terça-feira, 25 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2682: Tabanca Grande (59): Almeida Campos, ex-1.º Cabo Escriturário da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71)




Almeida Campos,
ex-1.º Cabo Escriturário
CCAÇ 2659/BCAÇ 2905
Cacheu, 1970/71



1. Hoje mesmo chegou à nossa caixa de correio esta mensagem de um camarada nosso que quer pertencer à grande família do nosso Blogue.

Prezado camarada,
Os meus cumprimentos

Sou Ângelo Alberto de Almeida Campos, Ex-1.º Cabo Escriturário.
Embarquei em 31 de Janeiro de 1970 para a Guiné (Cacheu), mobilizado pelo BCAÇ 2905/CCAÇ 2659 - RI 2 (Abrantes).

Ao efectuar uma curta viagem ao volante do meu carro ouvindo uma rádio, que agora não sei precisar, falaram num Blog no qual se referia à Guiné e em especial aos ex-combatentes, rápidamente anotei o site.

Ao chegar a casa imediatamente me dirigi ao computador e fiquei espantado com o site.

Os meus parabéns.

Gostaria de me associar ao v/evento enviando fotografias, bem como relatos de acontecimentos, mais própriamente no Cacheu, pois pelo que vi e li pouco há àcerca da Vila do Cacheu.

Julgo que para me relacionar com o Blog terei de enviar no minimo duas fotos pessoais, se me permitirem juntá-las-ei em anexo e se me autorizar enviarei muitas mais, relacionadas com a guerra e alguns camaradas.

Agradecia me informasse se é possivel o envio de mais fotos.

Os meus cumprimentos e mais uma vez parabéns pelo evento.
A.A. Almeida Campos



O Almeida Campos, numa das mais nobres funções dos nossos Cabos Escriturários, recolha e distribuição da tão desejada correspondência.

Foto: © Almeida Campos (2008). Direitos reservados.

2. Hoje mesmo, foi enviada resposta e este novo camarada

Caro Camarada Campos

Em nome dos terulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné estou a receber-te.

Acabaste de entrar na nossa Tabanca Grande, assim reconhecemos o nosso Blogue, composto por ex-combatentes da Guiné, seus familiares e, de um modo geral, por todos aqueles que têm alguma afinidade com a Guiné-Bissau.

Na nossa página, do lado esquerdo, poderás ler os nossos mandamentos (dez normas de conduta) pelos quais nos regemos.
Aqui o tratamento entre camaradas, independentemente dos postos que se tiveram, é por tu. Também não fazemos distinções de classes sociais, pois entre verdadeiros amigos e camaradas isso é irrelevante.

Respeitamos acima de tudo as diferenças de opiniões, discutindo-as com cordialidade e respeito.

Podes mandar as fotos que quiseres desde que devidamente legendadas, não o fizeste desta vez, e de preferência para ilustrar estórias que nos queiras enviar.

Mandar fotos para fazer do Blogue arquivo fotográfico, é mais complicado porque sobrecarrega e fica fora de contexto.
Convém que tenham um mínimo de qualidade para sairem visíveis na nossa página. Pela amostra, vais dar-me trabalho para recuperar algumas delas.

Esperamos pois que nos contes as tuas experiências na Guiné e um pouco da história da tua Unidade.

Já agora, por curiosidade, mandaste uma foto onde se vê um camarada inanimado.
Outra com um milícia (digo eu) a levar julgo que um prisioneiro.
Tens alguma coisa a contar sobre elas?

Como vês, já tens aqui muito para contar.

Vou fazer a tua apresentação, mas não publico as fotos por falta de legendagem.

No teu próximo contacto, basta que mandes as legendas, referindo a que foto pertencem.

Em meu nome, no do Luís Graça, no do Virgínio Briote e dos restantes tertulianos recebe um abraço de boas vindas.

Carlos Vinhal

Guiné 63/74 - P2681: CCAÇ 2617, Os Magriços do Guileje (Guileje, Mar 1970 / Fev 1971) (José Crisóstomo Lucas / Abílio Pimentel)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971... As boas vindas... Na foto, no lado esquerdo, o Fur Mil Abílio Pimentel, de seu nome completo Abílio Alberto Pimentel Assunção.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971... A chegada da avioneta com o correio (e, às vezes, alguns víveres)... Na foto, em primeiro plano, da esquerd para a direita, o Fur Mil Abílio Pimentel, um alferes e o piloto da aeronave, cuja identidade desconhecemos. O Álbum Fotográfico do Pimentel não tem legendas... Mas segundo informação posterior do Jorge Félix, ex-Alf Pil Av, a aeronave (um Cessna vermelho) pertencia aos TAGCV - Transportes da Guiné e Cabo Verde e o piloto era o Castro, "naquele tempo já na aviação civil" (LG).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971... O Fur Mil Abílio Pimentel junto a uma das peças de artilharia 11,4 que guarneciam o aquartelamento (LG).



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971... As boas vindas... Na foto, junto a um abrigo (creio que o do morteiro), do lado direito, o Fur Mil Abílio Pimentel, tendo a seu lado, em tronco nu, o Alf Mil José Carlos Mendes Ferreira, falecido há ano e meio, amigo do Humberto Reis, do Tony Levezinho e de mim próprio (furriéis milicianos da CCAÇ 12). Era natural da Amadora ou vivia na Amadora, desde miúdo (já não estou certo). Visitou-nos em Bambadinca, a caminho da região do Gabu para onde foi inicialmente o seu batalhão (BCAÇ 2893) e a sua companhia (CCAÇ 2617). Ainda convivi com ele na Amadora, depois do regresso da Guiné (LG).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971... O Fur Mil Abílio Pimentel num jipe (LG).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971... O Fur Mil Abílio Pimentel com o Alf Mil José Carlos Mendes Ferreira (LG).


Fotos : © Abílio Pimentel / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados. (Editadas por L.G. Reprodução com a devida vénia...)




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971... O emblema dos valorosos Magriços do Guileje, que pertenciam ao BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71)

Foto: © Tino Neves (2006). Direitos reservados



1. Mensagem do José Crisóstomo Lucas, com data de ontem:



Meu nome : José Crisóstomo Lucas, ex alferes miliciano [, de operações especiais], de uma companhia residente em Guileje (Guiledje) entre 1969 e 1971, conhecida pelos MAGRIÇOS DE GUILEJE, de que muito me orgulho [, a CCAÇ 2617] (1).

Sou amigo pessoal do vosso cartógrafo de serviço (Humberto Reis ) que conheci só em Lisboa através de outro alferes Magriço, já falecido, [o José Carlos Mendes Ferreira,] bem assim como do Hélder de Sousa, que hoje descobri também ter estado na Guiné sendo um antigo combatente, embora não tenha lá voltado.

Eu, pelo contrário, já voltei a Bissau. Fui muito bem recebido nomeadamente por diversos ministros e pelo Sr Presidente na altura (Nino Vieira, que é o mesmo de hoje). Alguns dos que estavam nessa reuniões, eram antigos combatentes ( um deles, de que não me lembro do nome, na época de 69/71 era o comandante da zona Sul)... Posso dizer que, após alguns momentos de silencio e de eventual desconfiança, a abertura e os risos de boa disposição foram totais.

Ao contrário de algumas notícias que li sobre Guileje e não só, sou dos que tenho orgulho do trabalho que executámos em Guileje, independentemente da tradicional frase do Sangue, suor e lágrimas. Faço notar que foi mais suor do que o resto.

Durante todo o tempo, além de termos resistido a muitos ataques, alguns ao arame - faz anos na Páscoa, tivémos 3 ataques ao quartel no mesmo dia - , ainda fizemos alguns roncos e peripécias de que me abstenho neste momento de contar mas que constam de um diário de guerra que, segundo li, está em vosso poder, basta ler.

Quero chamar a atenção que nem as gentes da Guiné são uns coitadinhos nem as nossas tropas foram uns malandros. Pensem que no meio estará o ponto de equilíbrio.

Enviei 2 emails sobre Guileje sobre a questão dos morteiros existentes na altura, mas não tive o prazer de os ver publicados

Uma abraço

J. C. Lucas


2. Comentário do editor L.G.:

Obrigado, camarada, por nos teres dado notícias dos teus Magriços do Guileje, uma unidade de quadrícula de Guileje da qual sabemos pouco. O único contacto que até agora tínhamos era do Abílio Alberto Pimentel Assunção, que eu vim a descobrir ser Fur Mil At Inf, e residir no Seixal. Em tempos, ele forneceu umas dezenas de fotos de Guileje ao Pepito, da AD - Acção para o Desenvolvimento, a ONG que liderou a organização do Simpósio Internacional de Guileje, em que eu tive o privilégio de participar, juntamente com outros camaradas nossos, além de antigos combatentes do PAIGC, investigadores e outros interessados pelo tema da guerra colonial / luta de libertação da Guiné-Bissau.

Os amigos dos amigos nossos amigos são... Refiro-me ao Humberto Reis (da CCAÇ 12, a mesma unidade a que eu pertenci, Bambadinca, Junho de 1969 / Março de 1971) e ao José Carlos, teu camarada, que infelizmente a morte já apartou do nosso convívio. Foi com emoção que o identifiquei ao rever o álgum fotográfico do Abílio Pimentel (que me chegou em CD-ROM via Pepito).

Os emails que referes não chegaram a bom termo, por razões que desconheço (possível erro de endereço...). Podes fazer-me o favor de os reencaminhar para o endereço de correio electrónico do nosso blogue ? Entretanto, querias-te referir ao calibre das peças de artilharia e não propriamente dos morteiros... Era isso ?

Quanto à história da tua unidade, vou ver se tenho algum documento em arquivo que me tenha chegado às mãos. No nosso blogue, há apenas umas breves referências à tua unidade (2). Entretanto existe uma página sobre o teu batalhão, criada e mantida pelo nosso amigo e camarada Constantino Neves.

Ficas automaticamente a pertencer à nossa tertúlia. Tens assim a honra de ser, se eu não me engano, o 1º Magriço do Guileje a franquear a entrada da nossa Tabanca Grande. Manda-me as duas fotos da praxe (uma antiga e outra actual), que é para acrescentar à nossa fotogaleria (que anda desactualizadíssima...). E escreve, por favor, mais coisas sobre a tua companhia e o tempo que vocês passaram em Guileje que, felizmente, como dizes, foi mais de suor do que sangue e lágrimas...

Sê bem vindo, em meu nome, em nome dos meus co-editores, Carlos Vinhal e Virgínio Briote, em nome do cartógrafo de serviço, o Humberto Reis, bem como dos demais amigos e camaradas da Guiné. Vê se trazes também o Abílio para a nossa companhia. Não tenho sequer o email dele para o poder contactar.

____________

Notas de L.G.:


(1) Lista das unidades de quadrícula de Guileje (1964/1973):

CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)
CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)
CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) (contacto: Nuno Rubim )
CAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)
CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto) [infelizmente já desaparecio, José Neto, 1929-2007]
CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)
CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)
CCAÇ 2617 (Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio Pimentel)
CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho);
CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio);
CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho )


(2) vd, poste de 5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1404: Um pequena estória dos Magriços de Guileje (CCAÇ 2617) (Tino Neves)

(...) "Estavam instalados em Pirada [, zona leste, junto à fronteira com o Senegal], mas em Março de 1970 (apenas 4 meses depois do início da comissão), foram substituídos pela CCAÇ 2571, e destacados para o Guileje, por castigo.

"Na altura, Guileje era flagelada quase todos os dias.Os Magriços ficaram famosos pelo facto de, enquanto estiveram no Guileje (10 meses e 18 dias, conforme, vi num gráfico), limparam a zona, por 10 km ao redor do aquartelamento, e por esse facto, o restante tempo de comissão foi passado em Bissau, como prémio desse feito.Tiveram um único morto e não foi em combate, foi electrocutado, agarrado à lâmpada da caserna, após ter tomado banho. Vivam os Magriços !" (...)

Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e António J. Pereira da Costa)

No Portugal dos nossos dias é possível um morto depositar um ramos de flores na sua própria campa.
Foto publicada no Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, com a devida vénia


António Batista, bem vivo felizmente, acompanhado por duas pessoas que se têm interessado pelo seu caso, Álvaro Basto e Paulo Santiago, a quem se junta agora, em boa hora esperemos, o Coronel António José Pereira da Costa.


1. Em 18 de Fevereiro o co-editor Carlos Vinhal contactou o nosso camarada Álvaro Basto:

Amigo Álvaro

Tudo bem? Julgo que tens acompanhado o Batista na tentativa de legalizar a sua situação militar. Gostava, se concordares, que fizesses um resumo do que tem acontecido ou vai acontecer, para ser publicado no Blogue.

A malta pode pensar que o assunto está esquecido ou que tu esmoreceste quanto à vontade de o ajudar.

Espero notícias tuas e pormenores para publicar.
Recebe aquele abraço
Carlos Vinhal

2. No mesmo dia, o Álvaro respondia.

Carlos:

Amanhã (dia 19) vou acompanhar, como estava prometido, o Baptista ao Quartel da Senhora da Hora para ele ser ouvuido no âmbito do processo que foi inciado para ele passar a receber uma pensão de prisioneiro de guerra.

Embora muito atarefado, e em vésperas de partida para a Guiné [ prevista para o dia 21,], vou fazer amanhã um resumo do que se passou para se dar a noticia para o Blogue.

Um grande abraço
Álvaro Basto

3. Em 19 de Fevereiro de novo mensagem para Álvaro Basto

Caro Álvaro:

Porventura não fui oportuno no pedido que te fiz. Compreendo e sugiro que me dês notícias do Batista só após a tua chegada do Simpósio. Não quero que julgues que esquecemos a tua colaboração com o Batista.

Um abraço
Carlos Vinhal

4. Mas o sentimento de revolta e impotência calou fundo no Álvaro Basto que no mesmo dia mandava esta mensagem:

Oh, Carlos, é revoltante

Eu pensava que o caso do Batista era de tal modo conhecido e comprovado que eles eventualmente só queriam saber se ele estava vivo ainda, mas de facto sou um crente.

O Batista foi ouvido no âmbito do processo, mas para ser elaborado um auto de averiguações. Ao simpático e jovem Tenente que o ouviu, o Batista teve de contar outra vez a história toda.

Quando tinha ido para a tropa, onde e quando tinha sido incorporado... quando embarcou para a Guiné, para onde foi, quando foi... como foi... com quem foi... Olha, kafkiano no mínimo, para que tudo ficasse religiosamente registado no auto... que depois de lido foi assinado pelo Batista e pelo Sr. Tenente.

Indescritível... só as velhas máquinas de escrever foram substituídas por velhos computadores.... o mobiliário, a decoração, os cheiros, tudo é igual ao nosso tempo... Até parece que o tempo parou.

Entre lamúrias e alguma palavras de conforto ao Batista, o nosso jovem Tenente foi dizendo que, em tratando-se de se chegarem à frente , é só complicações sobre complicações para se ir protelando. Parece que o dinheiro a que o Batista tem direito não é o nosso dinheiro... Olha, pá, saí de lá revoltado... se calhar era isso mesmo que eles queriam, mas estão bem enganados.

Ainda por cima o processo não ficou encerrado... faltam as tesemunhas... querem testemunhas que tenham estado no cativeiro com o Batista para atestar que ele esteve mesmo preso, não fora dar-se o caso de ele ter ido passear para local incerto durante aqueles quatro anos... e o dinheiro dos contribuintes ser mal empregue.

Obviamente que me ofereci imediatamente para testemunhar mas o nosso Tenente (e ele disso acho que percebe...) achou melhor ser alguém que tenha estado com ele na emboscada e que tenha conseguido safar-se ou alguém que tenha convivido com ele na prisão.

Embora não sendo uma novidade para ninguém acho que isto tem de ser conhecido por todos. Precisamos de lançar um apelo no blogue para ver se conseguimos sensibilizar algum sobrevivente da Companhia do Saltinho a que o Batista pertenceu, eventualmente até o Comandante de Companhia que tanto quanto sei está identificado e localizado.

Quanto aos camaradas de cativeiro, o Batista tem cópias do BI de dois deles que vou juntar mas, tanto quanto ele sabe, estão ambos emigrados fora de Portugal.

Esperava ver este processo bem mais adiantado e afinal parece que ainda a procissão vai no adro... é uma frustração.

NOTAS:

1- Fiquei com o email do Tenente João Paulo Fernandes Vilela (...) para lhe comunicar quando tívessemos testemunhas (credíveis), que possam atestar que o Batista foi preso na emboscada e levado para Conacri onde permaneceu 4 anos.

2- Junto alguma da última correspondência que o Batista recebeu sobre o assunto, bem como os BI dos dois camaradas de cativeiro que se encontram em parte incerta.

Um grande abraço.
Álvaro Basto

5. Em 21 de Fevereiro foi dado conhecimento do andamento do caso do Batista à Tertúlia com esta mensagem:

Caros camaradas e amigos:

Que dizer face a esta mensagem do Álvaro Basto?

Venho dar-vos conhecimento dela, na esperança de que alguém que nos leia possa dar uma ajuda ao Batista e ao Álvaro, nesta tarefa, que sendo de si complicada, mais complicada tornam, para (desculpem a expressão), fazer render o peixe.

Provavelmente vão esperar que ele morra. Sempre se poupa algum ao erário.

Com um abraço para todos, me despeço
Carlos Vinhal

6. No mesmo dia o nosso camarada Jorge Teixeira tinha este desabafo:

Olá Camaradas
Este processo é mais um para juntar aos incógnitos que por aqui e ali, algures nos serviços militares, andam e apodrecem sem solução.

Como querem as forças armadas ou lá como se chamam agora, que as acreditemos e respeitemos, que aderiramos às manifestações de oficiais, sargentos - nao sei se de praças tambem - quando nos complicam tanto a vida.

Apenas porque nós, que andámos por lá desamparados, continuemos da mesma forma 30/40 anos depois, e não nos permitem reconhecer o que achamos a ter direito.

Cada regresso foi um pesadelo para os nossos governantes, e os que temos a sorte de ainda por cá andar, para os actuais governantes e militares, bem melhor seria que desaparecessemos de vez para não criar mais complicações à sua vida de grandes senhores.

Sejam eles políticos ou generais, almirantes ou...

Faço daqui um apelo, aproveitando a visibilidade que os nossos editores do blogue estão a conseguir, que promovam estes casos junto dos orgãos de comunicação social, da direcção de partidos políticos, do Presidente da República como Chefe Supremo das Forças Armadas, ele proprio um antigo militar em África, para que se denunciem estes casos, que nos revoltam mas nos deixam impotentes perante a insensibilidade das gerações actuais.

Um abraço para todos os camaradas.
Jorge Teixeira

7. Como está patente, apesar de tudo, as boas vontades não pára e, em 5 de Março passado o nosso tertuliano Coronel António José Pereira da Costa mandava-nos esta mensagem que traz nova esperança.

Olá Camaradas

Peço que informem o António Baptista de que estou a trabalhar no caso dele.

Já forneci ao oficial averiguante alguns documentos, nomeadamente:
um extracto de um relatório feito pela 2ª Rep do QG/CTIG onde se descreve a troca de prisioneiros entre o PAIGC e o Exército, uma cópia do trecho da relatório (n.º 3/72 de 210800ABR72) da acção onde consta a "morte" dele e o desparecimento em combate de um outro camarada n.º 11336171 - António de Oliveira Azevedo, e uma nota do QG/CTIG -Serviço Justiça e Disciplina, em que este último é dado como desaparecido em combate.

Segundo esta nota há um processo em que se diz que "foi gravemente ferido no ombro direito, costas e abdomen do lado direito" que "deve ter sido mortalmente ferido, embrenhando-se no mato, tendo resultado infrutíferas todas as buscas no sentido de ser encontrado".

É por isso dado como desaparecido em combate desde 17ABR72, por despacho de 29NOV72 do Cmdt Militar.

Parece-me (é a minha opinião) que estamos perante uma situação em que um desparecido em combate morreu, de facto, e o seu corpo foi trocado pelo de um outro capturado pelo IN. Só assim se justifica que no relatório constem 10 mortos, 6 dos quais queimados no incêndio da GMC, um desaparecido (o capturado) e 4 feridos.

Um Ab.
António Costa

8. Em 9 de Março dei conhecimento desta mensagem ao Álvaro Basto e ao Paulo Santiago, duas pessoas que desde há muito lutam contra a burocracia, para que se deslinde este mistério.

Porque não tomam as autoridades competentes a iniciativa de exumar o cadáver que dizem ser do nosso camarada António Batista. Com o avanço da ciência forense, saberíamos exactamente quem é o pobre militar que ali está enterrado indevidamente.

Atrevo-me a dizer que isto é um caso que está a ultrapassar os limites da decência num país dito civilizado.

Havia que dar publicidade junto de todos os orgãos de comunicação social escrita e não só para de vez acabar com esta incerteza.

Alguém está sem o corpo do seu ente querido, julgando-o perdido para sempre.

CV
______________

Notas dos editores:

(1) Vd. o já vasto dossiê sobre o nosso camarada e amigo António da Silva Batista, que vive hoje em Matosinhos, faz parte da nossa Tabanca Grande e aguarda, com legítima ansiedade e expectativa, o fim deste terrível pesadelo que tem já 36 anos:

1 de Fevereiro de 2008 Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)

31 de Janeiro de 2008 Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

25 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)

28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2140: Tabanca Grande (35): Notícias do Tony Tavares (CCAÇ 2701) e do António Batista (CCAÇ 3490) (Ayala Botto)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)

30 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1999: Vamos arranjar uma caderneta militar nova para o António Batista (Rui Ferreira / Paulo Santiago)

24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)

24 de Jullho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)

(2) Sobre a tragédia do Quirafo, Vd. posts de:

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)

12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P2679: Fórum Guileje (10): Não ao endeusamento do PAIGC e ao apoucamento das Forças Armadas Portugueses (Joaquim Mexia Alves)

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guiledje, 1-7 de Março de 2008 > 4 de Março de 2008 > Painel 1 (Guiledje e a Guerra Colonial / Guerra de Libertação). Moderador: João José Monteiro (Reitor da Universidade Colinas do Boé) > 16h30-17h00: Comunicação de Coutinho e Lima (Coronel do Exército Português na reserva e ex-comandante do COP 5 ): Factores considerados para tomar a decisão da retirada das forças armadas e da população, do aquartelamento de Guiledje: relato histórico do ex-comandante do COP 5. Vídeo com o final da comunicação (4' 54'').

Vídeo: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes



1. Por merecer um outro destaque, volta a publicar-se o comentário do Joaquim Mexia Alves ao poste de 23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2678: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Coutinho e Lima (2): A dolorosa decisão da retirada de Guileje

Vd. anteriores postes desta série Fórum Guileje (1):

Não tenho elementos para rebater a justeza desta tomada de decisão, outros os têm, mas até pelo que aqui está escrito, não concordo com ela e com o panegírico que dela se faz.

Tenho lido, esta é a minha opinião, alguns dos últimos textos colocados aqui na Tabanca Grande, com algum desconforto, algum desagrado.

Assisto, volto a repetir que é a minha opinião, a um endeusamento do PAIGC e a um apoucamento das Forças Armadas Portuguesas, mitigado pela concessão de algumas benesses, como que a apaziguar vozes discordantes.

A reconciliação, que eu quero, desejo e abraço, faz-se pelo respeito mútuo e não pela tentativa de engrandecer um e diminuir o outro.

Se reconheço com toda a facilidade a superior organização do PAIGC (sobretudo em comparação com Angola e Moçambique), bem como a sua bem delineada e executada diplomacia e propaganda no estrangeiro, cheia de sucesso, e sobretudo a tenacidade, heroicidade, sacrifício dos seus combatentes, personificados nessa figura que é Nino Vieira, o agora tão atacado Presidente da Guiné (o que faz a politica?!), não deixo de reconhecer a tenacidade, heroicidade, espírito de sacrifício, do português anónimo lançado numa guerra longe da sua casa, da sua terra, em condições tão adversas como um clima insuportável e uma estratégia que envolvia o enquadramento de populações e ocupação de espaço, contra uma guerra de guerrilha que se baseia no atacar e fugir.

Já o disse uma vez e volto a repetir: A frase A guerra da Guiné estava perdida, é apenas, no meu entender uma frase que nem por ser muitas vezes repetida se torna verdade. Foi usada por todos com diferentes finalidades: (i) O PAIGC muito bem na sua propaganda no estrangeiro;
(ii) Os altos comandos tentando obter mais homens e meios e também numa visão mais longínqua querendo levar a uma mudança de política em Portugal.

O PAIGC, muito bem, fez um esforço de guerra em dois ou três pontos bem escolhidos do território e conseguiu algum ascendente que soube muito bem explorar, mas a verdade é que no resto do território, sobretudo no chamado Leste, a guerra era muito esporádica e a estrada vital Xime/Nova Lamego fazia-se sem qualquer problema, por exemplo.

A política fez a guerra, a política acabou a guerra, e esta é a verdade!

Volto a repetir que a política é uma coisa e a guerra outra, embora estejam umbilicalmente ligadas.

Sou contra a guerra, contra esta guerra, contra todas as guerras, que não haja dúvidas, mas os homens com quem combati, portugueses e guineenses, de um e do outro lado merecem o respeito devido à sua memória.

Não podemos querer que um abandono de uma posição, Guilejee, se transforme na vitória de uma guerra, como nunca transformaríamos a destruição de tantas bases do PAIGC ao longo da guerra, numa outra vitória.

Se alguma coisa me faz dizer que não perdi dois anos da minha vida numa guerra, foi o facto de ter conhecido um povo e um país que amo, a Guiné, e de ter tido o privilégio de ter combatido com homens portugueses e guineenses que deram o melhor de si, se excederam em generosidade e entrega e merecem portanto todo o meu respeito, por isso, com frontalidade, mas muita amizade, escrevo o que agora escrevi.

Enquanto não formos capazes de deixar de lado a política, o politicamente correcto, e nos abraçarmos olhos nos olhos, com o respeito mútuo de quem reconhece que ganhámos todos e ninguém perdeu, a não ser aqueles que por lá ficaram e a quem presto a minha homenagem, poderemos descansar os nossos corações e as nossas vidas, pacificando o passado e abraçando o futuro.

Com um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves
Ex-Alf Mil Op Esp,
Dez 1971 / Dez 1973

CART 3492 / BART 3873 (Xitole / Ponte dos Fulas),
Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão),
CCAÇ 15 (Mansoa )

2. Comentário de L.G.:

A publicação, no nosso blogue, da comunicação do Cor Art na Reserva Coutinho e Lima, apresentada no Simpósio Internacional de Guileje, Guiné-Bissau, Bissau, em 4 de Março de 2008, não implica da parte dos editores qualquer manifestação de concordância ou discordância em relação à decisão que ele tomou, na sua qualidade de então comandante do COP 5, de abandonar Guileje, em 22 de Maio de 1973...

Coutinho e Lima teve na altura (e continua a ter ainda hoje) os seus apoiantes e os seus detractores. Não nos compete, enquanto editores do blogue, fazer um juízo de valor sobre o comportamento deste oficial superior, diabolizado por uns, endeusado por outros. Como novo membro da nossa Tabanca Grande, ele tem o direito de apresentar o seu ponto de vista, privilegiado, já ele que foi actor dos acontecimentos de que fala...

Propositadamente não fizemos nenhum preâmbulo à sua comunicação. Não o quisemos sequer comparar com ninguém nem evocar situações eventualmente análogas, como a do General Vassalo e Silva (1899-1985), o último Governador-Geral do Estado Português da Índia. Compete à História julgar os homens que fazem a guerra e a paz.

Qualquer um de nós é livre de ter uma opinião, serena, desassombrada, objectiva, sobre os acontecimentos da guerra da Guiné, incluindo a dramática decisão de retirar uma posição estratégica como Guileje, à revelia das ordens do Comandante-Chefe. É importante também deixar ouvir e saber escutar o ponto de vista (unilateral) dos protagonistas dos acontecimentos, sejam eles de um lado ou de outro da barricada. Guileje, como muitos outros episódios ou batalhas da guerra colonial / luta de libertação da Guiné-Bissau, não se pode resumir a um ponto de vista unilateral. Coutinho e Lima apresentou-se no Simpósio não na qualidade de historiador, de cientista social que não é, mas sim do antigo comandante do COP 5 que, para o bem ou para o mal, ponderados os prós e os contras, actuou como um cabo de guerra numa situação-limite, com plena consciência das consequências que, a nível pessoal e profissional, acarretaria uma decisão tão grave como a de abandonar Guileje, cercada por três corpos do exército do PAIGC.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta série:

12 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

13 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

14 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2638: Fórum Guileje (4): Minas aquáticas em Bedanda (Ayala Botto)

15 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2642: Fórum Guileje (5): Que sentido dar a esta vaga de fundo ? Da guinefobia à guinefilia (Hélder de Sousa / Luís Graça)

15 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2645: Fórum Guileje (6): Antes que se esgote... Gandembel (Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70)

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2649: Fórum Guileje (7): A importância do Caminho do Povo (Paulo Santiago)

18 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2662: Fórum Guileje (8): O nosso património histórico comum (Leopoldo Amado)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2666: Fórum Guileje (9): O Simpósio foi uma festa, uma grande festa! (Carlos Silva)

domingo, 23 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2678: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Coutinho e Lima (2): A dolorosa decisão da retirada de Guileje









Guiné-Bissau > Região de Tombali > Antigo aquartelamento de Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 1 de Março de 2008 > Dia de homenagem da população de Guileje ao "grande homem que nos salvou"... Um homem e a sua solidão: Coutinho e Lima... Três homens de Guileje: por ordem de antiguidade, Nuno Rubim Abílio Delgado e Coutinho e Lima... Um beijo de reconhecimento, homenagem e gratidão de um feminista guineense, a viver no Brasil, a Prof Doutora Fernanda de Barros, participante do Simpósio e nossa amável companheira de uma semana inesquecível.... 




Vídeo (1' 29''), fotos e legendas: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) Continuação da comunicação do Cor Art Coutinho e Lima sobre a sua decisão de retirar Guileje, em 22 de Maio de 1973 (1):


5. Situação encontrada em GUILEJE

Após 3 dias e 2 noites de ausência, quando cheguei a GUILEJE, pelas 18.00 horas de 21 MAI, a situação que encontrei foi a seguinte:

- destruição total do Centro de Comunicações, incluindo todas as antenas, o que impedia o estabelecimento de ligação rádio com qualquer entidade;

- na flagelação dessa tarde , as NT tinham tido um morto (Furriel); o graduado fora atingido por uma granada, dentro de um abrigo de fraca protecção;

- tinham sido atingidos, em consequência das várias flagelações:

. dois depósitos de géneros;
. depósito de artigos de cantina;
. cozinha;
. forno da cozinha;
. celeiros de arroz da população (ainda estavam a arder);
. grande parte das casas da população;
. vários abrigos, parcialmente danificados;
. vários impactos nas valas;
. variadíssimos rebentamentos (talvez centenas) dentro do aquartelamento;

- falta de água potável, por não ter sido feito o respectivo reabastecimento; refere-se que a água era recolhida junto ao Rio AFIÁ, através do qual se fez a evacuação, em 19 de manhã, das baixas da emboscada do dia anterior; o último reabastecimento foi feito precisamente neste dia, após o embarque das baixas;

- escassez de munições de Artilharia e de Armas Pesadas;

- escassez de medicamentos;

- presença do IN nas proximidades do quartel, seguramente do lado de MEJO; alguns elementos da população que tentaram ir recolher água à bolanha, a cerca de 500 metros nessa direcção, tinham sido flagelados na tarde do dia 21 e imediatamente recolhidos pelas NT, que foram em seu socorro;

- desde o início das flagelações, toda a população (umas centenas de pessoas), recolheram às casernas abrigo das NT, aumentando cerca de 3 vezes a sua lotação; a estadia dentro dos abrigos era praticamente insuportável; além do imenso calor, o cheiro era nauseabundo, também porque as crianças acabavam por fazer as suas necessidades fisiológicas no interior dos mesmos;

- nas últimas flagelações, tinha-se verificado a “presença” de uma nova arma do PAIGC; os rebentamentos demoravam cerca de 3/4 segundos, após a audição do disparo;

- verificaram-se vários rebentamentos no ar e também havia algumas granadas perfurantes, tendo sido, eventualmente, uma destas que provocou o morto às NT:

- desde o dia 19 MAI, deixou de ser confeccionado o rancho, em virtude das flagelações e das destruições provocadas na cozinha; todo o pessoal passou a alimentar-se de ração de combate;

- todo o pessoal estava arrasadíssimo, quer física quer psicologicamente, pois as flagelações tinham começado na noite de 18/19 e continuado durante todo o período;

- a população estava preocupadíssima, principalmente pela forte pressão do IN, mas também devido ao desaparecimento do milícia ALIU BARI, verificado em 10 MAI que, poderia ter dado informações muito importantes ao IN, não só relativamente às NT, como também aos hábitos da população, incluindo a localização dos campos de cultivo;

- garantia da não evacuação dos feridos, se os houvesse; de facto, a evacuação dos feridos da emboscada de 18 MAI, não fora feita de GUILEJE, contrariamente ao que o Sr. Comandante-Chefe dissera na sua visita de 11 MAI; a possível evacuação por barco, à semelhança da que fora feita em 19 MAI não mais era exequível, não só devido à presença do 3º CE do PAIGC na mata de MEJO, como devido à falta de barcos, pois que os utilizados em 19 MAI não regressaram a GUILEJE.

6. Factores considerados para tomar a decisão de efectuar a retirada

Imediatamente após ter chegado a GUILEJE e depois de uma breve inspecção ao aquartelamento, fiz uma reunião informal com o Sr. Comandante da CCAV 8350 (que me substituíra na minha ausência) e outros Oficiais; o Sr. Capitão QUINTAS relatou-me, resumidamente, o que se havia passado desde a minha saída na manhã do dia 19 MAI.
No fim deste relato, tive uns minutos de reflexão, considerando os seguintes factores, tendo em vista uma tomada de decisão:

(1). Forte pressão do Inimigo

O aquartelamento de GUILEJE, no período de 182000 MAI73 a 220400 MAI 73 (80 horas) sofreu 37 flagelações, com um total estimado de 795 rebentamentos; esta estimativa foi feita empiricamente e dava uma ideia, porventura calculada por defeito, do volume do fogo inimigo.

Esta acção em força do PAIGC sobre GUILEJE foi planeada pormenorizadamente e com muita antecedência, de acordo com as informações que o Comando-Chefe difundira oportunamente; a fase de execução iniciou-se em 180700 MAI 73, com a emboscada no cruzamento de GUILEJE, já referida atrás.

Com a presença do 3º CE do PAIGC nas matas de MEJO, cuja actuação se verificara na tarde do dia 21 MAI, sobre a população quando esta procedia à recolha de água, o cerco do IN apertava-se; tudo indicava que a sua pressão fosse cada vez mais intensa, com frequentes flagelações diurnas e nocturnas.

(2). Não atribuição de reforços

Desde o início dos acontecimentos (emboscada de 18 MAI), tive a premonição de que se tratava de uma situação muito grave, tanto mais que as informações que do Comando-Chefe nos chegavam, indiciavam que esta acção em força ia acontecer.

E não sabia eu, nessa altura, o que estava a suceder em GUIDAGE (na fronteira Norte com o SENEGAL), desde o dia 8 MAI; à semelhança do que ocorrera em GUILEJE, a acção do IN foi iniciada com uma emboscada a uma coluna de reabastecimento, que também não se realizou, seguida de fortes e intensas flagelações ao quartel de GUIDAGE.

Só posteriormente vim a ter conhecimento que, em 19 MAI, grande parte das reservas do Comando-Chefe estavam hipotecadas no reforço a GUIDAGE, nomeadamente o Batalhão de Comandos Africanos que, nesse mesmo dia, efectuou a Operação AMETISTA REAL, sobre a base inimiga de CUMBAMORI.

O Sr. Comandante-Chefe entendeu não me atribuir o reforço que eu solicitara (uma companhia de tropa especial) e, sem qualquer justificação, comunicou-me esta sua decisão, ordenando-me que devia regressar na manhã do dia 21 MAI a GUILEJE e que ia nomear o Sr. Coronel Paraquedista RAFAEL DURÃO para assumir o Comando do COP 5, passando eu para 2º Comandante.

Nestas condições, foi para mim muito claro que, nos tempos mais próximos, não chegariam quaisquer reforços a GUILEJE.

(3). Defesa da população

Na MISSÃO atribuída ao COP 5, pode ler-se:

“(5) Assegura a defesa eficiente dos aglomerados operacionais ocupados pelas NT e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua ZA.”

Nas circunstâncias concretas existentes em 21 MAI 73, não estava em condições de garantir a defesa eficiente da população de GUILEJE.

Sendo certo que a existência da população civil era um factor importante para que GUILEJE estivesse ocupado militarmente, não é menos certo que nas condições vividas nessa altura, a presença dessa população era um elemento que condicionava a acção das NT.

(4). Não evacuação de feridos

Face à não evacuação das baixas resultantes da emboscada de 18 MAI, fiquei ciente que nenhuma evacuação seria feita, pela Força Aérea, a partir de GUILEJE; até então, estava seguro que, em situação de emergência como esta, seriam satisfeitos os pedidos de evacuação de feridos graves, de acordo com o que o Sr. Comandante-Chefe afirmara na sua última visita de 11 MAI; recordo que a mensagem recebida em 27 ABR, já referida atrás, determinava que as evacuações por helicóptero eram condicionadas ao estudo prévio da Força Aérea, o que significava que seriam consideradas.

Ora, verificou-se que, por falta de evacuação, um Cabo da Companhia de GUILEJE, gravemente ferido na emboscada, acabou por falecer cerca de 4 horas após ter sido ferido; este facto teve um forte impacto negativo no moral das NT e da população.

Este aspecto da não satisfação dos pedidos de evacuação era da maior gravidade e, nestas circunstâncias, formulo a seguinte pergunta: com que autoridade se podia mandar sair a tropa, com fortíssima probabilidade de haver contacto com o IN, tendo a certeza que os feridos, se os houvesse, não seriam evacuados?

A evacuação, via fluvial, já não era possível, além do mais por falta de barcos para esse efeito.

(5). Falta de água no aquartelamento

O abastecimento de água era feito a cerca de 4 kms na direcção de MEJO; o último fora realizado na manhã de 19 MAI e não mais foi feita nenhuma tentativa, devido à presença muito provável do IN na área e igualmente ao facto da não evacuação das previsíveis baixas, se as houvesse, o que poderia acontecer, com alto grau de probabilidade.

É do conhecimento geral que se pode viver durante algum tempo sem comida (esta estava assegurada pelas rações de combate), mas sem água, o tempo de sobrevivência é reduzido.

(6). Escassez de munições, especialmente de Artilharia

Por não ter sido possível realizar a coluna de reabastecimento do dia 18 MAI, só podíamos contar com as munições existentes em GUILEJE.

Desde o início das flagelações, a reacção pelo fogo foi feita com um consumo parcimonioso de munições, especialmente no que respeita a Morteiros e Artilharia, em virtude de o nível das mesmas não ser elevado.

Passados 3 dias após a minha chegada inicial a GUILEJE, que se tinha verificado em 22 JAN 73, fiz uma proposta de substituição das Peças de 11,4 cm (o material de Artilharia presente) por Obuses de 14 cm, porque tinha conhecimento que a reserva de munições das primeiras era pequena. Nesta proposta, sugeria que, se houvesse ainda munições de 11,4 em GUILEJE, as Peças lá continuassem mesmo depois de substituídas pelos Obuses de 14 cm, só recolhendo a BISSAU no final da época das chuvas, quando se reiniciassem as colunas, que naquela época não era possível realizar.

Esta minha proposta demorou bastante tempo a ser aprovada, de modo que, em 18 MAI estavam em GUILEJE 2 Obuses (o terceiro ainda se encontrava em GADAMAEL) e já tinham recolhido as 3 Peças, contrariamente ao que tinha sido proposto, pois que estas saíram de GUILEJE antes de se completar a substituição proposta. Acrescenta-se que igualmente parte das munições de 14 cm ainda se encontravam em GADAMAEL, à espera de transporte para o seu destino.

Em 18 MAI, estavam em GUILEJE apenas 2 Obuses de 14 cm (um chegara avariado); o tiro deste material não foi regulado, por falta de meio aéreo para esse efeito; nestas condições, a eficácia do apoio de Artilharia não era muito grande, enquanto que o tiro das Peças de 11,4 estava perfeitamente ajustado, o que tinha sido feito por observação aérea, antes das restrições do Apoio Aéreo, impostas pelo aparecimento dos mísseis terra-ar inimigos.

(7). Destruição do Centro de Comunicações

A destruição do Centro de Comunicações, que ocorrera na tarde de 21 MAI, por acção da flagelação inimiga, deixou GUILEJE impossibilitado de estabelecer ligação rádio com qualquer entidade.

Nestas condições, a única maneira de contacto com o exterior era através de aviões que sobrevoassem a região; foi por isso que foi pedido à patrulha de FIAT G 91, que nessa tarde de 21 MAI fez o apoio de fogo, o envio de um avião durante a noite, para servir de elemento de ligação, face à destruição do Centro de Comunicações; o Comandante da patrulha informou que iria ser feito o que fosse possível.

(8). Novo Comandante do COP 5

A única medida que o Sr. Comandante-Chefe tomou (desconheço se foram tomadas outras), para resolver a situação de GUILEJE, foi a nomeação do Sr. Coronel Paraquedista RAFAEL DURÃO novo Comandante do COP 5, passando eu para 2º Comandante; esta nomeação, que me foi comunicada na reunião de 20 MAI em BISSAU, significava uma falta de confiança na minha acção de Comando. Não fui informado acerca da data em que o Sr. Coronel DURÃO chegaria a GUILEJE (este estava a comandar o CAOP 1, com sede em MANSOA).

A nomeação do novo Comandante, em minha opinião, não resolveria a situação, porque:

. não viria acompanhado de reforços; era minha convicção que estes ser-lhe-iam atribuídos, mas demorariam vários dias a chegar a GUILEJE;
. não solucionaria a falta de água;
. não estava em condições de fazer chegar a GUILEJE, em tempo oportuno, as munições de Artilharia e outros materiais críticos;
. não garantiria as evacuações, a partir de GUILEJE.

(9). Existência de um morto

Infelizmente as NT tinham um morto, provocado pela flagelação da tarde de 21 MAI.
Poderá perguntar-se, legitimamente, como é que tantas e tão intensas flagelações e com muitos rebentamentos dentro do quartel, só provocaram um morto. Isto aconteceu porque os abrigos existentes eram de betão armado e supostamente à prova de Morteiro 120, o que não foi comprovado porque não se verificou nenhum impacto directo.

Pode parecer estranho que um dos factores a considerar para tomar a minha decisão tenha sido a existência de um morto; de facto, se houvesse uns três ou quatro feridos, quer militares, quer civis, isso obrigaria a permanecer em GUIEJE, por impossibilidade de os transportar em coluna apeada.

(10). Efeito de surpresa

A coluna apeada, que na tarde de 21 MAI me escoltou de GADAMAEL para GUILEJE, não teve nenhum incidente; como não tinha sido detectada pelo IN (e a chegada ocorreu no final do dia), este durante a noite não tinha possibilidade de verificar o movimento no trilho utilizado, sendo muito provável que, se a possível retirada se realizasse na manhã do dia seguinte, constituísse uma verdadeira surpresa.

(11). Previsão dos acontecimentos, a curto prazo

Ao nomear o Sr. Coronel DURÃO para novo Comandante do COP 5, era minha convicção que o Sr. Comandante-Chefe lhe iria atribuir os reforços que ele solicitasse. Só que esses reforços, após a sua atribuição, demorariam vários dias a chegar a GUILEJE.

A pressão do IN não abrandaria, pelo contrário, era altamente provável que se intensificaria; poderia haver, com fortes probabilidades, mais mortos e feridos e um previsível assalto pelo IN, bem como a tomada de prisioneiros pelo PAIGC, incluindo elementos da população, se isso fosse do seu interesse.

Em função de todos os factores indicados e face às condições descritas, relativamente à situação específica em GUILEJE, só considerei duas modalidades de acção:

. permanecer em GUILEJE, esperando a chegada do novo Comandante, com todas as consequências daí resultantes;
. retirar na manhã seguinte, aproveitando o efeito de surpresa; adiar, nem que fosse por um dia, poderia inviabilizar a operação.

Depois de pesar os prós e os contras das duas possíveis soluções, optei pela segunda:

RETIRAR, DO AQUARTELAMENTO DE GUILEJE, NA MANHÃ DO DIA SEGUINTE – 22 MAI – TODA A POPULAÇÃO, BEM COMO OS MILITARES E MILÍCIA, ATRAVÈS DO TRILHO GUILEJE – GADAMAEL, EM COLUNA APEADA.

Tomada a decisão, elaborei uma mensagem a comunicá-la ao Comando-Chefe, na esperança de que fosse possível, embora com dificuldade, transmiti-la durante a noite, o que não foi conseguido.

Comunicada esta decisão aos Oficiais presentes na reunião informal, com a qual todos concordaram, dei ordens para serem executadas destruições e inutilizações do material que não podia ser transportado, no sentido de impedir a sua utilização pelo IN.

As destruições que mandei fazer foram: minas, material cripto (incluindo as máquinas de cifra), toda a documentação (classificada e não classificada), que foi destruída pelo fogo e material de transmissões.

Mandei inutilizar ou tornar inoperacionais: os 2 Obuses de 14 cm, as viaturas e o armamento pesado: Metralhadoras e Morteiros.

Dadas as circunstâncias e atendendo a que o IN, nessa noite de 21/22 MAI, flagelou o aquartelamento 3 vezes (20.25 /22.00 horas - cerca de 30 impactos; 01.05/03.00 horas - cerca de 40 impactos e 04.00/05.00 horas – cerca de 60 impactos), as destruições e inutilizações não puderam ser feitas com a profundidade e extensão que o seriam, se as condições fossem outras.

Durante a noite foi intensificada a acção da Artilharia, em resposta às flagelações, gastando todas as munições completas existentes, antes de tornar inoperacionais os 2 Obuses e também com a intenção de mostrar ao IN que continuávamos com boa capacidade de reacção.

Mandei, igualmente, informar a população, através do Régulo em exercício, da partida nas primeiras horas do dia seguinte, informando que sairíamos em coluna apeada.

7. Execução da retirada

A Operação de retirada foi organizada da seguinte maneira: em primeiro escalão, saiu o Sr. Comandante da CCAÇ 4743 (GADAMAEL) com os seus dois grupos de combate, seguidos de parte da população; em segundo escalão, o Sr. Comandante da CCAV 8350 (GUILEJE), com a sua Companhia, milícia e restante população; em último lugar, o pessoal militar sobrante, incluindo os elementos do Comando do COP 5, tendo sido eu o último a sair do quartel.

A retirada iniciou-se cerca das 05.30 horas, tendo-se verificado a chegada a GADAMAEL por volta do meio-dia; não houve qualquer contacto com o IN.

O efeito de surpresa foi total; tendo-se efectuado a retirada na manhã do dia 22 MAI, o PAIGC só entrou em GUILEJE em 25 MAI, isto é, 3 dias depois; durante o período 22/25 MAI continuou a bombardear a posição que tinha sido ocupada pelas NT.
A chegada a GADAMAEL, sem qualquer incidente, foi um sucesso, comprovando que a decisão que tomei, ao meu nível de Comando, foi adequada à situação.


8. Consequências da retirada


Quando a coluna chegou a GADAMAEL, já lá se encontrava o Sr. Coronel Paraquedista RAFAEL DURÃO, o novo Comandante designado pelo Sr. Comandante-Chefe, a quem comuniquei o que se tinha passado; o novo Comandante mandou formar as tropas recém-chegadas de GUILEJE, proferiu algumas palavras que não recordo, referindo que os militares não tinham culpa do que acontecera, atribuindo-me, implicitamente, a responsabilidade da decisão, o que correspondia inteiramente à verdade.

O Sr. Coronel DURÃO enviou então uma mensagem para o Comando-Chefe, que terminava assim:

“…QUANDO CHEGADA GADAMAEL PORTO FACE DESTRUIÇÕES HAVIDAS VERIFICO SER IMPOSSÍVEL REOCUPAÇÃO TEMPOS MAIS PRÓXIMOS. AGUARDO INSTRUÇÕES”.

Passado pouco tempo, enviou nova mensagem, do seguinte teor:

“…SUGIRO DESTRUIÇÃO COMPLEMENTAR GUILEJE POR MEIOS AÉREOS”

A resposta a esta última mensagem foi:

“REF…SEXA JULGA PREMATURO BOMBARDEAMENTO GUILEJE. COAT EXECUTA BOMBARDEAMENTO AREA CIRCUNDANTE. INFORME CAOP 3 COR FERREIRA DURÃO”.
O não bombardeamento de GUILEJE permitiu que o PAIGC fizesse uma grande propaganda, relativamente aos materiais apreendidos, amplamente difundida, com manifesto exagero.
O PAIGC, contrariamente à decisão do Sr. Comandante-Chefe, achou por bem continuar as flagelações, o que fez até ao dia 25 MAI.

Não consegui obter elementos sobre os bombardeamentos efectuados pela Força Aérea, na área circundante de GUILEJE, no período de 22/25 MAI.

Após ter tomado conhecimento da retirada de GUILEJE, o Sr. Comandante-Chefe, enviou, em 221800 MAI, a seguinte mensagem, para GADAMAEL:

“…INFORME CMDT CAOP 3 COR PARA FERREIRA DURÃO QUE SEXA GENERAL COMANDANTE-CHEFE DETERMINOU SEJA RETIRADO IMEDIATIAMENTE DO COMANDO COP 5 MAJ ART ALEXANDRE DA COSTA COUTINHO E LIMA E MANDADO APRESENTAR QG/CCFAG PARA EFEITO AUTO CORPO DELITO”.

Em 24 MAI, foi recebida em GADAMAEL nova mensagem:

“SEXA GENERAL DETERMINA RETIRADO COMANDO MAJOR COUTINHO E LIMA…DEVENDO SEGUIR VIA CACINE EM SINTEX. TARDE DE 25 MAI NÃO DEVE JÁ ESTAR GADAMAEL”

Parti de CACINE, a bordo de um navio da Armada em 26 MAI, pelas 06.00 horas, tendo chegado a BISSAU no dia seguinte; apresentei-me no QG/CCFAG, tendo-me sido comunicado que passava à situação de prisão preventiva, à guarda da Companhia de Polícia Militar, sedeada no forte da Amura, onde também se encontrava instalado o Comando-Chefe; recebi ordem expressa de que não podia estabelecer contacto com as Repartições do Comando-Chefe.

Em 22 MAI 73, o Sr. Comandante-Chefe emitiu o seguinte despacho:

“Considerando que o Comandante do COP 5, Major de Artilharia, ALEXANDRE DA COSTA COUTINHO E LIMA:
- Ordenou a retirada das forças sob o seu comando do quartel de Guileje para Gadamael, sem que para isso estivesse autorizado;
- Mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do referido quartel, bem como material de guerra e munições;
- Não cumpriu a missão que lhe foi atribuída;

Determino, que o Exmº. Brigadeiro MANUEL LEITÃO PEREIRA MARQUES proceda a auto corpo de delito contra o mencionado oficial e, atendendo à gravidade e natureza dos delitos, o arguido seja desde já recluso em prisão fechada.”


Comecei a ser ouvido pelo Sr. Brigadeiro LEITÃO MARQUES em 28 MAI 73; o processo ficou concluído em 10 ABR 74 e constou de 4 volumes, com o total de 903 folhas. Foi transferido do Tribunal Militar Territorial da Guiné para o 1º Tribunal Militar de Lisboa (1º TMTL), onde se processaria o julgamento.

A pena prevista para os crimes supostamente cometidos e de que fui acusado, era de 6 meses a 4 anos de presídio militar.

O processo foi amnistiado pelo Decreto-Lei nº 194/74 da Junta de Salvação Nacional e, por decisão unânime dos Juízes do mesmo 1º TMTL, ARQUIVADO, em 17 MAI 73.

A minha carreira militar prosseguiu, aparentemente sem ter sido prejudicada.
No livro que estou a escrever, abordarei todos os assuntos relativos à minha 3ª Comissão na Guiné, com destaque para “A retirada de GUILEDJE”, que será o próprio título desse livro e uma análise do processo que me foi instaurado.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2677: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Coutinho e Lima (1): Comandante do COP 5, com 3 comissões no CTIG

Guiné 63/74 - P2677: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Coutinho e Lima (1): Comandante do COP 5, com 3 comissões no CTIG

Vídeo (1' 38''): Início da comunicação do Cor Art Res Coutinho e LIma, antigo comandante do COP 5, que em 22 de Maio de 1973 tomou a decisão de retirar Guileje.





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Antigo aquartelamento de Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 3 de Março de 2008 > No regresso a Bissau, o jipe que me levava a mim e ao Cor Art Nuno Rubim, mais as respectivas esposas, parou aqui, em manhã de nevoeiro... Foi uma despedida nostálgica por parte de ambos, e em especial do Nuno, um homem profundamente ligado a Guileje, e além disso autor do famoso diorama de Guileje...

Vídeos, fotos e legendas: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes

1. Transcrição da comunicação do Cor Art, na situação de reserva, Coutinho e Lima, no âmbito do SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE GUILEDJE (BISSAU - 1 a 7 de MARÇO de 2008). Trata-se de uma gentileza do autor com quem tive a oportunidade de privar durante uma semana na Guiné-Bissau, de 29 de Fevereiro a 7 de Março de 2008 (1). Ele passa também a integrar a nossa Tabanca Grande, por convite meu, que aceitou.


Factores considerados para tomar a decisão da retirada das forças militares e da população, do aquartelamento de GUILEDJE . Relato histórico do Ex-Comandante do COP 5, Coronel COUTINHO E LIMA

Parte I > Comandante do COP 5, com 3 comissões no CTIG

Revisão e fixação do texto: LG

Começo por felicitar a ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, pela feliz iniciativa de organizar este Simpósio Internacional sobre GUILEDJE. Quando recebi o convite do Sr. Engenheiro CARLOS SCHWARTZ para participar neste evento, imediatamente manifestei a minha disponibilidade. A minha presença vai-me permitir apresentar, com algum detalhe e com verdade, o que se passou em Maio de 1973 e com a autoridade de ser o Comandante das forças portuguesas presentes no terreno, único responsável do que foi decidido.

Antes de analisar os diversos factores que considerei, para tomar a decisão da retirada de GUILEDJE, achei por bem fazer uma breve exposição dos antecedentes, para melhor se perceber o que ocorreu, em Maio de 1973, naquela zona.

1. Experiência das duas comissões anteriores


Em Setembro de 1972, iniciei a minha 3ª Comissão de serviço na GUINÉ.

A 1ª ocorrera no período de JUL 63 / JUL 65; como Capitão, comandei a Companhia de Artilharia nº 494 (CART 494) que inicialmente ocupou GANJOLA, pertencente ao Batalhão de CATIÓ, de 17 SET a 15 DEZ 63; em 17 Dez 63, a CART 494 ocupou GADAMAEL PORTO e em 21 FEV 64 colocou um destacamento em GANTURÉ.

Em 4 FEV 64 foi ocupado GUILEDJE, com um Pelotão da Companhia de ALDEIA FORMOSA; aberto o itinerário GUILEDJE – GADAMAEL, em 20 FEV 64, a guarnição de GUILEDJE passou a ser reabastecida via GADAMAEL; por esta razão, percorri diversas vezes aquele percurso GADAMAEL- GUILEDJE.

O Batalhão de Caçadores nº 513, com sede em BUBA, ao qual pertencia a CART 494, fez uma série de operações ao longo da estrada paralela à fronteira com a REPÚBLICA da GUINÉ CONACRI, procedendo à abertura do itinerário e instalando forças militares em SANGONHÁ, CACOCA e CAMECONDE; com a ocupação desta última localidade, ficou estabelecida a ligação, por terra, entre ALDEIA FORMOSA e CACINE.

A minha 2ª comissão ocorreu no período de JUL 68/JUL 70; com o posto de Capitão e o Curso de Observador Aéreo de Artilharia, fui colocado no Comando Chefe das Forças Armadas da GUINÉ, desempenhando as funções de Adjunto da Repartição de Operações; foi-me atribuído o Sector Sul, onde estava incluído o Batalhão de BUBA, ao qual pertenciam as guarnições de GUILEDJE, GADAMAEL e CACINE.

Nesta comissão tive oportunidade de trabalhar sob as ordens do Sr. General SPÍNOLA, já nessa altura Comandante-Chefe das Forças Armadas da GUINÉ.

2. Criação do COP 5: missão, zona de acção e meios


Iniciei a minha 3ª comissão, por imposição, na GUINÉ, em SET 72; fui colocado no Centro de Instrução Militar (CIM), em BOLAMA, como Director de Instrução; tinha o posto de Major.

Através da Directiva nº 2/73, de 8 JAN 73, do Comando Chefe das Forças Armadas da GUINÉ, foi criado o Comando Operacional nº 5 (COP 5), para o qual fui designado Comandante.

A MISSÃO do COP 5 era a seguinte:

(1) Intercepta o corredor de GUILEJE, especialmente pela implantação de minas e armadilhas e execução de fogos de interdição.

(2) Executa acções de reconhecimento na faixa fronteiriça, por forma a detectar novas linhas de infiltração In na sua ZA, com vista ao oportuno desenvolvimento de acções de contra-penetração.

(3) Acaba com o IN na sua ZA, aniquilando-o, capturando-o, ou no mínimo, expulsando-o para o exterior do TO.
(4) Procura alargar a sua área de actividade de contra-guerrilha, por acções de reconhecimento no corredor de GUILEJE em ordem a intensificar o esforço de contra-penetração e por acções de golpe de mão sobre a área do QUITAFINE.

(5) Assegura a defesa eficiente dos aglomerados populacionais ocupados pelas NT e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua ZA.

(6) Garante as condições de segurança necessárias à execução de movimentos nos itinerários do Sector, em especial GADAMAEL-GUILEJE e CACINE-CAMECONDE.

(7) Coopera com o COP 4 na realização de acções terrestres no CANTANHEZ, a pedido daquele comando.

(8) Prevê a execução de fogos de Artilharia sobre o CANTANHEZ a desencadear a pedido do COP4.

Os meios atribuídos ao COP 5 eram os que, do antecedente, estavam nas guarnições de GUILEJE, GADAMAEL e CACINE.

A Zona de Acção (ZA) do COP 5 era a que estava atribuída àquelas três guarnições.

Refere-se que um dos considerandos da Directiva que criou o COP 5 era:

“…que, com a criação do COP4 e o desenvolvimento da respectiva manobra no CANTANHEZ, é de admitir que o In reforce os seus efectivos armados naquela região com material e pessoal a partir da REP GUINÉ e, consequentemente, pressione ainda mais as nossas guarnições de GUILEJE, GADAMAEL e CACINE em virtude de a travessia das respectivas ZA constituir o itinerário mais curto entre a fronteira e o CANTANHEZ.”

Embora o Comando Chefe admitisse que o In iria pressionar ainda mais as guarnições indicadas, não foi atribuído nenhum meio de reforço ao recém-criado COP 5, tendo-me o Sr. Comandante-Chefe dito, expressamente, que não pedisse reforços e que efectuasse a adequada manobra dos meios existentes.

Era habitual, até então, a criação de um COP ser acompanhada da atribuição de meios, para o cumprimento da MISSÃO. O COP 5 foi o primeiro que não viu reforçado o seu dispositivo, com qualquer meio.

Na véspera da minha partida de BISSAU, o Sr. Comandante-Chefe disse-me que, qualquer dia, iria fazer uma visita a GUILEJE; ficou, assim, estabelecida a sede do COP 5, o que não constava na Directiva que o criou.

3. Aparecimento dos mísseis terra-ar na região de GUILEJE


No dia 25 MAR 73 (Domingo), o aquartelamento de GUILEJE foi flagelado pelo PAIGC, das 13.00 às 14.30 horas; esta flagelação, em pleno dia, não era habitual, pois que, até então, tais acções ocorriam durante a noite; esta flagelação constituiu, seguramente, um chamariz, pois que certamente o PAIGC tinha conhecimento que os aviões da Força Aérea Portuguesa não deixariam de aparecer; conforme o que estava determinado, foi feito o pedido de Apoio Aéreo; passado pouco tempo, sobrevoava o quartel um Avião FIAT G 91;o Piloto entrou em contacto rádio e depois de receber a indicação da direcção e distância estimadas donde partira o bombardeamento, voou nesse rumo, não mais tendo estabelecido qualquer comunicação; passados cerca de 15/20 minutos, apareceu um segundo Avião do mesmo tipo (era habitual virem os dois aviões ao mesmo tempo), que informado do que tinha ocorrido, sobrevoou a área indicada, verificando, ao fim de algum tempo, que o primeiro avião tinha sido abatido. O Piloto, Tenente Piloto Aviador PESSOA conseguira ejectar-se e, devido ao adiantado da hora, só foi recolhido na manhã do dia seguinte.

Foi este o primeiro Avião FIAT G 91 abatido por um míssil terra-ar, mas não a primeira acção com êxito sobre aeronaves portuguesas; de facto, em 1968, tinha sido abatido um avião do mesmo tipo, numa acção de apoio de fogo ao aquartelamento de GANDEMBEL, atingido pelo fogo de Metralhadoras Anti-Aéreas; o Piloto também conseguiu ejectar-se e foi recuperado, de imediato.

O aparecimento dos mísseis terra-ar provocou, como não podia deixar de ser, profundas alterações na actuação da Força Aérea Portuguesa. Em 27 ABR 73, a Repartição de Operações do Comando Chefe, enviou uma mensagem a todos os Comandos, determinando, no que dizia respeito ao Sector do COP 5, que eram canceladas temporariamente as evacuações por avião DORNIER (DO 27) a partir de GUILEJE e GADAMAEL; era também cancelado o avião do Sector, efectuado por DORNIER; o acompanhamento de forças por DO 27 passava a efectuar-se a altitudes superiores a 6.000 pés; o ataque ao solo, feito por aviões FIAT G 91, passava a ser efectuado somente com bombas, a altitudes acima de 6.000 pés; as evacuações por helicóptero e outras missões ficavam condicionadas ao estudo prévio do Comando de Operações Aero-Tácticas da Força Aérea.

Até 6 ABR 73, as colunas de reabastecimento eram acompanhadas, sobrevoando o itinerário, por um DO 27 armado; após esta data, as colunas passaram a ser feitas sem qualquer apoio aéreo, tendo sido determinado que, no caso de contacto com o IN, deveria ser pedido apoio imediato.

Também deixaram de ser efectuadas as evacuações; estas eram feitas através de transporte por estrada até GADAMAEL, daqui de barco até CACINE e transporte pela Força Aérea para BISSAU.

No dia 11 MAI 73.o Sr. Comandante-Chefe fez uma visita a GUILEJE, após ter realizado, em CATIÓ, uma reunião com todos os Comandantes da Zona Sul; perante formatura geral, na pista, referiu que se esperava um agravamento da situação, que a Força Aérea não podia executar as missões de rotina como até há pouco tempo atrás, mas que, numa situação difícil, apoiaria as NT, voando mais alto; afirmou ainda que, no caso de haver feridos muito graves, a Força Aérea faria a sua evacuação.

Nesse mesmo dia, tinha sido efectuada uma coluna de reabastecimento GUILEJE-GADAMAEL, sem qualquer incidente.

Durante este período, foram realizadas 9 colunas de reabastecimento, sem apoio aéreo, (documento elaborado pela 4ª Repartição do QG/CTIG), nos dias 14, 21 e 25 ABR e 1, 4, 7, 11, 14 e 16 MAI 73.

4. Diligências efectuadas no período de 18/21 MAI 73

Em 18 MAI 73, pelas 07.00 horas, as forças de segurança para a realização de mais uma coluna de reabastecimento GUILEJE-GADAMAEL, foram emboscadas a cerca de 300 metros do cruzamento de GUILEJE, com fornilhos comandados, RPG 2, RPG 7 e armas automáticas; as NT reagiram com Artilharia, Morteiro, lança granadas foguete e armas automáticas e sofreram 1 morto (Comandante do Pelotão de Milícia), 7 feridos graves e 4 feridos ligeiros.

Face ao grande poder de fogo das forças do PAIGC, as baixas foram recolhidas para GUILEJE e a coluna não se realizou.

Tendo-me apercebido da gravidade da situação, iniciei uma série de diligências, tendo em vista a sua resolução; refere-se que foi a primeira vez que não foi possível efectuar a coluna, por acção do IN.

Às 09.05 horas, enviei uma mensagem para a Repartição de Operações do Comando Chefe, (REPOPER/COMCHEFE) do seguinte teor:

“ VIRTUDE FORTE EMBOSCADA HOJE SOLICITO VINDA ESTE DELEGADO ESSA DELEGADO COAT”
Ao enviar esta mensagem, esperava que fossem feitas as evacuações, entretanto solicitadas, de acordo com o que o Sr. Comandante-Chefe tinha afirmado 8 dias antes; os Delegados poderiam utilizar os helicópteros que viessem fazer as evacuações.

Porque estas não foram efectuadas, um dos feridos graves (um Cabo da CCAV 8350) veio a falecer às 10.15 horas; após esta nefasta ocorrência, fiz nova mensagem para a REP PER, com o seguinte texto:

“NÃO SATISFAÇÃO PEDIDO APOIO FOGOS FORÇA AÉREA E EVACUAÇÕES (Y) CAUSOU GRANDE MAL ESTAR TODO PESSOAL POIS ÚLTIMA VISITA SEXA GENERAL ESTE DISSE MESMAS SERIAM EFECTUADAS QUANDO NT CONDIÇÕES DIFÍCEIS”.

Como não aparecia ninguém, nem obtinha qualquer resposta, redigi às 22.45 horas, a mensagem seguinte:

“M/703 18 MAI 73 SOLICITO RESPOSTA ESTA VIA POIS TENHO POSSIBILIDADE SEGUIR MANHÃ 19 MAI GADAMAEL PORTO”.

A mensagem 703 solicitava a vinda dos delegados.

Das 20.00 às 21.45 horas, o PAIGC iniciou uma série de flagelações, tendo-se logo, nesta primeira acção, verificado vários rebentamentos dentro da área de arame farpado. Às 03.50 horas do dia 19 MAI, enviei nova mensagem:

“CASO HAJA DIFICULDADE VINDA DELEGADOS SOLICITO AUTORIZAÇÃO IDA BISSAU E TRANSPORTE URGENTE PARA GADAMAEL PORTO FIM EXPOR SITUAÇÃO”.

Esta última mensagem somente foi respondida, pela REPOPER, às 11.11 horas desse dia 19 MAI:
“ SITUAÇÃO LOCAL NÃO ACONSELHA SUA SAÍDA DEMORADA DO SECTOR. ESTE TENTOU IR MAS FAEREA SO VAI GADAMAEL EMERGÊNCIA. EXPONHA SITUAÇÃO ESTA VIA”.

Esta mensagem apenas foi enviada para GUILEJE, onde eu já não me encontrava, só tendo tomado conhecimento dela bastante mais tarde, quando foi retransmitida para CACINE; por isso, a resposta só seguiu às 03.20 horas do dia 20 MAI:

“ CMDT COP 5 PRESENTE NESTA INFORMA NECESSITA UMA COMPANHIA TROPA ESPECIAL REFORÇO TEMPORARIO FIM EFECTUAR REABASTECIMENTO GUILEJE. NECESSARIO TAMBEM REFORÇO VIATS E ESTIVADORES. VIRTUDE SE ENCONTRAR NESTA JULGA NECESSARIO IR BISSAU REGRESSANDO IMEDIATAMENTE”.

Entretanto, em 19 MAI, pelas 06.00 horas efectuou-se a evacuação das baixas da véspera, por estrada até à foz do Rio AFIÁ (na direcção de MEJO) e daqui de barco para CACINE.

Continuando a não receber resposta de BISSAU, insisti, já em CACINE, no dia 20 MAI, às 10.00 horas, com a seguinte mensagem:

“ CMDT COP 5 SOLICITA TPT IMEDIATO BISSAU OU ALTERNATIVA VINDA CACINE HOJE SEM FALTA DELEGADO DESSA “.

Uma hora depois -11.00 horas - enviei nova mensagem:

“CMDT COP 5 INFO SITUAÇÃO GUILEJE IMPRESCINDÍVEL VINDA IMEDIATA REFORÇO PEDIDO E SOLICITA RESPOSTA ESTA VIA”.

Finalmente no final da tarde de 20 MAI (tinha chegado a CACINE na manhã de 19 MAI), fui transportado de helicóptero para BISSAU.

Compareci na reunião diária do Comando-Chefe, onde expus a situação ao Sr. Comandante-Chefe, acabando por apresentar a necessidade de reforços, já solicitada por mensagem.

O Sr. Comandante-Chefe respondeu-me que não me atribuía nenhum reforço, que deveria regressar a GUILEJE na manhã seguinte e que seria substituído no Comando do COP 5, passando eu a desempenhar as funções de 2º Comandante.

Esclarece-se que na reunião estavam presentes, além dos Senhores Comandantes dos 3 Ramos das Forças Armadas e o Sr. Comandante Adjunto Operacional, os Chefes das Repartições de Operações e de Informações, bem como os Chefes das outras Repartições do Comando-Chefe.
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aliento o teor de uma mensagem, enviada para GUILEJE pela Repartição de Informações, nesse dia às 19.00 horas, isto é, muito pouco tempo antes do início da reunião:

“NOT A2 REFERE EFECTIVOS 3º CE MATA MEJO. ADMITE-SE POSSIBILIDADE VIREM A ACTUAR SOBRE ESSA “.

Nenhum dos presentes teve qualquer intervenção, além do Sr. Comandante-Chefe. Nessa mesma noite, enviei de BISSAU (através da REPOPER), a seguinte mensagem para as Companhias de CACINE, GADAMAEL e GUILEJE:

“CMDT COP 5 PRESENTE NESTE SEGUE 21 MAI 73 SINTEX CACINE GUILEJE. SEGURANÇA MONTADA MARGENS RIO CACINE CCAÇ 4743 CCAV 8350 PARTIR 210900 MAI 73. SINTEX PRESENTE GADAMAEL AGUARDAM FOZ RIO CACONDO BARCOS CACINE.CCAÇ 3520 SOLICITA APOIO DFE DOIS BARCOS”.

A CCAV 8350 (GUILEJE) enviou no dia 21 MAI às 07.40 horas, uma mensagem referindo:

“ REF S… TOTALMENTE IMPOSSIVEL PARA ESTA”.

Perante esta informação, face à impossibilidade de a Companhia de GUILEJE montar a segurança nas margens do rio, decidi alterar o meu regresso a GUILEJE, seguindo de barco para GADAMAEL e daqui a pé para o Comando do COP 5. Nestas condições, enviei de CACINE, para a Companhia de GADAMAEL, às 09.40 horas, a seguinte mensagem:

“ CMDT COP 5 SEGUE ESSA BOTE. PREPARE CCAÇ 4743 02 GR COMB PEL MIL SEGUIR COM COMANDANTE COP 5 A PÉ GUILEJE. PERNOITAM GUILEJE”.

Durante a minha ausência, justificada pelo facto de eu considerar imprescindível o contacto pessoal com Oficiais do Comando-Chefe, GUILEJE continuou a ser flagelado, dia e noite.

Ao chegar a GADAMAEL, o Sr. Comandante de Companhia informou-me que os seus homens não estavam dispostos a seguir para GUILEJE; após uma formatura geral, em que expliquei o que se estava a passar, a necessidade de ir para GUILEJE e mais algumas diligências que tomei, foi possível organizar a coluna apeada que me escoltou, nela incluído o Sr. Comandante da Companhia; durante o trajecto, utilizando um trilho da população e que nunca sido percorrido pelas NT, tivemos a oportunidade de ouvir a flagelação que o PAIGC desencadeou sobre o aquartelamento de GUILEJE (das 14.30 às 16.30 horas).

Chegamos a GUILEJE ao fim da tarde do dia 21 MAI.

(Continua)

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Nota de L.G.:

(1)Vd. poste de 23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

Guiné 63/74 - P2676: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (2): Um abraço de ermons e (más) recordações do Comandante Manecas

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Azalai > 29 de Fevereiro de 2008 > O antigo Comandante do PAIGC, Manuel dos Santos, Manecas, em conversa com o Cor Art Coutinho e Lima e com o Alfredo Caldeira...

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Azalai > 29 de Fevereiro de 2008 > O Zé Teixeira com o antigo combatente do PAIGC Mauindé Baldé que o queria apanhar à unha, no ataque a Mampatá Forreá, de 3 de Novembro de 1968...

Fotos: ©
José Teixeira (2008). Direitos reservados.



1. Continuação da crónica do Zé Teixeira, com as suas impressões sobre o Simpósio de Guileje (1):


(i) CONVÍVIO COM ANTIGOS INIMIGOS

Ao contactar com antigos combatentes do PAIGC, procurava saber a zona de acção onde estiveram envolvidos na esperança de poder olhar bem de frente, olhos nos olhos, quem em tempos idos não hesitaria em me matar, acto que eu possivelmente não cometeria, pois como enfermeiro, a minha arma era a seringa.

Um simpático velhinho perguntou-me se eu estava em Mampatá Forreá em princípios de Novembro de 1968, quando eles tentaram entrar à na tabanca. Era o Mauinde Baldé, se a memória não me falha.

Ao confirmar a minha presença nesse ataque, ele disse-me que a intenção era tentarem apanhar-nos à mão. Foi um dos que já estava dentro do arame farpado, mas teve de voltar para trás rapidamente, perante a nossa reacção.

Excerto do do meu Diário (2):

Mampatá, 3 de Novembro de 1968: O dia 3 de Novembro não será esquecido pelos 'Amarelos de Mampatá' pois tivemos de travar uma luta de vida ou de morte com o IN que aproveitou a hora do almoço em que os militares se afastaram do seu posto de defesa para buscar na cozinha alimentação, para tentar entrar em Mampatá. De algum modo eu fui o responsável pela situação criada, pois incentivei um sentinela durante a noite a mandar um tiro na direcção de uma vaca que estava entre as duas faixas de arame farpado e tocava neste, provocando o tilintar das garrafas que lá tínhamos colocado para não sermos surpreendidos pelo IN ao tentar entrar pela calada da noite cortando o arame. Esta minha atitude passou-se durante a minha hora de ronda e o sentinela assim fez pouco depois, aparecendo de manhã uma vaca com um buraco numa coxa. Claro que o proprietário o Régulo Alfero Aliu ( Alferes da Milícia) vendeu a vaca à tropa. Há mais de um mês que não comemos carne, porque os Africanos se recusam a vender qualquer animal. Assim foi fácil convencer o proprietário a vender a vaca ferida, mas ficou-nos caro. Praticamente todos os postos de sentinela ficaram abandonados à hora do almoço o que não é habitual, mas o estranho foi o turra saber exactamente o que se estava a passar e atacou. Quase todos os soldados tiveram de correr para as suas posições debaixo de fogo e durante quinze minutos a luta foi terrível com 'eles' junto ao arame com fogo cerrado. Chegámos a ter a sensação que estavam cá dentro o que não se verificou graças à nossa capacidade de resistência e por sorte também. Ao tentarem entrar pelo lado de Buba, o Silva Algarvio que não tinha vindo buscar a comida ao refeitório por estar doente, aguentou-os até chegarem reforços e obrigou-os a retirar. Aliás foi ele que deu o sinal. Ao ver um grupo de africanos com armas que não eram a velha Mauser a tentarem forçar a porta em rede de arame farpado, estranhou e abriu fogo, depois. . . foi, cantinas de comida pelo ar e umas loucas correrias para os abrigos de protecção.

Seguiu-se o 'chocolate' do costume. Os assaltantes recuaram para selva e o fogo continuou.
Onze tabancas [moranças] ficaram destruídas pelo fogo, pois utilizaram balas incendiárias e também destruiram o paiol. Fiquei assustado e desorientado porque, dada a intensidade do fogo e a estratégia adoptada pelo IN, contava ter muito que fazer com os feridos talvez mortos, atendendo a que ninguém contava com tal surpresa e os postos estavam desguarnecidos e sobretudo porque tinha pouco material de socorro ( apenas 2 sacos de soro). Ainda debaixo de fogo saí do abrigo onde me protegera e corri pela Tabanca à procura de feridos, junto dos abrigos subterrâneos onde se abrigara a população. Felizmente nada aconteceu, foi só fogo de vista susto e prejuízos materiais. Graças a Deus. Pergunto-me como que a população não foi atingida e as suas casas foram queimadas. Ataque combinado ? Notámos que o 'catequista' muçulmano saiu de manhã cedo para bolanha, o que é estranho pois costuma estar sempre na tabanca a ensinar os putos e só voltou muito depois do ataque. Temos de o trazer debaixo de olho, como disse o Alferes Belo depois de saber a sua ausência.

[O antigo guerrilheiro] não se lembrava das razões porque foram visitar-nos nesse dia. Já lá tinha ido uns dias antes, mas atacara do lado da fonte, estrada de Kumbdjá, como habitualmente faziam, ao princípio da noite

Seguiu-se um abraço de ermons, na alegria de que o passado foi esquecido. O importante agora é construir uma Guiné Bissau.

(ii) O COMANDANTE QUE NÃO QUER FALAR

- Então, comandante, aquele ataque a Buba!... Em Setembro de 1969, não correu bem !
- Não quero falar desse ataque. Não fui apanhado por muita sorte.

Conversa encerrada com o comandante Manecas, o homens dos mísseis Strela.

Relendo o meu Diário:

Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões, enquanto do lado da pista fazia o desenvolvimento do assalto, procurando apanhar a tropa desprevenida. Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que, se as nossas forças saíssem, as envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou.

Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto. Ao fazer-se o reconhecimento, foi encontrado um rádio, sinal de que o ataque foi bem comandado e o fogo controlado por sentinelas avançadas. Foram descobertas e desenterradas 180 granadas de canhão sem recuo. Foi também ouvido ruído de viaturas.


Quando os Fuzas voltaram ao quartel, foram seguidos pelo IN que os atacou muito perto de Buba. Assim caíram entre dois fogos, o do IN e o de Buba que reagiu a um possível ataque sem saber que o fogo era destinado ao grupo de fuzas.
No dia anterior tinha havido uma coluna a Nhala ,onde apenas foi encontrada uma A/P com dispositivo anti-levantamento eléctrico que felizmente não funcionou por ter as pilhas gastas. Nesta minha havia uma mensagem escrita; Esta é para Alferes Gonçalves. Infelizmente este furriel e não alferes, já está em Lisboa devido a um estilhaço que apanhou noutro ataque a Buba.

Insisto:
- Mas, comandante, vocês queriam mesmo entrar. O quartel e povoação foi cercado do lado da pista, como já o tinham feito em uns meses antes.
- Essa missão competia à infantaria. Eu estava no posto de controlo da artilharia. Tudo estava a correr mal. O levantamento do local tinha sido feito com a maré cheia e atacamos com maré vasa. Não foi possível colocar as armas nos locais previstos. Por outro lado a terra estava mole, os canhões enterraram-se e as granadas caíram quase todas no Rio. Preocupado com a orientação do fogo, não reparei e não fui apanhado por pouco. Foi um dia para esquecer.

E mais não disse o comandante.

Zé Teixeira (2)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 21 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2669: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (1): Desta vez fui voluntário e estou em paz comigo próprio

(2) Recorde-se que José Teixeira foi 1.º Cabo Enfermeiro, na CCAÇ 2381( Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70). E deixou-nos um notável documento, escrito, com as notas do seu diário, já publicadas na 1ª Série do nosso blogue: vd. poste de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi.