quinta-feira, 17 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3069: Ser solidário (13): Projecto de angariação de sementes (APAG / Zé Carioca)

Guiné-Bissau > Bissau > Simpósio Internacional de Guileje > Presidência da República da Guiné-Bissau > 6 de Março de 2008 > Audiência do Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira > Entre a comitiva (portuguesa e de outras nacionalidades), dois Gringos de Guileje: o Zé Carioca e o Abílio Delgado, respectivamente, ex-Fur Mil Trms e ex-Comandante, Cap Mil, da CCAÇ 3477 (Guileje, Nov 71/ Dez 72) (*).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.















Mensagem, originalmente sob a forma de slides (aqui convertidos em imagens em formato jpg) do José António Carioca, ex-Fur Mil Trms e Cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje (1971/72) (1), com data de 8 de Maio, e que enviou ao Pepito, director executivo da AD - Acção para ao Desenvolvimento, com conhecimento aos editores do blogue, em 21 de Junho último (**):

Amigo Pepito:

Segue para já a apresentação que fiz em PowerPoint, e que uma vez que concorda vou também enviar para o pessoal da Tabanca Grande. Eu estou a tratar de legalizar a APAG aqui em Portugal. A mensagem está pronta para ser enviada com os anexos de ficheiro ou ligação que se seguem:Projecto para angariar sementes.



Infografia: © José António Carioca (2008). Direitos reservados.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2815: Tabanca Grande (67): Os Gringos de Guileje: Abílio Delgado, Zé Carioca e Sérgio Sousa (CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972)

(**) Sobre a série Ser Solidário, vd. os últimos postes:

30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3006: Ser solidário (12): Método cubano de alfabetização... em português

23 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2975: Ser Solidário (11): Sugestões de colaboração (José Teixeira)

16 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2849: Ser solidário (10A): Campanha Sementes para as Mulheres Grandes de Cabedu (José Teixeira)

11 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2835: Ser solidário (10): A AOFA (Associação dos Oficiais das Forças Armadas) apoia a ADFA (A. Marques Lopes)

11 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2834: Ser solidário (9): Sementes para a população de Cabedu, Cantanhez, Região de Tombali (Zé Carioca)

Guiné 63/74 - P3068: Blogoterapia (61): Chorar faz bem... (Jorge Félix)

1. Em 30 de Maio, recebemos, para nosso conhecimento, esta mensagem de Jorge Félix, o nosso Piloto Aviador, dirigida ao nosso camarada António Marques Lopes, Coronel na situação de Reforma:

Caro Marques Lopes: Tenho o privilégio de conviver contigo às quartas-feiras e poder compartilhar emoções que são de dificil transcrição.

Poderia esperar por o próximo encontro e esclarecer pessoalmente aquilo que, depois de ler a tua mensagem, pretendo dizer.

Como me envias uma mensagem pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, vou fazê-lo pela mesma via com primeiro conhecimento à tua pessoa. Há pouco, quando acabei de ler a tua mensagem, disse para comigo:
- E agora como é que vou sair desta? Não posso olhar para o lado, como fazemos, quando uma lágrima teima atraiçoar-nos, naqueles instantes em que recordamos bravuras.

Falar, como fazemos, parece mais fácil do que ter que escrever. Narrar as tais emoções é muito complicado.

É dificil esquecer, mas quando se tem que recordar é penoso. E tu, na mensagem obrigaste-me a ler o que te disse (num sentimento de: É pá, isso não tem importância que eu também já fiz o mesmo !), quando eu já tinha a ideia, que só transportávamos, a más horas, algum material.

Eu queria continuar a dizer que transportei muita malta, que convivi com gajos bestiais, que tudo fiz para lhes tornar a vida mais risonha, mas não queria ter que olhar para os instrumentos ou assobiar para o lado, ignorando o que se passou à minha frente, e a minha memória felizmente anda a apagar.

Caro Marques, o incidente que eu relatei, com a não identificada traiçoeira lágrima, só se destinava a falar de um almoço onde convivemos, mas feliz ou infelizmente transbordou para outros horizontes. Para ti foi bom, como dizes, sempre que possível, para mim foi uma experiência que já não sei definir e não quero voltar a ter.

Lentamente, e se me permites Marques Lopes, vou levantando voo e com amizade me despeço até á próxima quarta.

Vamos falar, falar, falar, para termos muito pouco para escrever.

Pode ser que alguém pergunte a alguém:
- E a tua comissão como é que foi? - e alguém responda:
- A minha foi boa, senão não estava aqui.

Caro Amigo Marques Lopes, um grande abraço.
Jorge Félix

2. Dizia Marques Lopes a Jorge Félix (1)

Caro amigo:

Chorar fez-me bem, porque alimenta esta dor que eu não consigo (nem quero) apagar. Contei-te que tive de matar uma professora em Samba Culo e, como sempre que o faço, tive de chorar.

Porque nunca quiz matar, porque fui obrigado a matar.
Já disse uma vez, e é verdade que tentei ao longo da minha vida banir esta mágoa, mas sem o conseguir.


Muitos copos bebi para tal, mas, como viste, por mais copos que beba não consigo. Disseste-me que, como piloto de helicóptero, também mataste com certeza. Também eu te disse que, nas emboscadas, se calhar tinha matado também, assim como eles mataram dos meus. Nunca sabemos. Mas esta soube. Era eu que estava à frente dela e fui eu que disparei. E não queria.

Reavivou-me a dor, mas esta catarse do nosso encontro permitiu-me manifestar esta mágoa.
É bom, sempre que possível.
Obrigado.
A. Marques Lopes



3. Comentário de Carlos Vinhal:

Estes e outros desabafos contam-se e ouvem-se nos encontros da minitertertúlia de Matosinhos, todas as quartas-feiras, normalmente reunida à mesa da Casa Teresa.

Ontem, dia 16 de Julho, tive o prazer de conhecer o nosso camarada Jorge Félix, Piloto de Helicópteros na Guiné entre 1968 e 1970, que me chamou a atenção para uma mensagem dele que, sendo continuação de uma conversa com o nosso outro camarada da tertúlia de Matosinhos, António Marques Lopes, não tinha sido publicada. Assumo culpas pessoais e apresto-me a repôr hoje mesmo a legalidade.

Estes convívios espontâneos onde cabe sempre mais um, venha o camarada de onde vier, é uma forma salutar de catarse como fica demonstrado por esta e outras trocas de correspondência.

Umas vezes é mais fácil falar, outras escrever, para expressar o que vai na alma de um combatente que tem recalcamentos com dezenas de anos. Ninguém o compreende a não ser outro combatente, que viveu ou viu de perto situações semelhantes.

Tive a oportunidade de agradecer ao Jorge Félix o quanto ele e os seus camaradas pilotos da Força Aérea Portuguesa fizeram por nós. Eles eram os nossos verdadeiros anjos da guarda. Como em tudo na vida, quando na terra ninguém nos pode valer, olhamos para o céu.

Deixo aos nossos leitores esta foto curiosa, tirada pelo Jorge Félix, brilhante fotógrafo, num dos convívios de Matosinhos.



Foto © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.


Aproveito a oportunidade para realçar a presença, ontem em Matosinhos, do meu ex-capitão Jorge Picado que se deslocou propositadamente de Ílhavo para conviver com esta espectacular tertúlia e do José Manuel, da Régua, que pelos vistos também se deixou arrebatar por este grupo de bons camaradas.
Quando demos conta, estávamos 18 à mesa e apenas duas pessoas não eram ex-combatentes.
CV
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Nota de CV:

(1) - Vd. Poste de 29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2900: Blogoterapia (54): Chorar faz bem, chorar fez-me bem, camarada Jorge Félix (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P3067: Estórias do Juvenal Amado (12): O longo abraço (Juvenal Amado)



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74



1. No dia 12 de Julho de 2008, recebemos esta mensagem do nosso camarada Juvenal Amado

Caros Carlos, Virgilio e Luis Graça e toda a Tabanca

Esta estória acaba por ser a história de um camarada nosso, mas acima de tudo serve para prestar homenagem a um homem bom, que em dada altura ajudou outro sem esperar qualquer beneficio. Antes pelo o contrário o ter ignorado a questão, podia ter-lhe trazido alguns problemas.

Tenho lido a série dos nossos regressos. Não li todos mas já alguns entre eles os relatos do Carlos e do Virgilio. Gostei muito. Nem eu me lembrava do que senti também quando regressei.
Possivelmente também escreverei sobre isso, mas ainda estou . Ainda não consigo regressar.

Um abraço para todos
Juvenal Amado






Caderneta Militar do Filipe



2. O longo abraço
Tem cuidado, deixa essas conversas para a Metrópole. O africano veio fazer queixa de ti.

Por Juvenal Amado

Naquele momento sentiu desabar sobre ele uma infinidade de sensações. Umas de revolta por ser tão ingénuo, outras de espanto por alguém que sendo também um oprimido, tinha feito queixa dele.

O Alferes Mota era o Comandante do Pelotão das Transmissões e por conseguinte o Oficial Superior do nosso camarada. Estava de Oficial de Dia, tinha recebido a denúncia. Após ter-lhe feito a recomendação, dirigiu-se para messe.

Meio atarantado, o Rádiomontador Filipe dirigiu-se para o seu abrigo cheio de medo e pensando:
– Desta vez não me safo - criticar o regime na nossa situação, pode ser considerado traição.

Tudo se tinha passado no Regala (*), pequena loja de utilidades que também servia uns bitoques com um tempero africano, que era de comer e chorar por mais.

O Filipe, como de costume, tinha algum prazer em iniciar as discussões. Dessa vez não foi diferente e a forma como se estava a ministrar o ensino da língua portuguesa, às crianças da Guiné, era para ele motivo de crítica. O individuo de cor chegou-se à mesa ninguém sabe bem como. Cada um pensou que ele era amigo do outro e ninguém fez reservas. Entrou na conversa sobre a escola e o ensino que estava a ser administrado nas escolas primárias.

O Filipe entusiasmou-se com a conversa e sem se aperceber de inicio, com a retirada estratégica da conversa que os companheiros de mesa fizeram, soltou tudo que pensava e quanto mais os outros se retraíam, mais ele avançava.

Mais alguns mas... da parte do negro (possivelmente professor) o Filipe, subia o nível as criticas ao Estado e à guerra, aliás assunto que já lhe tinha causado alguns dissabores e apertos. (**)

O africano levantou-se e dirigiu-se na direcção da Porta de Armas, que ficava talvez a quinhentos metros.

O Filipe que tinha caído em sí e desconfiado, seguiu até o ver entrar no Quartel.
Ficou com o coração apertado, mal disse o seu feitio de ser pouco cuidadoso com quem falava, pois ele sabia como as opiniões politicas contra o regime eram tratadas.
Mas ele era assim, quando via ou ouvia algo que lhe desagradasse, tomava partido e como era costume, raramente alguém compreendia as suas razões.

Entretanto, algum tempo depois vai para Bolama, em gozo de férias. Naquele tempo cometia-se toda casta de imprudências, desde beber por copos possivelmente mal lavados, comer marisco de proveniência duvidosa, enfim petiscos porque férias são férias.

As férias foram óptimas naquele ambiente paradisíaco e exótico.
Já perto do regresso a Galomaro, adoece e é já doente que chega ao destacamento. Está todo amarelo, é urgentemente evacuado para o Hospital Militar de Bissau. Está com hepatite e corre perigo de vida.

E é lá que está, quando o Alferes Mota chega, também ele doente com hepatite. O Filipe vai vê-lo através da porta envidraçada da enfermaria dos infecto-contagiosos. É numa dessas espreitadelas que vê o enfermeiro junto à cama, com o nosso camarada já morto.

Dois dias após a sua chegada, morre o alferes Mota (***), com os parâmetros das análises mais baixas do que as do Filipe.
A morte passou por ali e fez a sua escolha.

O Filipe esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.

Conhecendo eu o Filipe, o seu romantismo revolucionário, não o deve ter deixado calado por onde passou. Resultado cartas, fotos e objectos, que ao tempo foram considerados suspeitos vá-se lá saber porquê, tudo desapareceu entre Galomaro, Hospital de Bissau e Estrela .

A PIDE também visitou a casa da mãe no Porto, quando ele por sorte estava em Lisboa. A seguir, o 25 Abril veio pôr fim aos delitos de opinião, que as gerações mais novas nem sonham o que era, talvez por nossa culpa.

O Filipe faz um sentido agradecimento à memória do Alferes Mota, por o ter ajudado naquela noite, quando ele regressava do Regala. Eu também lhe agradeço, pois pequenos gestos como o que praticou, ajudaram a anular a suspeita, as escutas e a delação, que eram uma constante nas nossas vidas.

Brancos ou pretos, a PIDE não escolhia cores e o braço era longo.
Obrigado Alferes Mota.

Algumas notas:
(*) - O senhor Regala era um individuo de origem caboverdiana, que para além de proprietário do café, também faziam colunas de reabastecimento connosco. Homem bem falante e lúcido, quanto aos problemas da sua terra. Dizia-se que tinha relações privilegiadas com a guerrilha e por isso, coluna onde ele fosse nunca era atacada. Galomaro também beneficiava dessa protecção, o que veio provar-se ser mentira, uma vez que fomos violentamente atacados.

(**) - Em dada altura que o Filipe, assistiu à saída de camaradas para os postos avançados e patrulha nocturna, desatou a fazer barulho e a protestar contra o facto. O barulho chegou aos ouvidos do Comandante, que mandou averiguar o que se passava. Dessa vez o anjo protector chamou-se Dr. Pereira Coelho, que abraçando-o, disse-lhe ao ouvido que se fingisse bêbado e assim o salvou.
Por vezes O Filipe, era mal compreendido e se não vejamos o episódio das bajudas; Ao fim da tarde, os soldados iam ter com as lavadeiras, que se acercavam do destacamento. Eram momentos em que os soldados, davam por vezes largas a alguma falta de respeito para com as lavadeiras. Alguns por graça e para as ouvir dizer de uma enfiada só, todos os palavrões que conheciam em português e no seu dialecto. Apalpavam-nas e diziam-lhe que não lhes pagavam, por elas lhes terem partido os botões todos, ao lavarem as camisas como hábito, batendo com as ditas em pedras pois sabão, era coisa que não entrava nos seus apetrechos.
Tínhamos chegado a Galomaro, quando o Filipe se insurgiu contra uma dessas cenas, que verdade se diga não eram muito dignificantes, pois algumas bajudas eram muito novas. Resultado foi ele se envolver em briga, com um dos participantes dessa tertúlia, indo parar ao chão com o estalo que recebeu.

(***) - O Alferes Mota era um oficial miliciano, antigo seminarista, bastante culto, muito correcto para com os seus subordinados.
Morreu se não estou em erro no dia 26 de Novembro de 1972 com hepatite e não com paludismo como escrevi na minha estória O Ultimo Natal em Galomaro.

PS: Esta estória resulta da correspondência que tenho mantido com o Filipe há já algum tempo.

Juvenal Amado
09.07.08

Foto 1 > O Filipe com a lavadeira

Foto 2 > O Filipe com o Esofe que se juntou à Resistência

Foto 3 > O Filipe em Galomaro

Foto 4 > O Filipe na esplanada do Regala com dois camaradas do STM e Centro de Operações

Foto 5 > O Filipe no HM 241 de Bissau

Fotos © Juvenal Amado(2008). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2938: Estórias do Juvenal Amado (11): Galomaro, Bambadinca, Cancolim e Gabu (Juvenal Amado)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3066: Mulher(es) (2): O trabalho em Mansoa (César Dias)

Guiné> Região do Oio> Mansoa > Foto enviada pelo César Vieira Dias, ex Furriel Miliciano Sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá de Maio de 1969 a Março de 1971.

Guiné> Região do Oio> Mansoa > Foto enviada pelo César Vieira Dias, ex Furriel Miliciano Sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá de Maio de 1969 a Março de 1971 > A mulher na lavra do arroz...

Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher a caminho da lavra do arroz...

Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher pilando o arroz...


Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher joeirando o arroz...

Guiné> Região do Oio> Mansoa > A mulher cabeleireira...


Guiné> Região do Oio> A mulher balanta com um balaio à cabeça e um filho às costas...

Fotos: © César Dias (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do César Dias:

Olá amigos e camaradas

Envio-lhes estas fotos para ilustrarem alguns postes que certamente vão aparecer sobre este tema. Juntamente com estas gostaria de vos enviar também uma do homens Guineenses que passavam o dia sentados naquelas cadeiras feitas de barris, mas já vasculhei tudo e não encontrei.

Um abraço
César

Guiné 63/74 - P3065: Mulher(es) (1): O PAIGG e a condição feminina (João Dias da Silva)

Capa da revista PAIGC - Actualités, nº 36, Dezembro de 1971... Edição francesa. "Durante muito tempo submetida à opressão colonial e social, marcada pelos duros trabalhos do campo, temperada pela luta difícil mas exaltante do nosso povo em prol da libertação e do progresso, a mulher do nosso país como esta jovem mandinga é hoje, na dignidade recuperada, mais bela que nunca"...

Foto: ©
João Dias da Silva (2008). Direitos reservados.



1. Mensagem de João Dias da Silva, Ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4150 (Cumeré, Bigene e Guidaje1973/74):


Ao ler o poste Guiné 63/74 - P3062: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (3): O Dia da Mulher (Luís Graça / Paulo Santiago), lembrei-me de passar os olhos pelos três números do PAIGC actualités (n.º 36 Decembre 1971; Special Avril-Aout 1973 e n.º 54 Octobre 1973), os únicos que me passaram pelas mãos, na esperança de encontrar algo sobre a MULHER.

Apenas no primeiro daqueles desdobráveis (a configuração destes boletins informativos) encontrei uma curta referência na primeira página, quase toda ela ocupada por uma fotografia de mulher, meio corpo e de perfil, sem qualquer desenvolvimento posterior.

No entanto é uma bela homenagem à mulher e à sua beleza: "LA FEMME DE NOTRE PAYS COMME CETTE FILLE MANDINGUE EST AUJOURD'HUI DANS LA DIGNITÉ RETROUVÉE, PLUS BELLE QUE JAMAIS" (a mulher do nosso país como esta jovem mandinga é hoje, na dignidade recuperada, mais bela que nunca, numa tradução livre).

Anexo apenas esta primeira página do n.º 36.

Noutra ocasião farei chegar-vos as restantes páginas e os outros números que, para além de apresentarem notícias curtas, têm algumas reportagens curiosas (independência, congresso do povo, ataque a Guiledje, ...) e que, sobretudo, nos dá a visão do outro lado da paliçada.

Um forte abraço para todos
João Dias da Silva

Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

Valentim Oliveira, soldado condutor nº 784/63,
CCav 489/BCav 490
1963/1965

Assunto - A minha ida e volta

Sendo eu um leitor assíduo, isto é, não passa uma palavra escrita, seja por quem for, no Blogue da Tabanca Grande, que eu não leia e é através das mesmas que eu me revejo no sentido da palavra como amigo e camarada de todos os ex-combatentes da guerra na Guiné.

É certo que, no contexto e segundo o que é dito e escrito pela maioria dos participantes, esta guerra não era o nosso hóbi. Fomos atirados para a mesma, sem que tivéssemos uma pequena vontade de participar na mesma, mas por força do regime governamental que tínhamos na época, não nos era permitido recusar e a ordem era marchar em frente! E vai daqui o EU poder expressar-me sobre a minha ida e o meu regresso da tão malfadada guerra, que tantas maleitas deu, a quem por lá passou.

(i) Mau mar num mau navio


Lisboa ficou para trás no mês de Setembro de 1963. O Alfredo da Silva foi o meio de transporte que cruzou as águas do Atlântico rumo á Guiné. Eu e todo o contingente de condutores-auto e alguns oficiais lá fomos integrar-nos no Batalhão de Cavalaria 490, que já tinha saído em Julho no paquete Niassa com destino a Moçambique e que só por sorte malfadada foi desviado para a Guiné.

A minha viagem foi muito atribulada pela conjuntura das tempestades e do mar turbulento. Muitos dos meus Camaradas só sentiram paz quando saíram do navio. Paz que durou poucos dias, porque de seguida a conversa começou a ser outra...Isto foi a integração na Guiné.

(ii) Bom mar, no Niassa


O meu regresso. Bem, o regresso foi mais ou menos como todos os outros que se faziam na década de 60. Não vínhamos de avião, mas sim de barco. Por sorte foi um pouco melhor no regresso do que na ida, isto em termos de viagem. E porquê?

Porque para lá fui num cargueiro adaptado, para transportes das nossas tropas. E para cá rumo a Lisboa, viemos no Niassa, com condições melhoradas. E como a tropa manda desenrascar, eu lá me desenrasquei a comer do bom e do melhor na messe ou seja, no salão, onde se banqueteavam os oficiais, mas como pagamento tinha que servir e fazer limpeza ao salão. De qualquer maneira não dei por mal entregue esse meu trabalho.

Foram aproximadamente seis dias a cruzar as águas...e por fim, Lisboa á vista, novamente a 15 de Agosto de 1965.

Não fui nenhum sortudo, porque não tinha ninguém á minha espera. Saí do barco! Claro, houve a formatura de praxe. De seguida fomos conduzidos nas Berliets com a respectiva cobertura de lona, até parecia que estávamos novamente na Guiné.

Daí seguimos para outra doca, para entrarmos nos cacilheiros, com destino ao Barreiro. Um comboio esperava-nos, com destino a Estremoz e ao RCav 3, a unidade mobilizadora. Chegou-se a Estremoz a altas horas da noite, mas tudo estava preparado, para nessa mesma noite fazer o espólio, receber a guia de marcha e fora do quartel, que já não és cá preciso. Nem sequer disseram a simples frase: "Tens Fome? "

É evidente que a fome era a de sair de lá, quanto mais depressa melhor. Não fossem eles mandar-nos para trás novamente... Já de madrugada lá fui eu para a estação dos caminhos-de-ferro. Apanhei o primeiro comboio até ao Entroncamento, seguindo-se um outro até Pampilhosa e ainda mais outro até Viseu. Claro todos eles com horas de seca para os apanhar.

Cheguei a Viseu ás 22 horas da noite e a essa hora já não tinha transporte para a minha aldeia e nestas circunstâncias tinha ainda 18 km para chegar a casa dos meus pais, que nem sequer sabiam, que eu estava tão perto. Valeu-me os pesos convertidos em escudos, que eu trouxe da Guiné, para pagar o táxi, que me levou até casa.

Deviam ser aproximadamente 23 horas, quando bati á porta da casa dos meus pais, com uma pequena mala na mão, mala essa que me foi oferecida pelas senhoras do Movimento N. Feminino.

Foi o meu pai, que veio na escuridão abrir a porta...digo escuridão, porque nessa época não havia luz eléctrica nas aldeias, só mais tarde em 1968 é que apareceu. Ainda hoje tenho bem gravado na minha mente a primeira palavra do meu velhote:
- Ó Maria é ele! Está aqui, chegou!

Foi num ápice de segundos que a minha velhota saltou da cama e se agarrou a mim com as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos, mas eram lágrimas de alegria.

E é assim que eu relato o meu regresso á pátria mãe, porque a Guiné é dos Guineenses!




Um abraço para todos Tertulianos e Camaradas da Guiné.

Valentim Oliveira
Companhia de Cavalaria 489
Batalhão de Cavalaria 490
Oio,Como
__________

Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.

Guiné 63/74 - P3063: Notícias da CCAÇ 555 (Cabedu, Out 1963/ Out 1965) (Norberto Gomes da Costa)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cantanhez > Cabedu > Restos (arqueológicos...) do antigo destacamento de Cabedu... Por aqui passaram, em 1963/56, os valorosos e esforçados militares portgueses da CCAÇ 555, comandados pelo Cap Inf António Ritto e de que fazia parte o Fur Mil At Inf Norberto Gomes da Costa, hoje mestre em história, e que passa a integrar a nossa Tabanca Grande.

Foto: © José Teixeira(2008). Direitos reservados.



1. Mensagem do Norberto Gomes da Costa:

Amigo Luís,

Cumpri o serviço militar, como furriel miliciano atirador, na Guiné (Cabedú, localidade próxima de Catió e Bedanda), de Outubro de 1963 a Outubro de de 1965. Foram dois anos de guerra permanente e intensa, como compreenderás.

Acompanho com muito interesse as notícias do teu blogue, desde há uns tempos a esta parte. Há cerca de meio ano escrevi um trabalho, que penso editar, a que dei o título: MEMÓRIAS DA COMPANHIA DE CAÇADORES 555 (50 páginas A4) e que gostaria de partilhar com todos os amigos que fizeram a guerra na Guiné, provavelmente, através do teu blogue. Agradecia que me dissesses como fazê-lo, já que não domino as técnicas bloguistas.

Acrescento a isto a informação de que sou Mestre em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Apesar de não nos conhecermos pessoalmente, aceita um abraço do
Norberto Gomes da Costa


2.
Comentário de L.G.:

Meu caro Norberto:

Não nos conhecemos pessoalmente, mas é como se fossemos velhos amigos de há quarenta anos. Não estive na Guiné, no teu tempo nem nunca fui a Cabedu. Estive lá perto. Alguns camaradas do nosso blogue (o Zé Teixeira, o Zé Carioca...) estiveram lá, em 2 de Março de 2008, no âmbito de uma visita ao Cantanhez por parte da comitiva (portuguesa e de outras nacionalidades) que participou no Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008)(*).

Mas já aqui se falou no teu nome bem como da tua ex-unidade, que esteve destacada em Cabedu (*).

Vd. poste de 15 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2763: Bibliografia de uma guerra (27): A geração do fim e a CCAÇ 555, Cabedu, Cantanhez, 1963/65, do Cap António Ritto (Miguel Ritto)

(...) "Mensagem do Miguel Ritto, filho do então Capitão António Ritto que esteve a comandar a CCaç 555 em Cabedú, Cantanhez, entre 1963 e 1965.

(...) "Já há bastantes dias que não visito o seu blogue (caso não se recorde, eu sou o filho do Capitão António Ritto que foi um dos oficiais que escreveu no livro Infantaria - A Geração do Fim um capítulo sobre a sua experiência a comandar a CCAÇ 555 de 1963 a 1965 na mata do Cantanhez).

(...) "Voltei a olhar para o seu blogue porque o meu pai me pediu para rever um excelente texto que convenceu o Sargento Norberto Gomes da Costa a escrever contando a sua experiência na CCAÇ 555 na Guiné entre 1963 e 1965. O texto foi escrito para divulgação no encontro anual dos elementos desta Companhia.

"Não sei se posteriormente será proposto para publicação em livro, juntamente com crónicas de outros autores, mas se não for esse o caso, não hesitarei em sugerir que lho apresentem para incluir no blogue, se assim o entender. Em questões de história, sempre adorei conhecer os relatos de ambos os lados" (...).


Como vês, meu caro Norberto, já estávamos à tua espera há um bom par de meses. Estou muito curioso em ler os teus escritos, eu e os restantes camaradas e amigos da Guiné que integram este blogue (mais de 250). Senta-te aqui ao pé de nós e conta-nos a tua história e dos teus camaradas da CCAÇ 555, que estiveram no mítico Cantanhez. Sabemos muito pouco de Cabedu e da guerra nessa época (1963/65).

Vamos publicar, com todo o gosto e apreço, o teu texto numa nova série, em partes, se possível acompanhada com algumas fotos da época, devidamente legendadas. Podes mandar-me um texto em word. E as fotos em formato jpg. Eu ou um dos nossos co-editores (os camaradas Carlos Vinhal e Virgínio Briote) iremos publicar regulamente (semana a semana, por exemplo) o teu texto, como temos feito com todos os outros depoimentos, mais ou menos extensos, que aqui nos chegam. Tu próprio me dirás como queres fazer a partição do texto. Os direitos de autor continuarão sempre a pertencer-te, como é norma da nossa tertúlia.

Felicito-te por, sendo mestre em história pela prestigiada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tenhas decido salvar do esquecimento a tua própria experiência de guerra, tua e dos teus camaradas da CCAÇ 555. De resto, é para isso mesmo que serve este nosso blogue, que é assumidamente um blogue colectivo (ou de um colectivo de que tu fazes parte, de pleno direito direito)...Quero, de resto, que sintas em casa...

Como vês ainda são bem poucas as referências à tua companhia e a Cabedu (*). Para já deixa-me saudar-te como novo membro da nossa Tabanca Grande. Se puderes, manda-nos depois duas fotos tuas, tipo passe, uma do antigamente e outra mais actual, que é para a gente te pôr na nossa fotogaleria (que está em reorganização). E sobretudo para a malta te reconhecer, um dia destes, na rua ou num dos nossos encontros periódicos.

Um Alfa Bravo (abraço) do Luís Graça

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Notas de L.G.:

(*) Vd. referências a Cabedu e à CCAÇ 555 (1963/65) no nosso blogue:

16 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2849: Ser solidário (10): Campanha Sementes para as Mulheres Grandes de Cabedu (José Teixeira)

11 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2834: Ser solidário (9): Sementes para a população de Cabedu, Cantanhez, Região de Tombali (Zé Carioca)

7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2816: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (5): Água, fonte de vida para as gentes de Cabedu

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

12 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

(...) Os três homens riram efusivamente. Mas o alferes baralhou tudo, quando solicitou a Quêba para perguntar se conhecia Caboxanque. Pami, sempre atenta, disse que sim. E aqui começou uma autêntica caça nas perguntas e respostas:
- Quantas vezes esteve no Cafal?
- Diz que passou uma vez lá, quando foi a Cabedu, mas não conhece.
- O que é que os militares fizeram em Flaque Injã?
- Não sabe! Mas ouviu falar que tropa queimou morança e escola. E matou pessoal.
- Ela fazia conversa giro só com militar ou com outro pessoal!? (...).


23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1624: Bibliografia de uma guerra (17): A geração do fim ou a palavra a 21 oficiais de infantaria, de 1954/57 (Miguel Ritto)

Guiné 63/74 - P3062: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (3): O Dia da Mulher (Luís Graça / Paulo Santiago)


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.




Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72) > A lição nº 27 > O Dia da Mulher (*).


1. Comentário de L.G.: 

Qual era a real situação da mulher nas regiões controladas pelo PAIGC ? E nas bases de rectaguarda, no exterior ? Havia ou não uma grande diferença entre o discurso (ideológico, como o deste manual escolar) e a dura condição das mulheres (balantas, beafadas, mandingas, nalus...) que viviam sob a bandeira do PAIGC, no Morés, no Cantanhez, no Fiofioli ? E o que é mudou, em resultado da luta de libertação ? Seguramente que os guineenses amam as suas mães, como nós amamos as nossas... Mas houve reais progressos, nestes anos todos, na condição feminina na Guiné-Bissau ? Infelizmente a realidade (económica, social, cultural, política...) não muda automaticamente por decreto, por voluntarismo, por determinismo...

Se alguém tiver documentação (inédita) sobre este tópico, teremos muito gosto em publicá-la... Comentários dos nossos amigos e camaradas da Guiné também serão bem vindos. A opinião das mulheres guineenses de hoje seria particularmente bem acolhida e saudada... LG



Guiné-Bissau > Bissau > AD- Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 1 de Junho de 2008

"Fatumata Camará explica aos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje como é que nos acampamentos de guerrilheiros do PAIGC em Cantanhez, as mulheres procediam para descascar o arroz sem que se ouvisse barulho e, desta forma, não fossem detectadas.

"O pilão era quase totalmente enterrado, pelo que as vibrações e ruído eram absorvidos pelo solo que impedia a sua propagação. Para a preparação das refeições também aperfeiçoaram um sistema que impedia que o fumo subisse para além da copa das árvores e assim a sua presença não era percebida.

"Se ontem a inteligência e capacidade das mulheres ajudou a encontrar soluções inovadoras e imaginativas para os problemas com que se foram deparando, também hoje elas procuram novos caminhos para resolver as dificuldades dos seus trabalhos agrícolas".

Foto e legenda: Cortesia de: ©
AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.





Guiné-Bissau > Bissau > AD- Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 11 de Maio de 2008



"O mau ano agrícola de 2007 começa a fazer os seus efeitos na segurança alimentar das famílias guineenses mais pobres, as quais registam o início da ruptura dos seus stocks, quando num ano normal isso só acontece em Julho ou Agosto.

"A agravar esta situação junta-se o aumento exponencial e repentino dos produtos alimentares, fruto de factores externos, dos quais se salienta a sua utilização para biocombustível, um verdadeiro crime contra a humanidade.

"Consciente do problema, Adama Djata, horticultora de Bolol, no norte da Guiné-Bissau, improvisa um campo de cultivo de tomate, em condições pré-deserticas, onde falta a água e os solos arenosos são muito pobres".


Foto e legenda: Cortesia de: © AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.


2. A opinião da Luisa, no seu sítio Luisa's Site (que reproduzo aqui com a devida vénia e apreço):

GUINE dia internacional da Mulher, Mar 9, 2008


Levo da Guiné estas imagens das mulheres guineenses: de manhã as mulheres vão buscar água (a maior parte das casas não têm água canalizada e é necessário ir buscá-la a fontes e poços), que transportam à cabeça. Por vezes repetem este trabalho ao final do dia, e a qualquer hora do dia, sempre que seja necessário. As mulheres trabalham na agricultura, apanham o arroz, pilam o arroz. Cozinham. Vendem pão, fruta e legumes, na rua, por vezes em menores quantidades que transportam à cabeça (mas ainda são vários quilos). Ainda transportam à cabeça a lenha para o lume, e a palha para os telhados das casas. As mulheres limpam, gerem a casa, cuidam dos filhos e dos homens.

Mas não é só nos trabalhos mais ligados à vida doméstica que a mulher guineense se encontra. Existem por exemplo muitas mulheres polícia. Existem mulheres em quase todas as profissões: na vida política, têm existido ministras, directoras-gerais, na vida académica, há professoras, investigadoras, há magistradas do Ministério Público e juízes, a Presidente do Supremo Tribunal de Justiça é uma mulher, há médicas, enfermeiras, empresárias, comerciantes.

Apesar da sobrecarga de trabalhos que estão reservados às mulheres, muitos deles difíceis e pesados, no que diz respeito à instrução e vida profissional, áreas onde muito se reflecte sobre a igualdade de géneros, a mulher guineense não é, de um modo geral, discriminada. Passo grande e muito importante sobretudo no continente africano.

Neste dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, é feriado na Guiné-Bissau. É um dia importante, e um pouco por todo o lado se comemora este dia. Também na Faculdade de Direito de Bissau as mulheres se juntaram para assinalar este dia. Foi assim que hoje conheci uma grande mulher guineense, convidada como oradora principal. A Dr.ª Odete Costa Semedo. É escritora, já foi Ministra da Educação, Ministra da Saúde, é Presidente da Comissão Nacional para a UNESCO. Hoje foi uma oradora sobre as mulheres, sobre a vida das mulheres, sobre as diferenças de género. “Não há igualdade mas não há sequer duas pessoas iguais”, disse. Foi bom ouvir a sua experiência como mulher na vida familiar, na vida política, na vida académica.

Acho que a situação das mulheres na Guiné-Bissau é mais de louvar, do que de lamentar. Olhar para as mulheres deste país, é perceber o quanto as mulheres são fortes.

Infelizmente nem tudo é bom, nem tudo é positivo. Também aqui existem histórias de discriminação como em muitos outros lugares, também existem casos de maus tratos contra as mulheres. Mas não é a regra, nem a maior parte das situações são toleradas. São situações passíveis de reacção. A lei consagra a igualdade e de um modo geral ela existe, especialmente se procurada. Nos casos de violência conjugal, por exemplo, cada vez mais as mulheres apresentam queixa e os maridos agressores são julgados.

Mas há algumas resistências à igualdade, algumas tradições, por exemplo de certas etnias que não reconhecem certos direitos às mulheres. Neste caso as tradições tendem a minorar ou a adaptar-se com o desenvolvimento da sociedade. Muita da população de Bissau já abandonou algumas das tradições das suas etnias, por diversas razões (por exemplo a tradição da família escolher o marido da filha, que muitas vezes era um negócio entre famílias) (...).




Guiné-Bissau > Bissau >Simpósio Internacional de Guileje > 4 de Março de 2008 > Jantar-convívio na casa do Pepito. Uma das participantes do Simpósio, Mariama Indjai, natural da região de Tombali, empresária, dona de uma fábrica artesanal de descasque de arroz, antiga combatente do PAIGC...


Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

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Nota de L.G.

(*) Vd. postes anteriores desta série:

27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2221: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (1): Bandêra di Strela Negro (Luís Graça / Paulo Santiago)

31 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2232: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (2): O Morés e os amigos da Europa do Norte (Luís Graça / Paulo Santiago)

terça-feira, 15 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3061: Louvores e condecorações (5): António Pinto (Pirada, Madina do Boé e Beli, 1963/65)

1. Mensagem do António Pinto (1) , com data de 13 de Maio de 2007, repescada depois da limpeza (anual) à nossa arca frigorífica (leia-se : caixa do correio do Gmail) ... Não temos lata de pedir desculpa ao António e aos nossos leitores... De qualquer modo, e tal como na natureza, na nossa Tabanca Grande, nada se perde, tudo se transforma (em memórias vivas, documentação, comunicação...):

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal : Uma vez que o meu computador esteve de "baixa" cerca de duas semanas, estive sem notícias durante este espaço de tempo.

Já li e reli, quer todas as mensagens que me foram endossadas, quer as narraçõesde vários Amigos, alguns que tive o privilégio e o prazer de conhecer em Pombal [, no II Encontro Nacional da Nossa Tertúlia, em 28 de Abril de 2007], que estão no nosso blogue.

Anexo, tomo a liberdade de enviar dois documentos, um dos meus tempos em Pirada e outro relativo aos dois louvores, dos quais me orgulho, é certo, mas que sempre tive um certo pudor em enviar por pensar que seria um acto de "vaidade".

No entanto, como reparei que certos Camaradas também enviaram os seus louvores (2), resolvi fazê-lo também.

Tenho a noção que os melhores louvores que pudemos trazer da Guiné foram as Amizades que conseguimos fazer com aqueles que duranta a nossa comissão convivemos, quer nos momentos difíceis, quer noutras ocasiões de são convívio e confraternização.

Continuo a não ver aparecer no Blogue Camaradas de 63/65, mas não perdi a esperança de ver, qualquer dia, um deles a aparecer.

Um abraço para ambos e para todos os Tertulianos e um até breve.
António Pinto



2. Mensagem mais recente, de 8 de Maio, do mesmo autor:

Caros Amigos: Após alguns meses de silêncio, por motivos óbvios (mudança de residência, computador avariado e umas pequenas "mazelas"), volto a enviar uma mensagem, unicamente para lamentar a minha forçada ausência no próximo encontro em Monte Real [, o III Encontro Nacional], e desejar que tudo decorra na mais sã camaradagem e boa disposição de todos o que tenho a certeza irá acontecer. Aproveito (se é que isso possa interessar a alguém) para enviar o meu novo endereço e novo e-mail, continuando a lamentar não encontrar na Tertúlia alguém do meu tempo e nos sítios por onde passei.

Um abraço do
António Pinto
VILA DO CONDE




Transcrição do louvor ao Comandante do Destacamento de Pirada, com data de 27 de Junho de 1964...


Louvor ao Alf Mil António Pinto, dado pelo Cmdt do BCAV 706, devido à sua acção valorosa durante seis meses em Beli, bem como ao seu comportamento de baixo de fogo, por ocasião do ataque ao destacamento de Beli.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes do (ou referentes a) António Pinto:

18 de Dezembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

(...) " Alguns dados sobre a minha estadia na Guiné:

(i) Embarquei em Novembro de 1963, em rendição individual. Fui substituir um colega que se pirou para o Senegal;

(ii) Estive algum tempo em Nova Lamego, tendo sido, em seguida destacado para Pirada onde reconstrui o aquartelamento.

(iii) Estive algum tempo em Geba, zona na altura um bocado perigosa, mas sem problemas.

(iv) Vim de férias em Outubro de 1964 (...);

(v) No regresso, fui destacado para Madina do Boé, tendo sido o primeiro pelotão a chegar lá onde montei o primeiro aquartelamento.

(vi) Depois fui para Beli , onde ao fim de algum tempo, e depois também de ter sido o primeiro pelotão a lá chegar e ter montado o destacamento, em Maio de 65, fomos atacados tendo aí sido ferido (mais seis companheiros) mas, felizmente ninguém morreu. Os meus ferimentos foram motivados pelo rebentamento de uma granada de morteiro, que me encheu o corpo de pequenos estilhaços, mas depois de um mês no hospital em Bissau, fiquei OK.

(vii) Depois de sair do hospital, mandaram-me para Bolama, dar instrução onde terminei a comissão" (...)


20 de Dezembro de 2006>
Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

3 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

17 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido

4 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira

29 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74: P1710: Tertúlia: Encontro de Pombal (2): Saudades (João Parreira / António Pinto / Vitor Junqueira)

21 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1865: Blogoterapia (22): Adelaide Gramunha Marques, tem aqui em Monção um amigo e um irmão (António Pinto)

23 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche

(2) Vd. último poste desta série (que tem tido pouco uso) > 27 de Outubro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2220: Louvores e Punições (4): Louvores atribuídos ao BCAÇ 2845 e às suas Companhias Operacionais (Albino Silva)

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3060: Convívios (74): CCAÇ 726 (Guileje, 1964/66), em 24 de Maio de 2008, Arados, Benavente (Nuno Rubim)



Cartaz (reunido num só, aqui desdobrado por razões de resolução), respeitante ao 18º Almoço/Convívio da CCAÇ 726, que se realizou em 24 de Maio último, em Arados, concelho de Benavente, Ribatejo.

Imagens : © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.

1. Comentário de L.G.:

O meu querido amigo Nuno Rubim "deu-me na pinha" por que, pela segunda vez consecutiva (!), não publiquei/publicámos a notícia do convívio anual da sua querida companhia de Guileje, a CCAÇ 726... Duas omissões já é demais: a primeira, a gente deixa passar, por que é distracção; a segunda já é passível de aplicação do RDM, por que já é infracção...

Recorde-se que o nosso assessor militar (que, além de garboso artilheiro, é especialista numa série de domínios das ciências militares...) comandou, enquanto capitão do QP, duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) e a CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966). Julgo que nesta última estará estado lá nos últimos meses de 1966 (entre Agosto e Dezembro). É um ponto que tenho que esclarecer com ele.

Pois é, Nuno, tens toda a razão: a notícia do convívio da tua rapazidada não saiu, de facto, em tempo útil. Ou seja, antes de 24 de Maio último. Não podendo reparar o mal, só posso prometer-te, a ti e aos teus camaradas, que à terceira será de vez, e que para o ano a CCAÇ 726 terá direito a uma notícia de caixa alta, e com a devida antecedência.

Faço votos para que a jornada de convívio tenha sido concorrida e bem sucedida. E que a malta continue viva e de boa saúde. Desta unidade comheço, pessoalmente, além do Nuno, o Teco e o Guedes (2).


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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 10 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P862: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim

(...) "Comandei em Guiledge, sucessivamente (de castigo !..., eu qualquer dia conto esta estória) as CCAÇ 726 e 1424, depois de ter também comandado a CART 644 em Mansabá e a CCmds em Brá.

"O que foi a minha vivência em Guileje fazem os amigos ideia... Foram de facto perto de 10 meses infernais, com mortos, feridos, estropiados, de ambos os lados, enfim o triste rosário de uma guerra que Portugal nunca devia ter travado.

"Tinha também um Grupo de Combate em Mejo, de que pouco tenho ouvido falar" (...).

(2) Sobre a CCAÇ 726, vd. poste de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2360: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (2): 10 mortos e mais de metade do pessoal ferido em combate (Virgínio Briote)

(...) A CCAÇ 726 partiu para a Guiné sob o comando do Cap Martins Cavaleiro. Conheceu ainda mais dois comandantes, o Cap Inf Arménio Teodósio e o Cap Art Nuno Rubim.

Guiné 63/74 - P3059: Memória dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)


1. Mensagem, com data de 12 do corrente, de Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63) (*)


Amigo Luís:


Desde que comecei a ver no blogue as imagens aéreas de Bambadinca [, do tempo da tua CCAÇ 12, 1969/71,] tive vontade de dizer algo sobre a Bambadinca do meu tempo [, 1963]. Aí vai uma pasta com um boneco (mal feito), a descrição que a memória me permite e algumas fotografias de diversos destacamentos onde estive.

Um Grande Alfa Bravo

Alberto Nascimento




2. Memória dos lugares (**)> A Bambadinca do meu tempo

Texto e imagens: © Alberto Nascimento (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Bambadinca, Março de 63

Desde que comecei a ver as imagens aéreas de Bambadinca apresentadas no blogue, perguntei a mim próprio:
- Onde está a Bambadinca que eu conheci?

A não ser as fotografias que identificam alguns edifícios que julgo reconhecer e outros que reconheço, como a casa do chefe de posto e a igreja (despromovida a capela), não consigo sequer identificar a velha estrada ao longo da qual e de ambos os lados se localizava toda a povoação.

Era assim a Bambadinca do meu tempo:

Vamos partir cá do fundo, do antigo atracadouro da jangada, já desactivado há muito, depois da construção da ponte e para onde eu ia ver o Macaréu logo que começava a ouvir o seu rugido, ora próximo ora afastado, até conseguir vencer as curvas sinuosas do leito do rio Geba.

No princípio da povoação a estrada era ladeada por casas de comércio de portugueses e outros.

Do lado esquerdo só contactei e me lembro da última casa onde eu comprava os cigarros e que era gerida por um português, grande especialista na manipulação da balança decimal, quando pesava a mancarra e outras sementes que os agricultores precisavam de vender. Na pesagem dos sacos de mancarra era curioso ver que cada saco nunca pesava os dez quilos, mas ele, boa alma, considerava e pagava os dez quilos. Os agricultores saíam enganados mas felizes, ou talvez não... Entre esta casa e a seguinte, a do libanês Amin, havia um grande espaço que dava acesso à tabanca, que começava com um grupo de moranças em fila, na posição perpendicular à estrada.

Ao fundo a tabanca alargava-se para a esquerda e com maior aglomeração para a direita e depois na direcção da estrada, até encostar às traseiras da casa do Amin.

Na continuação desta casa só mais acima, já em frente ao quartel, havia uma construção que teria sido um armazém de mancarra mas à qual só conheci a função de prisão.




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > O famoso e imponente bagabaga, existente nas imediações de Bambadinca. No topo vê-se o Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Voltemos ao lado direito da estrada.

Havia deste lado também uma longa fila de casas comerciais das quais se destacava a Casa Gouveia, mas das outras não me lembro nadinha... nem dos donos... nem o que vendiam... nada, apagou-se tudo. Também é verdade que, para além dos 45 anos que passaram, pouco ou nenhum contacto tive com essas pessoas, porque os meus tempos livres, que eram curtos, dedicava-os a outros contactos.

Recordo que, a seguir às casas comerciais, havia um espaço não muito grande já em frente à tabanca, onde se realizava o mercado.



A poucos metros do mercado havia um caminho para a direita que logo no início atravessava com uma ponte rudimentar, mas que permitia a passagem de uma viatura, um curso de água onde as mulheres lavavam a roupa. Este caminho dava acesso à destilaria de aguardente de cana do português Lapa e, uns quinhentos metros mais à frente, a uma nascente de água muito limpa onde nos abastecíamos, duas a três vezes por dia, para as necessidades do quartel.

Voltando à estrada, depois deste caminho e em frente à casa do Amin, tenho ideia da existência de uma construção que não recordo o que era.

Mais acima, um largo onde se situavam, à direita em posição perpendicular à estrada, a casa do chefe de posto, à esquerda o quartel, constituído por duas construções, uma pequena mais próxima da estrada para o oficial e sargentos, a outra maior para os praças.

 

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > c. 1969/70 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o Rio Geba ao fundo. Em primeiro plano, as instalações do comerciante, branco, português, Rendeiro... (Natural da região de Aveiro, mais exactamente da Murtosa, tinha ido muito jovem para a Guiné, creio que com 17 anos; vivia com uma mandinga, de quem tinha uma numerosa prole; convidava-nos, a nós, milicianos, com alguma frequência, para ir jantar lá em casa... A esposa, que eu nunca conheci, fazia uma deliciosa galinha de chabéu... Gostava de o voltar a encontrar. Juntamente com o Zé Maria, era o único comerciante branco que restava (ou de que eu lembro) em Bambadinca, em 1969/71, outrora um entreposto comercial florescente)... Parece que havia outros comerciantes ou encarregados de lojas comerciais (plo menos, Casa Gouveia e uma loja libanesa), mas eu não tinha contactos com eles. (LG)

Foto: ©
Humberto Reis (2008).Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Em frente, junto à vedação do quartel, estava o gerador que, por economia,  só funcionava poucas horas depois do anoitecer, após o que tudo passava a funcionar a petróleo. Até a iluminação exterior do quartel era feita com alguns Petromax e vulgares lanternas. Felizmente, a geleira onde se refrescava a Sagres 7dl, só funcionava a petróleo e enquanto este não faltasse, havia cerveja fresca, isto quando havia cerveja...

Continuando na estrada, a seguir ao quartel e com vedações quase encostadas ficava a última construção, a igreja onde oficiou, até à sua detenção, o padre Grillo [, o missionário italiano, acusado pela PIDE de estar ligado ao PAIGC].

Depois a estrada continuava até à bifurcação para a direita e para a esquerda e era nesta zona que existia um cemitério. A estrada que seguia para a direita dava acesso à pista se aterragem.

Bambadinca era assim...Só isto...

O recrudescimento da guerra alterou-a fisicamente mas, na minha opinião, nem a guerra nem o após guerra, deu ao seu povo algo de bom, a não ser uma nação que, com o rumo que os políticos têm seguido, não sei quando poderá dar-lhe o que ele merece e a que tem todo o direito. Se continuarem permitir que a Guiné beneficie de algumas migalhas cedidas por interesse por barões da droga, que transformaram o seu território num entreposto, sabe-se lá com que apoios internos, se não houver um governo que decida governar o país para o seu povo e devolver-lhe a visibilidade e dignidade que lhe pertence, por direito herdado dos seus ancestrais, seja qual for a sua etnia e a sua cultura...

Então começarão a perguntar-se: Valeu a pena? E se esta pergunta chega a ser feita, depois de tantos sacrifícios, ela significa a descrença total ou mesmo a desistência de um povo.

Por enquanto, depois da guerra, Bambadinca ficou apenas com umas instalações militares, que me parecem maiores que a própria povoação.

Alberto Nascimento

3. Comentário de L.G.:

Obrigado, Alberto, pelo teu precioso croquis e pelas ainda tão vivas memórias de Bambadinca do teu tempo (1963). Sobre a Bambadinca do meu tempo (1969/71), não vou acrescentar mais nada a tudo aquilo que já foi abundantemente escrito no nosso blogue, por mim próprio e por outros camaradas que lá estiveram, ainda mais tempo do que tu...

Deixa-me só acrescentar que só conheci dois comerciantes, brancos, de origem portuguesa, o José Maria e o [Rodrigo Fernandes] Rendeiro... O que  te vendia cigarros e quiçá roubava no peso da mancarra aos camponeses podia ser o Zé Maria (a primeira loja, na zona 1 do teu croquis)... A loja (e residência do Rendeiro, essa ficava do lado direito da rampa de acesso ao quartel, já próximo do quartel, em frente aos correios, que era do lado esquerdo...

Em meados de 1969 Bambinca era um importante praça de guerra, sede de batalhão, sede do Sector L1 da Zona Leste... Era um posto administrativo, tinha muita população (nem toda fiel às NT) e uma escola... Não sei o que terá acontecido ao sírio Amin nem ao português Lapa, dono de uma destilaria de aguardente de cana no teu tempo...

No teu tempo, também ainda não havia o reordenamento de Bambadincazinho, nem se usaria a desactivada Missão do Sono como destacamento avançado, lá pernoitando, todos os dias, um Grupo de Combate (das unidades adidas, como a CCAÇ 12) para guardar as costas ao senhor tenente-coronel e aos senhores majores...

Fico a agora a saber onde era o tristemente famoso cemitério de Bambadina de que o pobre do Abibo Jau me falava tanto: nunca fiz questão de o visitar... E à igreja só lá ia quando era transformada em morgue...

Tens razão: ninguém em Bambadinca, nem nem no resto da Guiné, ganhou com a guerra. Se é que alguém ganhou com a guerra, na Guiné e em Portugal... Ou até mesmo se alguém ganhou a guerra...

Voltei lá, em 3 de Março de 2008: não aguentei muito tempo, fiquei deprimido, não sei o que me deu, uma tristeza infinita...

Enfim, publicar-te-ei , oportunamente, as outras fotos que mandaste, com memórias de outros lugares: Santa Luzia, Prábis, Farim, Buruntuma, Piche... Obrigado, por quereres prtilhá-las com os teus camaradas da Guiné. Luís


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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

10 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3044: Estórias avulsas (16): Os cães de Bambadinca (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)

11 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63)

(**) Vd. útimo poste desta série > 30 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2703: Memórias dos lugares (8): Destacamento de Ponte Balana (Nuno Rubim)