (A/P) que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.

Pelas 13h do dia 18 de Setembro deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest, tendo-se procedido ao transbordo da carga.

No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de Fiat G-91 cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h do dia 18, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião.

Inconsolável, tu, Dalot, lá deixaste  a tua querida GMC, de matrícula MG-17-21... A Guiné era um  cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.

Onde quer que estejas, camarada Dalot (e eu espero bem que estejas vivo e de boa saúde), desejo-te as maiores felicidades possíveis e, já  agora um Natal quentinho, livre da Covid-19. Telefona-me para o 931 415 277. Teu camarada, Henriques.  (**)

As minhas felicitações natalícias são extensivas aos demais condutores autorrodas, todas eles gente brava,  da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 que viajaram comigo no T/T Niassa, de 24 a 29 de maio de 1969, de Lisboa com destino a Bissau. Alguns infelizmente já não estão vivos. A lista é antiga (e tem de ser revista). Acrescento também os mecânicos auto:

1º Cabo Cond Auto Luís Jorge M.S. Monteiro [, vivia em Vila do Conde ou Porto ?];

Sold Condutor Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel J. P. Bastos [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares [, morto em, mina A/C,em Nhabijões, em 13/1/1971];

Sold Cond Auto Alcino Carvalho Braga [, vive em Lisboa];

Sold Cond Auto Adélio Gonçalves Monteiro [, comerciante, Castro Daire; é membro da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto João Dias Vieira [ vive em Vila de Souto, Viseu];

Sold Cond Auto Tibério Gomes da Rocha [, vivia em Viseu, faleceu em 6/12/2007;

Sold Cond Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Francisco A. M. Patronilho [, vive em Brejos de Azeitão];

Sold Cond Auto Manuel S. Almeida [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto António C. Gomes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Fernando S. Curto [, vive em Vagos];

Sold Cond Auto Aniceto Rodrigues da Silva [,falecido em 3/1/2021;  membro a título póstumo da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto Manuel G. Reis [, morada actual desconhecida];

Fur Mil MAR Joaquim Moreira Gomes [, vive em Esposende ou Maia ?];

1º Cabo Mec Auto Renato B. Semedeiros  [, vivia na Reboleira, Amadora];

1º Cabo Mec Auto António Alves Mexia [, morada actual desconhecida];

Sold Mec Auto Gaudêncio Machado Pinto [, morada actual desconhecida].




Guiné > Região de Bafatá  > Algures > 1973 > Uma Daimler, avariada, é levada em cima de uma GMC... Sítio ? Talvez Bambadinca, talvez Bafatá, junto ao Rio Geba... quando o João Carvalho veio de férias à metrópole, vindo de Canjadude, Gabu, onde estava aquartelaad a sua CCAÇ 5.  (Em 1971, no CTIG havia pouco mais de duas centenas e meia de GMC, das quais praticamente metade estavam inoperacionais... E das 108 Daimlers existentes, 75% estavam inoperacionais.

Foto (e legenda): © João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné> Região de Bafyá > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) > Escala: 1/50 mil > Troço da Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho> Assinalada, com um círculo a azul, a ponte do Rio Jago onde a GMC MG-17-21, conduzida pelo Dalpot,  com 3 toneladas de arroz, accionou uma mina anticarro, no dia 18 de Setembro de 1969. O quartel de Mansambo vem sinalizado com um retângulo.

A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros. As colunas logísticas, de reabastecimento, podiam levar um dia ou até mais (na época das chuvas) a fazer este percurso perigoso, npomeadamete o troço Mansambo-Xitole   (interdito entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 ). A CCAÇ 12 participou em diversas colunas logísticas a Mansambo, Xitole e Saltinho (junto ao Corubal) e mesmo Gondomar. (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)

____________________

Notas do editor: L.G.

Vd. também poste de 20 de maio de  2005 > Guiné 63/74 - P22: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)

(...) Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A. (...)

sábado, 12 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22276: Os nossos seres, saberes e lazeres (455): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (2) Na Sertã, no dia em que aqui recebi a primeira dose da vacina (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Foi um dia em cheio, passeou-se a preceito, a vacina não fez mossa, nem um simples ardor no braço, por ali se andou vivaço, subindo e descendo, sabendo de ciência certa que muito mais fica para ver quando se vier à segunda dose. Não se esconde o quanto se gosta desta região do chamado Pinhal Interior, presta-se homenagem aos edis que procuram a todo o transe embelezar este rincão de grande património vegetal, cuja importância para a História de Portugal se foi diluindo, aqui batalharam ordens militares em tempos da formação do país, há muito mais do que património natural, basta consultar o roteiro turístico da Sertã para perceber que não é digno de uma visita de médico. Há muito para ver, tudo farei para vos mostrar o ateliê de Túlio Victorino e o Seminário das Missões em Cernache do Bonjardim. Há capelas merecedoras de visita, há belas pontes, pelourinhos, Pedrógão Pequeno é uma aldeia de xisto e não se faz favor nenhum em pôr a Igreja Matriz da Sertã entre as mais belas igrejas de Portugal. Para quem gosta de arquitetura, convém recordar o génio de Cassiano Branco, o edifício da Câmara lembra por fora uma construção convencional, com reminiscências francesas e italianas, por dentro fica-se de boca aberta com a ousadia do traço e uma modernidade que ainda hoje perdura.

Um abraço do
Mário


Na Sertã, no dia em que aqui recebi a primeira dose da vacina (2)

Mário Beja Santos

Só para recordar que durante cerca de 20 anos mantive os pés em dois concelhos, Pedrógão Grande e Sertã. Foi experiência edificante, fazia o Vale do Cabril em ambas as margens do Zêzere, umas vezes começava na Cotovia, a admirar as vertentes pedregosas, descia pela Ponte Filipina e mudava de concelho, ou vice-versa. Gostei também sempre de ir à Barragem da Bouçã e escolher entre Figueiró-dos-Vinhos e a Sertã. Aqui experimentei todas as estações do ano, quer no silêncio da floresta, os vales adormecidos na invernia, o gemido das árvores repuxadas pela ventania, passei à procura das primeiras flores da Primavera, banhei-me nas praias fluviais, andarilhei à volta da Albufeira do Cabril, isto quando pousei noutro tipo de permanência no antigo bairro da EDP, o fim do dia é de uma esplendente luminescência e o casario de Pedrógão Pequeno ganha forma de presépio. E o médico de família que apostou na minha saúde até aos 150 anos deu conforto àquele telefonema que me convocava no dia tal e a horas tantas para receber a primeira vacina contra o Covid, nas instalações dos Bombeiros da Sertã. Tinha então despachado qualquer forma de habitação nos dois concelhos, quedando-me num lugarejo em Tomar. Foi com a maior alegria que daqui rumei bem cedo em direção à Sertã, uma viagem em que se enche os olhos com oliveiras e pinheiros, eucaliptos e sobreiros, castanheiros e azinheiras. Jurei que em definitivo iria conhecer as entranhas do edifício camarário sertaginense, projeto de Cassiano Branco, foi acontecimento de truz, que culminou com a visita àquelas salas onde a edilidade toda decisões, impossível não começar a narrativa do dia de hoje sem vos mostrar o pendão da Sertã, seguramente bordado a seda, veja-se tal beleza e harmonia de elementos. Volta-se à Carvalha, por ali se deslocam transeuntes em remanso, como a Natureza se pode disciplinar, transformando-se numa área de lazer que obtém o aplauso de todos. Fica-se ali a contemplar as águas, passeia-se de uma margem para a outra, há murmúrios de cascatas, olha-se para o alto para o Convento de Santo António, que já se conheceu em mau estado e que foi objeto de uma intervenção de truz, dá gosto por ali passear, não fica atrás das boas pousadas de Portugal.

E desce-se para cumprimentar o antigo professor, o Padre Manuel Antunes, um pensador de alto nível, como é que aquele franzino de gente, quase um besnico, de voz macia, um tanto ciciante, as mãos sempre elevadas, dominava perfeitamente o anfiteatro com os seus alunos de cultura clássica ou civilização romana? Era uma sageza de quem sabia encadear os dados da civilização da cultura, naqueles tempos o máximo de ilustração seriam os slides, mas nem a esse recurso o douto jesuíta se apoiava, era tudo aula magistral, as mãos pontificavam, pareciam desprendidas do corpo hirto, homem de grande singeleza e de comprovada cultura universal. Deixou saudades nos seus alunos, e neles me incluo, ninguém tem nada a perder em ler os seus trabalhos, felizmente editados pela Fundação Calouste Gulbenkian.

E Manuel Antunes é o nome da Biblioteca Municipal que foi criada ainda no século XX na dependência da Fundação Calouste Gulbenkian, instalada então no rés-do-chão dos Paços do Concelho. Com a reabilitação da antiga Casa dos Magistrados, a biblioteca ganhou autonomia em outubro de 2007 e o nome do patrono chegou cinco anos depois. Visito-a com deleite e cumplicidade, ali apresentei um livro, peço livros emprestados e já fui honrado com o convite para participar num dos maiores festivais literários de Portugal, a Maratona de Leitura. Não é uma biblioteca só destinada a requisitar livros ou ler jornais e revistas, quem a dirige tem espantosos programas de animação sociocultural e daí a reputação que a biblioteca ganhou e que extravasa o espaço do pinhal interior. Toca, pois, de a mostrar no seu interior e pôr em imagem um espaço ambientalmente amável e que se aproveitaram embalagens de plástico para ver crescer famílias de catos, que belo achado de reciclagem, vale a pena aqui fazer leitura com tal moldura vegetal.

Chegou a hora do piquenique, refere-se a moldura admirável da ribeira da Sertã, por ali a vista se espraia e mordisca-se o pão e come-se a fruta a contemplar aqueles terraços a que a memória se associa aos passeios que se fazem percorrendo a região de Proença até Vila Velha de Ródão, e nunca me canso de pasmar com o labor na construção daqueles terraços a que se arrancaram os pedregulhos não sei para cultivar quais alimentos, pressinto que era centeio, cá em baixo nos valados era lugar de milho e produtos de terra, crucias para a autossubsistência. Batemos com a mão no peito a falar no património material e imaterial, queremos mais e mais reconhecimento, nunca vi a defesa destes terraços marcadores de civilização, não tivessem sido estes agricultores a contrariar terra tão agreste, aqui se fixando com denodo e criando vínculos imemoriais, e teríamos um deserto humano, mesmo que tivesse sido vasto o coberto florestal. São obras do passado que caíram no esquecimento, ponto final, e a vista se regala a ver estes terraços que aformoseiam a encosta que beija a ribeira da Sertã.

Daqui se parte para uma outra romagem de saudade, a caminho do Zêzere, há uma paragem em Pedrógão Pequeno, inevitável uma curta visita ao Moinho das Freiras, atravessa-se a Albufeira do Cabril e entra-se em Pedrógão Grande. Nunca entendi muito bem como a edilidade não é capaz de exibir o seu baú patrimonial: há ruínas romanas, belas capelas no espaço da Devesa, há até para ali perdido no mato um forno romano, o centro histórico guarda vestígios medievais, a Igreja-Matriz é soberba, o património da Misericórdia soberbo é, creio que a generalidade de quem por ali passa desconhece o Museu Pedro Cruz, não foi artista transcendente mas deixou obra com significado, e o concelho guarda em Vila Isaura museus privados com património valiosíssimo, falta um roteiro para convidar o visitante a mergulhar em tanta oferta. Há pouco tempo, o meu amigo Aires Henriques, que detém em Vila Isaura (nos Troviscais) esse espólio soberbo que tem a ver com o povo ratinho, a presença dos primeiros republicanos, artefactos maçónicos, e muito mais, escreveu uma brochura sobre o seu espólio judaico, bem rico, que gostaria de ver exposto no Centro Histórico de Pedrógão Grande, a par de outros objetos culturais do seu património. Não sei o que irá acontecer, e lamento por tanta displicência na política cultural deste concelho.

E percorrendo as ruas deste Centro Histórico vou até à biblioteca cumprimentar gente muito amiga e visitar o espaço construído à memória de uma adorada filha que faleceu em 2009. E termina esta primeira visita, seguir-se-á a segunda vacina, e já se tomou nota do muito que há a ver na próxima viagem. Agora que o maranho da Sertã é marca protegida a nível nacional, tem selo de Indicação Geográfica, espera-se que com o desconfinamento no dia da segunda vacina se possa almoçar um tão suculento manjar, no intervalo das visitas que por ora se organizam no papel. Mas até lá o viandante não para, vai de seguida falar-vos de uma espantosa exposição que está no Museu do Neorrealismo em Vila Franca de Xira intitulada Representações do Povo, exposição talentosa coordenada pela sua diretora científica, Raquel Henriques da Silva.

(continua)

Na sala da Assembleia Municipal, acima de mobiliário de outros tempos, com o estadão do coro cravejado, o brasão da Sertã
A Alameda da Carvalha beneficiou desta ponte que aproxima espaços complementares, dá gosto por aqui passear num folgado espaço de entretenimento que permite espetáculos ao ar livre e com a imensidão florestal em círculo envolvente
A ribeira da Sertã sombreada, é fotografia, não é quadro a óleo, fiquem sabendo
Junto da Ponte Filipina o murmúrio das cascatas em perene mergulho das águas
Uma intervenção de bom gosto, um convento transformado em hotel, grande beleza
Um pormenor da Biblioteca Municipal Manuel Antunes
Espaço para ler jornais e revistas
Um achado da reciclagem, garrafas de plástico a fazer de vasos adornando magnificamente um espaço de lazer e leitura
Cultivo em socalcos à beira da ribeira da Sertã
A mansidão das águas num espaço idílico
Uma inevitável romagem de saudade à Biblioteca Municipal de Pedrógão Grande
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22255: Os nossos seres, saberes e lazeres (454): Na Sertã, no dia em que aqui recebi a primeira dose da vacina (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 20 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22020: Os nossos seres, saberes e lazeres (442): Convento de Jesus de Setúbal, com o restauro recente, ainda mais belo! (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Arrebitou-me a orelha quando soube que o Convento de Jesus de Setúbal abrira ao público, depois de nova requalificação. É uma agradável surpresa que se pode agora contemplar depois de uma nova fase de trabalhos, a igreja e o convento têm a cara lavada e a harmonia do claustro desvanece-nos. Não há templo como este, e pode muito bem acontecer que o trabalho de Diogo Boitaca possa ser visto como o ensaio-geral do que irá acontecer nos Jerónimos e no Convento de Cristo em Tomar. O que acontece é a estreita harmonia que o arquiteto encontrou no rasgado das janelas, tira aquele ar sombrio que tantas vezes encontramos em templos parecidos.
Era inevitável a visita à Galeria Municipal, a obra-prima de Jorge Afonso e aquele retábulo de catorze quadros é um deslumbramento. Não percam.

Um abraço do
Mário


Convento de Jesus de Setúbal, com o restauro recente, ainda mais belo!

Mário Beja Santos

Confesso que esta igreja do antigo Mosteiro de Jesus ou Convento de Jesus de Setúbal sempre me fascinou, sempre que visitava a cidade era inevitável pôr-lhe os olhos em cima, contemplar esta delicadeza do que terá sido o ensaio geral do estilo manuelino que irá consagrar-se nos Jerónimos e no Convento de Cristo, em Tomar. Fiquei várias vezes à porta, a igreja conheceu os seus períodos de estaleiro, instâncias internacionais chegaram a alertar para o estado de degradação deste templo magnífico. Em outubro reabriu para nosso desfrute, convido todos a visitar a maravilha, foi desenhado por um nome sonante da época, Diogo Boitaca, estávamos em 1494, tudo começou por um voto da ama de D. Manuel I, freira que viveu em conúbio com um frade, até nasceu prole, em arrependimento nasceu este templo em brecha da Arrábida, que não tem rival. Proponho aos curiosos que cirandem antes de entrar, há outro olhar mais rasgado que agora o novo relvado permite, numa das últimas visitas que aqui fiz havia uma pista de skate, múltiplos grafitis, era um desconchavo na perspetiva, a bota não batia com a perdigota. O relvado, que se irá mostrar, harmoniza a aproximação e a despedida.

Dentro do restauro até o hornaveque foi reabilitado, por incultura fui ver o que era o hornaveque, pois fiquei a olhar para este belo pano da capela-mor e a sua aprimorada janela.
Hornaveque do Convento de Jesus
Entra-se numa porta de enorme sobriedade, estamos dentro de uma igreja-salão, janelas rasgadas para permitir uma luz homogénea, todo este interior é leve com os seus arcos de janelas e colunas torsas, tudo em brecha da Arrábida, o olhar sobe até às abóbodas e não deixa de surpreender o teto com as suas nervuras espiraladas. Diz a literatura a propósito que é o mais importante monumento nacional urbano de Setúbal e um dos mais relevantes exemplares da arquitetura manuelina ao sul do Rio Tejo. Impressiona pelas proporções, é evidente que se sente que falta qualquer coisa no altar-mor, lá iremos a outro local ver uma preciosidade restaurada, um dos retábulos mais audaciosos da nossa pintura religiosa.
Foi inicialmente ocupado por freiras Clarissas, melhor dito por um grupo de freiras Franciscanas da Ordem de Santa Clara. Rezam os cartapácios que é indiscutivelmente o primeiro ensaio em Portugal de uma igreja-salão, daí este pormenor de que o espaço é etéreo, houve o cuidado de Boitaca em pôr as três abóbadas à mesma altura.
A capela-mor é revestida de azulejos verdes e brancos datados do século XVI e nas paredes laterais podemos ver painéis de azulejos do século XVII. Quem aprecia azulejaria tem aqui muito para mirar e se deleitar, vejam estes detalhes.
A porta surpreende o visitante, parece inusitada, há para ali uma espécie de agressão ou intromissão fora do tempo, ou os azulejos foram partidos porque a porta veio depois, alguma coisa aconteceu. A menina que serve de rececionista explicou que por aquela escada o sacerdote subia até ao coro alto para dar a comunhão às monjas. É inusitado, mas regala o olhar. Feita a visita, sai-se para outra novidade, o Museu de Setúbal com diferentes núcleos, podemos visitar os chamados pintores de Setúbal, pintores portugueses do século XVI. Bem se procura na papelada consultada em que local se ratificou o Tratado de Tordesilhas, aquele em que dois monarcas peninsulares julgavam ser possível repartir o mundo. Tanto quanto me é dado lembrar, nunca visitei o claustro, e daí o meu embasbacamento. Foi-se à procura de notícia nos jornais sobre esta reabertura, e encontrou-se a saga. O convento fechou várias vezes nas últimas décadas, devido aos riscos de ruína. Teve obras de requalificação e reabriu em 2012, foi encerrado em 2015 para uma nova fase de trabalhos, que incluíram a recuperação da zona dos claustros, Sala do Capítulo, Coro Alto e espaço envolvente do convento, o tal hornaveque. Depois da abolição das ordens religiosos meteu-se aqui um hospital, com o nome de Espírito Santo, e funcionou até 1959. Veja-se agora o claustro e a harmonia do seu traço, mais brecha da Arrábida, oxalá que depois da pandemia aqui se encontre espaço para eventos culturais, é bem merecedor.
Estamos agora no Coro Alto, houve restauro da pintura, mais um acervo de beleza, é o culminar das obras de requalificação, ainda há muito para fazer, a presidente da Câmara de Setúbal numa entrevista disse que os contribuintes setubalenses já aqui investiram seis milhões de euros.
Depois do regalo à visita, um último olhar ao Convento de Jesus, a toda esta sensação de leveza, e de transporte para os céus, encontraram-se aqui soluções inovadoras para a época, como os arcos de volta perfeita, a abóbada assente sobre arcos abatidos e redes de nervuras, não sei ser mais encomiástico, procuro seduzir o leitor a arranjar oportunidade para me dar razão.
E daqui saio para a Galeria Municipal, sita na Avenida Luísa Todi, abriu ao público em 2013, o edifício foi a representação do Banco de Portugal em Setúbal entre 1917 e 1994, a traça é de Adães Bermudes, um dos sumo-sacerdotes da arquitetura da época, há ali linhas evocativas da Arte Nova, entra-se e chegou a altura de ver o belo retábulo do altar-mor do convento.
Tive direito a visita-guiada, a única dúvida que não vi resolvida é se estas catorze tábuas, uma das obras-primas da pintura religiosa portuguesa e seguramente o trabalho mais importante de Jorge Afonso, nome cimeiro da Arte Seiscentista, estavam no altar-mor, atenda-se à dimensão, para o caso não tem importância, se estou a incorrer num disparate alguém entendido que me corrija sobre a localização do retábulo. O fundamental é que se deve ter um guia de todos os pormenores das peças, saber um pouco da história religiosa e contemplar estas preciosidades dá mais sentido à fruição estética, o visitante que se previna, textos alusivos na internete não faltam.
Fachada da Galeria Municipal, traço Adães Bermudes
Parte do retábulo do altar-mor do Convento de Jesus, Galeria Municipal
Vista parcial das fabulosas pinturas do altar-mor do Convento de Jesus, na Galeria Municipal
Núcleo de Arte Sacra do Museu de Setúbal nas antigas instalações do Banco de Portugal

Daqui a um bocado vamos sentir o prenúncio do lusco-fusco, tenho procurado, devido à pandemia em viajar em sentido contrário às horas de ponta, gosto muito do meu passe de 20€ que me dá direito ir até Algés ou a Cascais, visitar Palmela ou Vila Franca de Xira, ou sair do comboio em Sintra e ir ver o mar. Despeço-me que ainda tenho uma boa caminhada pela frente até à estação da CP, e espero que gostem do relvado que substitui a pista de skate e que tanta harmonia traz a este esplendoroso monumento nacional.

Até à próxima.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22012: Os nossos seres, saberes e lazeres (441): Vicente, o corvo do Parque da Cidade do Porto, que não empatiza por dádivas, mas somente por quem estiver na mesma onda (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20541: Questões politicamente (in)correctas (48): Op Cabeça Rapada I, II, III e IV, no setor L1 (Bambadinca), março-maio de 1969: mobilizados milhares de civis, recrutados pela administração do concelho de Bafatá... Não sabemos se foram "voluntários" e "devidamente remunerados"... (Luís Graça / Torcato Mendonça / Albano Gomes / Carlos Marques Santos)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada (1)

Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada (2)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada (3)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 100 a 200 metros.

Fotos do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > Comando e CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Dada ordem, pela administração de Bafatá,  de mobilização de milhares de nativos para os trabalhos de desmatação das orlas da floresta na estrada Bambadinca-Xitole (e depois Bambadinca-Xime). Aqui na foto, forças da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 >  Estrada Bambadinca - Mansambo >  Op Cabeça Rapada: a espingarda, a enxada, a pá, a picareta, a maceta...



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 >  Estrada Bambadinca - Mansambo >  As catanas a funcionar


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 >  Estrada Bambadinca - Mansambo >  Aspecto do trabalho de desmatação.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CART 2339 > Estrada Bambadinca - Mansambo > Montando a segurança às brigadas de trabalhadores.

Fotos do álbum do Carlos Marques Santos (1943-2019), ex-fur mil, CART 2339 (Mansambo, 1968/69)

Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos  (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Estrada Bambadinca . Mansambo - Xitole > Pel Rec Daimler 2046 (1968/70 > Fotos do álbum de Jaime Machado,  duas imagens que falam por si e que documentam a participação das velhinhas Daimlers na escolta de segurança a colunas logísticas bem como a colunas de transporte de tropas e civis, incluindo a participação na Op Cabeça Rapada.
  . 
Fotos (e legendas): © Jaime Machado  (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Operação Cabeça Rapada I, III e  III  (Estrada Bambadinca- Mansambo - Xitole, março-maio de 1969) e IV (Bambadinca - Xime, maio de 1969)



1. Comentou o nosso editor LG, no poste P20538 (*)

(...) Morreu muita gente [, na guerra da Guiné, entre 1961 e 1974,] e não vem nas estatísticas...da "guerra". Morreram muitos civis,  de um lado e do outro... Estes estivadores [, ao serviço da Intendência, mortos em de março de 1974, em Cufar], por exemplo: quem eram ? A Intendência devia ter, pelo menos, uma folha de pagamentos com os seus nomes...

E os "carregadores" do PAIGC, nas chamadas "regiões libertadas" ?... Era trabalho "revolucionário"..., tão "forçado" como o das populações que eram arrebanhadas, pelos régulos e pelos administradores, para "capinar" as bordas das estradas...e outros "trabalhos públicos".

Isto ainda acontecia no nosso tempo: 1969, no 1º ano do consulado de Spínola!... No Setor L1 (Bambadinca), houve um operação de capinagem, no 1º semestre de 1969, que envolveu... muitos milhares de civis! Op Cabeça Rapada, I, II, III e IV... E lembro-me de, em certas operações, levarmos civis para carregar jerricãs de água e granadas (de bazuca e de morteiro)... Por ex., na Op Tigre Vadio, março de 1970...

No caso da Operação Cabeça Rapada, os capinadores foram "recrutados" de entre as populações Fula, Mandinga e Balanta de Badora (e talvez do Corubal).

2. A propósito da Op Cabeça Rapada, escreveu o Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (**):

"Operação Cabeça Rapada: uma mente, com um QI superior, resolveu juntar talvez milhares de africanos e capinar, limpar toda a vegetação, de ambos os lados da estrada Bambadinca/Mansambo, nos locais onde o IN atacava com mais frequência. Talvez 20 a 50 metros de cada lado.

A madeira cortada ficou empilhada na zona final do corte. Resultado: fizeram abrigos para o IN e limpámos-lhe o campo de tiro.

Palavras para quê? Eram artistas portugueses.

Atenção junto a aquartelamentos e em determinadas zonas foi positivo."

3. Notas de TM / LG:

As foto e as legendas. acima reproduzidas, referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 26 de março de 1969, às 5  horas da manhã, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Foram trabsportados em camionetas dos comerciantes da região: os Rodrigo Rendeiro, de Bambadinca, os Regala, de Galomaro,  os Jamil Nasser, do Xitole... E traziam as suas próprias alfaias agrícolas... Nem a administração de Bafatá nemo BCAÇ 2852 tinham catanas para tanta gente...
 
Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), diz-se que a operação foi para montar segurança aos trabalhos de desmatação, de 200 metros para cada lado (!), do itinerário Bambadinca - Mansambo, compreendido entre Samba Juli e Mansambo.

Esta operação envolveu 3 destacamentos, num total de 14 Gr Comb (cerca de 400 homens em armas):

(i) Destacamento A: CCAÇ 2405, a 2 Gr Comb  + 2 Gr Comb da CCS/BCAÇ 2852, o Pel Caç Nat 53 e o Pel Caç Nat 63:

(ii) Destacamento B: CART 2339, a 3 Gr Comb +  CART 1746, a 2 Gr Comb  + 2314, a 2 Gr Comb

(iii) Destacamento C: Pel Mil 103, 104 e 145.

Em 8 de março (e até 18) tinha havido a Op Lança Afiada, envolvendo 1300 efetivos (entre tropa e carregadores civis)… Era necessário dizer ao PAIGC: "A população está connosco"…

Não houve contacto com o IN...

Em 9 de abril desenrolou.se a Op Cabeça Rapada II, com duração de dois dias. O objetivo era novamente montar segurança aos trabalhos de desmatação a cargo da administração do concelho de Bafatá.

O itinerário escolhido, desta vez,  foi Mansambo / Ponte dos Fulas. Envolveu "2150 nativos" (sic).

Em 30 de abril e até 2 de maio, teve lugar a Cabeça Rapada III: não está descrita na história do BCAÇ 2852:  o itinerário escolhido foi Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. 

A 3 de maio, com início às 3 da manhã, houve ainda  a Op Cabeça Rapada IV, com duração de 3 dias, para desmatar o intinerário Bambadinca - Xime.

Neste caso, foram envolvidos  cerca de 150 homens em armas, ou sejam, 2 Gr Comb / CART 1746  + 2 Gr Comb / CCAÇ 2405 + 1 Gr Comb / CART 2413 + Pel Rec Daimler 2046 (comandado pelo camarada Jaime Machado)..

Também não houve contacto. Não é referido o número de civis recrutados. Mas também terão sido da ordem das centenas ou milhares

"A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia, na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória…" (Torcato Mendonça)


4. Comentário do editor LG (***):

É um número impressionante de trabalhadores  de etnia fula e mandinga, mas também  balanta, naturais dos regulados de Badora (e talvez do Corubal). Desconheço se foram recrutados "voluntariamente" e "devidamente pagos"... É muito provável que tenham sido apenas pagos em "géneros": arroz... A tradição da administração colonial, antes do início da guerra, e teoricamente até pelo menos a 1961, era a do "trabalho forçado", puro e duro... (****)

Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/69), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus (sic). Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, beafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (Cap. II, pag. 1).

Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora. O apontamento do escriba castrense da BCAÇ 2852 é manifestamente exagerado: acho que o Tenente Mamadu era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocênctrico e até ofensivo dizer que a população, muçulmana, o "considerava como um Deus"...Convenhamos que é uma figura de estilo"... 

O administrador do concelho de Bafaté e o régulo de Badora eram, na altura, figuras poderosas, com capacidade para recrutar milhares de braços...

Recorde-se que, segundo a Convenção nº 29 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (adotada em 1930, e ratificada por Portugal em...  1956)), trabalho forçado ou obrigatório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente (nº 1 do artº 2ª)...Mas depois havia as exceções do nº 2 do artº 2º...


5. Texto (excertos) do Carlos Marques dos Santos (ex-fru mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (*****),  receém falecido, no final do ano:

Prenúncio da abertura definitiva da estrada Bambadinca - Mansambo Xitole, intransitável desde novembro de 1968 a 4 de agosto de 1969 (Op Belo Dia).

[Recorde-se que desde novembro de 1968 o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2 km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole [não era ainda CART 2413, mas sim a CART 2339]. A coluna prosseguiu com apoio aéreo. Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A"... (LG)]

Haverá concerteza alguns dos tertulianos que estiveram envolvidos nesta série de operações... Então relembremos:

Nós, CART 2339, especialmente na segundo Operação [Op Cabeça Rapada II], vibrámos com o movimento. Espantoso: caldeirões de arroz (meio bidão de gasóleo, em fogueiras espalhadas pelo aquartelamento, movimento de viaturas e homens, um barulho ensurdecedor, homens deitados por tudo o que era sítio, em suma,  uma anarquia bem controlada).

Passemos à exposição dos factos:

Op Cabeça Rapada I: em 25 de março de 1969, uma semana depois da Op Lança Afiada, inicia-se a primeira Op Cabeça Rapada, com a duração de 2 dias, no itinerário Bambadinca/Mansambo.

Picagens, seguranças de flanco, etc. Trabalhos de nativos em desmatação das bermas da estrada. Estava dado o pontapé de saída, para maior segurança nas deslocações na estrada Bambadinca/ Xitole. Mas, do nosso ponto de vista, maior exposição à observação IN.

Em 5 de abril inicia-se o aperfeiçoamento na desmatação do itinerário Bambadinca/ Mansambo, o mesmo acontecendo nos dias seguintes, 6, 7 e 8 de abril, sempre das 6.00h às 17.00h (nota jocosa: em horário de expediente).

Op Cabeça Rapada II

Em 9 de Abril, às 5.40h, inicia-se com a duração de 3 dias a Op Cabeça Rapada II, no itinerário Mansambo/ Ponte dos Fulas. (....)

Foi efectuada a picagem e estacionamentos laterais, para segurança, no sentido Mansambo / Ponte Fulas, antes e durante os trabalhos.

Foram detectadas 2 minas A/P e uma A/C, mas sem incidentes (...) O trabalhos envolveram 2150 trabalhadores nativos, que dormiram e comeram em Mansambo, tendo a segurança ficado montada de noite no itinerário.

Em 10 de abril de 1969 retomam a actividade, pela manhã, tendo os trabalhadores sido recolhidos em Mansambo ao final do dia, regressando ao seus destinos.

Às 18.00h, desse dia, os vários destacamentos militares regressam a Mansambo e aguardam a sua vez de regressar aos quartéis, sem incidentes, com muitos vestígios. (...)

No dia seguinte, a 3 de maio, a CART 2339 estava envolvida em nova operação, a Op Espada Grande, iniciada às 00.00h e terminada - para a CART 2339 - às 8.00h do dia 4 (Galo Corubal e Satecuta) (...).

Não havia tempo para descansar. As acções de segurança e combate iriam prosseguir. (...) 
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Notas do editor:



Vd. também poste de 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV