sexta-feira, 17 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4704: Depois da guerra, o stresse... da paz (3): José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil, CCAÇ 675, Binta, 1965/66



1. Texto do Camarada José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil Enfermeiro, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim (1964/66), enviado em 16 de Julho:


Bom dia Luís,

Renovados agradecimentos pela 2ª postagem, a tal do "stress de paz"... não politicamente correcta.

A apresentação está excepcional e a selecção de imagens e comentários merece nota "10".

Já percebi entretanto, pelo comentário de Alberto Branquinho, que vou (vamos) ter "perfeccionistas". Tudo bem. Eu sou mais do género desenrascado e prá frente, mas cá estarei para o debate de ideias. Ao pormenor, se for caso disso. A esse propósito como devo responder. Para o blogue? Ou há outra maneira? Confesso ser um "periquito" nesta área...

Em relação a pormenores peço o favor da seguinte correcção. A CCAÇ 675 esteve na Guiné em 1964/66 e não 1964/65. Chegámos a Bissau em 13 de Maio de 1964 e regressámos de Bissau a Lisboa, em viagem do "UIGE" de 28 de Abril de 1966.

No mato, zona de Binta e Guidage, estivemos desde Julho de 1964 a Abril de 1966. Em termos operacionais pode-se dizer que em cerca de 9 meses "ganhámos a guerra mas...NÃO FECHÁMOS A GUERRA.".Tivemos uma mina anti-carro, que nos provocou um morto e oito feridos e já com 18 meses de comissão, tivemos mais um morto devido a uma mina anti-pessoal.

Durante a recuperação de populações na fase da Tabanca Nova e da Vila Tomé Pinto fizemos mais de 20 patrulhas por mês. Na 675 não havia greves de zelo...

Votos de bom fim-de-semana e até breve. Telefono na próxima 2ª feira.

Um grande abraço,
José Eduardo Oliveira
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

2. Comentário do Luís Graça

Amigos e camaradas:

Não é todos os dias que aparece um de nós a dizer e assumir em público, que a GUINÉ, a experiência da "guerra & paz" que foi a Guiné, também representou alguns dos melhores dias, semanas, meses e até anos das NOSSAS VIDAS...

Politicamente incorrecto?

No nosso blogue, não conhecemos esse advérbio de modo...

Leiam e comentem.

LG
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Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4703: Meu pai, meu velho, meu camarada (8): Sobre o Capitão-Pára João Costa Cordeiro (Manuel Peredo)


1. O nosso Camarada Manuel Peredo, que foi Fur Mil Pára-quedista (CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem em 17 de Julho:


Camaradas,

Li com especial atenção o poste de Pedro Cordeiro, filho do Capitão-Pára Cordeiro.

Foi meu Comandante de Companhia durante uns três meses, mais ou menos.

Depois de regressarmos de Gadamael ele passou a comandar a CCP 122 em substituição do Capitão Terras Marques.

Soube do seu falecimento, quando já tinha regressado à Metrópole. Não posso fazer grandes comentários sobre a sua personalidade, devido ao pouco tempo que estive sob o seu comando e, na altura, a nossa actividade operacional, também não era muito elevada, porque todo o batalhão estava muito desgastado depois da campanha de Gadamael.

A ideia que tenho dele é que devia ser um homem sério e pouco dado a brincadeiras.

Aqui mando uma fotografia onde ele está no meio de um grupo que acabara a comissão.

Nos páras fazia-se uma festa para homenagear os "velhinhos" e entregar os galhardetes da companhia e do batalhão. Eu sou o primeiro da direita, ao lado do Primeiro Sargento Cardoso, secretário da companhia. Na foto estão também o Primeiro Sargento Tavares e o Furriel Fernandes, meu colega de pelotão.

Um abraço,
Manuel Peredo
Fur Mil Pára do CCP 122

Foto: © Manuel Peredo (2008). Direitos reservados
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Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4702: Em busca de... (79): CCP 121 - Apelo vindo do Brasil (Cassiano Rocha da Costa, natural de Castro Daire)

APELO
Em princípios do presente mês de Julho recebemos um apelo, via e-mail vindo do Brasil, a rogo de um Camarada nosso que integrou a célebre CCP 121 - Companhia de Caçadores Paraquedistas 121.

O e-mail vem de um amigo do Cassiano Rocha Da Costa, de seu nome: Eric Duffort, pedindo-nos que o ajudemos a reencontrar a família do Cassiano que vive, ou vivia, em Castro Daire.

Este nosso Camarada perdeu todos os contactos com os seus familiares há mais de 25 anos.

Já havíamos reenviado o mencionado e-mail para todos os nossos contactos, inclusive para o pessoal da nossa tertúlia, mas até ao momento não se registou o mínimo feedback ao mesmo.

Os dados disponíveis, felizmente, são muitos:

Nome completo: Cassiano Rocha Da Costa
Data de nascimento: 14/02/1950
Natural de: Castro Daire, distrtito de Viseu
Filho de: João Da Costa Leandro
E de: Filomena Da Silva Rocha
Nome do irmão: Joaquim da Silva Leandro
Nome das 2 irmãs: Maria Madalena Rocha e Maria Amélia Rocha Da Costa
Tem um sobrinho de nome: Luís Felipe de Jesus Alvino, que vive na Rua Macal, Nº 8 - Porta 3, Prior Velho – Sacavém.

Agradece-se qualquer informação (endereço, número de telefone ou telemóvel, etc.), que deve ser dirigida para:

Duffort Eric / Comercial MARINHO
Rua Projetada, SN
DH25 LT20
CARAPIBUS
JACUMA CONDE PB
CEP 58322-000
CX Postal 16
BRASIL
Ou para o telefone nº 00(55) 838 868 6372.
Ou para o e-mail: eric duffort <eduffort@hotmail.com>

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Notas de M.R.:

Guiné 63/74 - P4701: Parabéns a você (14): Dia 17 de Julho de 2009 - Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492

1. Fazendo fé na notícia inserta no Blogue da Tabanca de Matosinhos, hoje, dia 17 de Julho de 2009, completa mais um ano de vida, entrando para o glorioso grupo dos sexagenários, o nosso camarada, tertuliano das duas Tabancas, activo e sempre presente, ÁLVARO BASTO, ex-Fur Mil Enf da CART 3492 (Xitole) do BART 3873 (Bambadinca), 1971/74.

Não podíamos deixar passar esta data sem enviar ao nosso camarada Álvaro os nossos votos de que festeje esta data por muitos anos, sempre acompanhado dos seus familiares e dos imensos amigos que tem. Os nossos parabéns são também extensivos ao senhor Rolando Basto, tão jovem quanto o seu filho.

O senhor Rolando acompanhado de seu filho Álvaro num dos Natais da Tabanca de Matosinhos

Vamos recordar o que nos disse Álvaro Basto, quando se apresentou à Tabanca Grande em 5 de Junho de 2007:

[...]
O meu nome é Álvaro Basto, tenho 58 anos e, tal como vocês, não escapei ao Servicinho Militar Obrigatório em 70.

Após algumas cabulices no liceu, fui incorporado nas Caldas da Rainha e posteriormente em Lisboa no HMP - Hospital Militar Principal - vindo, após os 3 meses obrigatórios da especialidade, a ser integrado como enfermeiro no HMR (Hospital Militar Regional) do Porto onde sempre vivi e onde permaneci um ano inteiro (pertinho de casa, vejam lá a sorte e os maus hábitos que adquiri)...

No início de Dezembro de 1971 sou informado que iria embarcar no dia 18 seguinte para a Guiné (imaginem o choque lá em casa, filho único... há um ano praticamente em regime de emprego civil perto de casa; enfim, foi o drama, um drama afinal igual a tantos e tantos outros que na altura grassavam pelas famílias portuguesas...).

Não embarquei no dia 18 mas em 22 desse mesmo mês (acho que a explicação já foi aqui, na tertúlia, avançada por um camarada) e foi nessa viagem que conheci o Mexia Alves, o António Barroso e o Artur Soares, digníssimos tertulianos aqui presentes, integrado na CART 3492 (Xitole) do BART 3873 (Bambadinca).

Temos pois muitas estórias em comum e um acervo fotográfico interessante que, apesar do desgaste do colorido provocado pelo tempo, se tem mantido em condições razoáveis.

Logo após o regresso da Guiné que para mim, por ser Furriel Enfermeiro, durou até ao dia 1 de Abril de 1974 (dia de enganos, daí eu dizer sempre que só regressei de lá vivo por engano...), ainda mantive o contacto com alguns daqueles com quem mais tinha privado, mas o stress era tal que decidi afastar de vez da mente aquela época vivida longe, que teve muitos maus momentos, mas teve sobretudo um papel importantíssimo na minha formação social com os seus incontáveis momentos de alegria e descontracção, que em conjunto aí vivemos todos.
[...]

Portugal > Tabanca de Matosinhos > Restaurante Milho Rei > 10 de Junho de 2009 > Da esquerda para a direita: na primeira fila, a Fernanda e o Álvaro Basto; atrás, o Zé Teixeira e o A. Marques Lopes.... Os resistentes, mas não os últimos... Não, não houve deserção, apenas debandada geral... Habitualmente, às 4ªs feiras, a casa enche-se, chega à meia centena e é uma alegria!... E todas as semanas há novas caras, que a fama da Tabanca de Matosinhos já ecoa bem longe, na blogosfera.. (LG)

Viseu> 15 de Junho de 2007> Encontro do BART 3873 ( Bambadinca 72/74)> Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Casimiro Barata, António Silva, Álvaro Basto, António Barroso; Silva, Eduardinho, Lima Rodrigues, António Azevedo; Maçães, Mourão, Ceia, Artur Soares e Carlos Nunes (os que vão assinalados a azul e a bold, são membros da nossa tertúlia).

Álvaro Basto é um dos fundadores da Tabanca de Matosinhos, e um dos dois administradores do Blogue Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné.

Se atentarem à lista de postes com o nome de Álvaro Basto, verificam que muitos deles dizem respeito ao nosso camarada António Batista. Na realidade, o Álvaro tem sido mais que um irmão deste nosso camarada, quer acompanhando a evolução do seu processo em busca dos direitos que o País lhe deve por ter combatido na Guiné, onde foi feito prisioneiro de guerra, quer fazendo-se dele acompanhar nos diversos convívios das tertúlias da Tabanca de Matosinhos e Tabanca Grande. Caro Álvaro, um bem-haja para ti porque és um camarada solidário.

O nosso camarada António Batista

Maia > 21 de Julho de 2007 > O nosso primeiro encontro com o António da Silva Batista (ao centro). À esquerda, o Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) ; à direita, o Paulo Santiago (ex-Alf Mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72).
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1888: Tabanca Grande (19): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873 (Xitole, 71/74)

16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1957: Em busca de... (1): Antanho Victor Ribeiro Mendes Godinho, Cap Mil, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Álvaro Basto)

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

28 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2005: Convívios (21): BART 3873 (Bambadinca 72/74), em Viseu, no dia 16 de Junho último (Álvaro Basto)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)

2 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2023: A História da CART 3492 / BART 3873 (Xitole, 1972/74) ou mais de 2 anos em meia dúzia de linhas (Álvaro Basto)

4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2028: A História da CART 3492: Afinal, não regressaram todos (Álvaro Basto)

3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2151: Convívios (31): CART 3492/BART 3873 (Xitole, 1972/74), Monte Real, 5 de Outubro de 2007 (Álvaro Basto)

25 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)

25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e Pereira da Costa)

9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4310: Tabanca de Matosinhos (11): As crianças da Guiné-Bissau precisam da nossa ajuda (Álvaro Basto)

11 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4502: Blogoterapia (106): Tabanca de Matosinhos, a tabanca mais portuguesa de Portugal (Álvaro Basto / Luís Graça)

7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4653: Dando a mão à palmatória (21): A verdadeira fotografia do Alf Mil Cav Mosca, assassinado no dia 21 de Abril de 1970 (Os Editores)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4677: Parabéns a você (13): Dia 13 de Julho de 2009 - Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (Editores)

Guiné 63/74 - P4700: Meu pai, meu velho, meu camarada (7): Cap Pára João Costa Cordeiro: Um homem de carácter (António Santos / Carlos Matos Gomes)

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 > Amura: um lugar repleto de história e de histórias... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, no último dia do evento. Na foto, o Coronel de Cavalaria do Exército Português, Carlos Matos Gomes, na situação de reforma, um homem do MFA da Guiné e um celebrado autor de romances de guerra como Nó Cego, Soldadó ou Fala-me de África (que assina sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz)... É também um conhecido historiógrafo da guerra do ultramar / guerra colonial, co-autor, juntamente com Aniceto Afonso, diversas publicações. A mais recente tem por título Os Anos da Guerra Colonial (Matosinhos: Quidnovi, 2009) (que acaba se ser distribuída com o Correio da Manhã, em 16 volumes).

Na foto, por detrás do Matos Gomes, vê-se o edifício, em ruína, da antiga 2ª Rep (salvo erro) do Comando-Chefe, a famosa Rep Apsico, onde trabalhou Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes. Matos Gomes, na altura capitão do Batalhão de Comandos da Guiné, foi um dos protagonistas do 25 de Abril neste palco da história recente dos nossos dois países...

O Capitão Pára-quedista da CCP 123, João Costa Cordeiro, foi do seu curso da Academia Militar. Num pequeno depoimento sobre o malogrado João Cordeiro, morto na Guiné, em acidente, num exercício de salto em pára-quedas (ao que julgo saber, perto da Base A12, em Bissalanca), o Matos Gomes faz aqui alguns revelações sobre o seu camarada que, muito provavelmente, serão uma grata surpresa para o seu filho Pedro....

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



1. Mais dois depimentos sobre o João Costa Cordeiro, ex-Cap Pára (CCP 123 / BCP 12, Bissalanca, 1972/74), a pedido do seu filho Pedro (*):

(...) Frequentei o Colégio Militar onde fui colega de tantos outros filhos de ex-combatentes (...) . Da guerra a maior parte de nós ouvimos histórias em segunda e terceira mão, raras vezes aos nossos Pais (os que ainda os tinham), desbotadas e incertas.

Sempre pensei seguir as pisadas do meu Pai e tornar-me Pára-quedista de carreira. Quis o destino que, no último ano do Colégio, um incidente com um oficial me tivesse mostrado tudo o que a tropa pode ter de mau... resolvi não dar mais um desgosto à minha Mãe e ainda hoje não sei se fiz bem.

O certo é que hoje, homem feito (quase 40 anos), sei muito pouco de meu Pai e menos ainda do Militar que foi. Se os ex-combatentes falam pouco da Guerra, menos falam ainda aos filhos de camaradas falecidos... (...) (*)


2. António Santos , ex-Sold Trms, Pel Mort 4574, Nova Lamego (1972/74). É membro da nossa Tabanca Grande desde 15 de Maio de 2006; residente em Caneças, concelho de Odivelas.

Caro amigo

Eu conheci o teu pai, e digo-te que foi uma excelente pessoa, eu admirava-o, em primeiro lugar porque em tempos também queria ser pára-quedista, mas segui outro caminho; em segundo lugar, como oficial era bastante acessível.

Como capitão não tinha peneiras, sei do que estou a falar porque ele ìia com alguma frequência ao quartel do Batalhão de Nova Lamego e passou algumas vezes pelo meu serviço que era de Transmissões e falei umas quantas vezes com ele.

Além disso quando tinha tempo, nas horas vagas, era o único que saltava com o cogumelo sobre a pista de NL, o meio aéreo tinha que ganhar altitude com pouco espaço, portanto só em espiral é que se conseguia... Pista da qual eu tinha uma vista privilegiada porque ficava em frente ao quartel do Batalhão.

Para terminar digo-te que o teu pai foi um valente.

Um abraço do

ASantos

SPM 2558


3. Carlos Matos Gomes, Cor Cav Ref, que é leitor assíduo do nosso blogue:

Meu caro Pedro, conheci bem o seu pai. Sou mesmo curso dele da Academia Militar. Fiz parte com ele das equipas de atletismo da Academia que ganhou os campeonatos universitários de 65 e 66. Tenho, não sei onde, fotos dessas actividades, em que particpraram o Glória Alves, o Leonel de Carvalho entre tantos outros militares. O número de corpo dele era o 12.

Estive com ele na Guiné. Era, o que se pode dizer com toda a propriedade um homem de carácter, bem formado, um militar exemplar, de trato fácil, acessível que honrava quer os pára-quedistas quer todas as Forças Armadas.

Acresce ainda, e isso talvez não saiba, esteve envolvido desde o início no movimento dos capitães que iria dar origem ao MFA e ao 25 de Abril. Poucos dias antes da sua morte estivemos reunidos, o pequeno núcleo que constituía a comissão, na LDG Bombarda, ou Montante, atracada em Bissau... Um jantar de oficiais num navio não despertava suspeitas...

O Cordeiro, o nosso duze, o seu pai era um homem de que se pode orgulhar a todos os títulos, como militar e como cidadão...

Receba os melhores cumprimentos e o testemunho do apreço do Carlos de Matos Gomes.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)

Guiné 63/74 - P4699: Histórias de José Marques Ferreira (3): Um fado no silêncio da madrugada


1. Mensagem de José Marques Ferreira, que foi Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, com data de 15 de Julho de 2009, com mais uma curiosa e divertida (para o envolvido não o deve ter sido muito) estória passada na sua companhia:


Camaradas;

Ingoré, ambiente de guerra.



Já aqui disse que a minha guerra na Guiné foi mais turismo e pó, que se entranhava nas narinas, na pele, na roupa e em tudo quanto era sítio, do que bombardeamentos, emboscadas (salvo uma “brincadeira” de que não sabemos as origens e que um dia, se se justificar, contarei) e tiros, que, felizmente, nos passaram ao lado. Nem sequer ouvimos tiros (os do IN claro).

Vá-se lá saber porquê. Estávamos lá e não fomos “incomodados”, ao passo que outros camaradas, não podem, absolutamente, dizer o mesmo.

Mas, mesmo assim a Guiné, como por aqui se diz, também foi sentida, vivida, com paixão, pelas coisas boas, porquanto também a nossa companhia, sem tiros, esteve na terreno a ajudar a construir a paz…

Parece conveniente justificar é que as populações – mais uma vez as populações – foram sempre a nossa preocupação, respeitando as suas vidas, os seus modos de viver e as suas necessidades, sem intromissões no que genuinamente lhes pertencia… os seus hábitos, costumes, crenças, etc., etc.

Sempre houve, aquilo que se convencionou chamar, na altura, a acção psico-social.

Isto quer dizer que, aquela gente, necessitava de nós, nos momentos maus porque passaram, e nós necessitávamos dela para o nosso equilíbrio psíquico, isto é, permitir-nos ter sempre presente a abismal diferença entre a guerra e a paz, entre a vida e a morte.

Enfim, desviei-me um pouco da história de hoje. Vamos a ela.

UM FADO NO SILÊNCIO DA MADRUGADA

Aquilo a que se chamava “aquartelamento”, em Ingoré, nem iluminação eléctrica tinha, luz só a dos petromax. Chegou a haver electricidade durante um ou dois meses, até os geradores “pifarem”, de tal modo fatalmente (desconheço os motivos dos “pifos”), que nunca mais tivemos iluminação eléctrica.

Havia segurança montada, sob uns cibes espetados no chão e com os quais se fez uma torre de vigia, não sei para quê, pois um bazucada prostrava aquela treta e o respectivo pessoal num instante (apesar disto dava algum jeito e alguma imagem de segurança).


De acordo com o local havia um esquema de segurança, que incluía um posto de vigia, situado mesmo nas traseiras do edifício, onde dormia o nosso comandante da companhia (façam-me o favor de não serem maliciosos).

Certo dia, o camarada que ali cumpria a seu turno de serviço, às tantas da madrugada (que bonita canção alentejana dava esta cena na madrugada de Ingoré) resolveu, àquela hora imprópria, cantar um fado.

O que eu pensei de imediato, quando me contaram o sucedido, foi que o “desgraçado” recorrera a este subterfúgio, para “camuflar” o alívio de algum sonoro “flato”, que o estaria a incomodar.

O que é certo, é que o “artista” pôs-se a cantar, já não sei que fado, mesmo sem acompanhamento à viola ou à guitarra. Imaginei os gestos, dedilhando a G3, em substituição dos ditos instrumentos. Não sei se foi assim, mas calculo que pouco menos terá sido...

O que eu sei é que a sua voz, melodiosa ou não, acordou o nosso comandante.

Este, não gostou mesmo nada de ouvir cantar o fado àquela hora da matina, pelo que, não esteve com meios ajustes e toca de, na Ordem de Serviço que se seguiu, sentenciar, sem apelo nem agravo, uns dias de detenção para o rapaz (é verdade detenção na Guiné, meus amigos!), como prémio para o tom “afinado” com que acordou o capitão da companhia!

Aqui sim, é caso para dizer: Triste fado, triste sina…

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira


Foto: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4698: Depois da guerra, o stresse... da paz (2): Não foi o melhor tempo da minha vida... (João Bonifácio)

1. Através do correio interno da Tabanca Grande, dei conhecimento do primeiro texto que o José Eduardo Oliveira nos enviou, inaugurando uma nova série Depois da guerra... o stresse da paz (*), em que se procura, apesar da ambiguidade do título, dar conta das dificuldades de adaptação à vida civil, depois de três anos de tropa (com dois na Guiné) como aconteceu com muitos de nós (no caso do José Eduardo, foram quatro, de 1962 a 1966)...

Amigos e camaradas: Não é todos os dias que aparece um de nós a dizer, em público, a assumir em público, que a Guiné, a experiência de 'Guerra & Paz' que foi a Guiné, também representou alguns dos melhores dias, semanas, meses e até anos das nossas vidas... Politicamente incorrecto ? No nosso blogue, não conhecemos esse advérbio de modo... Leiam e comentem. LG

No seu primeiro texto, o José Eduardo Oliveira, que foi Fur Mil Enfermeiro, dá-nos conta de que a sua passagem pela Guiné, e em especial por Binta, na região do Cacheu, não teve só aspectos negativos (e traumatizantes), associados à guerra; também teve o outro lado, positivo, o apoio material e psicossocial às populações locais, o convívio, a camaradagem, a solidariedade.... Nesse texto, que não é de modo algum saudosista, ele faz o contraponto do melhor das suas vivências em Binta com o pior do day-after, com as agruras do regresso à normalidade...

2. Comentário do João Bonifácio (ou John Bonifácio) que vive no Canadá. Recorde-se que ele foi Fur Mil SAM (vulgo vagomestre), na CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (**)... 

A esta subunidade também pertence o nosso camara Raul Albino, ex-Alf Mil. Foi seu comandante o Cap Inf Mário José Vargas Cardoso. Pertencia ao BCAÇ 2851 (a cuja CCS pertenciam os nossos camaradas António Pimentel, da Figeira da Foz, mas a viver no Porto, e o Hernâni Figueiredo, de Ovar: um abraço especial, para estes dois camaradas do BCAÇ 2851, com quem estive recentemente no nosso IV Encontro, bem como ao João e ao Raul).

Olá, caro Luís:

Em relação às actividades da CCAÇ 675 em Binta, apenas posso louvá-los por tudo o que fizeram pelas populações. Alias, penso que todas as guerras que passaram pela Guiné, fossem do exército, marinha ou força aérea, fizeram o seu melhor para minimizar a dor e a saudade que sentíamos pelos nossos, que nem sabíamos se algum dia seria possível rever de novo.

Fazer statements [declarações] àcerca do facto de "terem sido os melhores dias..." , eu aí já desconfio, pois devido à minha especialização, posso afirmar que a CCAÇ 2402 fez quase tudo o que a CCAÇ 675 fez, durante a nossa estadia no teatro operacional de CÓ e OLOSSATO. Tambem nós fizemos muito, também nós fomos reconhecidos pela chamada accao psicológica, junto das populaçõs.

Também gostavam muito de mim, pois estando a cargo dos comes e bebes, as festas na aldeia não se faziam sem a chamada água de Lisboa, que embora com uma mistura de água e tinto na base dos 50/50, ainda os fazia dançar e cantar até às tantas.

Também porque era eu que ajudava as mães mais necessitadas, quando não davam leite suficiente para alimentar os seus babies [bebés]. Tambem a Companhia ajudou no campo da saúde, e até tínhamos um médico.

Tambem se fizeram casas novas, com a ajuda obrigada dos balantas, que não queriam nada com o trabalho.

Também se deu instrução escolar. Tivemos uma estação de rádio. Enfim, fizemos o que, penso todos fizeram. No meu caso pessoal, eu até fiquei muito feliz, porque assim teria tanto em que ocupar o tempo, que a minha comissão iria passar depressa.

Posso dizer que organizei o meu tempo muito bem, e apenas houve um inconveniente, é que a minha esposa ficou doente e teve de ser internada, o meu filho por razões que nunca se souberam, contraiu um problema no fígado e eu apanhei o paludismo.

Não posso dizer que foi o melhor tempo da minha vida. Não foi e por razões mais que claras. Talvez se eu estivesse na Guiné por minha vontade, então eu poderia dizer ou não do meu agrado. Nas nossas situações, vidas interrompidas em plena subida, famílias deixadas na incerteza, e a nossa propria dúvida de como acabaria. Sim, porque os soldados não faziam ideia nenhuma do que os esperava. Até nós, em certos momentos, não compreendíamos nada acerca desta guerra. Eu, mais ligado ao comando e como graduado mais antigo, estive sempre informado.

Nunca poderei dizer que foi uma estadia em que fomos muito felizes. A noite em que saí de Bissau, ficou lembrada por uma tempestada enorme e que continuou até Cabo Verde. De recordar o carinho do Antonio Sala ao dedicar-nos a cancao de despedida Adeus, Guiné. Fiquei emocionado. A estadia teve os seus altos e baixos, mas nunca poderei afirmar que foram os melhores dias da minha vida.

De qualquer modo, eu agradeco-te, Luis, o envio deste e-mail. Prova, afinal, que cada um de nós escolhe os melhores dias da vida a seu belo prazer e em conta com os seus próprios ideais e sonhos.

Obrigado e um GRANDE ABRAÇO.

João G. Bonifácio
Oshawa, Ontario, Canadá
CCAÇ 2402 Guiné
Ex-Fur Mil SAM

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4690: Depois da guerra, o stresse... da paz (1): Em Binta, vivi uma experiência única (José Eduardo Oliveira)


(**) Vd. poste de 1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1331: Blogoterapia (9): Quando a Pátria não é Mátria para ti (João Bonifácio, Canadá, antigo vagomestre da CCAÇ 2402)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4697: Os Unidos de Mampatá, por Luís Marcelino, ex-Cap Mil da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74 ) (2): Descuido fatal!




1. Mensagem do Luís Marcelino, membro da nossa Tabanca Grande, que foi capitão miliciano da CART 6250/72 (Mampatá), 1972/74), com data de 14 de Julho.


2. Para total compreensão da história que a seguir vou contar, especialmente para aqueles que nunca lidaram com armas de guerra, e especificamente com dilagramas, convém esclarecer o seguinte:

O Dilagrama M/965 é um conjunto composto por um dispositivo apropriado, para suportar/fixar uma granada de mão defensiva M/63, que, por sua vez, é atracado no cano de uma Espingarda Automática G3.

O dispositivo é disparado/propulsionado à distância - utilizando uma Espingarda Automática G3 -, e um cartucho propulsor apropriado (diferente de todos os outros).

As suas vantagens são:

- Um grande alcance (muito acima do que é conseguido manualmente pelo melhor, e mais forte dos combatentes).

- A consequente diminuição do perigo para as tropas amigas.

- Uma boa eficácia obtida (se o atirador bem o direccionar e colocar na zona ideal de impacto).

- A possibilidade de bater ângulos mortos, sendo possível o seu emprego contra tropas inimigas entrincheiradas e, ou, abrigadas.

3. Mais convém saber que, após o dispositivo ser atracado no cano da G3, e imediatamente antes de se executar o disparo, é necessariamente obrigatório descavilhar a granada (se não se realizar esta operação obviamente a granada é expelida mas não explode), para permitir que a alavanca, que imobiliza a espoleta, salte automaticamente devido à acção de fragmentação do retentor, durante a sua trajectória.

Para mais detalhes, consultem o seguinte sítio:

Camaradas, envio um segundo apontamento da CART 6250 a que atribuí o título:

OS UNIDOS DE MAMPATÁ (2)
Descuido fatal

Na Guiné, como é do conhecimento geral, o número de baixas foi muito elevado, devendo-se, na sua grande maioria, à actividade operacional que era muito intensa e perigosa. Contudo, algumas das baixas deveram-se a negligências e distracções.

Um exemplo destas, é o caso que vou descrever. Como ficou referido no primeiro apontamento, a CART 6250, partiu para a Guiné a 27 de Junho de 1972 e chegou a Bissau nesse mesmo dia, tendo rumado para Bolama afim de fazer o IAO.

Aquela instrução decorreu entre o dia 30 de Junho e 26 de Julho, sob a dependência do BART 6520 que havia chegado também a Bolama, para frequentar o mesmo período de instrução, antes de partir para a sua ZA.

Este período de instrução deu para, por um lado, fazer uma melhor adaptação ao clima e, por outro muito especialmente, para preparar de um modo mais eficaz todos os homens à dureza da missão que a todos esperava.

Entre as áreas de preparação que ali se realizou, a instrução de tiro foi merecedora de um realce particular, por forma a transmitir confiança e rigorosas noções de segurança, a todos os militares, na utilização da principal “ferramenta” que se colocava nas mãos de todos.

Um dos dias de instruções ocorreu em 10 de Julho de 1972. De acordo com o plano estabelecido, a Companhia seguiu para o local de tiro, em marcha, como era hábito.

Estava previsto, para aquele dia, que a instrução era o lançamento de dilagrama.

A instrução era ministrada pelo Oficial de tiro do BART6520.

Uma vez no local, a companhia posicionou-se a cerca de 10 metros, atrás do local onde estava o oficial de tiro, o atirador em exercício e o comandante da companhia. Na frente do local onde se procedia aos lançamentos e os militares estavam estacionados, havia um desnível de terreno e uma bolanha.

Depois do Oficial de tiro ter dado as instruções específicas sobre o tipo de engenho que se ia manusear, os procedimentos que deveriam ser adoptados e uma demonstração das atitudes a tomar, iniciou-se o treino individual.

A determinada altura, chegou a vez do Soldado Mata fazer o seu exercício. Posicionado junto do Oficial de tiro e do Comandante da Companhia, iniciou os procedimentos para o lançamento: introduziu a munição específica para dilagrama na culatra e o dispositivo dilagrama/granada no cano da G3, mas ao retirar a cavilha de segurança da granada, a alavanca desta saltou prematura e acidentalmente, por se ter partido o perno de segurança que deveria reter a alavanca (cuja função era impedia o accionamento da granada antes do lançamento).

Incompreensivelmente, o Alferes tentou repor a cavilha no sítio em vez de lançar a arma, com o dispositivo, para o buraco que havia à sua frente.

Vendo a eminência da explosão, só tive tempo de gritar para que todos se deitassem. No momento em que chegava ao chão, ouvi um estrondo! Naquele mesmo instante vi a meu lado o Oficial e o Soldado mortos. Houve apenas mais uns poucos soldados ligeiramente feridos por estilhaços.

Foram momentos dramáticos os que se viveram ali.

Mesmo assim, foi possível refrear os ânimos. Respeitosamente recolheram-se os corpos para um unimog e procedeu-se à sua escolta por toda a companhia até ao aquartelamento.

De realçar a dignidade com que todos os militares encarara este acontecimento, que mereceu uma referência elogiosa por parte do Comandante Chefe General António de Spínola.

Com cerca de 10 dias sobre a nossa chegada à Guiné e já este grande desaire nos marcava definitivamente.

Não foi fácil gerir no plano psicológico este desaire e demonstrar que aquele equipamento era seguro!

Foi necessária uma acção conjunta de todos, a começar pelos graduados, demonstrando-se que, a serem respeitadas as normas de segurança, nada havia a temer.

Esta terrível situação foi um aviso muito sério, que todos os militares acolheram com muito afinco e que terá servido de lição para todo a comissão.

Com um abraço do,
(Luís Marcelino)
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Nota de M.R.:

(*) Vd. também o anterior poste desta série em:

Guiné 63/74 - P4696: Vindimas e Vindimados (José Brás) (7): Nhala I

1. Mensagem de José Brás (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, com data de 14 de Julho de 2009:

Companheiro Carlos

Aqui vai mais uma estória a incluir na série “Vindimas e Vindimados

A esta irá seguir-se “Nhala II” e vem do centro de um pequeno tsunami, parte ocasionado pelo que conheces e já esquecemos, e parte gerado neste processo de chamar de novo imagens e emoções difíceis de esquecer mas também difíceis de recordar por dentro.

Um abraço
José Brás


Nhala I

Que porra é esta pessoal
Éh caraças olhem o tamanho dos clarões
É aqui pertinho, pá
A norte da estrada de Buba
É em Nhala, é em Nhala
Não há problema, já estão acostumados.
Gaita, pá, mas aquilo é de mais, rebentam com tudo
Cala a boca piriquito, não estás é habituado
Deixa que já te habituas
Se não lerpares primeiro


Gente jovem, um magote de macho, furriéis, sargentos e praças saíam à pressa do bar comum, e outros de suas casernas, olhavam agitados o topo das árvores que no limite do desmatado, para além da soleira sul da pista, fechavam o espaço físico de Aldeia Formosa e deixavam adivinhar um mundo de medos e fantasmas. Ouviam aquele som novo, telúrico e cavo, que mais lhes parecia sair da terra do que das mãos de homens, negros que fossem e do inimigo.

Quinze dias era o que tínhamos desta trampa, e trampa era, aqui para nós, qualquer coisa que não fosse a asa protectora da mãe; trampa, ainda que fosse Aldeia Formosa, um paraíso como havemos de constatar mais tarde quando elas começarem a morder.

Estes quinze dias haviam passado nas calmas, rancho melhor que no puto, cerveja fresca, sorna, serviços como na tropa de Lisboa, guarda, faxina, na fonte a partir mantenha com as bajudas da aldeia, boas como o milho, de mama rija, e atrevidas, sempre nos risinhos umas com as outras, afastando a mão branca que lhes procurava as carnes, dengosas no modo, ”iiiih pissoal branco, ca põe mão, em mim”, atiçando fogos, levantando pragas contra a mania do Capitão “já sabem, tenham cuidado com bajudas, estão prometidas e os pais contam com as vacas da troca. Nem em sonhos, malta. Não quero problemas sociais aqui”.

Sociais!? Que raio de porra seria essa, problemas sociais?

Problema social era a calada da noite no sanitário, cada um a contas consigo próprio, em auto-gestão à conta das bajudas.

A Buba, apenas uma ida, em coluna, amparados pelos velhinhos das Fox, caminho a butes por causa das minas, trinta quilómetros, mais ou menos, que na altura pareceram cinquenta e agora me parecem dez, carregar tralha do cais para o dorso de unimog's e GMC’s, voltar pelo mesmo caminho, um calor danado, lama de enterrar carros até à pança, descarregar tudo, empurrar, empurrar até a alma sair pela boca, voltar a carregar, quinhentos metros mais à frente tudo ao princípio.

Ainda era noite quando saímos. Picar estrada a passo de caracol, o Sol a sair da copa das árvores, já vermelhão, pintando de vermelho a terra da estrada, espalhando um bafo de humidade quente, o cheiro intenso de África que se irá colar a cada um até ao fim dos seus dias, sendo que uns irão ter dias curtos, ainda que o não saibam, e outros os alongarão por anos e anos, noutras guerras e diferentes, noutras paragens, remoendo passados, trazendo à memória tais cenas como se houvessem corrido em fita de cinema, cada um, personagem, actor, espectador, do seu próprio filme, envolto e encadeado numa certa realidade irreal, crescentemente irreal.

E sede. Sede como ninguém tinha tido na vida. A falta absoluta de líquido no corpo. Sede bruta que nem aceitava os avisos dos mais precavidos e capazes de a suportar, para beberem pouco de cada vez, um gole, molhar a boca, apenas, poupar na água porque a que se encontrava por ali nos charcos, melhor era nem lhe tocarem.

Gente houve que a meio do caminho já havia bebido a sua e a de outros, olhando os cantis alheios com olhos de carneiro mal morto.

Mas pronto, nem trolha tivemos em encontros maldosos, como nos haviam prometido os das Fox antes da saída nas conversas de bar da noite anterior, meio a acagaçar novato, meio a sério.

Sarrafusqueta foi, quinze dias antes, no dia da chegada. Pequena, espécie de boas-vindas, parece que habitual na recepção a branquelas acabadinhos de chegar. Uns nomes feios a mães e esposas gritados em bom português, umas rajadas, a malta a olhar-se uns aos outros, ainda incrédulos, demorados no reagir, com medo até de disparar, mas enfim, dando troco, diriam os das Fox que no risco de se aleijarem a si próprios.

Chegar ao quartel, nesse dia, chuveirada, roupa limpa, primeiro copo pago, imposto à velhice, soldados a saírem para a Aldeia em busca de fêmeas, segundo se consta, que também já esperavam por carne tenra e branca e pelos pesos que sempre haviam de dar jeito para alimentar família e comprar ronco no comerciante Fuad.

Seis dias antes estavam ainda em Lisboa, no Cais do Sodré, no Martim Moniz, no Bolero e nas baiucas todas onde se podia comprar sexo disfarçado de cerveja cara ou de whisky falso pago a preço do bom. Um dia não são dias e ninguém sabia já dos seus, para falar a verdade.

Espantava-me, eu, com a corrida daqueles gajos, desembestados, desacordados de sonos velhos, arrastados pelos que já conheciam a praça. Não me cabia na cabeça tal coisa, é certo, mas sempre nesta mania de tudo tentar entender e perdoar a humano jovem mas já muito lixado pela vida, eu remetia as culpas para um País de costumes estritos, de pecados e infernos, onde, ainda por cima, haviam fechado as casas de putas antigas onde o coito custava barato e estava garantido por inspecção médica e fiscalizações.

Naquela noite de estoiros e clarões, quinze dias após a chegada, foi a primeira vez que o pessoal da 1622 se pôs a si próprio a questão mais ou menos assim: “debaixo daquele fogo? Quem é que aguenta? deve estar o quartel meio destruído. Ainda bem que não me calha a mim”.

Também mais tarde havemos de descobrir que não é bem assim.

O Capitão pira nem precisou de mandar reunir Alferes porque Alferes não faltavam ali no ripanço da messe deles, ouvindo Bach no gira discos trazido do Funchal, acomodado a preceito, pronto, também, para cumprir seu serviço militar nos trópicos, e voltar ao puto, sem traumas, sem febres palúdicas, nem restos de blenorragias.

Dois pelotões! Rápido, porra! Bruno e PG. Imediatamente a dar uma mão àquela gente, montados até Mampatá e à pata depois.

Fox’s à frente, rádio, dois morteiros e duas bazoocas, Mg com o Banharia.

Contacto rádio daqui com Nhala, PRC10, da coluna com o quartel em escuta permanente.

Ala Milhano, ainda que leve mais tempo a executar isto tudo do que a dizê-lo.

Saiu a tropa e mal o havia feito, quinhentos metros, talvez, do quartel de Aldeia, ordem para fazer alto, tudo p’ra trás, acabou a guerra por hoje, informação de Nhala que a mão estendida já não era necessária, que não havia azar, que evitássemos a viagem não fora os gajos haverem montado emboscada ou semeado minas para a eventualidade.

Nada foi aquilo, apenas uma espécie de exercício que o PAIGC nos ofereceu, mais a nós em Aldeia, espectadores do fogo de artifício, que aos de Nhala, habituados que estavam a festas desatas. Ajeitavam almas e corpos para futuros violentos e certos.

E nem falaria disto, não fosse o acaso de querer apresentar-vos Nhala no fito de contar estória mais completa que trago encalhada há muito.

Nhala foi só um posto intermédio, quando íamos a Buba e não queríamos fazer a estrada directa, mais curta, passando perto de Missirá e um pouco antes ainda, entroncamento à esquerda por onde se ia quando o destino era Colibuia ou Cumbijã.

Bolola, logo a seguir, um lugar na carta militar da tropa portuguesa, um lugar no mapa político da Guiné Bissau ainda hoje, provavelmente local de moranças de gentes antes e depois da guerra.

O que era, então, Bulola, pelo menos entre Novembro de mil novecentos e sessenta e seis e Junho de mil novecentos e sessenta e sete?

Que me lembre, nada, se nada era o que encontrávamos no caminho, além de esporádicos e curtos encontros com rajadas, estrondos e vozearia de inimigos que eram e não eram, quando calcorreávamos o caminho de Buba, unimogues e GMC’s, tudo vazio e leve à ida, ajoujados na volta com comes e bebes que abasteceriam a pobre cozinha dos soldados da Companhia durante mais um tempo.

E a messe de sargentos num espaço melhorado em asseio e qualidade de mesa, a messe de oficiais num outro lugar ainda mais recatado, porque nestas coisas de estômagos cada casta tem o seu, nas maneiras de estar à mesa, nas convenções de acesso limitado, no guardanapo de pano, de papel ou costas da mão, copo de vidro, de plástico, púcaro de lata, no gim tónico, umas tapas de queijo antes da refeição, whisky ou conhaque, depois, cadeirão de recosto no fim, tudo respeitando o mais possível hábitos trazidos da mesa da mãe, coisas que em soldados vindos do pastoreio, das hortas, das vindimas, da construção civil, do trabalho de sol-a-sol, não se esperaria, com as excepções devidas à regra geral.

Geral era o refeitório da soldadagem. Rectângulo de alvenaria coberto de folhas de zinco e recoberto por colmo, numa plataforma ligeiramente elevada em relação à inclinação do terreno, três degraus para entrar, mesas corridas, bancos corridos em chão de cimento escuro, prato escasso para a fome de cada um, vinho do barril, baptizado no puto, rebaptizado em Bissau, com um pozinho, dizia-se, para tirar a tesão que pouco jeito dava ali, tempo curto à mesa porque quem pouco sabe depressa o reza, tudo lavado de imediato, a balde e escova rija, faxinagem de escala, duas vezes ao dia o ritual, não falando da refeição da manhã, pequeno-almoço lhe chamavam uns, café da manhã, mata-bicho.

Mampatá era o cruzamento que definia o caminho a seguir. Em frente, directos a Buba, com uma volta larga a Sul, mas a qualquer um sem apoio da carta ou mapa e na falta de referências a olho, dando a ilusão de estrada quase recta.

Ou então, voltando a Norte, por Uane, outra volta larga depois, descendo até Buba, atravessado que fora Nhala, por dentro, uns quilómetros atrás.

Voltemos, então, a Nhala, agora que perdemos tanto tempo às voltinhas a Sul e a Norte, em Buba, em Missirá, em Mampatá, em Uane, em Sare Donhe, se bem que desta nem falámos por se localizar um pouco à esquerda do nosso caminhar, voltemos a Nhala se é de Nhala que quero falar agora porque, se em Nhala comecei este falar, foi porque de Nhala queria fazer centro, hub, como na anglosaxonização (!!!) do falar português, tanta gente diz hoje, hub, querendo dizer de deambulações guerreiras na zona.

Portugal Pequenino e Darsalame eram nomes de tabancas na margem esquerda do Corubal, em linha recta tão perto do Xitole que, emboscados a cerca de dois quilómetros da primeira tabanca, ouvíamos o rio a correr e os motores das viaturas da tropa.

Não mais de quinze dias era o nosso tempo de Guiné, caras ainda enjoadas da travessia no Niassa, marcas do Inverno de Abrantes e Santa Margarida na pele, muitas dúvidas ainda nas cabeças, desconfiadas de que essa coisa da guerra, tirando o troar do ataque na Nhala, era apenas exagero de caçador, nas calmas em Aldeia Formosa com direito a banhos no Saltinho.

Ordem de cima, vá-se lá saber porquê, mandava juntar tropas de Aldeia e de Colibuia para um golpe de mão a Portugal e Darsalme. Coisa fácil, como dizia o Umarú Jaló, jovem mas feito àquelas andanças e permanentemente ansioso por acção. Eram só duas aldeias isoladas de tudo, picada a cortar mata e bolanha a partir de Nhala, coisa de quinze quilómetros.

Coisa fácil seria, apesar do caminho se alongar demais para os nossos hábitos metropolitanos. Seria, se fosse como se previa, sem merdas no caminho, sem encontros malandros, só andar, G3, mantimentos para aguentar a volta de manhã, bornal e o pouco mais que um ou outro acreditava dar jeito, caminho feito de dia, abancar a dois quilómetros do objectivo. Seria, não fora a bailarina que alguém deixara como esquecida, enterrada num chão mole logo atrás de um grosso tronco de árvore decepada por ventos velhos e de haste tripla apontando ao céu.

O João, nativo que fora já elemento do IN e agora vivia no quartel de Aldeia Formosa na sua qualidade dupla de guia de tropa branca e carpinteiro nas horas livres, chegado ao obstáculo, apoiou a mão direita no dorso da árvore, passou a perna esquerda para o outro lado, com a mão esquerda agora também apoiando o movimento, fez força para passar a outra perna.

Morreu ali mesmo, ninho de pássaros de aço, que lhe buscaram o corpo.

O Furriel Bernardes que seguia logo atrás do João, ouviu o estrondo e só descobriu que comera também a sua parte, quando as pernas se dobraram feitas trapo e o deixaram cair enrolado sobre o capim meio podre da picada.

O Alferes Baptista com pê, como sempre dizia a quem calhava apresentar-se, civil ou militar, também levou do mesmo, aliás, carga maior que a do Furriel, ou se menor, mais grave porque lhe tramou bexiga e rim.

Abortar a operação era e foi a solução a tomar, durante a noite o caminho ao contrário, um morto e dois feridos graves no lombo, a confiança abalada, a certeza que o movimento fora detectado, a dúvida se de outro local da mata não sairia alguém a cobrar mais imposto de sangue.

Dia seguinte, reconhecimento ao local, dois pelotões, um de cada Companhia. Sem nada que aparentasse mexidas, um pelotão regressa e outro fica em emboscada na expectativa de romagem à árvore derrubada.

Ficou o pelotão do Ávila e, voluntário na ida, fiquei com ele a experimentar a noite do mato, os ruídos, os cheiros, o sabor do risco, a excitação do novo.

Cada soldado com seu poncho no chão, dormindo à vez, soldado sim, soldado não, naquela correnteza de corpos estiraçados, alerta uns, acordados, alerta outros, mesmo no sono, um olho no burro outro no cigano.

Molhei-me e acordei espantado, duvidoso ainda, um eu racional embaraçado perante o outro eu instinto e descomandado.

Nem houvera sonho! Apenas a memória que navegara por dentro do tempo e do gesto mais fundo guardado em zonas do ser que não me conheço.

Ou, talvez, o sistema nervoso autónomo extravasando das suas funções.

Um orgasmo pleno e perturbador, a meio da noite de um chão duro, a dois passos do objectivo que havia de ser mais tarde, Portugal Pequenino, com o som do Corubal nos ouvidos e os barulhos nocturnos da mata, a mais de quinze quilómetros de Nhala.
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Nota de CV:

(*) Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4658: Vindimas e Vindimados (José Brás) (6): Achamos nós que não nos conhecíamos

Guiné 63/74 - P4695: O Nosso Livro de Visitas (66): Manuel Seixas da CCAÇ 1422/BCAÇ 1858 (K3/Saliquinhedim, 1965/67)

1. Mensagem de Manuel Seixas, ex-combatente da Guiné, pertencente à CCAÇ 1422/BCAÇ 1858, que esteve no K3/Saliquinhedim, (1965/67), com data de 10 de Julho de 2009:

Assunto: Pedido

Meu caro dr. Luis Graça

Vou todos os dias ao seu blogue para ver se há novidades e um já encontrei um companheiro do K3 e falei logo com ele.

Agora o que lhe peço, tivemos um almoço em Almeirim com 11 companheiros. Foi uma alegria depois de 42 anos, mas eu gostava que publicasse no seu blogue este acontecimento, não sei se será possível.

O meu muito obrigado
Manuel Seixas


2. Comentário de CV.

Caro Manuel Seixas.
Quando te dirigires ao nosso e teu Blogue não precisas de tratar o Luís Graça por doutor, já que na nossa Tabanca não fazemos distinções de classes nem dos antigos postos militares. Aqui somos camaradas com um só posto: ex-combatente da Guiné.
Como verdadeiros camaradas tratamo-nos por tu, o que não implica falta de respeito.

Pena que não tenhas mandado mais pormenores acerca do vosso Encontro, tal como data de realização e uma ou outra fotografia para ilustrar o acontecimento.

Ficamos ao teu dispôr para o que precisares de nós e se for essa a tua vontade, gostaríamos de te ter como tertuliano do nosso Blogue. Basta que mandes uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, em formato JPEG, contes um pouco da tua passagem pelo K3, onde fui imensas vezes já que estava em Mansabá.

No meu tempo completámos o alcatroamento da estrada Mansabá/K3, coisa que no teu tempo não havia. Deveria ser uma zona muito perigosa, já que por perto do Bironque havia carreiros muito mal frequentados pela gente do PAIGC que imperava ali por Madina Fula. Afinal tínhamos tão perto o mítico Morés.

Panorâmica do K3/Saliquinhedim

Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Maio de 2009

Guiné 63/74 - P4437: O Nosso Livro de Visitas (65): L.J.F. Marcelino, ex-Cap Mil da CART 6250, Mampatá, 1972/74