sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3266: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (46): Chegou o meu periquito


Texto de Mário Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



Operação Macaréu à Vista - II Parte

Episódio XLVI > CHEGOU O MEU PERIQUITO!

por Beja Santos

A última visita a Mansambo e ao Xitole

Pela primeira vez ao longo destes dois últimos anos, fomos destacados para fazer a segurança de um aquartelamento, neste caso o de Mansambo, a nova Companhia vai partir para uma operação, ficamos aqui de atalaia. Serão dois dias suaves, não se ouvirá nenhum ruído da guerra, quem foi e quem regressará não terá contacto nem verá vestígios do inimigo. Como se sabe, Mansambo é um quartel feito de raiz, não tem quaisquer ligações com tabancas locais, para nós é curioso, todas as semanas vamos até Samba Juli ou Sinchã Mamajã ou até Sare Adè, no regulado de Badora, por razões de recenseamento de armas, transporte de doentes ou armas ou comida. Ir para Mansambo a partir de Samba Juli ainda é um estirão acima de 15 quilómetros, um Grupo de Combate montou segurança do lado do Corubal e nós, a partir de Samba Juli, picámos até ao pontão do rio Quêuol. Mal sabíamos, quando regressámos naquela tarde a Bambadinca que na manhã seguinte iríamos numa coluna ao Xitole, desta vez não houve poeira só terrenos alagadiços, viaturas empanadas, chuvas inclementes. Ainda não sei, foram as últimas viagens à região do Corubal.

De resto, estamos entregues à rotina, a tarefa predominante é a segurança na estrada Xime-Bambadinca, mas não estão excluídas as emboscadas nocturnas no Bambadincazinho, noites na ponte de Udunduma e os patrulhamentos nos Nhabijões. Dividimos as nossas tarefas com os grupos de combate da CCaç 12, o relacionamento com a gentes do BArt 2917 é amistoso, mas a vadiagem que levamos impede as aproximações. Desse tempo encontro um estranho registo no meu caderninho viajante que não resisto a transcrever, com leves adaptações: “O novo batalhão tem capelão, chama-se Arsénio Puim. Pedi-lhe para me confessar, pôs-me a mão no ombro e disse-me com voz branda que Deus me perdoava todos os meus pecados, a mourejar como nós mourejávamos, Deus Pai fazia o seu chamamento directo e automático a partir do inferno em que nos encontrávamos. Ou ele é um santo ou encontra em mim um halo de santidade o que é que mudou na misericórdia de Deus?”.

Algumas notas sobre uma Guiné desconhecida ou exótica

D. Violete impõem-me um ritmo avassalador para desencontradas leituras, tudo a pretexto que os livros emprestados têm que ser rapidamente devolvidos, quem os empresta exige-os prontamente de volta, são papéis raros ou até únicos. Felizmente, estão ultrapassadas as advertências de não os manchar com dedadas de gordura ou saliva. Um dos seus alunos procurou-me enquanto preparávamos a coluna para o Xitole dizendo: “A professora está a ver o que lhe estou a dizer. Leia o que tem a ler que ela lhe emprestou e encontre-se com ela rapidamente”. Dito isto, virou-me as costas e fugiu. Procedimentos como estes nada têm de extraordinário. Mamadu Soncó, menino a caminho da adolescência, dorme no nosso quarto, tem umas mantas ao pé da minha cama e todos os dias me pergunta quando é que vai estudar para Portugal, se vamos de avião ou de barco, desisti de explicações. Quando estou a ler ou a escrever senta-se ao meu lado e procura repetir o que eu faço ou então faz perguntas: “Porque é que lês livros tão velhos?”. Ele tem razão, estou a ler o panfleto “Acudam à Guiné” datado de 1908 e dirigido a Sua Majestade El-Rei, aos Deputados da Nação, ao Povo Português. O governador Muzanty está debaixo de fogo, de vez em quando paro em frente à sua estátua, em Bafatá, foi esculpido como homem enérgico e olhar impoluto, mas o panfleto desanca-o: “Que o governador Muzanty iniciou a sua administração entregando, sem concurso público, todos os fornecimentos do Estado ao cunhado do célebre Corte-Real Pires, secretário-comerciante, que inventou um estado de sítio em Badora com o único fito de expulsar os negociantes de Bambadinca, testemunhas incómodas das suas ambições (...) que em Bambadinca, com a crueldade de Nero, mandou matar e mesmo trucidar gente pacífica, chegando a crueldade a ponto de separar um homem em duas metades, que colocava homens amarrados às arvores e lhes faziam apontaria a um e um no meio de gargalhadas, isto a dois passos de Bambadinca no lugar de matança denominado Xime Pequeno em combinação com o bandido Adulai (...), que autorizou o administrador a cobrar para si emolumentos sobre a cobrança de dívidas para exercer as maiores prepotências sobre os que hesitavam em pagar”. Resta saber qual o nível de verdade e mentira sobre o comportamento deste Muzanty que derrotou e humilhou Infali Soncó.






Estes jagudis a devorar o resto de uma gazela... como nos recordamos, o jagudi é abominável, vem ao sangue, quando tínhamos ataques em Missirá sabíamos dos mortos e feridos do lado PAIGC quando os víamos a pairar nas redondezas. O desenho foi publicado em «O Mundo Português», 1936. Era uma revista de cultura e propaganda, de arte e literatura coloniais, editada pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado de Propaganda Nacional.


Outra leitura foi “Babel Negra, etnografia, arte e cultura dos indígenas na Guiné”, de Álvaro Landerset Simões, obra de 1935, uma narrativa só possível no tempo em que o africano era exibido como bicho exótico O general Norton de Matos escreve no prefácio: “O autor deste livro é um colonial. Classifico-o de colonial porque revela no seu trabalho as qualidades essenciais: a vocação que o levou a África, a maneira como se deixou envolver pelo meio estranho em que quis penetrar, sem se deixar dominar por ele, sem perder as qualidades de colono portador e iniciador de uma civilização superior àquela que foi encontrar”. É um livro bonito, escrito em toada quase jornalística, pinceladas sem rigor, mas abonitando com exotismo as diferentes descrições sobre os povos da Guiné. Oiçamo-lo a falar dos fulas: “Variadíssimos cruzamentos que sofreu originaram certa diversidade de tipo, desde o de cor preta, nariz achato e carapinha, ao de cor clara, nariz aquilino e cabelo corredio... A mulher de feições correctas e formas perfeitas pode ter-se pela mais bela de quantas possui a Guiné. Adorna-se graciosamente com interessantes peças de ourivesaria mandinga. Rapa o cabelo por cima da testa; e da nuca fá-lo convergir, em finíssimas tranças, ao alto da cabeça onde amarra amuletos, depois de enfeitado com moedas de prata, contas doiradas e fitas de pano azul”. É na verdade muito kitch mas é muito melódico e, para sermos francos, até corresponde à verdade, fui devolver estas obras à D. Violete, ela promete mais, depois de regressar de Sonaco.







Veio na última encomenda que recebi de Ruy Cinatti, em Julho de 1970. A capa é dele, trata-se do pórtico da sala de Xerxes, representação vertical de uma audiência. Cinatti publicara aqui a sua reportagem sobre Persópolis, uma viagem que o deslumbrara ao antigo Império Persa.. Pode ler-se: «De Chiraz a Persépolis, atravessando a porta de Isfahan, dura uma hora por estrada alcatroada que rodeia colinas nuas, segue uma linha recta por extensas planuras e ladeia escarpas que anunciam montanhas ao tempo coroadas de neve (...) De Persépolis a Chiraz percorrem-se cerca de 60 km. A paisagem é a mesma, talvez menos nítida porque o diálogo visual se calou...»


Entregam-me o correio, abro uma encomenda do Ruy Cinatti. Vem lá a revista Geographica, é um número de Outubro de 1965, na capa aparece o pórtico da sala de Xerxes em Persépolis, fotografia de Cinatti, no interior vem o relato da sua viagem às ruínas desta sumptuosa cidade do poderoso império persa. Tudo bem ilustrado por ele, delicio-me com a prosa “De Chiraz a Persépolis, atrevessada a porta de Isfahan, dura uma hora por estrada alcatroada que rodeia colinas nuas, segue em linha recta por extensas planuras e ladeia escarpas que anunciam montanhas ao tempo coroadas de neve... De Persépolis a Chiraz percorrem-se cerca de 60 quilómetros. A paisagem é a mesma, talvez menos nítida porque o diálogo visual se calou. Só, de vez em quando, o vento levanta de rajadas turbilhões que passam e se perdem nos plainos desérticos. Mas tanto basta para que o espírito acorde, quando os olhos se fecham, e a poeira se levante, não por golpe do vento inesperado, mas pelos cascos de cavalaria de Alexandre, o conquistador de Persépolis”. É quase poesia, apetecia-me reler tudo mas estou desvairado com fome, a seguir parto para o Xime, a chuva não pára.






O Ruy Cinatti fotografava metodicamrnte tudo, de acordo com a sua curiosidade. Da última carta que me enviou para Bambadinca refere que estava a preparar um trabalho sobre escultura, seguia imagem para que eu me convencesse que todos os povos têm grande arte escultórica, não é só a Guiné, tal a minha presunção... Depreendi que era de Timor, a sua paixão. A fotografia é uma preciosidade, é tempo da entregar no Museu de Etnologia. Cinatti usava uma Hasslblad fantástica, as coisas, os objectos, ganhavam uma outra vida, uma outra dimensão.






Chegou finalmente o meu substituto!

Regressamos tarde, empapados em lama, cientes que esta chuva que não abranda será nossa companheira nos próximos patrulhamentos, amanhã, depois de amanhã e a seguir. Ainda por cima, vamos dormir ao Bambadincazinho, uma surpresa comunicada pouco antes de partirmos para o Xime. Estranho o ar esfuziante de quem me aponta para o meu quarto e me pisca o olho. Abro a porta e está deitado a ler, na cama vaga, um alferes irrepreensivelmente fardado, só lhe falta a bóina na cabeça. Cumprimento-o e ele apresenta-se: “Sou o novo alferes do 52, por favor vê lá se me evitas as praxes brutas, ouvi dizer que me vais obrigar a atravessar o Geba a nado. Sou de Cabo Verde mas tenho medo destas águas com crocodilos”. Não sei que responder, primeiro é o sentimento de que a guerra está a acabar, depois sereno, caio em mim e questiono se houve algum cuidado em escolher um cabo-verdiano para comandar fulas e mandingas. Nelson Wahnon Reis é o meu periquito. Jovem de modos cuidados, atento e correcto. Estou encharcado e sujo, vou tomar um duche mas tenho à porta um soldado, Fali, que me anuncia que o pelotão pretende falar-me com urgência. Sim, dentro de um quarto de hora, respondo. Fali é incisivo: “É um assunto grave, não queremos falar consigo aqui ao pé, estamos em formatura por detrás da igreja dos cristãos”. Não tenho ilusões do que me espera, já deve constar que chegou um alferes cabo-verdiano para me render, posso imaginar as coisas que vou ouvir. Compareço à reunião, há cólera ou aturdimento em todos os olhares. Não estão presentes nem furriéis nem cabos, mas estão ali Jobo Baldé, Jalique Baldé, Fodé Sani, Tunca Baldé, Sila Sabali, Serifo Candé, entre tantos outros. É Mamadu Djau, a gaguejar de irritação quem apresenta o protesto magoado de todos: “Merecíamos melhor sorte. Fomos sempre leais contigo, vais-te embora, ficamos entregues a este cabo-verdiano. Pensa bem no que vais fazer. Eu vou arrumar a farda”. Mamadu Camará falou a seguir, senti um surdo motim por detrás do que me disse: “Para ti é fácil, vais-te embora, deixas-nos na vergonha. Queremos que transmitas ao comandante o que pensamos. Nós somos soldados de valor. Se o comandante nos obriga a ficar com este homem, na primeira operação vai haver um acidente, um tiro há-de acabar com ele”. Procurei acalmá-los, prometi ir falar com o comandante, mas naquele momento exigia de todos contenção, qualquer sinal de maus modos seria recebido como uma bofetada em mim, o alferes Reis não devia ser insultado, ele não era responsável pelo que se estava a passar. E parti dalí para o gabinete do major Anjos de Carvalho a quem expus a situação, pedindo-lhe que comunicasse a Bissau que se devia rever uma nomeação marcadamente hostil, incómoda, à revelia de um ódio que nos ultrapassava.

Regressei ao meu quarto e convidei o Nelson a ir passear até à hora do jantar. Ele era delicado, foi sempre muito delicado comigo, mas verifiquei que não era ingénuo. Descíamos a rampa de Bambadinca, queria mostrar-lhe o cais quando ele me disse: “Ouve, sei que vou comandar tropa africana e pressinto que não é a melhor coisa. O que não tem remédio remediado está, mas aceito as tuas sugestões”. Fiquei aliviado com a sua abertura, garanti-lhe que no dia seguinte ele iria conhecer alguns dos melhores soldados do mundo e que podia contar com a sua obediência. Bebemos um uísque no balcão do estanco do Rendeiro e desejei-lhe as melhores felicidades. Correspondemo-nos durante meses, escreveu-me de Fá e depois de Missirá, seguiu-se o silêncio mútuo, eu não queria voltar às recordações da guerra, ele provavelmente não me queria confessar como toda aquela guerra e aquela relação com África o incomodava profundamente. Enquanto brindava com aquele uísque eu via na minha frente um jovem bom atirado para Bambadinca pelas boladas do destino. Este jovem nada tinha a ver com o engenheiro exterminador com quem almoçara há pouco tempo e via praticamente todos os dias.

Telefonei ao Queta para saber da relação do Nelson com o pelotão e vice-versa: “Nosso alfero, saí do pelotão em Fá, em Março de 1971. O alferes Reis era bem educado, muito silencioso e cumpridor. Quando queria saber coisas da guerra, nós só falávamos de si e do Zagalo. Ele ouvia tudo mas percebia-se que pouco tinha a ver connosco. Afinal, não foi tão duro como pensámos ver chegar um alferes cabo-verdiano”.

Erich Maria Remarque e Mickey Spillane ao mais alto nível

Li “A Oeste nada de novo”, de Erich Maria Remarque, é certamente depois de “Kaputt”, de Curzio Malaparte, o melhor livro inspirado no flagelo da guerra. É o depoimento de um jovem alemão Paul Baümer junto da frente ocidental, nas trincheiras cheias de corpos esventrados, piolhos, ratos, cemitérios com as ossadas espalhadas, meninos de vinte anos que deixaram de sonhar com o futuro. É um relato com cabos abrutados, fala-se muito da comida, há hospitais com gente a agonizar, soldados que suspiram por ficar com as botas dos mortos, há ataques e contra-ataques, mata-se à baioneta, entra-se nas trincheiras do inimigo e traz-se comes e bebes, fica-se à espera de uma nova ofensiva. Há um momento em que ele nos confessa: “Sou novo, tenho 20 anos, mas só conheço da vida o desespero, a angústia, a morte e a prisão é um abismo de sofrimento da mais superficial e da mais insensata existência. Vejo que os povos são atirados uns contra os outros e se matam sem nada dizer, sem nada saberem, loucamente, docilmente, inocentemente. Vejo que os cérebros mais inteligentes do universo inventam palavras e armas para que isto se passe de uma maneira ainda mais requintada e dure ainda mais tempo. E todos os homens da minha idade, aqui e no outro lado, no mundo inteiro, vêem como eu; é essa a vida da minha geração, como é a minha. Que farão os nossos pais se um dia nos levantarmos e nos apresentarmos diante deles pedindo-lhes contas?” É um relato pungente, tão mais pungente quanto Remarque tudo escreve com serenidade, como se a resignação fosse a norma. E esta obra-prima absoluta termina assim: “Caiu em Outubro de 1918, num dia em que a frente estava tão tranquila que o comunicado se limitou a assinalar nada a ver de novo a oeste. Caiu com a cabeça para diante, estendido por terra, como se dormisse. A cara estava calma e exprimia uma espécie de contentamento por tudo ter assim acabado.







Depois de «Kaputt», de Curzio Malaparte, foi a minha 2.ª grande leitura sobre guerra, na Guiné. Impressionou-me a singeleza dos relatos, metendo corpos esventrados, gaseamentos, brutalidades de cabos sádicos, ataque na frente, o viver misturado com ratos e piolhos. Tradução de Mário C. Pires, capa de Figueiredo Sobral, Publicações Europa-América, Lda., 1964. Livro odiado por todos os belicistas, com os nazis à cabeça. Tem a forma de um diário,e termina assim: «Caiu em Outubro de 1918, num dia em que a frente estava tão tranquila que o comunicado se limitou a assinalar nada haver de novo a oeste.» Obra-prima absoluta.


Dos dois Mickey Spillane que comprei em Bafatá já li a longa espera. Jonny McBride volta a Lyncastle cinco anos depois de aqui ter fugido, sob a suspeita de um homicídio de um magistrado incorrupto. Vem sedento de vingança, pronto a abater facínoras e uma namorada que o traiu. Um gang inquieto procura cercá-lo e abatê-lo. A força da justiça impõe-se, pistoleiros e cérebros do crime vão sendo abatidos e o reencontro com a namorada é uma verdadeira revelação para este justiceiro solitário saído da hábil pena de um dos mais talentosos romancistas da literatura policial.





N.º 134 da Colecção Vampiro, tradução de Almeida Campos, belíssima capa de Lima de Freitas. Johnny McBride volta a Lynscastle, 5 anos depois do assassinato do Procurador Distrital Robert Minnow, que perseguia traficantes e canalhas de várias influências. McBride, para a polícia, é o principal suspeito. McBride parece amnésico, não identifica as situações do passado, vem vingar-se de quem lhe preparou uma ratoeira, a começar pela sua namorada, que ele pensa que o traíu. É uma volta ao passado, McBride é alvejado, torturado, aqui e acolá, uma poderosa quadrilha será desmantelada e um criminoso sem escrúpulos abatido, McBride é mais um anjo vingador iventado por Spillane. No final, McBride reencontra a namorada, fora uma longa espera, ambos se vingaram e viram o castigo dos vilões. Um Spillane magistral, a provar que a literatura policial houve e há autores que podem rivalizar com os escritores de maior gabarito.


Durante a semana que vem, de Julho para Agosto, vou quebrando o gelo dos soldados, o meu substituto vai percorrendo as diferentes áreas da nossa intervenção. Um dia destes, virão uns deputados da Assembleia Nacional a Bambadinca, vou conversar com José Pedro Pinto Leite, que morrerá dois dias depois, no rio Mansoa. A rotina prossegue. Saem na ordem de serviço do batalhão louvores a Benjamim Lopes da Costa, Domingos da Silva, Queta Baldé, Manuel da Costa Victória, Quebá Sissé, Cibo Indjai, António da Silva Queirós, alguns deles virão ser dados por oficiais generais. Uma noite, serei surpreendido com um pequeno cerimonial após o jantar, será lido um louvor e não consigo reter as lágrimas. Nos dias seguintes, percorro os regulados de Cossé e Badora, confirmo as nossas cargas de material com o Nelson e o Pires, na manhã seguinte o Pel Caç Nat 52 irrepreensivelmente fardado e com a bandeira portuguesa hasteada por Mamadu Camará deixam-me no Xime com algumas caixas e duas malas. Antes de embarcar eu olho para aqueles homens sem fala, emocionalmente despedaçado. Para mim, a guerra tinha acabado. Começara uma saudade inextinguível.
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Comentário de CV

(1) - Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2008 Guiné 63/74 - P3242: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (45): Um almoço tardio com um engenheiro exterminador

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)



Raúl Albino,
ex-Alf Mil
CCAÇ 2402/BCAÇ 2851
, Mansabá, Olossato,
1968/70



1. Vamos reeditar um texto do nosso camarada Raúl Albino, por sua sugestão, cujo texto se insere perfeitamente na série O meu baptismo de fogo.



Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > Vista aérea

Primeiro ataque ao quartel de Có
por Raul Albino

Chegámos à localidade de Có a 1 de Agosto de 1968. Não me esqueço desta data porque assim que saltámos das viaturas de transporte para o chão, cansados da viagem e completamente atarantados, pensávamos que íamos tomar um banho, conhecer as instalações e arrumar os nossos haveres. Qual história qual quê, assim que pisámos o chão, grita logo o Capitão Vargas:

- O terceiro Pelotão vai já fazer um patrulhamento pela periferia da povoação, orientado por alguns milícias, e só depois é que faz a sua instalação!

Eu, pessoalmente, já tinha vindo para a Guiné antes da Companhia. Agora calhava-me a primeira patrulha de reconhecimento. A comissão de serviço estava a começar bem...
Este patrulhamento foi feito pelo interior da povoação, num trajecto escolhido pelos milícias nativos, de risco reduzido, para adaptação das tropas. Só que tínhamos acabado de chegar, desconhecíamos essa realidade e todo o percurso, cheiros e contacto com o ambiente local e população nativa, nos impressionou e seguramente ficou gravado na memória de todos aqueles que me acompanharam nessa primeira missão.


Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 26 de Setembro de 1968 > Operação Adenóide > O 3º Pelotão, em bicha de pirilau, a caminho da mata de Catora (a meio, a sul da estrada Pelundo-Có).

Fotos: ©
Raul Albino (2006)

Menosprezar a inexperiência saiu caro ao inimigo

Em 29 de Agosto de 1968, menos de um mês após a nossa chegada, sofremos o primeiro ataque inimigo ao aquartelamento de Có. Foi um teste do inimigo à real capacidade desta nova unidade, chegada recentemente ao local, em termos militares. Por termos militares entenda-se, poder de fogo, coragem e capacidade de reacção.

Às 6.25 horas da manhã, um grupo estimado entre 20 a 30 elementos atacou o quartel pelo lado da pista durante cerca de 15 minutos, utilizando tiro de morteiro 60, metralhadoras pesadas, armas automáticas ligeiras e lança-granadas foguete.

Logo após os primeiros tiros, o Capitão Vargas dá-me ordem para sair com o meu grupo (3º Pelotão) em perseguição do inimigo. Como eu dormia com parte do meu grupo num abrigo mesmo ao lado da porta de armas, a saída pôde processar-se com grande rapidez e, acompanhados por alguns milícias nativos, entre eles o seu chefe Dayan, iniciámos a perseguição ao inimigo atacante.

Este homem de nome Dayan, chefe de Cipaios, era uma figura curiosa. Não era novo, magro e seco, leal, bom combatente, respeitado e líder incontestado dos milícias nativos. Custava-me a acreditar que uma pessoa com a idade dele pudesse ainda ter energia para chefiar a sua gente no terreno, mas ele não era uma pessoa qualquer, era um homem extraordinário por quem eu tinha uma consideração e admiração enormes.

A sua presença inspirava confiança e dava segurança e disciplina ao seu grupo de milícias em combate. A importância deste tipo de líderes era grande porque, nos primeiros tempos, houve muita dificuldade em perceber a maneira de pensar dos combatentes negros, amigos ou inimigos, e eles eram a nossa correia de transmissão entre duas culturas diferentes. Digamos que se fez, durante algum tempo, uma aprendizagem mútua.

Mas, voltando à perseguição, como o ataque foi curto, quando chegámos ao local de onde o inimigo tinha iniciado os disparos, já se tinha feito silêncio no tiroteio e não estava qualquer inimigo à vista. Só no terreno as pegadas denunciavam a sua presença na zona alguns minutos atrás. Em princípio e deduzindo que eles já tinham ido embora, o normal seria também nós regressarmos ao quartel, porque quando o inimigo se retira, perfeito conhecedor do terreno, dispersa-se e só volta a unir-se num ponto de encontro previamente estabelecido por eles.

O normal seria acontecer o que atrás descrevi, mas este dia não ia ter muito de normal. Em primeiro lugar o plano de ataque do inimigo foi pensado para ser efectuado em duas fases. Primeiro um ataque rápido, seguido de retirada, e quando as nossas tropas estivessem a tratar dos feridos e a avaliar estragos, fazer um segundo ataque, eventualmente mais violento que o primeiro. Daí a que o inimigo tenha feito uma volta de despiste e após alguns minutos já se encontrava de novo em posição de nos atacar o quartel.

Estratégia muito engenhosa, mas eles não contaram com uma circunstância inesperada. Eu e o meu grupo éramos inexperientes neste tipo de luta, pois só nos encontrávamos na Guiné há menos de um mês. Ligada à inexperiência eu tive na altura uma curiosidade enorme de saber para onde aquelas pegadas se dirigiam, nunca pensando que eles tinham voltado a dirigir-se ao quartel para repetir o ataque. De tal modo que quando o inimigo iniciou a segunda flagelação às nossas instalações, nós estávamos atrás deles sem eles saberem.

A nossa reacção foi imediata e o inimigo, para sua surpresa, viu-se entre dois fogos, o nosso e o do quartel. Sofreram dois mortos e dois feridos confirmados, tendo sido um dos corpos sepultados na área do aquartelamento. Retiraram desordenadamente, sofrendo um pesado revés, especialmente na sua estratégia que saiu completamente gorada.

Erros de principiante ou maçarico

As peripécias não ficaram por aqui. Quando eu e o meu grupo saímos do quartel, viemos acompanhados por um radiotelegrafista com um enorme rádio às costas. Na altura, ainda em início de comissão, estes rapazes podiam trazer consigo uma arma de defesa pessoal, neste caso uma pistola Walter 9 mm. Não tenho a certeza, mas creio que se tratava do Catarino, recolhido atrás duma árvore ou qualquer outro abrigo, decidiu participar no combate e volta não volta, disparava um ou dois tiros (o carregador duma pistola tem poucas munições).

Eu, que me encontrava abrigado no chão junto a uma vala de cultivo de amendoim, ouvia os disparos do inimigo cada vez mais distantes, à excepção destes disparos que se assemelhavam ao som produzido pelas armas automáticas do inimigo quando disparadas tiro a tiro. As nossas G3 tinham um som característico inconfundível, completamente diferente do som produzido pelas armas deles. Durante algum tempo pensei que estes disparos eram dum turra, que, devido à posição em que eu estava ou à posição de qualquer outro militar, não conseguia fugir com os seus companheiros. Fiquei parado uns minutos preciosos, na esperança de poder capturar este turra descuidado.

Só quando o tiroteio terminou pude constatar o que realmente tinha acontecido e os problemas causados pela acção desnecessária do homem do rádio. Creio que a partir daqui poucos radiotelegrafistas voltaram a usar estas armas para defesa pessoal, passaram a acreditar que nenhum dos seus colegas o abandonaria no campo da luta.

Dentro do azar, a sorte esteve comigo

Já no regresso ao quartel ainda houve um pequeno incidente passado comigo próprio. Foi pequeno, mas poderia ter sido muito grande, pelo menos para a minha integridade psicológica. Vinha acompanhado pelo Dayan, lado a lado, e cada passo que dávamos era mais um pequeno salto entre as partes cimeiras das valas de amendoim (os nativos chamavam-lhe mancarra).

Trazia a G3 na mão, ainda pronta a disparar na posição de tiro-a-tiro, com a bandoleira (correia para suspensão da arma no ombro) pendida. Então não é que, num daqueles pequenos saltos, a fivela da bandoleira engancha no gatilho da arma e provoca um disparo que acertou a cerca de um palmo do pé do meu companheiro Dayan. Fiquei aparvalhado a olhar para ele e para a arma. Ele foi compreensivo a acalmou-me do meu nervoso. A minha admiração por ele aumentou ainda mais neste dia.

Acabou por ser o meu dia de sorte, dentro do azar, porque se lhe tivesse acertado, mesmo que fosse só no pé, não iria viver bem com a minha consciência a partir daí. Só de imaginar o que seria se a arma estivesse na posição de rajada, me deixava enlouquecido.

De qualquer modo, em termos militares, este dia ficou-nos na memória, porque o inimigo acabou por sofrer um forte revés nas suas intenções de intimidar a Companhia maçarica instalada em Có.
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Nota de CV

Vd. primeiro poste da série de 25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3241: O meu baptismo de fogo (1): E depois, nunca mais houve paz em Cuntima... (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3264: A Companhia Terminal , Bissau, 1973/74 (Manuel Oliveira Pereira)

1. Mensagem de Manuel Oliveira Pereira

Luís:
Tinha-me obrigado (como em tempos te referi), a voltar à Tertúlia apenas quando terminasse o curso (estou na ponta final). Mas, e como também disse, estaria sempre atento ao "nosso" blogue. Nesse sentido e dando sinais de vida, lá respondi à malta de Galomaro/Dulombi que pretende fazer um encontro de todos os que passaram por aquelas bandas - parece que fomos (eu e o meu grupo de combate) os derradeiros militares metropolitanos a ocupar o Dulombi.

Agora, aparece o Daniel Vieira e mais uma vez sinto a necessidade de acrescentar algo ao pedido que ele faz através do nosso "ponto de encontro".

Aqui vai:


Conjuntamente com mais uns tantos camaradas fui fundador da "Companhia Terminal" que resultou da junção de todos os "Delegados de Batalhão" (lembras-te?) a que se juntaram uns tantos "piras" - milicianos e malta dos pupilos do exército - vindos directamente de Lisboa (administração militar).

As nossas instalações - Quinta do Fim do Mundo, assim chamada por estar nas traseiras do cemitério da cidade - eram as da antiga fábrica de cana da Casa Gouveia. Ficavam bem por trás da Intendência e ao lado do armazém de medicamentos/produtos farmacêuticos do Batalhão Saúde.

Como sabes, os "Delegados" tinham total autonomia. A Delegação era formada normalmente pelos seguintes meios humanos e materiais: um Sargento ou Furriel, um Cabo, dois Soldados motoristas, um Unimog 404 e um Jipe. Esta era a minha formação (BCaç 3884 - Bafatá), talvez a mais numerosa, contudo as diferenças, se existiam, eram poucas.

Com o avolumar da guerra, tornou-se necessária uma coordenação efectiva dos parcos meios humanos e logísticos - barcos, barcaças, viaturas e aviões. Todo era necessário!

As Delegações requisitavam e, devido à sua autonomia, qualquer um dos meios de transporte referidos quando bem entendesse, por exemplo: em alturas diferentes ou quase em simultâneo seguia para Bambadinca carregamento para o sector Bafatá, no dia seguinte para Nova Lamego e porque não para Piche?

Falei dos sectores Leste l e Leste ll como poderia falar da zona Sul ou de Farim/Cacheu.

Surge assim a Companhia Terminal com o objectivo de coordenar e planificar toda acção das diversas Delegações.

A Companhia Terminal não era uma verdadeira Companhia, pelo menos na sua organização e estrutura. É certo que tinha um Capitão SG – Herman Schultz, não como Cmdt, mas como Coordenador, coadjuvado por dois oficiais; uns quantos argentos/furriéis piras e por todas as Delegações de Batalhão/Companhia. A esta grande equipa, foi ainda acrescentado todo o nosso parque auto.

A partir da sua formação, talvez Outubro/Novembro de 1972 (não tenho de momento a certeza - os documentos estão na minha casa de Ponte de Lima), todos os "abastecimentos" passaram a ser feitos em conjunto - na gíria actual "Serviços Partilhados", ou seja, abastecimento/carregamento de barcos ou aviões feito em simultâneo (ex. Bambadinca/Galomaro ou Bafatá/Nova Lamego ou Nova Lamego/Piche).

Qualquer combinação é possível. Já não servíamos o "nosso" Batalhão, mas qualquer um que necessitasse do nosso apoio. Se na minha anterior missão de Delegado, apenas requisitava, organizava, transportava, acompanhava as "coisas" para o meu Batalhão por barco até ao Xime ou Bambadinca e de avião para Bafatá, passei com a Companhia Terminal a ir, para além das referidas, a Aldeia Formosa, Nova Lamego, etc.

Para o Daniel Vieira, aqui vão alguns dos nomes que de momento me vem à memória: Cap Schultz, Alf Neves, Furriéis Catana, Mealha, Grenho, Botelho, Mestre, Ferreira, Aarão, Pinheiro, Soldados Soares, Melo e Pereira.

Mantenho, com alguns deles fortes laços de amizade nomeadamente com: o Catana, o Mealha, o Grenho, o Aarão, o Soares e o Melo.

Manuel Oliveira Pereira

PS - Deixo aqui algumas extractos da realidade "Terminal" com reprodução de uma das páginas da minha caderneta e algumas fotos – só as lúdicas.




Na entrega dos abastecimentos no porto de Bambadinca.



O Manuel Oliveira Pereira na parada do quartel de Bambadinca.



Geba acima a caminho de Xime/Bambadinca.



O Oliveira Pereira no "espaço" Compª. Terminal em Bissau.



O Oliveira Pereira com o Mealha.



E com o Melo, no "espaço" Compª. Terminal em Bissau.




Da Caderneta do Oliveira Pereira, referência Companhia Terminal.

Guiné 63/74 - P3263: Álbum fotográfico do Renato Monteiro (3): Xime, o sítio do meu degredo

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1969 > Álbum Fotográfico do Renato Monteiro (*) > Foto 1> "Bar de Sargentos do Xime. Em cima do balcão um barril com uma função meramente decorativa. Mas a telefonia estava operacional bem como um pequeno gira-discos. O Je t’aime, moi nos plus [, Serge Gainsbourg & Jane Birkin, 1968, ] fazia furor e a cantinela do Não chores que o teu filho há-de voltar [lembram-se do autor ou do cantor ?] estava no tope. Ambas puxavam por mais um copo. O camarada, de caça ao piolho, de quem guardo uma boa recordação, era um tipo duro e fixe".

[O Renato, sentado, ao canto inferior esquerdo, com um livro nas mãos, e um ar de menino e moço, pensativo, melancólico, é ele mesmo, o homem da piroga que eu conhecera, uns meses antes, em Contuboel, em Junho de 1969... Renato, que maldade!... Vêm-me à memória muitas cenas passadas no inferno verde do Xime: este era o último bar, onde afogávamos a angústia do guerreiro antes da saída para a Ponta do Inglês, o Poindon, a Ponta Varela, o Buruntoni...

Foi aqui que bebi o último copo, às três ou quatro da manhã, com o Fur Mil Cunha, da CART 2715 - amigo do David Guimarães, da CART 2716, que estava no Xitole, enquanto a CART 2714 era a unidade de quadrícula de Mansambo, e todas pertencentes do BART 2917, Bambadinca, 1970/72 - , antes de ele e a sua secção serem massacrados, na terrível madrugada de 26 de Novembro de 1970 (**): saímos às 5h45, e às 8h50, ele estava morto, perto da Ponta do Inglês, com um tiro na testa... enquanto o resto da secção, mais o guia Seco Camará, foi dizimada à roquetada...]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 3 > "O meu pelotão ( ou parte dele) acabado de chegar de Bambadinca ou de Bafatá onde íamos frequentemente abastecer-nos e trazer o correio".

[ O troço, alcatroado, Bambadinca-Bafatá era seguro, embora propício a excesso de velocidades: uma verdadeira pista de corridas para os aceleras; já o resto, Bambadinca-Xime, piava mais fino; em finais de 1969 ou princípios de 1970, se não me engano, começou a ser aberta uma nova estrada, a cargo da Tecnil; quando voltei a casa, em Março de 1971, ainda não estava alcatroada...].


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 7 > "Posso ser o branco de costas ou o autor da fotografia. Sabe-se lá. A única certeza, é que o registo teve lugar na tabanca do Xime, por ocasião de um ritual que não recordo".

[Uma ténue fiada de arame farpado separava o aquartelamento da tabanca, maioritariamente mandinga, e da qual não se poderia dizer que era 'mui nobre e leal', segundo a opinião dos chefões de Bambadinca, na altura o comando do BCAÇ 2852, 1968/70... No entanto, vários militares e milícias, além de picadores e guias, serviram as NT, com dedicação, valentia e até o sacrifício da própria vida, como aconteceu ao velho Seco Camará, morto em 26 de Novembro de 1970, em operação conjunta da CCAÇ 12, da CART 2715 e da CART 2714, num total de 8 Gr Comb, a Op Abencerragem Candente (**). Os irmãos do nosso mamigo J. C. Mussá Biai, o 'menino do Xime, estiveram do lado das NT, nem todos os mandingas 'estavam com o PAIGC'... ].


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 21 > "Duvido que esta foto tenha sido tirada por mim… Na minha opinião, e apesar de tão maltratada, é a melhor do conjunto. Do lado esquerdo do poste, o Capitão, por quem eu nutria uma grande simpatia e cujo paradeiro ignoro. Não faço ideia nenhuma onde teve lugar a cena ilustrada"

[ Noutro sítio, o Renato escreveu o seguinte sobre o comandante desta unidade, para onde ele foi recambiado, por castigo: "Salvo os graduados, a maior parte [da CART 2520] era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos....

"Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da Bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...

"Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias) conservo dele amelhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o" (...).]

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 22 >"Na tabanca mais feiosa que me foi dado conhecer: Xime!"


[Compreende-se esta opinião negativa, sabendo-se que o Renato tinha estado, comigo, no oásis de Contuboel, e que depois de Piche é desterrado para o Xime e, a seguir, para o Enxalé... Desterrado, degredado, é o termo. O que maiss lhe doeu foi ter sido afastado dos seus soldados africanos, a quem ele ministrara a recruta a e a especialidade, em Contuboel...Todos os sítios de guerra, na Guiné, eram feios e deprimentos: Contuboel, pelo contrário, era um oásis de paz; foi pelo menos essa a lembrança que me ficou das suas lindas tabancas, das suas viçosas hortas, das suas belíssimas bajudas, do seu tranquilo Rio Geba Estreito, das suas gentes, afáveis e amáveis... Soube há tempos que o meu amigo/nosso Pepito foi, em tempos, deputado da Assembleia Nacional pelo círculo de Contuboel, e que mantém com esta gente uma relação de afecto e de apreço ]

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ2520 (1969/70) >Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 19 > "No dia de um ataque ao Xime, uns poucos decidiram prolongar as detonações dos disparos, abatendo duas ou três vacas que, entretanto, andavam um pouco estonteadas, a monte…Esta acção deveu-se ao facto de o proprietário dos bovinos não querer vender nenhuma cabeça à tropa. A partir daí, não teve outro remédio"…

[Difícil coexistência pacífica, a tropa por um lado, ocupante, ruidosa, numerosa, esfomeada... e os proprietários, fulas ou mandingas, de cabeças de gado bovino, por outro... A tropa gostava de comer bife com batatas fritas, quando mais não fosse em dias de festa... Um quebra- cabeças para os vagomestres que, além disso, tinham que fazer contas à vida...]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 20 > "Da vista panorâmica do Aquartelamento do Xime, eu destacaria o Bidão em primeiro plano, transformado, como era corrente, em depósito para um banho tépido e ferruginoso, mas sempre refrescante… Ponham-me um Dali ou um Miguel Ângelo à frente dos olhos, junto com um bidão amolgado, carcomido, inútil, e é o bidão que ainda me emociona mais: a não me ter salvo a vida, evitou, pelo menos, ser atingido por uns estilhaços, aquando de um ataque ao Enxalé"

[ O Elogio do Bidão: que magnífico título para um tratado sobre a arte da guerra e da sobrevivência! ]

Fotos: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados (Legendas do autor, com comentários, entre parêntes rectos, do editor, L.G.).

(Continuação da publicação do álbum fotográfico do Renato Monteiro) (*)

Amigo Luís Graça:

Aqui vai uma pequena colecção de fotografias, recém descobertas na despensa convertida em contentor de lembranças envelhecidas…

Como salta aos olhos, não são grandes espingardas embora, com um programa adequado e unhas que me faltam, fosse possível recuperar uma ou outra…

Sem querer sacudir a água do capote, por não ter concorrido para a preservação das fotos, a verdade é que a deterioração também fica a dever-se à falta de meios da época…

Embora sem datas, elas foram obtidas no decurso da minha expatriação temporária, nos anos 68/69 e, por curiosidade, uma boa parte, produzidas a partir de um improvisado laboratório instalado por um soldado no aquartelamento do Xime [CART 2520, 1969].

Sem querer apropriar-me abusivamente de feitos fotográficos alheios, deverei dizer que, em muitos casos, não sei precisar quem foi o fotografador: se eu próprio, o Cunha [em relação às fotos tiradas em Contuboel] ou outro ignoto camarada…

Seja como for, um rol de fotos que o tempo não devorou de todo, legendadas ao correr instantâneo das memórias…

Com um grande abraço,

Renato Monteiro

________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior da série: 16 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3210: Álbum fotográfico de Renato Monteiro (2): O mítico cais do Xime (1969)

(**) Vd. posts de:

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (1 Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector L1) (...).

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (5): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152/73)






Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974 tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC com vista ao cessar fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa). Nas duas fotos de cima, vemos um camarada nosso, o ex-Fur Mil José Manuel Lopes, celebrando a esperança da paz e da reconciliação com os guerrilheiros do PAIGC. O mesmo aconteceu, mais a sul, em Gadamael, conforme o depoimento do José Gonçalves, que hoje vive no Canadá.

Fotos: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada em 24 de Fevereiro de 208, por José Marcelino Gonçalves, ex-Alf Mil Op Especiais, CCAÇ 4152 (Gadamael e Cufar, 1973/74). Vive no Canadá e faz parte da nossa Tabanca Grande desde 24 de Junho de 2008 (*).


Assunto - Mais um tertuliano fã do nosso blogue


Caro camarada Luís:

Apresenta-se o Alferes Miliciano de Operações Especiais, José Gonçalves.

Antes de mais tenho que pedir desculpa pela acentuação e ortografia uma vez que vivo no Canadá (já lá vão 33 anos). O meu teclado não tem acentos e a minha língua agora é o ingles.

Sei que ou te encontras na Guiné ou vais em breve para a Guiné para o Simpósio sobre Guileje. Espero ler o teu parecer sobre este acontecimento.

Tenho vindo a acompanhar este teu/nosso blogue que aprecio muito, e dou os meus parabéns a todos os responsáveis e participantes pela capacidade de reviverem da sua memória com toda a emoção que lhes vai na alma a sua história da Guiné que por vezes é bastante dolorosa.

Também é emocionante a galhardia como muitos dos nossos camaradas prestam homenagem aos seus companheiros de batalha. Pela minha parte decidi desde início esquecer tudo aquilo que para mim foi algo traumático, principalmente pelo esforço e sacrificíos inúteis que todos nós fizemos por uma Pátria que valorizava mais um helicóptero ou um jacto do que um dos seus filhos a morrer no mato. Todos estas experiências e recordações foram esquecidas e raramente contadas porque não via razão para recordar tais experiências. Achando e lendo este blogue muitas coisas me vieram à mente e aqui encontrei coragem de recordar e de uma certa maneira reviver alguns momentos que julgava perdidos. Também pensei que poderia juntar algumas passagens pós- 25 de Abril que ainda não vi contadas.

Eu, como a maioria dos participantes deste blogue, também estive na Guine em Gadamael Porto desde Janeiro de 1974 até Junho do mesmo ano quando o mesmo quartel foi entregue ao PAIGC. De Gadamael a minha companhia, a CCAC 4152, foi para Cufar e aí também entregou o quartel ao PAIGC.


Gadamael: 27 ataques no primeiro mês, Janeiro de 1974...


As minhas experiências em Gadamael, apesar de não serem as mesmas do pessoal que ali esteve em Maio e Junho de 1973, também não foram das melhores tanto no aspecto bélico como no aspecto de condições de vida.

No espacto bélico tivemos 27 ataques (bombardeamentos) no primeiro mês que ali morámos (se se pode dizer que morávamos ali) mas a pontaria do PAIGC não era muito boa nesse tempo, uma vez que era raro alguma granada cair dentro do aquartelamento e quando caía nós respondíamos com tudo o que tinhamos à disposição (3 obuses nessa altura).

Nós sabíamos onde eles também moravam (do outro lado da fronteira) e havia sempre um obus apontado para lá e pronto a disparar. Se a pontaria deles estivesse fraca, nós raramente respondíamos e pensavamos que eles também assim o entendiam. Apesar de não acertarem no quartel, isto tinha um efeito muito grande no abastecimento (que só vinha de Cacine através de LDM durante o dia e quando a maré estava alta). Ora o PAIGC sabia disto e em quase todas as oportunidades de abastecimento eles faziam o seu bombardeamento o que não deixava o abastecimento acontecer.


As granadas de obus e a nossa contabilidade criativa


Na altura em que estive em Gadamael também havia muito controlo sobre a quantidade de granadas de obus utilizadas principalmente em batida de terreno. Estas batidas eram altamente necessárias para que o PAIGC não se sentisse à vontade na nossa zona. Nós sempre fizemos batidas, mas fazíamos uma contabilidade muito criativa. No relatório dos bombardeamentos contávamos as granadas de resposta (O que muitas vezes não acontecia e se ripostávamos contávamos mais granadas do que as utilizadas) e depois usávamos essas granadas nas batidas. Só o exército português poderia fazer guerra desta maneira.


Fominha, muita fominha: "Comeremos cães assim que os gatos se acabarem"


A falta de mantimentos ia cada vez aumentando e tive bastante problemas (quando estava a comandar a companhia devido à ausência do capitão que tinha ido de ferias) porque os soldados fizeram uma demonstração contra as condições alimentares pois só tínhamos arroz e salsichas para cozinhar.

Lembro-me que uma vez o cozinheiro improvisou e fez arroz de tomate com ketchup que ainda havia, pois não havia hamburgers para o utilizar mas o arroz estava intragável. Foi-me dito que alguns soldados tinham começado a caçar gatos e a fazer petiscos com os mesmos.

Foi desta forma que a minha companhia era conhecida em Bissau pelo pessoal de secretaria como a "companhia dos Gatos”, caso que constatei quando fiz a liquidação da mesma. A razão desta alcunha é que eu tinha mandado um telegrama para Bissau com a autorização do comandante do COP 5 (com conhecimento geral) que dizia mais ou menos isto:

“Mantimentos estão-se a acabar. Pessoal presentemente comendo gatos o que também se está esgotando. Comeremos cães assim que os gatos se acabarem.”

As condições de vida também tinham muito a desejar no que respeita a acomodações que nos foram dadas (7 meses depois do desastre de Guileje): estavam pacialmente destruídas e a primeira coisa que tivemos que fazer foi reconstrui-las para podermos pôr um tecto que nos protegesse das chuvas que viriam em breve.

Granadas de bazuca que faziam... pluff!!!

A companhia que fomos render tinha feito algo mas tinham-se concentrado principalmente na construção de abrigos e valas que agora havia por todo o lado. O quartel ainda estava repleto de granadas inimigas que não tinham rebentado e ali se encontravam apropriadamente marcadas com um pau espetado no chão. Algumas destas a poucos metros do paiol de munições (por vezes havia sorte).

No que respeita a material bélico também estavamos muito mal. Eu lembro-me de ter que pedir granadas emprestadas a outro pelotão porque não havia o suficiente para podermos is fazer patrulhas. A companhia anterior à nossa tinha distribuido rockets de bazooka por certas zonas estratégicas para defender certas áreas através de bazooka.

A aparência destes rockets não era da minha confiança e resolvi um dia ir testar umas quantas para verificar se elas estavam funcionais e também para treinar o atirador de bazooka. Fomos para o cais e eu disse ao bazuqueiro para atirar uns quantos rockets para o rio em direcção ao rio Cacine que se via do cais. Qual foi a minha aflição quando o rocket não disparou totalmente e ficou ardendo dentro do tubo e o bazuqueiro a gritar e querendo atirar a bazooka para o chão e fugir. Tive que lhe dar um grito e ordem para se manter de pé com a bazooka apontada para o rio. Ele assim o fez mesmo tremendo como uma vara verde e, passado uns segundos, o rocket ardeu bem e saiu do cano, caindo aí a 50 metros em frente. Ao mesmo tempo começaamos a ouvir rebentamentos, o que era mais um ataque. Fui participar o acontecido ao comandante e a resposta foi que essas eram os únicos rockets que tínhamos.

Passado um mês em Gadamael fui ferido (em acidente com um canhão sem recuo nosso, uma outra estória para contar) e passei quase 2 meses em Bissau a recuperar.

Enfim há muitas estorias para contar como todos nós as tivemos mas a mais interessante é a que conto a seguir.

Maio de 1974: Apresenta-se o senhor comissário político

Era em principio de Maio de 1974 pouco depois do 25 de Abril . Estava na messe de oficiais a beber o meu whisky quando o barman me diz que estava um preto a querer falar com o comandante. Eu fui ver o que era e deparo com um indivíduo, desconhecido, bem vestido e com muita cortesia me pediu para falar com o comandante. Perguntei-lhe quem era e o que queria do comandante. Para minha surpresa disse-me que era o comissário político do PAIGC para a zona de Gadamael e que queria falar com o comandante sobre o 25 de Abril. Fiquei de boca aberta, como é de calcular, e mandei-o entrar e pedi para chamarem o comandante.

O comandante chegou (o nome dele apagou-se da minha memória mas era um capitão tenente fuzileiro especial) e perguntou-lhe se tinha vindo sozinho. O comissário politico disse-lhe que não e que tinha vindo com 2 pelotões e que estavam escondidos perto do campo de aviação. O comandante disse-lhe que o pessoal do PAIGC não podia ficar nesse local e ou se retirava ou se apresentava.

O comissário então dirigiu-se para o mato e começou a falar em voz alta e começaram a aparecer soldados do PAIGC vindos da mata, armados até aos dentes. O comandante então disse-lhes que não permitia que ficassem ali armados, e que para entrarem tinham que nos entregar as armas. Qual não foi o meu espanto quando eles disseram que sim. Nós pedimos a um escriturário para fazer a escrita e começamos a recolher as armas.

Eles entraram e foram conviver com o pessoal que estava do "nosso lado”. Beberam e comeram e nós conversámos com o comissario, depois fomos apresentá-lo ao régulo e mostrámos-lhe o aquartelamento e a tabanca. Depois foi a vez de lhes entregar as armas para estes se irem embora para o outro lado da fronteira . Ouve pequenos desacordos porque alguns deles pensavam que tinham entregue mais munições do que recebiam mas como já estavam bêbedos a maior parte deles (pois os nossos soldados se tinham encarregado disso) e com a comando deles tudo se resolveu amigalvelmente.

Visita de cortesia dos nossos oficiais a Kandiafara, na Guiné-Conacri

Tive outra surpresa quando estes nos convidaram para irmos visitar o aquatelamento deles, em Kandiafara. Eu decidi não ir pois o meu treino de ranger fez-me um pouco incrédulo de tudo o que se estava a passar mas os meus camaradas foram. 

O que me contaram foi que quando passaram a fronteira as autoridades da Guiné Conacri tinham mandado que o PAIGC entregasse os portugueses que tinham passado a fronteira. A resposta do PAIGC foi que não o fariam porque eram convidados do PAIGC e que os devolveriam ao seu aquartelamento e caso a Guiné Conacri os quisesse prender teria que os ir buscar a Gadamael Porto. Claro que nunca vieram.

Depois deste incidente tivemos vários encontros todos eles em Gadamael Porto onde o PAIGC já vinha de Unimog, de marca russa. Nesta altura as negociações em Londres não estavam a correr muito bem e houve alturas onde nós pensámos que teríamos que voltar a lutar outra vez.

Tínhamos decidido entre nós que avisaríamos e daríamos a uns e outros 3 dias antes de reiniciar as hostilidades. Tudo isto foi decidido na messe de oficiais em Gadamael Porto entre uns bons copos de whisky. No pós-25 de Abril fomos militares e também diplomatas pois estávamos em contacto direto com o PAIGC. Disto não tenho a certeza pois os nomes da maior parte das pessoas me escapam, mas lembro-me de um dos dirigentes do PAIGC que veio sempre à paisana e que me parece muito com o Nino Vieira mas não posso afirmar pois nessa altura eu não tinha absolutamente ideia nenhuma de quem era o Nino Vieira.

Retirada de Gadamael sob protecção do... PAIGC

Também tivemos problemas com as milicias porque estes se voltaram contra nós (o que não é de admirar pois nós basicamente os abandonámos à sua sorte) e tivemos que ter protecçao do PAIGC quando nos retirámos de Gadamael. O mesmo não aconteceu em Cufar onde não houve problemas na retirada..

Por agora já chega de estórias e espero ter contribuido com algum conhecimento. Até agora não compartilhado com o blogue.

Se por acaso necessitares de mais alguma informação sobre o período em que vivi em Gadamael ou até fotografias do encontro com o PAIGC eu posso mandar.

Adeus e bom simpósio

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Gonçalves:

O teu texto estava meio esquecido, no nosso blogue, à espera de uma alma caridosa que o corrigisse. Infelizmente, como tu sabes, não temos profissionais, a tempo inteiro, a trabalhar no blogue. Somos todos voluntários e... amadores. Portanto, começo por te pedir desculpa, a ti e aos nossos amigos e camaradas da Guiné, por este hiato de tempo, excessivamente longo, entre o envio da tua mensagem e a sua publicação.

Enfim, já tinhas sido apresentado ao pessoal da Tabanca Grande (*). A tua presença honra-nos e enriquece-nos. Não és o único camarada que vive e trabalha no Canadá, de qualquer modo és mais um digno representante dos portugueses da diáspora (que se estima sejam mais de 5 milhões, dos quais não sabemos, infelizmente, quantos estiveram na Guerra do Ultramnar, e em particular na Guiné). Faz o que puderes por divulgar o nosso blogue e o nosso projecto de reunir os camaradas da Guiné, à volta das nossas vivências e memórias.

Gostei muito de ler o teu depoimento. O que tu contas, passou-se um pouco por toda a parte, nos nossos aquartelamentos, de norte a sul, de leste a oeste. Infelizmente, houve vencidos e vencedores, entre os guineenses, e não conseguimos acautelar devidamente os direitos dos homens que combateram do nosso lado (milícias, militares do recrutamento da província, tropas especiais...). Houve momentos altos e baixos neste processo. Não vamos fazer agora juízos de valor. Nem muito menos recriminar-nos uns aos outros. Interessam-nos reconstituir os factos, organizá-los, analisá-los, divulgá-los, contar como é que se fez essa transição (e depois a entrega dos aquartelamentos) entre as duas forças em presença, o PAIGC e as NT, etc. Como tu muito bem dizes, tivemos que ser soldados e diplomatas... 

Afinal de contas, a guerra é conflito entre duas partes. E geralmente nunca acaba com a aniquilação total ou a derrota, pura e simples, de uma das partes. Acaba em negociação, tarefa reservada aos políticos, Curiosamente, foi um general quem disse que a guerra é a continuação da política de Estado por outros meios... Faz-se a guerra, muitas vezes para melhorar, simplesmente, a capacidade de negociação de uma das partes... Temos que perceber o lado sociológico e estratégico da guerra como conflito... Foi isto, de resto, que se passou na Guiné... Mas tu estavas lá, no 25 de Abril de 1974, e eu não... Tens outra autoridade para falar...

Oxalá o teu depoimento tenha o mérito de pôr o resto da malta, do teu tempo, a falar deste tema: Onde é que estavam no 25 de Abril, e como é que foram os últimos dias de guerra e os primeiros dias de paz (**)...
 
Obrigado pelo teu relato objectivo, sincero e asssertivo, o que não te impediu de o enriquecer com observações bem humoradas. Se puderes, manda-nos imagens digitalizadas desse tempo, em Gadamael e depois Cufar. Material desse não abunda, e é pena que se vá perdendo com o tempo...

Boa saúde e bom trabalho para ti e para a tua família.

Guiné 63/74 - P3261: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (7): o meu amigo e conterrâneo Jaime Brandão (J. Mexia Alves)

Monte Real > Base Aérea nº 5 > 25 de Fevereiro de 1988 > O Cap Pil Av Jaime Brandão, mais o seu amigo e conterrâneo Joaquim Mexia Alves, preparando-se para um passeio de... A7.

Foto: ©
Joaquim Mexia Alves (2008). Direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves (*):

Caros Luís, Virgínio e Carlos:

Aqui deixo uma história para a série "Gloriosos Malucos...." (**)

Tenho de informar que não tenho a certeza se já a contei e se foi publicada, porque é tanta coisa que a memória já não dá.

Os meus camarigos farão o favor de verificar.

Conto então uma história na Guiné com o Fur Mil Pil Av Jaime Brandão, da minha terra de Monte Real, e de quem sou amigo desde as nossas infâncias.

Mal a minha companhia chegou ao Xitole, e ainda com os camuflados cheios de goma, foi-nos ordenada uma operação em larga escala, com desembarque, salvo o erro, no Fiofioli, Corubal, atravessando depois em direcção ao Mansambo, enquanto outros seguiriam em direcção ao Xime, se bem me lembro.

Era uma operação de três dias em que saimos do Xitole em viatura direitos ao cais do Xime, para embarcarmos numa LDG que nos levou para passarmos a noite em Portogole, de onde na manhã seguinte partimos para o desembarque no rio Corubal.

Poupo-vos os pormenores da operação, até porque a minha memória está um pouco apagada, para vos contar o episódio com o Jaime Brandão.

Quando estavamos a desembarcar no Portogole, passou por cima de nós, voando baixo, uma DO 27, que depois deixámos de ver.

Já depois do desembarque e quando ia a caminho de me mostrarem o lugar onde iríamos pernoitar, aparece-me o Jaime Brandão pela frente, que eu não via desde Monte Real, desde adolescentes, já lá iam uns anos largos.

Calculam o meu espanto!

Disse-me ele que sabia ser a minha companhia que estava ali a desembarcar e assim, declarando uma porta aberta, salvo o erro, aterrou em Portogole apenas para me dar um abraço e já agora porque não, bebermos uma cerveja, finda a qual ou as quais, ele continuou para Bissau e eu lá fiquei sem dormir, bastante à rasca, porque a coisa no outro dia não prometia nada de bom.

Mas tudo correu bem e no final da operação, calculem bem, que pouco depois de ter chegado ao Xitole, nem sei se já tinha tomado banho, aparece outra vez o Jaime Brandão para saber se eu estava bem e se tudo tinha corrido bem.

Encontrámo-nos mais umas vezes na Guiné, das quais recordo uma já contada no blogue, em que ele foi a Bambadinca buscar-me para eu ir cantar fados a Nova Lamego! (***)

Aqui fica para a posteridade!

Envio uma fotografia em que estou com o Jaime Brandão, nessa altura Cap Pil Av, preparando-nos para um passeio de A7 no dia 25 de Fevereiro de 1988, que me foi oferecido pela Força Aérea, a pedido da esquadra 302, (salvo o erro), Os Falcões, por causa da minha boa relação e amizade com todos eles.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

2. Comentário do L.G.:


Joaquim: Vejo que continuas em forma... A história é uma delícia, só possível numa guerra como a nossa, entre tugas da Guiné... No Vietname ou no Iraque, era capaz de dar tribunal militar... Em suma: um belíssima história de amizade e de camaradagem... Foste/és um sortudo. Não te conhecia (mas imaginava...) esse teu lado de "glorioso maluco das máquinas voadores"... Mais inclinado para os ares do que para os mares (Vd. foto ao lado, tu, no Niassa, a caminho do degredo)... Aliás, pergunto-me: com a base ali ao lado, ali tão perto de casa, em Monte Real, por que é que não foste para os aviões ? Ou será que não havia cockpits com as tuas medidas de basquetebolista ?

Aquele abraço, extensivo ao teu amigo Brandão. Luís

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Notas de L. G.:

(*) O Joaquim Mexia Alves foi alferes miliciano de operações especiais, tendo passado, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, por três unidades no TO da Guiné: (i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas); (ii) ingressou depois no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) ; e (iii) terminou a sua comissão na CCAÇ 15 (Mansoa). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Caç Nat 52 estava na altura afecto ao mesmo batalhão.

Ao seu currículo, ainda podemos acrescentar: (i) organizador do nosso III Encontro Nacional, (ii) letrista e cantor de fado, e (iii) grande, grande, grande... camarigo.



Vd. poste de 19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)

(**) Vd. último poste da série: 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)

(***) Vd. poste de 16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P3260: Blogues da Nossa Blogosfera (3): CAÇADORES 3441 (Angola, 1971/74)

1. Mensagem do nosso camarada Egídio Cardoso, da CCAÇ 3441, Angola 1971/74, com data de 27 de Setembro de 2008.

Alguém teve a ideia de, num blogue colectivo, contar histórias sobre a nossa passagem pela guerra de África.

Pensava que a ideia era original até que, há dias, ao procurar imagens de uma LDP, dei com o vosso Blogue.

Interessante, até porque é sobre a Guiné.

Não querem dar uma voltinha pelo nosso? É sobre Angola, e ainda é muito recente, ao contrário do vosso. Vejam a primeira mensagem postada, "O Repto".

Cumprimentos.
Caçadores 3441.
http://angola3441.blogspot.com/


República Popular de Angola > Imagem retirada da Página da Embaixada de Angola (com a devida vénia...)


2. Com a devido agradecimento ao nosso camarada, transcrevemos a sua mensagem postada:

O REPTO


Caro Amigo:
A Companhia de Caçadores 3441 (Angola 1971-1974) deu origem a 4 livros, já publicados, e escritos por participantes na mesma: o capitão Cabrita (2), o alferes Aranha e o cabo Joaquim Sousa.

Esta circunstância, talvez única, de uma pequena unidade militar portuguesa da Guerra do Ultramar dar origem a tanta literatura, onde pontuam as experiências, os anseios, as desilusões, as lágrimas e as alegrias, o sofrimento, as derrotas e vitórias de cada um, fez-me surgir uma ideia, que, de momento, não passa disso mesmo: lançar um desafio a todos os militares da 3441. Um desafio que, a ser aceite, dará origem, pela primeira vez (que eu saiba), a um acontecimento na história da literatura: um livro escrito por dezenas de protagonistas, descrevendo as mesmas situações e, por isso, vistas por personalidades diferentes. No final, resultaria um livro, escrito por muitas mãos, numa sinfonia de sentimentos comuns e contradições, desnudando almas que jamais se libertaram do passado e da juventude vivida longe da família e amigos, em condições que nunca tinham sonhado.

No final, se a tanto ajudasse "o engenho e a arte" publicar-se-ia outro livro, com um autor apenas: COMPANHIA DE CAÇADORES 3441.

Levar a cabo esta original iniciativa, apenas será possível com a colaboração de um número substancial de participantes. Cada um colocaria neste blog os seus posts depois de fornecido o mote para o capítulo que estivesse na calha, por exemplo: a viagem de Lisboa a N'Riquinha; a primeira sensação de África; o mato; as operações; o dia a dia na caserna; as histórias de amores adiados; etc, etc. Tudo visto e relatado por uma multiplicidade de homens, todos na casa dos "quase 60" e a trinta e muitos anos de distância.

Para que tal fosse possível, todos os interessados teriam acesso livre ao blog, fornecendo eu, o username e a password.

Este primeiro passo, terá continuidade se encontrar da vossa parte, a vontade de colaborar e com regras que em tempo e em conjunto, definiremos.

No fundo, reviveríamos com muito mais frequência os nossos encontros anuais.

Como primeiro acto, sugiro a todos os que acederem a este blog, que passem a informação aos camaradas de armas que estiverem ao seu alcance, devendo cada um, pedir, através dos comentários e indicando um endereço electrónico, os códigos para participar.

A ideia é simples, e, por mail ou através do blog, ajustaríamos cada vez melhor a forma de se levar a cabo esta ideia. Por isso, peço sugestões, sendo certo que não será fácil a empreitada.

Publicada por Gabriel Costa

3. Comentário de CV

Caro camarada Gabriel Costa

Já fui espreitar o teu Blogue. Prometo ser um frequentador assíduo, até porque a vossa guerra era um pouco diferente da nossa. Sendo Angola 14 vezes maior que Portugal e a Guiné um pouco maior que o Alentejo, poderás aquilatar das nossas dificulades. Na Guiné vivíamos porta com porta com o IN a ponto de ouvirmos (a Guiné não tinha sequer elevações de terreno dignas de registo, logo o som propagava-se com as maiores das facilidades) a actividade das populações controladas por ele. Caso curioso é que quando íamos a essses locais, não encontravamos vivalma.

Vou fazer um link para a tua página, para dar possibilidade a quem a quiser visitar, o fazer a partir da nossa. O tratamento é recíproco.
Aqui fica a auto-apresentação do blogue dos nossos camaradas da CCAÇ 3441:
"Descrição conjunta das vicissitudes de 160 militares que em Novembro de 1971, rumaram para Angola ao serviço da Pátria e de onde regressaram em janeiro de 1974. Blog escrito a várias mãos [Gabriel Costa, Pedro Cabrita , Egidio Cardoso ], com muitos estados de alma mas um só objectivo: a história de uma Companhia de Caçadores nas matas de Angola".
Um abraço para ti e para a tua tertúlia, desta imensa Tabanca Grande que é o nosso Blogue.

Carlos Vinhal
Co-editor

Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av, de hélis (Bissalanca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2008.

Caro Carlos,

Já sei que te caiem muitos emails em cima da mesa. Este vai ser mais um, mesmo antes de ter sido feita a emenda ao autor do poste sobre o Honório (*).

Desta vez gostaria de chamar a atenção do seguinte:

i - Quem ler no Poste 3232 - "um alferes e o piloto da aeronave, cuja identidade se desconhecia, até o membro da nossa Tabanca Grande, o Jorge Félix, ex-Alf Pil Av, identificar a aeronave (um Cessna vermelho) que pertencia aos TAGCV - Transportes da Guiné e Cabo Verde e o piloto, de nome Castro... Ou seja naquele tempo (1970/71) já havia aviação civil, mesmo que só houvesse um Cessna vermelho...", ficará com a ideia que a informação não está correcta. Como fui eu que a dei quero também acrescentar mais um ponto.

O Castro era mais um de muitos Pilotos de cor que a FAP tinha. À data, 1969/70, os TAGV tinham mais que aquele Cessna vermelho. Se fizer um esforço de memória, recordará também um não menos famoso Comandante Pombo, piloto chefe dos TAGV. Em inícios de 1971, entrou para os TAGV o furriel Duarte, ...

"Mesmo que só houvesse um Cessna ...." não está correcto. Gostaria que emendassem isso, os TAGV tinham vários aparelhos.


Guiné > Região de Tombali > Guileje CCAÇ 2617, Magriços do Guileje, Março de 1970 / Fevereiro de 1971 > CCAÇ 2617... A chegada da avioneta com o correio (e, às vezes, alguns víveres)... Na foto, em primeiro plano, da esquerda para a direita, o Fur Mil Abílio Pimentel, um alferes e o piloto da aeronave, cuja identidade se desconhecia, até o membro da nossa Tabanca Grande, o Jorge Félix, ex-Alf Pil Av, identificar a aeronave (um Cessna vermelho) que pertencia aos TAGCV - Transportes da Guiné e Cabo Verde e o piloto, de nome Castro... Ou seja naquele tempo (1970/71) já havia aviação civil.


ii - O Branquinho diz agora que estava convencido que o Honório voava T6. Na verdade o Honório voou T6 na primeira comissão, mas, e daí ficou a sua lenda, como fazia rapadas abaixo do nível do mar, a fim de acertar nos trabalhadores das bolanhas, foi impedido de voar T6 e passou a voar somente DO27.

Uns postes antes (P3224) Branquinho dizia:

- O zunir dos motores de um FIAT, que voasse baixo, era (naturalmente!) pilotado pelo Honório e por mais ninguém. Não tinham dúvidas.

Foi esta parte sem muita importância que eu pedi para corrigirem. O Honório nunca foi piloto de Fiats.

Quem é que ficou incomodado com a referência a "preto"e "mulato" no meu texto do Poste 3224 a propósito do Honório, Alberto Branquinho? Vamos a ter atenção às datas dos outros Postes.

...Escrevi um texto em que entrava a NÔNÔ, o Cap Neto (Julgo que natural do Congo ex-Belga) (se não é este, as minhas desculpas) e o Honório.

Enquanto olhava para a minha cor deparei com o meu umbigo e depois de com ele muito conversar, resolvi não falar nada dessas relações. Vejam nas reticências, ... a história que nunca será contada.

Sempre evitei falar dos acontecimentos do ultramar, porque achava que as pessoas não as entendiam. Nunca pensei que aqueles que por lá também andaram não as pudessem entender.

Vou dar conhecimento deste post aos Especialistas da BA12 por terem sido visados nesta troca de mimos.

Jorge Félix
______________

Nota de CV

(*) Vd. postes anteriores desta série:

22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3232: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (2): O Honório, meu amigo (Torcato Mendonça / Alberto Branquinho)

24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3234: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (3): O Honório que eu conheci... em Luanda (Joaquim Mexia Alves)

26 de Setembro de 2008 Guiné 63/74 - P3245: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (4): Honório, o cow-boy dos ares (José Nunes)

3o de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3256: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (5): Lembrando o Ten Pil Av Bettencourt (Henrique Matos)

Guiné 63/74 - P3258: PAIGC: Instrução, táctica e logística (16): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: Itinerários de abastecimento (A. Marques Lopes)


Guiné > PAIGC > Algures numa região libertade do sul, presume-se > Foto do inevitável e incontornável Bara István, reporter fotográfico da agência de notícias húngara MTI > 1970 > "Csendes dzsungel folyó, Guinea-Bissau, 1970" (segundo o meu fraco húngaro, "Guiné-Bissau, 1970: o silêncio da floresta e do rio"...). Esta e outras fotos fazem parte da sua fotogaleria, disponível - aparentemente copy left - no seu sítio comercial (em húngaro): Fotó Bara Fotográfiai és számítástechnikai szaküzlet. Em 1969/70 ele andou pela Guiné-Conacri e pelas regiões do sul controladas pelo PAIGC. Esta e outras fotos fazem parte da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria / Photogalery (com a devida vénia / by courtesy )


1. Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, através de mais de um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma, que é residente da Tabanca de Matosinhos, a maior das tabancas da nossa Tabanca Grande...

Este texto já circulou pela nossa tertúlia, através de mensagem de 29 de Setembro de 2007. Esta série tem vindo a ser publicada, com alguma irregularidade, desde há um ano, e está longe de ter chegado ao fim.

Como temos dito e redito, a divulgação deste e doutros documentos sobre a organização e o funcionamento do PAIGC é meramente ididáctica, não implica, por nossa parte, qualquer juízo de valor. E, não é de mais referi-lo, não é um documento do PAIGC (embora utilize fontes escritas e orais ligadas à guerrilha que então nos combatia); pelo contrário, tem como origem o próprio Com-Chefe da então província portuguesa da Guiné. Trata-se de Supintrep que foi distribuído aos comandos das unidades do CTIG em Junho de 1971.(Supintrep: Do inglês, Supplementary Intelligence Report, ou seja, Relatório de Informação Suplementar.) (LG)


PAIGC: Instrução, táctica e logística (16) > Itinerários de abastecimentos


Revisão e fixação de texto: AML/LG. Notas, em itálico, de AML.
[ Estes são dados muito interessantes e importantes para cada um de nós poder comparar com a sua experiência pessoal quando esteve no terreno.]


a. ITINERÁRIOS DE ABASTECIMENTOS

(1) Generalidades

É a partir de Conacri que, sem quaisquer condicionamentos na utilização dos itinerários da Rep Guiné e com algumas restrições nos da Rep Senegal, são abastecidas as principais bases e, a partir destas, o interior do TO.

O itinerário principal, como que a “espinha dorsal” da cadeia logística montada pelo PAIGC, é aquele que, saindo de Conacri, segue por Boké, Koundara, Kolda, Tanaff e Ziguinchor, estabelecendo uma “cinta” à volta da nossa Província, da qual partem itinerários secundários para o reabastecimento das regiões fronteiriças e daqui para o interior do TO, utilizando os chamados “corredores” de infiltração. Veja-se anexos I e J [mapas inseridos no fim - LG].

É, pois, o conjunto de itinerários que o IN utiliza, tanto no interior como no exterior, para concretização da sua actividade logística, que vai ser apresentado no presente capítulo.


(2) INTER-REGIÃO SUL


Existem em apoio à Inter-Região Sul duas Bases Logísticas de grande importância: Kandiafara e Boké, sendo a primeira orientada para apoio das Frentes de Buba/Quitafine, Catió, Quínara e Bafatá/Xitole e a segunda mais orientada para a Frente Bafatá/Gabu Sul, muito embora seja ponto de desembarque, passagem e controle de reabastecimentos detinados a Kandiafara e dos detinados à Inter-Região Norte. A maioria dos reabastecimentos chegados a Kandiafara, e provenientes de Conacri, são transportados em viaturas, via Boké, ou nos barcos do PAIGC directamente ou também via Boké.

Uma vez em Kandiafara, os abastecimento são armazenados nas instalações do Partido a eles destinados (5.f deste documento) até serem distribuídos pelas diferentes Frentes.

A partir de Kandiafara são os seguintes os itinerários utilizados:


- Para a fronteira




O itinerário Kandiafara-Kansambel é percorrido por viaturas para reabastecimento dos efectivos sediados na região de Kansambel/Mampatá-Bacirgo. Durante a época das chuvas fica intransitável mesmo para viaturas ligeiras visto que a enchente do rio Gudiagol impede a passagem na região entre Sintchuro e Kansambel. Quando isto sucede nem por isso o reabastecimento deixa de se fazer, sendo então o material e os víveres transportados a dorso por carregadores vindos para o efeito de Kasembel.

O itinerário Kandiafara-Bissamaia é utilizado para reabastecimento das unidades sediadas na região de Sansalé e Sector de Quitafine.

A existência e a recente ampliação de instalações do PAIGC em Bissamaia leva a concluir da existência de um complexo logístico para apoio do Quitafine, sendo o material dali trabnsportado em canoas com motor fora de bordo, sempre de noite, através do rio Baraban e rio Carach até Cambom.

Do antecedente era utilizado o porto de Kadinié (Rep Guiné) como ponto de passagem para a ilha de Canefaque, onde existia a principal “arrecadação” do Quitafine.

As limitações impostas pela Rep da Guiné à utilização desse porto pelos barcos do PAIGC vieram alterar o estado de coisas, pelo que os barcos passaram a dirigir-se, como se refreriu, a Cambom.

Como se disse, Boké é uma base logística de passagem, controle e armazenamento que, ao mesmo tempo, apoia a Frente Bafatá-Gabu Sul. Esta Frente, cujo comando se encontra na Base de Kambera, é abastecida por três itinerários que se dirigem a Nhantafará/Dalabare, Kambera e Lela/Vendu Leili, onde está referencida a presença deforças do IN.



- Para o interior

As colunas de reabastecimento para o interior, quer se destinem à Frente do Quínara ou Bafatá/Xitole, quer se destinem a Buba ou à Frente de Catió, uilizam para a infiltração de material o “corredor” de Guileje (**). A utilização deste “corredor” é feita por colunas apeadas e por viaturas, que, partindo de Kandiafara para Simbéli, seguem por TN até Porto Balana, onde o IN terá um hipotético “porto” e donde os reabastecimentos seguem por canoas através do rio Balana ou a dorso até à região de Salancaur/Unal.

No entanto, a maioria das colunas não se limitam a ir a Porto Balana aguardando a chegada do material em viaturas, indo a Simbéli a maior parte das vezes e mesmo a Kandiafara.

Pode esquematizar-e o itinerário seguido pelos reabastecimentos até à região de Salancaur/Unal do seguinte modo:





Em Salancaur/Unal as colunas irradiam para as várias Frentes conforme os itinerário que a seguir se descrevem:



- Para a Frente BAFATÁ/XITOLE


Do antecedente está recortada a linha de reabastecimento entre esta Frente e a fronteira sul, pelos seguintes itinerários:



Os carregadores que vão buscar material à fronteira são recrutados nas tabancas sob controle IN e reunidos normalmente na área de Cancodeia de onde partem. A cambança do rio Corubal é feita de acordo com o itinerário seguido. Se seguem por Portugal-Ualé, cambam na área compreendida entre Mina e Satecutá, se seguem o itinerário Gã Gregório-Bantael Silá o rio Corubal é cambado na área entre Fiofioli e Cancodeia Beafada.

As colunas que utilizam este último percurso logo que chegadas a Bantael Silá cambam o rio Cumbijã e seguem de canoa ou apeadas até à área de Salancaur. A partir de Salancaur tnto um como outro itinerário têm seguimento pelo “corredor” de Guilege até Simbéli, da maneira já descrita.

As colunas gastam dois dias para fazerem o percurso de dia e dois para o regresso, tendo sido referenciado o seguinte itinerário para uma coluna que utilizou o itinerário de Bantael Silá:

- Às 12h00 partida da região de Cancodeia, chegando à noite a Bantael Silá onde comeram e pernoitaram; saída de Bantael Silá no dia seguinte ao romper do dia, com chegada a Simbéli às 12H00;

- Partida de Simbéli na manhã do dia seguinte, tendo pernoitado em Bantael Silá;

- Saída de Bantael Silá na manhã seguinte, com passagem no cruzamento de Buba às 12H00 e chegada a Cancodeia ao anoitecer.

Verifica-se, assim, que as colunas para a Frente Bafatá/Xitole vão até Simbéli onde aguardam o material vindo de Kandiafara.

Após o regresso, o material é depositado na região Mina/Fiofioli, onde existe a principal “arrecadação” da Frente.

Do antecedente está recortada a intenção do IN em abrir uma linha de reabastecimento entre esta Frente e o Boé, o que evitaria a ida das colunas à fronteira sul por um itinerário onde a acção das NT nas sua zonas fulcrais (cruzamento de Buba e Uané) se fez sentir.

Assim, em meados de Setembro de 1969 saíram do Sector 2 (hoje Frente Bafatá/Xitole) dois bigrupos a fim de irem buscar reabastecimentos ao Boé (possivelmente Tourdoutala), os quais, no regresso, accionaram armadilhas colocadas pelas NT junto do itinerário Mansambo/Xitole. O percurso efectuado por este bigrupos foi o seguinte:

- Mina-Galo Corubal– estrada Xitole/Mansambo (a norte do rio Pulom)–Duá– Salifo–Barquege (A)–Láli Buaro (A)–Porto Djarga (onde cambaram o rio Corubal)–Madina Dongo-Tourdoutala, fazendo no regresso o itinerário inverso.

Após esta data, este itinerário, a que se chamou “corredor do Quirafo”, não voltou a ser utilizado, admitindo-se no entanto que o IN venha a procurar utilizá-lo como alternativa.


- Para a Frente do QUÍNARA

O recrutamento e reunião do pessoal é feito nas regiões de Gã Pará e Gã Formoso, após o que as colunas se dirigem ao Injassane pelo seguinte itinerário:

Gã João – Canjeque – Binhalom – Uaná Porto – Farená – Injassane

Em Injassane, as colunas escoltadas por um bigrupo deste Sector deslocam-se através do “corredor” de Missirá (já esquematizado) até à região de Sambaso, onde o bigrupo da escolta regressa ao seu Sector no dia imediato à chegada. Os caregadores dormem em Sambaso e no dia seguinte, ao romper da manhã, saem para a fronteira sem escolta, utilizando dois procedimentos:
- Se há canoas na região do Unal, seguem a via fluvial até Porto Balana e daqui, apeados, até à fronteira pelo “corredor” de Guileje;

- Se não há canoas na região do Unal, os carregadores cambam o io Lenguel para o rio Nhancobá, cambam o rio Cumbijã para Chim-Chim Dari e daqui para Simbéli, através do “corredor” de Guileje.

No regresso é utilizado o mesmo itinerário até Sambaso, local onde os carregadores dormem. Na manhã seguinte seguem para Uané, sendo escoltados no percurso Sambaso-Uané por um bigrupo do Sector de Buba. Uma vez em Uané é novamente o bigrupo de Injassane que toma à sua responsabilidade a segurança da coluna.

A partir de Injassane o itinerário para a região de Gã Formoso é inverso do que já se referiu.

Os itinerários utilizados pelas colunas de reabastecimento da Frente do Quínara podem ser esquematizados do seguinte modo:



- Para a Frente de CATIÓ

Na esquematização dos itinerários seguidos pelas colunas de reabastecimento para esta Frente há a considerar os vários sectores em que ela se divide. Assim, para o Sector de Cubisseco e o Sector de Tombali as colunas convergem em Chugué (1510 1120 E9-92) seguindo por Chacoal - Bantael Silá – Salancaur - Chinchin Dari e daqui pelo “corredor” do Guileje até Simbéli.

No regresso as colunas seguem o itinerário inverso até Chugué, donde irradiam aos seus destinos. Se a coluna se destina a Cubisseco podem ser utilizadas duas linhas de reabastecimento, a saber:



Se a coluna se destina a reabastecimento às unidades de Tombali o itinerário a partir de Chugué segue para Bária, onde se encontra o comando do Sector e possivelmente a arrecadação principal.
O aparecimento de muitas canoas na região de Chugué/Flaque Umbaná denuncia a existência de um “complexo logístico” de apoio à Frente de Catió, o qual se completa com as instalações de Salancaur. Os reabastecimento serão transportados por via fluvial desde Porto Balana, com movimentos normalmente efectuados de noite para Flaque Umbaná-Chugué.

Este itinerário por via fluvial substitui com vantagem o apeado Chugué - Bantael Silá - Chinchin Dari, já referido.

Para o Sector do Cubucaré as colunas passam por Cadique Nalú/Lauchandé - Uangané/Boche Palace - atravessam a estrada Bedanda/Mejo em Bedanda 8 I2-22 - seguem a estrada para Salancaur Cul, a qual abandonam na região do ponto de cota 27 em Bedanda 8 I1-42 - passam a sul do braço W do rio Demba Chiudo – atravessam a vau o braço Leste do mesmo rio – Salancaur – Chinchin Dari e daqui pelo “corredor” do Guileje até à fronteira.

No regresso da fronteira é normalmente feito o itinerário inverso, podendo, no entanto, também ser efectuado o percurso Simbéli – Uali Sachá – Afiá – Quebo – cambança do rio Jabel e rio Jarendioul – Ameda-Lai – Jemberém – Cadique Nalu – Calaque Balanta.

Aproveitando o “complexo logístico” montado no rio Cumbijã, já referido, as colunas para este Sector podem seguir até Salancaur e daqui, em canoas, até Porto Balana, fazendo no regresso o itinerário inverso.

- Para o Sector do Como as colunas seguem via Tobali por:

Chugué – Timbó – Cansalá – Guelache – Cachanga – Gantonaz – Tambacunda – cambança do rio Cobade em Catió 4 F1-33 – cambança do rio Como em I, Caiar 6 H2-98 – Como

ou via Cubucaré por:

Calaque Balanta – cambança do rio Cumbijã em Cacine 3 E9-14 – Camelonco – ilhéu de Caiame – Como


- Para a Frente BAFATÁ – GABU SUL (INTERIOR)


Os grupos dependentes do comando desta Frente, e que actuam no interior do TO (regulados de Bassi, Paiai e Binafa), são reabastecidos a partir de Kambera (comando da Frente) através dos seguintes itinerários:



(3) INTER REGIÃO-NORTE


Para o reabastecimento da Inter-Região Norte o PAIGC utiliza viatura que, a partir de Conakry ou Boké, seguem os seguintes itinerários:




Koundara é o complexo logístico da Inter-Região Norte, sendo a partir daí que são reabastecidas directamente todas as bases das Frentes de Bafatá/Gabu Norte e S. Domigos/Sambuiá e, indirectamente, todas as bases e acampamentos das Frentes Canchungo/Biambe e Morés/Nhacra.

Para concretização de toda a actividade logística da Inter-Região Norte no exterior do TO, são referidos os itinerários que se referem:


- Para a Frente BAFATÁ-GABU NORTE


- Para a Base de Foulamori por:

Koundara – Kifaia – Gaouai – Koumbia – Doumbiagui – Kambambolou – Kankodi – Kitiara – Foulamory

Este itinerário é o normalmente utilizado para o reabastecimento de Foulamory, muito embora esteja detectado um outro que, saindo de Koundara, segue para Sare Bodio – Sare Modi – Soutumourou (até aqui em viatura) – Koumbagni – Foulamory (este último troço apeado), cosiderando-se, contudo, de menor utilização.

- Para a região de Foulamansa/Missirá/Djalajã por:

Koundara – Sambailo – estrada central 18 – Kaorané – Foulamansa/Missirá

Este é o itinerário de abastecimento da base de Foulamansa, havendo indícios que denunciam a abertura de um itinerário que a partir de Missirá conduz à região de Djalajã (Rep Senegal), passando pela região de Niji, em Território Nacional, com o fim de mais facilmente se abastecerem as forças eventuialmente sediadas nos acampamentos de Lengael Serenaf e Banguri.

- Para a região de Suco, Sare Kanta e Sare Djanque:

Para reabastecer as unidades sediadas nestas regiões as viaturas utiizam o itinerário Koundara – Velingara – Pakourou – Kaoné (Sare Kanta). A partir daqui, e dado que a travessia do rio Geba não pode ser feita por viaturas, é necessário organizar colunas apeadas para atingir a região de Sare Djanque.

- Para a região de Sambolecunda:

É utilizado o itinerário Koundara – Linnkirinc – Velinga – Rá – Kounkané – Dabo – Kolda – Dioulacolom – Guiro Bocar – Sale – Quinhé (Sambolecunda)

Está referenciado também o uso de bicicletas para a efectivação das colunas de reabastecimentos ao longo da linha de fronteira, presumindo-se que isso aconteça devido não só ao mau estado dos itinerários durante a época das chuvas, mas também às restrições impostas ao trânsito de viaturas carregadas com material pelas Autoridades Senegalesas.

- Para a Frente S. DOMINGOS/SAMBUIÁ


[Tenho, naturalmente, procurado informar-me mais particularmente sobre a implantação do PAIGC nesta Frente S. Domingos/Sambuiá. Segundo a "História do Batalhão n.º 3846", que esteve no Norte da Guiné de 09ABR71 a 01MAR73 no Sector 06 (S. Domingos), o PAIGC tinha, al´m daquelas que eu conhecia, como SANO e SAMINE, as seguintes bases naquela zona

- Base de SIKOUM (no Senegal, longitudinalmente entre S. Domingos e Ingoré), comandada por Tenda Intabe, com um Bigrupo;

- Base de Poubosse/Campada, onde estava sediado o Corpo do Exército n.º 199-A/70, comandado por Quecuta Mané, e constituído por: 03 Bigrupos, 02 Grupos, 01 Grupo de Morteiros 82, 01 Grupo de Artilharia (canhões s/recuo), o1 Grupo Especial de Bazookas. Segundo a informação INDIO 1 C-4, esta base teria um efectivo de 450 homens. Abaixo um esquema incluído no SUPINTREP N.º 31, referindo, no entanto, o Corpo do Exército n.º 195:




Luís Cabral, cofirma, em "A Crónica da Libertação", que era o CE 199-A, comandado por "Quemo"(e não Quecuta) Mané que actuava na zona de S. Domingos/Sambuiá. Segundo ele, a bandeira deste Corpo do Exército "era toda vermelha, com uma grande estrela vermelha ao centro; ao alto do canto esquerdo tinha uma pequena bandeira do PAIGC; no canto direito, em baixo, a indicação do Corpo do Exército 199-A. Diz ele, no mesmo livro, que havia um Corpo de Comando formado para dirigir a luta no Norte, enquadrado pelos " "peitos vermelhos" (combatentes que se destacaram em acções especiais)". Seria o "Comando da Inter-Região [Norte]" referido na imagem do SUPINTREP N.º 31 (acima)? ou haveria dois Corpos do Exército, o 195 e 199-A, a actuar naquela Inter-Região?...;

- Base de M'Pack, com 01 Bigrupo e 01 Grupo de Morteiro 82;

- Base de Kassoum/Kaguit, com 01 Bigrupo, comandado por Gorgui Unfalde e depois por Malan Djata.

Diz também a História do BCAÇ 3846 que havia as seguintes "linhas de infiltração":

- PIRGUI/UERECHOLI:/Rio GUNAL/Rio PORTO MADEIRA/JOL:

- SIKOUM/SEDENGAL/APILHO/Rio CHURRO:

- BESSOLUM/Rio SAPATEIRO/MATA GAUNHA/Rio CURRO:

- BOUTOUPA/Rio CATEI./Rio POII.ÁO DE LEÁO/CAMBOIANA:

- POUBOSSE/Rio CAMPADA/Rio POll.ÀO DE LEÁO/CAMBOIANA:

- BARRACA BATATA/MAMBAIÁ/Rio JUGUL/CAMBOIANA:

- BABONDA/SUNCUTOTO/Rio BACHAMOR/CAMBOlANA;

- KAGUlT/BUNHAQUE/MATO COLAGE/CAUSSO/CAMBOlANA:.

- KASSOUM/MATO ELIA/Rio BULIGUTE/RI0 DEFENAME/RIO BOLOR/Rio CACHEU:

- KASSOUM/Rio URAMUAI/Rio DEFENAME/Rio BOLOR/Rio CACHEU;

- KASSOUM/Rio URAMUAI/Rio BULIGUTE/Rio DEFENAME/Rio BOLOR/Rio CACHEU;

- SANTIABA MANJAK/Rio COLE/Rio DEFENAME/RIO BOLOR/Rio CACHEU.

A. Marques Lopes]



O IN utiliza para movimentar as suas viaturas de reabastecimento às bases desta Frente a chamada “Estrada Grande”, isto é, a estrada que, a partir de Koundara, segue por Linnkiring – Velingará – Dabo – Kolda – Bantankoutou – Sonco – Sare Tening – Tanaf – Ierã – Samine – Ziguinchor. É pois a partir deste itinerário principal que saem ramificações que conduzem às diferentes bases. Assim,

- Para Faquina:

Kolda – Bantankoutou – Sonco – Lenquerim – Faquina

As viaturas vão apenas até Bantankoutou. Os reabastecimentos a partir daqui são transportados por carregadores que em Lenquerim cambam a bolanha de canoa para passarem à base de Faquina.

- Para Sinchã Djassi (Hermancono):

Kolda – Sare Tening – Hermacono

- Para a base de Cumbamory:
Kolda – Tanaf – Ierã – Mankolecunda – Cumbamori

- Para Dungal:
Kolda – Tanaf – Dungal

- Para Sano:
Kolda – Samine – Sano

- Para Sikoum Bafatá:
Kolda – Tanaf – Samine – Goudomp – Sekoum

O material e víveres vindos da Rep. Guiné (Koundara) passa como vimos em Dinnkiring e Kolda, locais onde é feito pelas autoridades da Rep. Senegal controle das viaturas e material transportado; a partir de Kolda o material é usualmente acompanhado por pessoal do Exército Senegalês, embora em escolta à distância.

No terminal da “Estrada Grande” encontra-se Zinguinchor, sede do comando da Inter-Região Norte, mas que no quadro da logística do PAIGC não parece desempanhar papel relevante dado que, segundo os elementos disponiveis, apenas apoiará os grupos sediados em M’Pack e Kassou.

O reabastecimento das Frentes do interior da Inter-Região Norte é feito por colunas de carregadores através dos “corredores” tradicionais de infiltração e suas variantes, sendo sempre feitos em movimentos vindos do interior, razão pela qual se descrevem estes “corredores” no sentido inverso àquele em que, até aqui, se tem descrito p fluxo dos reabastecimentos.

Estão detectados os seguintes:

“Corredor” de Sitató, com início em Faquina

“Corredor” de Sambuiá, com início em Cumbamory

“Corredor” de Lamel, com início em Sinchã Djassi

“Corredor” de Sano, com início em Sano [pelo lado Este, entre Barro e Bigene - A.Marques Lopes]

“Corredor” de Canja, com início em Pirgui [pelo lado Oeste, entre Barro e Sedengal - A- Marques Lopes]


- Para a Frente de Morés/Nhacra


Para o Sector do Morés são utilizados os “corredores” de Lamel e Sitató, podendo também com menos frequência utilizar o de Sambuiá, segundo os itinerárioa que se referem:


“Corredor” de Lamel
Morés – estrada Mansabá/Farim sensivelmente em direcção a Biribão – Biribão – cambança do rio Camjambari nas proximidades da tabanca de Béssia – Bricama – cambança do rio Jumbembem – cambança do rio Lamel – estrada Jumbembem/Farim – Fambantã, seguindo depois um carreiro até um local nas proximidades da fronteira onde a coluna aguarda a chegada do material. Este vem da arrecadação existente na base de Sinchã Djassi e é transportado até ao referido local em viaturas, sendo ali entregue às colunas que o esperam. O regresso é feito pelo itinerário inverso, tendo o percurso (ida e volta) uma duração de cerca de seis dias. Os locais de pernoita pensa-se que serão em Biribão e Fambantã.

“Corredor” de SITATÓ
O percurso utilizado pelas colunas que do Morés se dirigem a Faquina é feito pelo “corredor” de Sitató segundo o itinerário que se indica:

Morés - Madina – Biribão (onde pernoitam) – Canjambari – Sare Buco – Sumabanta – Sulccó (onde pernoitam) – Faquina

Este itinerário é utilizado na ida e no regresso e leva três a quatro dias a ser percorrido, em cada um dos sentidos.


“Corredor” de SAMBUIÁ

A possibilidade de reabastecer o Morés por colunas que através do “corredor” de Sambuiá passem ao Iado e daqui ao Morés é viável, não estando no entanto referenciada a utilização deste itinerário, a não ser na entrada de algumas personalidades.


[Disse-me o Lúcio Soares, quando estive com ele o ano passado [, 2006], que, em 1968, depois de passar o comando de Sinchã Jobel para o Gazel, e quando já era comandante da base do Morés, sofreu aí uma emboscada quando se dirigia ao Senegal - até lhe disse que, se calhar, tinha sido eu...; numa outra emboscada aí também, foi referenciado o Luís Cabral, que ia de jipe - A. Marques Lopes]


As forças do Sector de Nhacra podem ser abastecidas de Norte, através do “corredor” de Sitató até Canjambari e daqui para Gussará, Uassado até Suarecunda, onde se encontra a principal arrecadação do Sector. Não é este porém o itinerário normal para reabastecer o Sector, mas sim a partir da Inter-Região Sul.

Os carregadores, utilizando canoas, aproveitam o fim da maré vazante e a maré enchente para, a partir da foz do rio Malafo, cambar o rio Geba e entrar no curso do rio Corubal que sobem até ao Injassane, a partir donde as colunas seguem apeadas o itinerário já referido do “corredor” de Missirá.

O regresso é feito novamente em canoas, aproveitando a maré vazante que as leva até meio do curso do rio Geba e daqui, empurradas pelo iníco da enchente, até à foz do rio Malafo.

Os percursos no rio Corubal e rio Geba são feitos durante a noite, sempre condicionados às marés.

Do antecedente estavam detectados dois itinerários que, saindo de Suarecunda, faziam a ligação com o Sector de Morés, conforme o seguinte esquema:





Estes itinerários, que serviam especialmente para que os elementos IN do Morés pudessem vir ao Hospital do Sara, parece contudo que estão abandonados.


- Para a Frente CANCHUNGO/BIAMBE

O Sector do Biambe pode ser reabastecido através dos “corredores” de Canja, Sano, Sambuiá, Lamel ou mesmo Sitató, portanto por todos os “corredores” actualmente referenciados.

Se as colunas vão reabastecer-se a Faquina ou Sinchã Djassi são utilizados os “corredores” de Lamel e de Sitató, a partir de Canjambari/Biribão, locais que atingem Naga por:

Insumeté – Contuba/Muno – Iador – Cossuba – Concolim – Biambe – Queré – Namedão – Morés – Coli Sare – Madina

Se as colunas vão à base de Cumbamory é utilizado normalmente, que na ida quer no regresso, o “corredor” de Sambuiá, segundo os itinerários que se descrevem, até Samoge:

Insumeté – Concolim – Jagali – cambança do rio Cacheu em Binta G3-61 – Udasse – Simbor – Sambuiá – Samoge

Insumeté – Concolim – cambança do rio Cacheu em Binta 2 C6-89 – Simbor – Sambuiá – Samoge

Insumeté – Sibicunto – Tancroal – cambança do rio Cacheu em Binta 5 B6-86 – Buborim – Sambuiá – Samoge

Insumeté – Concolim – cambança do rio Cacheu em Binta 2 B4-94 – Malã – Bolom – Samoge

De Samoge as colunas seguem para Cumbamory onde, após recebido o abastecimento, regressam pelos itinerários inversos.

Se o reabastecimento é feito na base de Sano as colunas de carregadores utilizam em princípio, na ida e no regresso, o “corredor” de Sano por:

Insumeté – Iador – Biur – cambança do rio Cacheu em Bigene 5 I2-47 – Suar – Limane – Bucaur – Singap – Toubakouta, onde, junto duma arrecadação do Partido, recebem o material vindo de Samine.


[Samine é no Senegal, muito perto de Barro, tal como Sano, e, segundo Luís Cabral, em "Crónica da Libertação", o PAIGC tinha aí um armazém de material de guerra - A. Marques Lopes]


Pode também ser utilizada uma variante deste “corredor” por:

Saiamcuto – Barro Grande – cambança do rio Cacheu em Bigene 5 G5-32 – Biur – Iador – Insumeté, ou mesmo o “corredor” de Sambuiá, fazendo os movimentos de ida e regresso por itinerários diferentes.

Se as colunas utilizarem o “corredor” de CANJA podem seguir os itinerários:

Insumeté – Fajã – cambança do rio Cacheu em Bugem [Bigene?...] 5 E8-23 – Ponta Nova – Mansacunda – Sinchã Mamadu – Kossi

Insumeté – Fajã – cambança do rio Cacheu em Bigene 4 D3-92 – Santana – Mansacunda – Sinchã Mamadu – Kossi

Insumeté – Brufa – cambança do rio Cacheu em Bigene 1 H9.81 – Canja – Bissabur – Kossi

Insumeté – Brufa – cambança do rio Cacheu em Bigene 1 H9.81 – Canja – Bissabur – Pirgui

[Era a Titina Silá quem dirigia a Norte o Comité da Milícia Popular e que tinha como missão organizar a passagem de pessoas e mercadorias nas cambanças do rio Cacheu, segundo diz o Luís Cabral no seu livro "Crónica da Libertação". Diz aí também que ele, Luís Cabral, mais o Chico Mendes eram os responsáveis da Frente Norte - A. Marques Lopes]


- Para o Sector de CANCHUNGO

Para os reabastecimentos deste Sector está referenciada a ida de colunas de carregadores a Sinchã Djassi (Hermacono), Cumbamory e Sano, de onde trazem o material e víveres para a região de Caboiana/Churo, onde se encontra a principal arrecadação do Sector.

Os itinerários utilizados são os que já foram descritos pelo que se faz somente referência ao percurso feito até à região de Insumeté.

As colunas partem de Caboiana/Churo, seguindo por Barme, Balem, Banhida, Gaguepe, Jopá. De Jopá partem dois itinerários que, seguindo por Ponta Vicente, Bucula e Ponta Matar ou Gipo-Ponta Neaga, se reunem novamente em Ponta Ponhasse, seguindo por Santarém, Jundum, Empabá até ao Insumeté, seguindo depois os itinerários já descritos.

Eventualmente, admite-se que este Sector possa ser reabastecido pelo “corredor” de Campada por

Caboiana/Churo - cambança do rio Cacheu em Poilão de Leão - Campada – Poubosse

Este corredor, já em tempos utilizado pelo In, não está actualmente a ser usado.





[Para melhor compreensão da organização e papel dos "corredores" , mostro esta imagem abaixo que define como o PAIGC tinha distribuídas as suas Frentes de Luta. Pertence ao SUPINTREP N.º 31 (de que, com tempo, também hei-de dar conhecimento) - A. Marques Lopes]



___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 16 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3211: PAIGC: Instrução, táctica e logística (15): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XV Parte): Os Armazéns do Povo (A. Marques Lopes)

(**) Vd. postes de:

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)