terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado


1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 8 de Fevereiro de 2009:

Vinhal

Com um abraço extensivo, segue uma estória fora do normal.

Naqueles tempos de Guiné onde as situações mais bizarras aconteciam, também houve os bafejados pela sorte e guardados por Deus, entre os quais me incluo.

Até mais
Luis Faria


Bula > Luís Faria parece dizer: - Salta periquito

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados



Bula – Periquito quase depenado

Estamos em primeiros de Setembro de 1972, sou já um velhinho que deveria estar com a Força no Cumeré a gozar os últimos dias para regresso a casa, mas não, nem o cheirei pois só na véspera de apanhar o Boeing da FA, cheguei a Bissau. Esqueceram-se que tinha promessa de poder gozar esses poucos dias onde quisesse, na Guiné. Sonhei logo com os Bijagós e foi… um belo sonho !!

Fiquei por Bula continuando no levantamento do extenso campo de minas já referido pelo António Matos e por mim, mas que felizmente estava nos finais. Dessa odisseia espero contar algumas peripécias.

Vamos à estória

A 26 Agosto, chegou para render a 2791 Força, a periquitagem da 3.ª CCAV do BCAV 8320 que, se bem me recordo, era liderada pelo falecido Cap. Salgueiro Maia

À altura, como disse, andava eu a levantar minas e quando íamos para o campo acompanhavam-nos um ou mais GComb para fazer a segurança, emboscando nos sítios que indicávamos.

Nesse dia, o Grupo que me escoltou era pira e chegados os 404 à zona da desminagem (k12/13) não recordo exactamente, há que saltar dos unimogues. Assim fazem e qual é o meu espanto ao ver os piras perfilarem-se de costas para a mata, quase ombro a ombro, aguardando ordem do Alferes! Pareciam estar na parada!! Não sei o nome do Alferes, só recordo que ele usava um testo do caraças na cabeça!!

Mandada corrigir a situação, chamo o Alferes, pego no croquis do campo de minas,vejo o azimute e pergunto-lhe, apontando-lha, se estava a ver uma árvore que se destacava de tudo o que lhe estava próximo. Não há confusão? Não, responde descrevendo a árvore.

Digo-lhe então:
- O meu Alferes leva o pessoal daqui sempre em linha recta, não desvia um metro que seja, ok? Quando o homem da frente esbarrar na árvore, a bicha de pirilau pára e cada homem fica nesse sítio, certo? - Assentiu e lá foram. Chegados ao local comunicaram, tudo bem

Avanço para o campo de minas, com a minha vara-medida, com a faca, com a pica e com a Walter para o que desse e viesse. Começo a lançar, picar,… levantar, lançar, picar levantar… e às tantas deito a vara-medida que me aponta para um cag… humano ainda fresco ??!! Pico e lá está ela, a mina mesmo por baixo! Este turra teve uma sorte do car… f…! e pego na Walter. Depois pensei e…
- Está alguém aqui? - Perguntei. Nada.
- Alguém esteve a cagar atrás desta moita, f…? - Perguntei elevando a voz. Sai detrás de um arbusto um pira que me diz, à rasca:
- Fui eu meu Furriel e explicou-se.
- Venha cá, (na tropa não tratava os soldados por tu) andou com uma sorte do ca… quer ver? - E levantei a mina ! O rapaz ficou sem pinta de sangue, coitado! De certeza nunca mais na vida se esqueceu e se calhar de ler isto vai suar outra vez!

Não o admoestei, a culpa não tinha sido dele. Mas que tinha tido uma sorte daquelas, isso teve. Ele e outros que tivessem entrado no campo.

Agora havia o problema de os tirar de lá. Chamei o Alferes e disse-lhe:
- Está pessoal no campo de minas; o último gajo da fila segue a direito para a estrada pelo mesmo caminho que veio e os outros seguem-no em linha recta, sem desvios. - Assim foi feito e ninguém graças a Deus saiu ferido

Conclusão: tinham passado, enganados, a árvore, mas Deus esteve com essa rapaziada pelo menos nessa hora.

Um abraço à Tertúlia
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3849: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (8): Bula, vésperas do Natal de 1970

Guiné 63/74 - P3866: FAP (7): Troca de lugar no ALL III salvou-me a vida, em 25 de Julho de 1970 (Jorge Caiano, mecânico do Alf Pilav Manso)


Guiné > Região do Oio > Rio Mansoa > 1970 > Restos do Helicóptero Alloutte III, que se despenhou no dia 25 de Julho de 1970, no Rio Mansoa, em consequência das condições climatéricas. Nele morreram, além do piloto (Alf Pilav Francisco Lopes Manso), o Cap Cav José Carvalho Andrade e mais 4 deputados em visita à Província (entre eles Pinto Leite, o então chefe da Ala Liberal da Assembleia Nacional, e o guineense Pinto Bull).

Cortesia de: © Victor Barata (2008) /Blogue
Especialistas da BA12, Guiné 1965/74. Direitos reservados.
1. Mensagem do editor L.G.:

Em complemento do que já escrevi em poste anterior (*):

No passado dia 31 de Janeiro, sábado, por volta da hora do almoço, recebi um telefonema do Jorge Caiano (espero ter ouvido bem o nome) que era o mecânico do heli do Alf Pilav Manso, no dia 25 de Julho de 1970... Ele informou-me que tinha chegado ao conhecimento do nosso blogue através do blogue do Victor Barata...

O Caiano vive no Canadá, na região de Toronto, desde 1974. É, portanto, um português da diáspora. Nascido em Louriçal, Pombal, foi cedo viver para Aveiro. Tem hoje cerca de 60 anos.

Na tropa, era mecânico da FAP, esteve na BA12, Bissalanca, cerca de 22 meses (1969/70). Regressou em Novembro de 1970.

Prometeu mandar-me um mail. Não está muito familiarizado com a Internet. E eu prometi resumir, no nosso blogue, a conversa que tive com ele ao telefone. Manda um abraço para todos os camaradas da FAP e em especial para os pilotos Félix e Coelho, que ele conheceu em Bissalanca e com quem voou (mais com o Coelho do que com o Félix).

Eis, no essencial, a conversa que ele teve comigo, ao telefone, sobre o trágico acidente do ALL III, que causou seis vítimas mortais:

Por decisão do comandante da esquadrilha, o Cap Pilav Cubas, e aparentemente por uma questão de peso, o Caiano seguiu com ele e não com o Alf Manso, na viagem de regresso a Bissau... (Em princípio, era aos mecânicos que competia avaliar o peso dos helis. Mas neste caso, o Jorge teve que seguir as ordens do seu comandante).

Ia o Manso à esquerda, o Cubas ao meio, o Coelho, à direita. Os três helis voavam em formação quando foram apanhados por uma tempestade tropical. Havia muito pouca visibilidade. Mas deu para ele, Jorge Canao, se aperceber de uma pequena explosão ("uma chama") no interior do heli do Manso. Segundo a sua teoria, o passageiro ao lado do piloto (um dos deputados ? o oficial do Exército ?) deve ter accionado a alavanca do gás (sic). Por inadvertência ou pânico...

O Manso, que era periquito (tinha chegado há dois meses), deve ter perdido o conrolo da situação...

O Jorge Caiano foi testemunha deste caso em tribunal militar. E lembra que, a partir daí, a FAP proibiu que os passageiros viajassem, nos helis, ao lado do piloto, no lugar do mecânico. Os oficiais do Exército (e s0bretudo os oficiais superiores) gostavam muito desse lugar por que tinha uma vista panorâmica. Via-se muito melhor a paisagem....

O heli do Manso despenhou-se no Rio Mansoa, "por volta das 15 horas", do dia 25 de Julho de 1970 (não parece ter dúvidas sobre a data), tendo morrido ou desaparecido 4 deputados da Nação (incluindo o Dr. Pinto Leite, chefe da chamada ala liberal da então Assembleia Nacional), além do Manso e de um oficial do exército do QG. Um dos deputados era o guineense Pinto Bull, que também tinha um filho, mecânico da FAP, a cumprir o serviço militar na Guiné (Bissalanca, BA12). Por sua vez, a mulher do piloto era pressuposto chegar de Lisboa, no dia seguinte. (***)

O Jorge confessa que deve a vida ao destino, à troca de lugar, imposta pelo Cap Pilav Cubas. Essa foi a razão por que ainda hoje está vivo, diz ele, do outro lado do telefone... E acredita que o destino marca a hora. Este acidente de guerra marcou-o para toda a vida.

O Jorge vive perto do Toronto. Responde-me que a crise (económica) também já chegou lá. É amigo de alguns tipos da minha terra, Lourinhã, como o Manuel do Rosário (que ainda é meu parente afastado e é do meu tempo de escola) e do José Jorge.
_________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

ÚLtimo poste desta série > 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

(**) Vd, postes do nosso blogue:

20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3335: Controvérsias (6): O acidente aéreo de 25 de Julho de 1970 (Carlos Ayala Botto)

11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3296: Controvérsias (4): O acidente aéreo de 26 de Julho de 1970 (Jorge Picado)

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar

(***) Vd. postes no blogue so Victor Barata, sobre o malogrado Alf Pilav Manso:

4 de Novembro de 2008 > 514 - UM APELO DA IRMÃ DO ALF PILAV MANSO.

(...) Boa tarde, sou irmã do saudoso Alf Piloto Av FRANCISCO LOPES MANSO. Logo que descobri este blogue sobre os camaradas da Guiné, comecei a ler pois falavam muito vagamente no meu irmão. Era Piloto Aviador, formado na Academia Militar, e foi parar à Guiné com os helicópteros.

Nunca soubemos a verdade sobre o acidente . Os meus Pais faleceram com esse desgosto. """DESAPARECIDO""" e pronto!!!!!.

Fiquei muito sensibilizada com a sua recordação do meu querido mano Mano. Ficámos 5 irmãs com esta dúvida no nosso coração. Ele era português, nascido nos Envendos distrito de Mação em 4 de Março l944.

Muito obrigada pela recordação dele. Pois ele nem aparece no monumento aos combatentes do Ultramar.Sem o conhecer envio um abraço muito comovida.Vivi em Luanda , agora vivo em Aveiro.

Natália Maria


7 de Novembro de 2008 > 521 A RESPOSTA À IRMÃ DO MANSO

(...) No passado dia 4.11,através do Post 514, publicámos um apelo feito pela irmã do nosso companheiro Alf Pilav Francisco Manso, falecido em Mansoa, Guiné a 25.7.1970, no sentido de recolher elementos que a pudessem esclarecer melhor sobre este assunto visto à data do acontecimento,e ainda hoje,nunca ter sido indicado as causas do acidente.

Chegaram já até nós dois apontamentos que nos merecem os agradecimentos e que transcrevemos:

Salgado Gonçalves
Sarg Chefe 1ª/68 Guiné

UMA RESPOSTA PARA A IRMÃ DO ALF PILAV FRANCISCO MANSO


Companheiro Victor, na tua pessoa mais uma vez saúdo todos os companheiros. Quase diariamente passo pelo 'nosso' blog para ficar a par das novidades, hoje vi o pedido da irmã do falecido companheiro, Alf Pilav Manso.

Não tenho muito para dizer... Foi na época da minha estada na BA12 69/71, lembro-me que a missão consistia em transportar uns deputados da então Assembleia Nacional, parece-me que à povoação de Mansoa que dava nome ao rio, onde o heli caiu.Todos quantos iam no Heli faleceram além do Manso e, entre outros, ia um deputado natural da Guiné, penso que de nome Pinto Bull, não tenho a certeza. Da missão faziam parte pelo menos dois Helis, o outro julgo que era pilotado pelo comandante da esquadra Capitão Cubas.

A perda do Manso foi muito sentida por todos nós pois era uma excelente pessoa. Junto envio umas fotos do Heli depois de recuperado. Por hoje é tudo cumprimentos para toda a rapaziada.

Salgado Gonçalves, Cabo MMA 1ª 68
(...)

ARQUIVO HISTÓRICO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA

Exmo Senhor,

Em resposta ao Vosso email sobre o acidente do ex ALF/PILAV Francisco Lopes Manso, local do acidente, Rio Mansoa, junto à Ilha de Lisboa. Originou a morte do Piloto desaparecido e de um Capitão do Exército e mais quatro civis, o acidente deu-se com um ALLIII que caiu no Rio Mansoa derivado a um tornado e muita chuva, os corpos do CAP do Exército e dos civis apareceram sem vida e o corpo do piloto não apareceu.

Mais informo que o ex Piloto consta na lista dos falecidos da Força Aérea no Arquivo Histórico da FAP.

Com os melhores Cumprimentos
AHFA (...)


O editor do blogue, o nosso camarada Victor Barata, escreveu o seguinte, em jeito de nota final:

"A causa imputável, as condições meteorológicas. Tornado tropical: Ventos violentos com turbilhão, Chuvas, Visibilidade zero. Estas condições meteorológicas foram confirmadas por tripulações de helicópteros que voavam na proximidade da zona. A marinha efectuou busca no rio. Recuperação da estrutura, sem os corpos da tripulação, e dos passageiros". (...)

Guiné 63/74 - P3865: Antropologia (13): A arte popular guineense (Beja Santos)

Legenda: "Guiné: Grupo de balantas com chapéus de palha do fanado"

Legenda: "Guiné: Grupo de mulheres bijagós com os seus apetrechos e trajes de dança".

Legenda: "Guiné: Amuletos de prata usados por mandingas e fulas"

Legenda: "Guiné: Máscaras bandá (à esquerda) e nimba (à direita)"

Fonte: A arte popular em Portugal : ilhas adjacentes e ultramar (ed. lit Fernando de Castro Pires de Lima): Lisboa: Verbo, 1968. (*) (Com a devida vénia...)



1. Texto e imagens enviadas pelo Beja Santos em 4 de Fevereiro último:

Foi o último grande acontecimento editorial de envergadura, no campo da etnografia, etnologia e antropologia, abraçando todos os povos do Portugal do Império. A Verbo investiu muito, de colaboração com a Junta de Investigação do Ultramar e da Agência Geral do Ultramar: a direcção foi de Fernando de Castro Pires de Lima, a responsabilidade gráfica coube a Fernando Lanhas, o capítulo dedicado à Guiné foi escrito por Fernando Rogado Quintino (**).

As matérias versadas são as seguintes: técnica de construção, as formas arquitectónicas e os respectivos sistemas de vida; mobiliário e utensilidade, as camas, os bancos, banquetas e canapés, objectos de cozinha, peças de vestuário e equipamento agrícola; artesanato, com a riqueza de artigos em couro, olaria, cestaria e panaria; vestuário e adorno, com a espantosa versatilidade de amuletos; música e dança, danças recreativas, religiosas, o korá , as marimbas; pintura e escultura, onde predominam as geniais máscaras e feitiços de madeira, caso do Ninte-Kamatchol.

Vou entregar esta pequena preciosidade com uma tão cuidada descrição de manifestações, que vimos nas nossas comissões, ao blogue, para ser vendida em leilão para apoiar as nossas despesas de manutenção.

Beja Santos (***)
___________

Notas de L.G.:

(*) Ficha bibliográfica tal como consta no sítio
Memória de África:

[62036]
LIMA, Fernando de Castro Pires de
A arte popular em Portugal : ilhas adjacentes e ultramar / direcção de Fernando de Castro Pires de Lima. - Lisboa : Editorial Verbo, 1968 (Lisboa : Oficinas de Gris Impressores, S.A.R.L.. - 2 vol. : il., col., fotografia. - Esta obra foi publicada com o alto patrocínio da Junta de Investigações do Ultramar e da Agência Geral do Ultramar.
Descritores:
África lusófona Madeira Açores Timor Arte popular Artesanato
Cota: D 2136UCDA ¤ D 2137UCDA

(**) Fernando Rogado Quintino é, juntamente com António Carreira, um dos grandes especialistas da cultura da Guiné (colonial)... É autor de (entre muitas outras obras e artigos sobre a Guiné):

Eis a Guiné! : Breve notícia da sua terra e da sua gente
Lisboa : Sociedade de Geografia de Lisboa, 1946, 64 pp.

(***) Vd. postes anteriores desta série Antropologia [ a disciplina das ciências socais que estuda as estruturas e as culturas produzidas pelo Homo Sapiens Sapiens, a única espécie humana - raça, dizíamos nós até há pouco tempo - a que pertencemos todos nós: nharros, tugas, gringos, chinocas, etc... Na Europa também é sinónimo de Etnologia, incluindo a Etnografia]:

9 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2252: Antropologia (1): A guerrilha invisível ou o Poder da Invisibilidade (Virgínio Briote / Wilson Trajano Filho)

25 de Setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3238: Antropologia (12): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

14 de Setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3206: Antropologia (11): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

5 de Setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3175: Antropologia (10): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

29 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3154: Antropologia (9): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3128: Antropologia (8): Exposição Bijagós no Museu Afro Brasil, São Paulo

23 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3089: Antropologia (7): As tabuinhas das escolas corânicas: tradutor de árabe, precisa-se (A. Santos / Luís Graça)

18 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3070: Antropologia (6): O povoamento humano da zona do Cantanhez: apontamentos (Carlos Schwarz)

2 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

12 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2434: Antropologia (4): Kasumai, bons augúrios na cultura felupe (Luís Fonseca / Pepito)

2 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2322: Antropologia (3): 1952: Mulher mandinga da... Colónia da Guiné (Luís Graça / Beja Santos)

20 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2289: Antropologia (2): A literatura infanto-juvenil dos anos 40 e os estereótipos coloniais (Beja Santos)

9 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2252: Antropologia (1): A guerrilha invisível ou o Poder da Invisibilidade (Virgínio Briote / Wilson Trajano Filho)

Guiné 63/74 - P3864: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (3): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 5-6

1. Continuação da publicação da revista mensal PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973, um número histórico de que nos foi enviado uma cópia, digitalizada pelo nosso amigo e camarada Eduardo Magalhães Ribeiro, mais conhecido na Tabanca Grande como o pira de Mansoa.

As páginas 5 e 6, agora transcritas, foram traduzidas do francês para português pelo Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, os Tigres de Cumbijã (1972/74).




O primeiro executivo do nosso Estado



Foto: (da direita para a esquerda)

- Comandante FRANCISCO MENDES (CHICO TÉ), membro do Secretariado Permanente do CEL, Comissário Principal;

- Comandante JOÃO BERNARDO VIEIRA (NINO), membro do Secretariado do CEL, Comissário para as Forças Armadas;

- Comandante PEDRO PIRES, membro do Secretariado Permanente do CEL, Comissário Adjunto para as Forças Armadas;

- Dr. VASCO CABRAL, economista, membro do CEL, Comissário para a Economia e Finanças;

- Chefe JOSÉ ARAÚJO, membro do CEL, Comissário do Secretariado Geral de Estado;

- Comandante ABDULAY BARY, membro do CEL, Comissário do Interior;

- Chefe FIDELIS CABRAL D’ALMEIDA, membro do CSL, Comissário da Justiça;

- VICTOR SAÚDE MARIA; membro do CEL, Comissário dos Negócios Estrangeiros.

O Comandante Francisco Mendes, membro do Secretariado Permanente do CEL, foi escolhido para presidir ao Conselho dos Comissários de Estado, na qualidade de Comissário Principal.

As atribuições do Conselho dos Comissários de Estado têm como objectivo a elaboração do programa político, económico, social e cultural do Estado, bem como a sua defesa e segurança. Dirige, coordena e controla os diversos Comissários de Estado, os outros Serviços Centrais, os Comités regionais de Estado e os Comités de Sector de Estado. Nomeia e demite os funcionários de Estado.

O primeiro executivo do nosso Estado


Foto: (da direita para a esquerda)

- Eng JÚLIO SEMEDO, Sub-Comissário para o Desenvolvimento dos Recursos Naturais;

- Eng MÁRIO CABRAL, Sub-Comissário para o Controlo Económico e Financeiro;

- ARMANDO RAMOS, membro do CSL – Sub-Comissário do Comércio;

- Comandante MANUEL SATURNINO, membro do CSL, Sub -Comissário para a Educação e Cultura;

- Eng ADELINO NUNES CORREIA, Sub-Comissário para a Juventude e Desportos;

- JOÃO da COSTA, membro do CSL, Sub-Comissário para a Saúde e Assuntos Sociais.


O engenheiro SAMBA LAMINE MANÉ, Sub-Comissário para a Agricultura e Pecuária, e o Dr. LUIZ SANGA, Sub-Comissário para a Estatística e Planificação, que não aparecem nas fotografias, completam a lista dos camaradas que constituem o primeiro executivo do nosso Estado.

Após o discurso de encerramento do secretário geral do PARTIDO, Aristides Pereira, e do hino nacional Esta é a nossa pátria bem amada, cantado por um grupo de pioneiros do Boé, um grandioso desfile das FARP e manifestações populares assinalaram o encerramento da primeira reunião da ANP


Numa mensagem dirigida à Assembleia por Sua Excelência o Presidente Ahmed Sékou Touré em nome do Comité Central do PARTIDO DEMOCRÁTICO DA GUINÉ, e do Governo guineense, lido pelo chefe da delegação da imprensa guineense, senhor Fodé Berété , a República irmã da Guiné reconheceu no terreno o nosso jovem Estado da Guiné Bissau, cujo aparecimento constitui um acontecimento sublime na história da libertação dos povos africanos.


Ao separarem-se, por entre a emoção, o entusiasmo, e a plena consciência das responsabilidades do Partido, os deputados á ANP, os militantes e responsáveis do partido mostraram mais do que nunca a convicção de que o caminho traçado ao nosso povo pelo nosso bem amado líder Amílcar Cabral, é o caminho da liberdade, da dignidade e da glória.

Eis, pois, porque a participação na luta pela liberdade total da Pátria e a defesa da sua soberania, constituem a honra e o dever supremo do cidadão do nosso Estado da Guiné Bissau.


Elevado número de jornalistas e cineastas africanos e estrangeiros assistiram aos trabalhos da ANP que também tiveram a cobertura da nossa RÁDIO LIBERTAÇÃO e de uma equipa de cineastas dos nossos serviços de informação.
_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

2 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2

5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3846: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (2): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 3-4

(**) Estes homens seguiram depois percursos diferentes: alguns conheceram a morte, a traição, o exílio... Eis alguns dados biográficos, muito sumários, de alguns dos elementos do Primeiro Governo da República da Guiné-Bissau:

Luís Cabral (n.1931)> Foi o primeiro persidente da Repúblcia da Guiné-Bissau, desde 1973 a 1980, altura em que foi deposto por um golpe de Estado. Vive exilado em Portugal.

Francisco Mendes, Chico Té (1939-1973) > Será assassinado em 7 de Julho de 1988;

João Bernardo Vieira, Nino (n. 1939) > Presidente da República desde 1 de Outubro de 2005;

Pedro Pires (n. 1934) > Presidente de Cabo Verde desde Março de 2001 (Primeiro-ministro, de 1975 a 1991);

Vasco Cabral (1926-2005) > Escapou, por um triz, ao atentado que vitimou Amílcar Cabral; não se opôs ao golpe do 'Nino' Vieira que depôs, em 1980, governo de Luís Cabral;

José Araújo > Caboverdiano, hábil jurista;

Fidelis Cabral de Almada > Terá sido ele quem, após a morte de Amílcar Cabral, propôs o nome de 'Nino' Vieira para secretário-geral do PAIGC;

Abdulai Bari > [ Não se dispõe de elementos];

Vitor Saúde Maria (1939-1999) > Exilado entre 1984 e 1990;

Manuel Saturnino da Costa (n. 1942) > Virá a ser secretário-geral do PAIGC e depois 1º ministro (1994-1997).

Outras fontes > Vd. blogue do Virgínio Briote > Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas > 18 de Dezembro de 2008 > PAIGC: alguns dos protagonistas

Vd. ainda postes do Virgínio Briote:

18 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)(V. Briote)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2128: Bibliografia de uma guerra (18): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte II)(V. Briote)

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2136: Bibliografia de uma guerra (19): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte III) (V. Briote)

Guiné 63/74 - P3863: Tabanca Grande (114): Libério Candeias Lopes, ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65)


1. Mensagem de Libério Candeias Lopes, ex-2.º Sargento da CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65, com data de 6 de Fevereiro de 2009:

Caro amigo

Junto, em anexo, um pequeno contributo para a historia da guerra da Guiné.
Se o mesmo tiver alguma utilidade queiram publicá-lo no respectivo blog.

Um abraço
Libério

2. Carta para Luís Graça

Libério Candeias Lopes
Ex-2.º Sarg Mil Inf
Guiné: Bambadinca e Xime
1963/65


Caro Luís Graça

Sou um assíduo leitor do teu blog e tenho acompanhado com grande interesse as inúmeras histórias descritas por quem as viveu e sentiu intensamente. São elas que estão a contribuir para que se escreva a verdadeira história da guerra da Guiné.

Cumpri o serviço militar obrigatório durante 48 longos meses. Quando estava para passar à disponibilidade, fui agraciado com um prémio: um cruzeiro (com tudo incluído) até à Guiné...

É normal que estes 4 anos acabassem por ser vividos intensamente, embora sem quaisquer contrapartidas no aspecto pessoal e profissional. É também natural que, embora tente esquecer os dois anos de Guiné, o não consiga fazer.

E, por isso mesmo, sempre que posso lá estou eu ligado ao teu blog.

Certamente que não irei contribuir ou acrescentar muito mais ao que tenho lido. Mas gostaria de deixar alguma coisa sobre os locais e a companhia a que pertenci.

Há nomes que nunca esqueci ao longo destes 4 anos:

Amedalai, Samba Silate, Ponta Varela, Ponta do Inglês, Taibatá, Chicamiel, Xitole, Saltinho, Fá Mandinga, e, principalmente, Bambadinca e Xime.

Fiz parte do primeiro pelotão a instalar-se no Xime, no dia 1 de Julho de 1963. O resto da Companhia 526 ficou instalado em Bambadinca.

Vivi intensamente 9 meses no Xime.

Dias felizes e outros menos felizes, nem uns, nem outros foram esquecidos. Houve tempo para tudo.

Do Pelotão, de cerca de 30 homens, faziam parte o Alf Mil Correia Pinto (já falecido); os Furriéis Milicianos Tibério (falecido), Virgílio e eu próprio.

Para terminar, segue uma historieta passada comigo no Xime, e em separado, o resumo da história da Companhia 526, que por mero acaso fui guardando ao longo destes anos.

Aquartelamento do Xime

Ponte de Saltinho

Fur Mil Virgílio e Tibério, Alf Mil Correia Pinto e Fur Mil Libério

3. Um libanês no Xime

Além da casa onde nos instalámos no Xime, havia uma outra em frente, onde habitava um italiano. Indivíduo afável, que fazia, como ninguém, um frango à cafreal, e que tinha a profissão de alfaiate.

Em determinada altura arranjei uma cadeira onde poderia descansar e dormir alguma sesta, já que, durante a noite, pouco dormia. Faltava-me, porém, o tecido para a referida cadeira de encosto. Tiradas as medidas pelo alfaiate, vou à moradia mais acima, onde o libanês Amin tinha o seu comércio. Dei-lhe as medidas, escolhi o pano e entreguei-o novamente ao alfaiate, para o coser.

No dia seguinte vou colocar o pano na cadeira e, em vez de ficar abaulado, para nele me deitar, ficou esticadinho, resultando daí a sua ineficácia. Chamei o alfaiate para lhe mostrar a sua obra e fiz-lhe ver que se tinha enganado nas medidas. Jurou que não e que as medidas estavam correctas, pelo que deveria ir ao Amin ver o que tinha acontecido. Lá regressei novamente ao comerciante e pedi-lhe para rectificar as medidas do tecido que tinha comprado, tendo-lhe eu explicado o que sucedera com a cadeira. Pela reacção dele, vi logo que ali havia marosca, e que ele nem atava nem desatava. Perante a minha reacção, um pouco menos amigável, começou a titubear e acabou por me pedir desculpa, porque se tinha enganado no metro. Convidei-o a contar toda a história, e não é que o indivíduo tinha um metro para o branco e outro para o preto?! O do branco estava correcto, mas o outro tinha menos cerca de 20 cm.

Ao olhar em frente, vejo duas balanças decimais no meio do estabelecimento. Resolvi ir pesar-me em ambas. E eu, que pesava na realidade cerca de 75 quilos, pesei, numa, perto de 100 quilos e, na outra, sessenta e pouco! Cheguei à conclusão lógica de que uma era para vender e a outra para comprar os produtos locais.

Aí, a minha consciência é alertada e pensei: - Mas, afinal, o que andamos nós aqui a fazer? Os habitantes desta terra terão assim boas razões para se revoltarem...

Resumindo: Disse ao Amin que, se à noite ainda estivesse no Xime, eu iria ter com ele. Não foi preciso. Pegou na sua velha camioneta, carregou-a com o que pôde, e desapareceu de vez daquela tabanca.

Foi mais uma casa livre dentro do arame farpado...

À esquerda a nossa vivenda. À direira o comércio do libanês Amin

3. Comentário de CV

Caro Libério, cabe-me receber-te na nossa Tabanca Grande. Bem-vindo. És um dos pouco mais velhos do nossa Tertúlia e um dos ex-combatentes do início da guerra na Guiné, logo com direito a uma saudação especial.

Pelo modo como entraste, prometes ser um elemento activo, com muitas histórias para contares a nós, periquitos da década de setenta.

Instala-te, puxa da caneta e continua a escrever as tuas memórias que muito contribuirão para a memória futura da guerra colonial, da Guiné particularmente.

Em nome da Tertúlia, deixo-te um abraço fraterno.
CV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3857: Tabanca Grande (113): José Manuel Moreira Cancela, ex-Soldado AM da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3862: As Grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (1): Operação "Grão Mongol", a primeira

1. Mensagem, com data de 6 de Fevereiro de 2009, de Carlos Marques Santos (*), ex-Fur Mil da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69, a quem saudamos especialmente (É um dos membros da nossa Tabanca Grande da primeira hora, e presença constante tanto na I Série do nosso blogue, como nos nossos três encontros nacionais, em 2006, 2007 e 2008):

Amigo Carlos:

Hoje mando um texto, simples, sobre a 1.ª operação da minha CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo 68/69. Pretendo recordar a operação que nos iniciou na guerra a sério.

Um abraço,
CMSantos



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)


2. Em 1968 e a recordar pelo louvor do BART 1904

Operação Grão Mongol – 1.ª OP. da CART 2339

Iniciada em 25 de Fevereiro de 1968, às 05.00, com a duração de três dias e com a finalidade de executar em duas fases uma acção ofensiva sobre os acampamentos IN do GALO CORUBAL, SATECUTÁ, PONTA JAI e SILI BALDÉ.

Nota: A CART 2339 tinha um mês de Guiné e estava aquartelada em FÁ MANDINGA. PERIQUITOS.

Tomaram parte na Operraçã9o:

O CMD do BART 1904

Dest A – CART 2339 (a 4 Gr Comb) e 1 Secção de Pel/Mil

Dest B – CART 1646 + 1 Gr Comb

Dest. B – CART 2338 + 4 Gr Comb

Dest. B – Pel Caç Nat - Xitole

Desenrolar das acções:

O Destacamento A saiu de Fá em 24/17.30h em direcção a Mansambo (que era um lugar algures no mapa da Guiné, e que viria a ser a sua sede futura como aquartelamento construído de raiz a partir de Abril), onde pernoitou (???).

Cerca das 06.00 do dia 25, saiu de Mansambo para atingir o ponto determinado, recebendo um guia – DEMBO – no ponto cota 25 antes de atravessar a bolanha.

Na madrugada do dia 26, cerca das 04.30h iniciou-se a corta mato (!!!) a marcha para o objectivo.

Ao aproximar-se do acampamento do GALO CORUBAL, o Dest foi detectado por uma sentinela.

Ao entrar na referida mata o IN resistiu fortemente com Morteiro 82, MP, LGF e armas automáticas.

Dada a impossibilidade de manobra, foi dada ordem para a instalação fora da mata e pedido APAR (apoio aéreo).

Nota: A cada bomba largada o salto de cada um de nós, instalados no terreno, era de pelo menos meio metro.

Depois da actuação dada pelo APAR, a CART 2339 iniciou a progressão sobre o objectivo, que atingiu e destruiu, sendo, mesmo assim, flagelada durante o movimento.

Nota: A mata era impenetrável. Eu estava lá e confirmo. A minha Secção era a da bazuca e fui dos primeiros a entrar. Tiros por cima da minha cabeça foram muitos.

Também fui dos últimos a sair. Lançámos fogo a tudo com granadas incendiárias.

O acampamento era grande (100 casas). Apreenderam-se documentos.

2 Gr Comb seguiram para DANDO, onde efectuaram fogo de morteiro sobre Satecutà e PONTA JAI.

Ao iniciar a retirada fomos brindados com 2 tiros de Morteiro 82 provenientes de Gã Júlio.

Pernoitámos em Mansambo e regressámos a 27 a Fá Mandinga.

O regresso a casa é sempre BOM.

Mal sabíamos que a nossa casa seria, no futuro, MANSAMBO por nós edificada.

25 de Fevereiro, 41 anos depois, dia de anos do meu pai, ainda vivo (91 anos).
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2887: Em busca de...(27): José Alberto Machado, Alf Mil Médico (Carlos Marques Santos)

Guiné 63/74 - P3861: Memória dos lugares (17): Nova Lamego, a raínha do Gabu (Tino Neves)

Gabu > Administração de Gabu (Foto actual)

Gabu > Fonte da Bajudas

Tino Neves. Ao fundo a Estação dos CTT de Gabu

Praças convidados para a festa de despedida das filhas do Administrador de Gabu

Gabu > Estação dos Correios (Foto actual)

Tino Neves

Peluda > Gravura feita em stencil


1. Mensagem de Contantino Neves (Tino Neves), ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71, com data de 5 de Fevereiro de 2009:

Caros Camaradas e amigos: Luís, Carlos e Briote e restantes membros da Tabanca Grande.

Já há uns tempos que não vos enviava quaisquer apontamentos por mim escritos, mas desta vez, houve algo que há muito estava à espera que acontecesse, foi alguém que, descrevesse a Vila de Nova Lamego tão bem, que, nem um dos melhores criadores de Guias Turísticos o teriam feito com a mestria do nosso camarada José Manuel Dinis no post P3834 de 29 de Janeiro.

Mas, um Guia Turístico nunca está totalmente completo, daí o meu desejo, não de o completar, não tenho essa pretensão, mas sim, dar mais uma ajuda para alcançar então esse fim, se possível, outros o completarão.

Como já disse atrás, a descrição feita de Nova Lamego está muito bem feita, não faltando de facto um dos ex-libris, do qual achei até muita graça, da "GMC" e do "Unimog", de que me recordo perfeitamente, mas há muitos mais, assim como a Fonte das Bajudas, (que junto imagem), que era a fonte onde as bajudas, nossas lavadeiras, iam lavar as nossas roupas, que ficava no caminho vindo, julgo eu, de Piche, ao entrar-se em Nova Lamego. Passava-se junto da Administração do Gabu, de que também junto foto actual (Fev/2005), passava-se então pelo cruzamento (onde estou eu na foto à civil, no dia 8/02/70). Sei que foi tirada nesse dia, porque foi dos poucos dias em que eu me vesti à civil, em Nova Lamego. E porquê? Porque no BCaç 2893, quem fizesse anos tinha como prenda a folga de quaisquer serviços e autorização para se vestir à civil, portanto essa foto foi-me tirada no dia em que fiz 22 Invernos, no cruzamento, entre os CTT, correios civis (que junto 2 fotos, antiga e actual), o Cine Gabú e a loja do Sr. Caeiro, um português de raça branca. Era uma loja essencialmente de electrodomésticos, mas não só, e na ponta que falta, a do meu lado direito, um dos edifícios civis utilizados para o quartel velho.

Por falar da loja do Sr. Caeiro, o telhado da referida loja era simplesmente uma placa de cimento, não sendo muito grande, talvez pudesse lá pousar um helicóptero, mas foi utilizado para outra coisa diferente. Estando lá um Capitão pára-quedista que estava a preparar-se para uma competição no estrangeiro, de salto em queda livre, resolveu fazer uma aposta em como iria saltar e pousar no telhado da loja do Sr. Caeiro. Assim fez, saltando de um helicóptero que subiu em espiral, tão alto, até deixar de se ver.

O segundo dia em que fui também autorizado a trajar à civil, foi para ir a uma festa de despedida das filhas do Sr. Administrador do Gabu, que era de origem caboverdianas, que estavam em Portugal, segundo me recordo, na região de Évora, num colégio de freiras a estudar. Tinham passado lá em Nova Lamego um mês de férias e estavam de partida. Foi então organizada uma festa com baile, julgo que pelo próprio Sr. Salomão, pai das ilustres homenageadas, que eram muito giras e simpáticas. (Também junto foto dos únicos praças (Cabos), que foram convidados).

Por detrás de mim, nesse cruzamento, mais atrás do meu lado direito, fica a porta de armas do quartel, onde eu estou ao telefone e sensivelmente mais atrás do meu lado esquerdo ficava um pequeno Destacamento de Engenharia. Entre os poucos elementos que o compunham, estava um Furriel, nome do qual já não me recordo, mas para quem trabalhei muitas vezes a pedido do meu capitão, pois ele tinha que fazer todas as semanas a listagem de pagamentos aos civis a seu cargo e muitas das vezes não o conseguia fazer sozinho e atempadamente. Eram bastantes folhas com 4 ou 5 cópias cada lista. Com o papel e o químico em 5 cópias, tinha que se bater bem forte nas teclas da máquina de escrever e, como as letras como o "a", "o", "b" e "d" cortavam o papel, sendo a lista composta pela maioria de "Baldés" e Djalós", os duplicados passariam por vezes a serem os originais, por estes estarem tão esburacados.
Noutros trabalhos feitos em Stencil (ou folhas de cera) com aquela máquina, tinha que se ser muito suave ou utilizar o verniz, para repor a letra cortada. Com as folhas de Stencil eu fazia qualquer tabela criada a régua e estilete, incluído este boneco, de que não sendo o seu autor, me foi concedido para fazer subscritos (envelopes) para cartas e serem enviadas por nós aos nossos familiares e Madrinhas de Guerra.

Falei do senhor libanês que tinha uma loja muito concorrida e uma esposa muito bonita. Posso afiançar que era verdade, cheguei a vê-la, só bonita não chega, mas fiquemos por aqui, não terei adjectivos suficientes para a descrever.
Havia mais uma loja de outro libanês que não ficava atrás, talvez fosse até mais popular, que era o Sr. Magid Danif. Era ele e a mãe do qual não me lembra o nome, mas estando eu lá na altura, suponho que no Inverno de 1970, talvez em Dezembro, a senhora veio cá a Portugal, porventura passar o Natal ou outro assunto, o certo é que faleceu num quarto de pensão, asfixiada com um calorífico a gás.

Do Sr. Madid Danif tenho uma estória que me aconteceu cá em Portugal, a qual nunca contei a ninguém. Vai ser contada agora pela primeira vez.

Eu era caixa na Agência do Totta & Açores, na Cova da Piedade e, no inicio dos anos 90, não tenho presente de facto o ano certo, mas julgo ter sido por essa altura, estava eu na caixa a pagar cheques, quando me aparece uma jovem bonita, alta e elegante bajuda que me entrega um cheque para receber. Nos instantes em que ela procurava o B.I. para eu conferir os dados e assinatura do verso do cheque, passo com os olhos pelo nome de quem pertencia o cheque, quando dei um berro, lendo o nome do apelido lá escrito, MAGID DANIF. Assim o disse, logo recuperei a calma e julgo que ela não se tenha apercebido da minha reacção, pois estava com os olhos metidos na mala na procura da carteira, mas eu fiquei com o coração aos saltos. Ver e ouvir ali à minha frente, uma criatura, que eu talvez tenha visto em pequenina ou simplesmente ser familiar de uma pessoa que eu conheci na Guiné, para mim, e julgo que por todos aqueles que por lá passaram, ficamos vacinados, aliás, não diria vacinados, mas sim contaminados com o vírus Guiné. Qualquer coisa que se relacione com aquele país, o vírus manifesta-se logo e como ia dizendo, depois enquanto a ía atendendo, dialoguei com ela que me confirmou ser filha do Sr. Magid Danif e que estava cá em Lisboa a estudar. Acabei de a atender, dei-lhe o dinheiro do cheque e ela foi-se embora, mas eu não fiquei bem, queria falar um pouco mais com ela, saber mais coisas lá de Nova Lamego, etc., mas não podia, porque tinha um a bicha (fila) de pessoal à espera para atender. Chamei a pessoa que se seguia e aí é que foi o problema, só à terceira tentativa é que eu consegui fazer a operação de lançamento do cheque correctamente, porque naquele momento eu não me encontrava ali, na Agência do Totta da Cova da Piedade, mas sim a milhares de quilómetros, na Guiné, mais propriamente em Nova Lamego, a percorrer as suas ruas, a visitar a loja do Sr. Magid Danif. Acabei de atender essa pessoa, fechei a caixa do dinheiro e desci aos arquivos, a fim de tentar acalmar, pois o meu coração estava aos saltos, estava eufórico, não sabia o que estava acontecer, só sabia que tinha ficado com pena de não ter ficado à fala um pouco mais com aquela encantadora criatura que tinha aparecido à minha frente. Confesso aqui pela primeira vez, que chorei, as lágrimas corriam-me pela face abaixo, que nem torneiras, mas era um choro silencioso e de alegria, satisfação e tristesa ao mesmo tempo, por não saber mais nada de novo. Não me conseguindo controlar, tentei lá no arquivo procurar alguma coisa que me desviasse a atenção e me acalmasse, o que aconteceu passados 15 minutos (o que naquele balcão nessa altura era possível, porque eram várias caixas a trabalhar ao mesmo tempo e eu tinha também ao meu cargo o arquivo). Peguei numa pasta e regressei à caixa para acabar o trabalho que faltava. Já mais calmo, mas já no final do fecho da caixa, procurei o cheque da menina Magid Danif e fui à base de dados procurar os contactos dela, com a intenção de mais tarde a procurar por telefone ou pessoalmente, mas quando já tinha no visor do PC o que procurava e me dispunha a tomar nota, senti uma mão no meu ombro esquerdo.Virei-me quase de imediato e qual foi o meu espanto, não vi ninguém que o tivesse feito, porque estavam todos bastante afastados de mim e eu estava sozinho. Aquela mão invisível fez-me vir à realidade e pensar para mim, o que é que estar a fazer? A pequena não ficou muito satisfeita, apesar de confirmar quem era, não mostrou com sorriso o acontecido, talvez tenha ficado assustada ou qualquer outra coisa. Desliguei o computador sem tomar nota e pensei se de facto ela também ficou curiosa talvez torne a vir cá, apesar da conta ser de Lisboa. E assim acabei o dia e muitos mais dias, meses e anos, sem saber mais nada daquela encantadora criatura nem de Nova Lamego.

Muitos ao lerem este meu desabafo, vão comentar, este deve estar, ou esteve apanhado do clima, mas não se esqueçam que naquela altura, na NET pouco se sabia ou nada e o que sabíamos da Guiné e, do meu caso em especial Nova Lamego, nada. Agora sim com a NET, sabemos tudo o que queiremos, é só procurar.
Antes deste acontecimento, tinha muitos casos em que me dava à fala com guineenses, porque sempre que via um africano, que me parecesse da Guiné, tentava logo saber donde eram e se eram do Gabu ou não.

Fico por aqui, satisfeito e aliviado por ter desabafado, mas só mais uma coisa, o VIRUS DA GUINÉ é do tipo Proteico / Vitamínico, porque quando vemos, ouvimos ou lemos algo sobre a Guiné, de bom, nos dá força e nos rejuvenesce, mas quando é mau, nos deita abaixo, faz-nos dor e sofremos.

Um Abraço
Tino Neves
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3837: Memória dos lugares (16): Cacheu, 1964 (António Paulo Bastos, Pel Caç 953, 1964/66)

Guiné 63/74 - P3860: Ser solidário (27): Mais de 320 caixas da Ajuda Amiga seguiram ontem para Bissau em contentor da Portline

Página principal do sítio da Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento, com sede na Rua do Alecrim, 8, 1º Dto, 2770 - 007 Paço de Arcos.

Trata-se de uma Associação sem fins Lucrativos, com o estatuto de ONGD - Organização Não Governamental para o Desenvolvimento, e sendo uma Pessoa Colectiva de Utilidade Pública.

A Associação tem por objectivo apoiar: a) Projectos humanitários de apoio social às populações mais carenciadas; b) Projectos de desenvolvimento, com destaque para as áreas: agrícola, industrial artesanal, serviços, educação, e cultura.
A sua principal área de actuação é a Guiné-Bissau.

O presidente e fundador da associação é o nosso camarada Carlos Fortunato (aqui na foto, em primeiro plano, sendo o primeiro do lado direito). O presidente da assemleia geral, e também co-fundador, é o nosso amigo Carlos Silva, advogado, membro igualmente da nossa Tabanca Grande (no primeiro plano, ao centro).

Na foto, tirada em 19/4/2008, há mais camaradas de outras companhias que passaram pela Guiné. "Espero em breve escrever um pouco sobre tudo isto no blogue. É uma nova guerra que estamos a combater na Guiné, só que os nossos inimigos são a doença, a fome, a miséria" -. diz-ns o Carlos Fortunato, que foi Fur Mil na
CCAÇ 13 (também conhecida por Leões Negros ou Companhia dos Balantas de Bissorã). (*)


Foto: Cortesia de Ajuda Amiga

1. Mensagem do Carlos Fortunato, com data de 13 de Janeiro último :

Olá, Luís.

É sempre um prazer contactar contigo, mas relativa ao assunto em questão, infelizmente não consigo ajudar o Humberto [,que pretendia 'boleia' para uns caixotes com ajudas destinadas à Guiné-Bissau], neste momento vamos deixar ficar cá cerca de 100 caixas, por falta de espaço no contentor.

Tenho que escrever um nota para o Blogue, para divulgar junto dos camaradas estas nossas inicativas, e alargar o número de sócios da Ajuda Amiga, e a colaboração, mas neste momento estou um pouco absorvido a angariar apoios, e terminar os últimos preparativos para o envio deste contentor.

O contentor [da Portline] parte dia 8/2 e chega a 25/2, eu estarei lá de 25/2 a 12/3.

Nos nossos objectivos temos planeado enviar todos os anos um contentor.

O meu telemóvel é o 935 247 306, mas podes facilmente obter o meu contacto, e de outros camaradas da Ajuda Amiga no nosso site, é 99% camaradas que estiveram na Guiné.

http://ajudaamiga.com.sapo.pt/contactos.html

Neste site no fim de cada mês fazemos um resumo das nossas actividades. (**)

Enviei-te em Dezembro um e-mail, mas não me respondes-te, pelo que aproveito para o apresentar a seguir, apenas pretendia conhecer os contactos que existem ao nível médico, para um eventual pedido de esclarecimento.

Um grande abraço

Carlos Fortunato

2. Mensagem do Carlos Fortunato, com data de 23 de Dezembro último:

Já há bastante tempo que não falamos, espero que tudo esteja a decorrer da melhor maneira contigo.

Queria pedir-te uma ajuda para um camarada africano, de nome Domingos Manfande, que queria trazer a Portugal para ser operado às cataratas, e era necessário contactar alguém na área da saúde, que nos pudesse dar uma ajuda, explicar o que é necessário fazer para se poder tratar da credencial.

Em Portugal já temos um oftalmologista para fazer a operação gratuitamente, só preciso de uma credencial médica, para ter possibilidade de fazer o internamento hospitalar ao abrigo do protocolo existente. No que respeita à viagem esta será paga por um grupo de camaradas.

O Domingos espera há vários anos porta tratamento, e a situação agrava-se cada vez mais. Disseram-lhe que quando colocasse a mão à frente dos olhos e não visse a mão, então estava bom para ser operado, neste momento apenas consegue contar os dedos de uma mão a 2m de um olho e a 1m do outro, e apesar de o ter enviado a vários médicos para ser consultado e tratado, não consigo que problema dele seja resolvido, nem obter um diagnóstico claro.

O Domingos Manfande (imagem à esquerda) era um soldado do meu pelotão, foi um dos meus alunos a quem ensinei a ler e a escrever, conseguiu sobreviver todos estes anos no meio das muitas dificuldades que tu conheces, e neste momento é o meu homem de confiança na Guiné, liderando na zona de Bissorã o movimento que criamos de apoio àquela gente, e em particular aos nosso camaradas.

A Guiné ficou realmente a fazer parte de todos nós, e neste momento vários movimentos de ajuda liderados por antigos combatentes portugueses estão em curso, um deles chama-se Ajuda Amiga, e nele desempenho o papel de Presidente da Direcção.

A Ajuda Amiga é um grupo de camaradas com grande espirito humanitário e de solidariedade, com o qual dá prazer trabalhar, a sua criação teve por objectivo unir os vários camaradas que em acções individuais realizavam visitas onde prestavam apoio aos antigos camaradas e às gentes da região onde tinham estado.

Acabamos por nos organizar por zonas [ Bissau, Bissorã, Farim, Mansabá], e cada grupo tenta na sua zona organizar a logística para conseguir fazer chegar o apoio a quem realmente precisa, nunca esquecendo os nossos camaradas.

O site http://ajudaamiga.com.sapo.pt/ dá-te uma visão do que estamos a fazer. Em Fevereiro de 2009 vamos enviar um contentor para a Guiné, estamos a trabalhar em colaboração com outra associação, a Memória e Gentes, que já publicou algumas coisas no blogue. Assim vão sair 2 contentores para a Guiné na mesma data, um de Coimbra e outro de Lisboa, e ambas as associações vão ter gente am Bissau à espera deles.

Espero em breve escrever um pouco sobre tudo isto no blogue. É uma nova guerra que estamos a combater na Guiné, só que os nossos inimigos são a doença, a fome, a miséria.

Um grande abraço

Carlos Fortunato

3. Comentário de L.G:

Meu caro Carlos: Fico muito orgulhoso de ti, do Carlos Silva e dos demais camaradas que puseram mãos à obra e fundaram a Ajuda Amiga. Vamos pôr o nosso blogue também ao serviço da causa da solidariedade para com o povo da Guiné-Bissau. Há muitas formas de ser solidário. A tua é seguramente a mais nobre. Desejo as melhores felicidades para a Ajuda Amiga e os seus colaboradores.

Quanto ao caso do teu amigo e antigo soldado do teu pelotão, que precisa urgentemente de ser operado às cataratas, posso oferecer-me para te facilitar contactos na Direcção Geral de Saúde ou no Ministério da Saúde. Telefona-me, logo que possas. Entretanto, fica aqui o teu apelo. Pode ser que alguém mais nos possa ajudar.

Entretanto, desejo-te boa viagem e boa estadia na Guiné-Bissau. Vai-nos dando notícias.

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 2 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3691: Ser solidário (26): Projecto em Empada dos alunos da Esc Sec Infanta D. Maria de Coimbra (Filipa Pestana)

Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

Restos do Fiat G91-R4 nº 5419, atingido por um míssil Strela, à vertical de Madina do Boé, no dia 28 de Março de 1973. Era pilotado pelo comandante Almeida Brito (1933-1973). Na foto vêem-se guerrilheiros do PAIGC examinando os destroços.


A notícia da queda do Fiat G-91, pilotado pelo Ten Cor Pilav Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, da BA 12, em Bissalanca. Diário de Notícias, 31/3/73.

Imagens: Cortesia do blogue do Victor Barata > Especialistas da BA12, Guiné 65/74 > Terça-feira, 31 de Julho de 2007 > Ten Cor Pilav Almeida Brito: Única vitíma mortal do Strela, por Arnaldo Sousa

O Comandante Almeida Brito tinha nascido em 1933 e concluído em 1953 o curso de aeronáutica militar na Escola do Exército (antecessora da Academia Militar). O seu desaparecimento (o corpo nunca chegriara a ser encontrado) causou profunda consternação na BA12 e em Bissau, onde era um militar muito conceituado e muito querido entre os seus subordinadas e amigos.


Imagem do míssil russo SA-7 Grail (designação da NATO).

Fonte: Wikipedia, the free enciclopedia > Strela 2 (imagem copyleft)


I. Mensagem, com data de 2 do corrente, enviada pelo nosso amigo e camarada Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav (Bissalanca, BA12, 1972/74), hoje Cor Pilav Ref.


Caro Luís

Na sequência das linhas que te enviei sobre os mísseis Strela na Guiné, e tendo conhecimento de um texto rigoroso sobre o assunto elaborado já há uns anos, mas nunca publicado, achei por bem falar com o seu autor, o então Comandante da Esq 121 (Fiats G-91, T-6 e Do-27), (à data Capitão) Pinto Ferreira, solicitando-lhe autorização para enviar o referido texto para publicação nesse blogue.

Para além do rigor da informação nele contida (o autor teve a amabilidade de o enviar a pilotos que voaram nessa época na Guiné, para eventuais correcções), parece-me importante dar a conhecer aos frequentadores do blogue um resumo fidedigno do que realmente sucedeu e corrigir de vez o que sobre esta matéria se tem escrito incorrectamente.

Dada a anuência do autor do texto, aqui segue a informação, achando eu que deve ser dado o devido crédito a quem, pelas funções que desempenhava na época e o conhecimento profundo dos eventos relatados (porque esteve lá na maioria deles), merece toda a credibilidade.

Um abraço fraterno
Miguel Pessoa



II. A INTRODUÇÃO DO 'STRELA' (*) NA GUINÉ
por José Manuel Pinto Ferreia (Ten Cor Pilav Ref)


1. O primeiro míssil Strela foi mais sentido que visto quando uma parelha de Fiats G-91, pilotada pelos Ten Cor Brito e Ten Pessoa, executava uma missão junto à fronteira norte, em Campada – S. Domingos, no dia 20 de Março de 1973. O míssil passou entre os dois aviões sem atingir nenhum deles, mas tão próximo que o Ten Cor Brito sentiu o impacto da onda de choque do míssil.

Como era habitual sempre que um avião era alvejado, seguindo o rasto de fumo deixado, os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo o local de onde tinha sido feito o disparo, utilizando o armamento de que dispunham (bombas, 2 x 200Kg e 4 x 50Kg cada avião), com os parâmetros de tiro habituais naquela época (3000 a 4000' de altitude), o que poderia ter sido fatal para aqueles pilotos. No entanto não se verificou resposta por parte do IN.

A pedido do chefe da formação o segundo avião observou o exterior do outro, tentando detectar sinais de algum impacto, não tendo no entanto verificado qualquer anomalia. Os aviões regressaram à Base sem mais incidentes.

2. O segundo míssil, agora já detectado visualmente em 22 de Março de 1973, foi disparado contra um DO-27, pilotado pelo Fur Moreira, o qual se encontrava empenhado a fazer o Sector de Bigene. O piloto voava na área de Bigene e, pensando que se tratava de um disparo de RPG, como era habitual quando alguma aeronave era alvejada, pediu ao Centro de Operações Aéreas na BA12 que enviasse para o local a parelha de Fiats de alerta.

A parelha de alerta, armada com foguetes e metralhadoras, descolou para Norte enquanto o DO-27 se mantinha na área. Os dois pilotos dos G-91 eram os Ten António Matos e Lourenço Marques.

Quando chegaram ao local o Fur Moreira indicou o local do disparo como sendo na margem de uma mata, que corria para norte. Indicou também o local onde o tiro tinha caído, que ainda fumegava e que distava do ponto de disparo cerca de 1,5Km. A distância pareceu logo demasiado grande para um tiro de RPG porque o alcance máximo era de 400 metros.

Os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo a orla da mata, de Sul para Norte. Neste circuito o nº 1 saía para a esquerda e o nº 2 para a direita.

Entretanto são verificados dois novos disparos, que não passam perto dos aviões, mas mais uma vez com um grande rasto de fumo e também com grande alcance. Mesmo assim, a surpresa continuou a funcionar, não tendo ocorrido a nenhum dos pilotos que se pudesse tratar de um míssil.

Perante esta reacção do inimigo e porque entretanto ambos os aviões tinham esgotado o armamento, o nº 1 decidiu pedir mais dois aviões, desta feita armados com bombas, 2 x 200 Kg e 4 x 50 Kg.

O nº 1 desta parelha não chegou a descolar, pelo que só saiu o nº 2 que era o Comandante da Esquadra, Cap Pinto Ferreira.

Chegado à zona recebe indicações da parelha anterior e inicia o bombardeamento. À saída do 3º passe de bombas, e já quando passava pelos 5.000 pés [, c. 1500 m], observou, vindo da sua direita, um longo rasto de um míssil em rápida aproximação ao seu avião.

Submetendo o avião aos "Gs" que a velocidade permitia, de imediato sentiu um forte impacto no avião, o que o levou a considerar ter sido atingido. No entanto, sem indicação na cabina de quaisquer danos, rumou em direcção à Base. Os outros dois aviões seguiram-no.

O Cap Pinto Ferreira aterra o G-91 em Bissau, constatando-se então não ter sido atingido por qualquer estilhaço.

Mais uma vez, um míssil passou demasiado perto e o que o piloto sentiu foi a onda de choque.

3. O terceiro Strela atingiu o avião do Tem Pessoa, em 25 de Março de 1973.

Sobrevoando o corredor do Guileje a 1.000' (300 metros) de altitude para se furtar ao fogo das metralhadoras antiaéreas instaladas na Guiné-Conakry, numa missão de apoio ao quartel do Guileje, o avião do Ten Pessoa é o primeiro a sofrer o impacto directo do míssil:

"Fui atingido na parte traseira do avião, fiquei sem motor e depois sem comandos, e deu-me a sensação de que não teria sido uma bateria antiaérea. A minha preocupação, quando senti o impacto e a perda do motor, foi tentar pôr o motor a trabalhar normalmente, com a esperança de fazer uma ignição de emergência. Procurei o aquartelamento a que eu estava a fazer apoio de fogo, com vista à ejecção".

O Ten Pessoa acabou por perder o domínio do avião. Sem motor e sem comandos, sentindo o Fiat afundar-se rapidamente, decidiu ejectar-se. Como voava muito baixo, o pára-quedas não abriu completamente, mas a vegetação travou-lhe a queda, depositando-o no chão com uma perna partida.

Assim que se restabeleceu do choque, começou a procurar um local donde pudesse disparar, relativamente abrigado das vistas do inimigo, a pistola de sinais que lhe permitiria ser localizado pelos aviões. Avaliando rapidamente as circunstâncias em que fora abatido, concluiu que devia estar próximo do aquartelamento de Guileje, e conseguiu determinar mesmo, e acertadamente, em que direcção ele se encontrava. Arrastou-se ainda, a muito custo, algumas centenas de metros, mas não conseguiu alcançá-­lo, como era seu desejo.

Os guerrilheiros não se devem ter apercebido de que o piloto se tinha ejectado, pois a ejecção foi executada a muito baixa altitude. No decurso da noite, que passou dissimulado no meio da folhagem, Pessoa não detectou qualquer movimentação do inimigo nas cercanias.

Apenas no dia seguinte, quando os helicópteros e os aviões começaram a voar na zona, é que eles poderão ter suspeitado da existência de pessoal militar no terreno. Mas quando tentaram localizar o piloto, já era tarde: pelas onze horas do dia 26 de Março de 1973, um grupo integrando elementos das Operações Especiais e de pára-quedistas do BCP12, depois de o localizar, transportou-o para um helicóptero onde a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes lhe prestou os primeiros socorros e o assistiu na sua evacuação para o Hospital Militar de Bissau. A heli-recuperação do Ten Pessoa esteve longe de ser pacífica, tendo sido feitos disparos de mísseis contra os aviões de apoio à operação, nomeadamente a um T6 do Fur Carvalho, mas não causando estragos.

4. Três dias mais tarde, a 28 de Março de 1973, o Comandante do Grupo, Ten Cor Brito, não teve a mesma sorte da primeira vez em que fora alvejado, juntamente com o Ten Pessoa, sendo atingido à vertical de Madina do Boé, por um míssil que provocou a explosão do seu avião.

Por volta das 12H00, o Centro de Operações informara que, segundo a DGS, estaria em curso uma reunião de altos quadros do PAIGC, em Madina do Boé, considerada a capital do território independente da região abandonada em 1969 pelas nossas Forças Terrestres (todo o sul do rio Corubal).

Embora se suspeitasse de uma armadilha, foi tomada a decisão de se fazer um reconhecimento visual da zona, a baixa altitude, pelo que foi accionada a parelha de alerta, constituída pelos Ten Cor Brito e Cap Pinto Ferreira.

Chegados à área, a parelha comandada pelo Ten Cor Brito percorre para sul a estrada que vai até à base do PAIGC na Guiné Conacri, conhecida por Kamberra, a baixa altitude, o que permitiu observar um cenário de viaturas militares destruídas, desde a altura em que o Exército abandonou aquela região. Não se verificou qualquer reacção do inimigo, mesmo quando sobrevoam Kamberra .

Atingida a fronteira sul, os aviões rumam a norte em direcção a Madina do Boé. À vertical daquela posição, o nº 2 da formação, Cap Pinto Ferreira, a voar a cerca de 500 pés [, c. 150 m,] sobre o terreno, é surpreendido pela explosão do avião do Ten Cor Brito - que voava um pouco mais alto á sua frente - atingido por um Strela.

O IN lança outro míssil para o nº 2, que graças a manobras evasivas (mais de 3 "G, s") e à baixa altitude, não é atingido.

De regresso à Base e reunidos os mais altos responsáveis do Comando da Região Aérea e do Q.G., foi decidido não voltar àquele local para a recuperação do corpo do Ten Cor Almeida Brito, apesar de haver voluntários para a operação.

Naturalmente que a perda do líder do Grupo Operacional da Guiné causou grande perturbação nos pilotos, na sua maioria jovens pilotos.

5. Em 6 de Abril de 1973, agora no Norte do território da Guiné, a fortuna foi ainda mais madrasta para o Grupo Operacional 1201 da Guiné. Nesse dia, muito cedo, um DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de Batalhão, a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino.

Tendo-se perdido o contacto com aquele avião, de Bissalanca descolaram meios aéreos para tentar localizá-lo e, quase em simultâneo, descolou outro DO-27 incumbido de proceder a uma evacuação sanitária pedida pelo aquartelamento do Guidaje. O avião era pilotado pelo Fur Carvalho e levava a bordo a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes.

Também este avião não chegaria ao seu destino: alvejado por
um míssil Strela, que o não alcançou por muito pouco, os comandos
do DO-27 ficaram tão danificados pela acção da onda de choque, que teve de regressar à base de origem. [Giselda Antunes e Miguel Pessoa vieram a casar mais tarde, tornando-se, com toda a probabilidade, num casal único em todo o mundo: ambos foram alvejados por mísseis terra-ar Strela, e escaparam os dois à morte.]

Entretanto, para substituir o avião danificado partiu de Bissalanca outro DO-27, pilotado pelo Fur António Carvalho Ferreira.

Tendo embarcado em Bigene o Major Mariz, comandante do Batalhão ali estacionado, este avião aterrou por fim em Guidaje, donde descolou mais tarde com quatro pessoas a bordo: o piloto, o major, um militar ferido e um enfermeiro para o assistir durante a viagem para Bissau. Apenas se sabe que, dadas as características da pista, descolou para norte, entrando por território do Senegal. Nunca mais foi visto!

O primeiro DO-27 desaparecido acabou por ser localizado algures no mato, entre Bigene e Guidaje. Transportado de imediato para o local em helicópteros, um pelotão de pára-quedistas limitou-se a constatar a morte dos quatro ocupantes. Nessa altura, voando na área em protecção da acção terrestre, o T-6 do major Mantovani foi abatido por outro míssil Strela, tendo o piloto morrido na queda do aparelho.

Manuel dos Santos, o homem que chefiara o grupo do PAIGC enviado à União Soviética para aprender a operar os mísseis, e que então acumulava as funções de comissário político da Frente Norte com as de comandante dos mísseis em todo o território, podia dar-se por satisfeito: naquelas poucas semanas do primeiro semestre de 1973, os seus homens desferiram um duro golpe na capacidade operacional do inimigo.

6. O último avião a ser abatido por um Strela, antes da independência, teve lugar 9 meses depois, em 31 de Janeiro de 1974, numa missão de apoio próximo ao quartel de Canquelifá, no leste da Guiné; a parelha de Fiats era constituída pelos Ten Cor Vasquez e Ten Gil.

O avião do Ten Gil foi atingido ao fim do dia, durante a recuperação de um passe de bombas (a cerca de 7.000'), eventualmente feito sem a necessária aceleração, entrando assim no envelope do míssil.

O piloto ejectou-se, conseguido fugir para Norte, passando a noite para lá da fronteira com o Senegal. Ao amanhecer, iniciou uma caminhada para sul, a fim de tentar encontrar a estrada Nova Lamego – Buruntuma.

Entretanto, estavam já na zona os meios de busca e salvamento, constituídos por um DO-27 e Pára-quedistas transportados em ALIII, bem como uma parelha de Fiats em alerta, estacionada em Nova Lamego, com o Cap Pinto Ferreira e o Ten Matos.

O Ten Gil avistou os aviões que o procuravam, só que, quando tal aconteceu, já se encontrava demasiado a Sul (que jeito teria feito um rádio... - só apareceram uns meses depois) ; continuou a andar e, cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa tabanca onde pediu água.

Foi recebido de um modo amistoso, deram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 Pesos, a quem o levasse a um quartel da tropa. À vista de tal quantia, foi o próprio homem grande da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o levou ao posto da tropa mais próximo - Dunane, situado na estrada Piche-Canquelifá.

Aí chegados e como os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos, o que fez o homem grande pedalar rijo até Piche.

Foi desse posto avançado FT que, cerca das 17:00 e via rádio, informaram os Fiats que o "Papá Índia Lima Oscar Tango Oscar ia para (as duas letras do indicativo de Piche) de Bravo Índia Charlie Índia Charlie Lima Echo Tango Alfa".

Chegado a Piche, o Ten Gil pagou a dívida ao homem grande e foi transportado no Dakota para Bissau, onde chegou cerca das 23H00.

Devido aos excessos da comemoração acabou a noite no Hospital de Bissau; aí chegado, e como não houvesse camas disponíveis, foi obrigado a dormir na área da Psiquiatria; o enfermeiro, que entretanto entrara de serviço, como o viu demasiado agitado (era do chagrin ...) e estando na área dos PSICOS, resolveu amarrá-lo à cama, donde só muito mais tarde se conseguiu libertar.

Regressou à Base na manhã de 2 Fevereiro, sem mais problemas.

7. Em síntese, o sucesso inicial do PAIGC, teve como principal origem a falta de informações sobre o sistema do míssil, seu envelope e capacidades, que deveriam ter sido antecipadas aos operadores daquele teatro de operações. Recorde-se que, o Strela ou SAM 7, era já bem conhecido da guerra do Vietname.

Foi preciso perderem-se 6 aviões e 4 pilotos, para se passar a operar com contra-medidas adequadas, o que permitiu não ter mais perdas durante cerca de 9 meses.

Refira-se que o PAIGC continuou a utilizar o Strela na Guiné, evoluindo para mísseis mais sofisticados, em que desapareceu o rasto de fumo que, no início, permitia o avião aperceber-se da sua aproximação supersónica, passando mais tarde a ser possível vislumbrar apenas um foco de luz, proveniente da cabeça do míssil.

Assim, a partir de Abril de 1973, na zona do objectivo o Fiat G-91 passou a manobrar por forma a manter um mínimo de 3 a 4 Gs e a retaliar de forma intensiva , com bombas de 750 libras, sempre que era lançado um míssil.

Este tipo de armamento, chegou a ser utilizado no apoio próximo a aquartelamentos na fronteira, caso do Guidaje onde foram largadas bombas de 750 libras no arame farpado! Aliás este aquartelamento deixou de ser abastecido por terra, uma vez que as colunas militares não conseguiam passar. Ao ponto de uma coluna de veículos militares, carregados de armamento e explosivos, ter sido emboscada e abandonada pelo nossas FT, e ter sido dada a ordem ao Cap Pinto Ferreira, para bombardear e destruir a referida coluna, o que foi feito.

Diga-se, em abono da verdade, que o apoio próximo habitual às tropas no terreno, com o DO-27 a fazer PCV com foguetes e o T-6 no acompanhamento das colunas no seu trajecto, deixou ser exequível. O DO-27 ficou limitado às evacuações e o T-6 foi abolido. Os Fiats e os Helicópteros, com contra-medidas adequadas, continuaram a cumprir as suas missões.

José Manuel Pinto Ferreira


III. Comentário de L.G.:

Caro Miguel: Como já tive ocasião de to dizer, por mail e pessoalmente, é um honra podermos publicar o texto do teu e nosso camarada Pinto Ferreira, enriquecido com as tuas notas de rodapé. Obrigado pela tua generosidade e paciência. Os vossos contributos são importantes para o esclarecimento de muitas coisas da história da guerra colonial na Guiné, sobre as quais falamos (e escrevemos), às vezes, com muita ligeireza... e ignorância.

Como já te apercebeste, o nosso blogue não tem nenhum bandeira, a não ser a da camadaragem e da verdade. Somos um blogue de memórias e de afectos. Quero que os camaradas da FAP se sintam aqui tão confortáveis como os outros, do Exército e da Marinha. Este é um bom espaço para publicar, os nossos escritos, os nossos documentos, as nossas fotos... Estamos a caminho de um milhão de páginas visitadas... Saúdo o Pinto Ferreira e convido-o a sentar-se também connosco à volta do poilão... Como eu costumo dizer, a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas... Obrigado, Pinto Ferreira, obrigado, Miguel Pessoa.

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P.S. Uma nota de rodapé preparada, não pelo autor do texto anterior, mas por mim (**), com base no conhecimento que ao longo destes episódios fui (fomos) adquirindo:

a. Desde o seu aparecimento em 20 de Março de 1973, até à saída da Força Aérea do território da Guiné, foram assinalados quase 60 disparos de mísseis SAM-7 Strela, tendo o último sido registado já depois de 25 de Abril de 1974, contra um AL-III (Alf Cruz Dias?) que cruzava o rio Tombali na zona da Pobreza, embora sem danos para o helicóptero.

b. As ondas de choque sentidas pelos aviões eram derivadas da velocidade atingida pelo míssil, que rondava Mach 1,5 (1,5 vezes a velocidade do som), provocando no seu percurso uma onda de choque que podia ser sentida pelos aviões quando o míssil passava "a raspar".

c. Por sua vez os mísseis tinham um alcance de 11.000'/12.000' [c. 3300 / 3600 m], o que, por não poderem ser lançados na vertical, permitia supor que uma altitude de 10.000' seria segura para cruzar os céus da Guiné - método seguido pelos DO-27 e pelos "aviões da pesada" nas deslocações longas, bem como pelos Fiat G-91 nos percursos para e no regresso da zona de operação (o Fiat G-91 passava com relativa facilidade dessa altitude para baixas altitudes). Já o AL-III, assim como o DO-27 em percursos curtos, faziam as suas deslocações a baixa altitude, de modo a evitar o míssil (que, disparado com um ângulo pequeno em relação ao horizonte, podia ser atraído pelo calor irradiado pelo terreno, falhando o alvo).

d. Da experiência recolhida pelos pilotos de Fiat G-91 no seu contacto com o Strela, verificou-se por mais que uma vez, que os mísseis passavam (ou acertaram, no caso de 31JAN74) pelo avião alvejado a uma altitude entre os 4.000' e os 7.000' (1.300 a 2.300 metros), em situações de recuperação adequadas (o que significava forças de 5 a 6 G's em volta).

e. Em todo o conflito o Fiat G-91 nunca foi equipado com sistemas passivos ou activos de defesa contra este tipo de armamento do PAIGC. Como já foi referido no texto anterior, as contra-medidas tomadas foram, fundamentalmente, a utilização de novos parâmetros de voo, a vigilância mútua das aeronaves nos voos de formação (de modo a detectar atempadamente qualquer disparo contra uma delas) e um maior cuidado nas recuperações dos passes (com recurso a manobras mais apertadas, nos limites de operação do Fiat G-91), de modo a evitar que o míssil conseguisse obter uma curva de perseguição adequada para o abate do avião.

(*) Míssil SAM-7, nome de código Grail, conhecido como Strela (стрела, flecha, em russo) [Vd. entrada na
Wikipédia > Strela 2]. Fui confirmar no Google, teclando SAM-7, e a designação que apresentam é STRELA. Foi assim que escrevi no texto.

(**) Miguel Pessoa (ex-Ten Pessoa, piloto de Fiat G-91 na Guiné entre NOV72 e AGO74)

Informações (ou melhor, confidências) que o Miguel Pessoa me mandou em 30 de Janeiro último sobre a sua dramática experiência nos céus (e depois no chão...) de Guileje:

(...) "De referir que o António Matos não terá chegado a ver-me nem ao avião. Nessa altura eu ainda devia estar estendido no chão, desacordado (ejectei-me baixo e o paraquedas lá foi abrindo, sendo ajudado na travagem por uma árvore de grande porte - logo havia de escolher uma mata densa para 'aterrar'...). Mesmo assim, acabei por entrar demasiado depressa pelo chão, provocando a fractura do peróneo... e a perda de consciência. Provavelmente até foi a árvore que me safou.

"Pelo que me foi contado mais tarde, a minha localização só foi conhecida próximo das 17H00, quando o Ten Cor Brito visualizou um dos meus 'very-lights' e, seguindo-lhe o rasto, conseguiu lobrigar o meu paraquedas meio metido na árvore. A verdade é que a densidade da mata não permitia aos pilotos ver o chão (nem o meu avião), nem eu conseguia ver os aviões no ar... (Mesmo os 'very-light' tinham que ser disparados enviezados, para não baterem na copa das árvores).Como te lembras, a noite cai num ápice... e bastante cedo! Daí a decisão acertada de adiar a minha recuperação para a madrugada do dia seguinte.Mas a noite que passei no Corredor do Guileje e a posterior recuperação ficam para outra vez.

E sobre o Ten Cor Brito, o Miguel Pessoa também me confidenciou o seguinte (que quero partilhar com o resto dos amigos e camaradas da Guiné, por ser também também uma pequena homenagem a um grande militar que honrou as Forças Armadas Portuguesas):

(...) "Era um piloto por quem tinha grande admiração e com quem tive algo em comum: Fomos os dois primeiros pilotos a ser alvejados por um Strela (que passou pelo meio dos nossos dois Fiats) em Campada (na fronteira norte) no dia 20 de Março; e fomos também os dois primeiros a ser abatidos por um Strela - eu em 25 e ele em 28 de Março. Infelizmente ele não teve tanta sorte como eu. Estou convencido que ele contribuiu decisivamente para eu poder estar agora aqui a enviar-te estas linhas. E isso eu não esqueço".

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Nota de L.G.:


Vd. os cinco primeiros postes desta série, FAP >
23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

5 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)
Vd. outros postes relacionados com o Strela no CTIG:
29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

19 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

17 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

25 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91