terça-feira, 6 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6116: O Nosso Livro de Visitas (85): Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, localidade onde nasceu há 60 anos, hoje residente nas Caldas da Rainha (Luís Graça)




Guiné-Bissau > Região do Oio (Mansoa) > Jugudul > Abril de 2006 > O antigo aquartalemento das NT, em Jugudul, cujas instalações foram cedidas, a seguir à independência, ao Sr. Manuel Simões, guineense branco de Bolama, para a sua fábrica de aguardente de cana (*). Também no Enxalé havia, até 1962, uma destilaria de aguardente de cana, pertencente ao sr. Pereira, pai da Maria Helena Carvalho. Segundo a filha, o Pereira do Enxalé era um colono branco, ntural de Seia, conceituado,  respeitado pela população da região.

Foto : © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados


1. Texto do editor Luís Graça:

Na sequência do encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67) , em Coruche (**), contactou-me, por telefone,  a Maria Helena Carvalho, nascida no Enxalé, e actualmente casada, residente nas Caldas da Rainha, onde tem um um estabelecimento comercial  (Telef. 262 842 990).

Seu pai, Amadeu Abrantes Pereira, natural de Seia, era um conhecido comerciante, o Pereira do Enxalé. Era dono de uma importante destilaria de aguardente de cana, bem como de outras instalações e casas, que ainda hoje estão de pé. A família era muito estimada pela população local. 

A Maria Helena nasceu no Enxalé em 1950, se não erro. Saiu cedo de lá, creio que com sete ou oito anos, por volta de 1958, para ir estudar em Bissau e depois na Metrópole. Mas regressava nas férias grandes. As suas memórias de infância (e os seus amigos de infância) estão indelevelmente ligados a esse tempo e a esse lugar. 


Os pais acabaram por sair do Enxalé, fixando-se em Bissau, em 1962. Já havia nuvens negras que prenunciavam a chegada da borrasca da guerra. A matéria-prima (a cana de açúcar) que abastecia a destilaria começou a escassear. Os caminhos tornavam-se perigosos. O PAIGC fazia o seu trabalho de sapa. Entretanto, a mãe morreu e a Maria Helena ficou definitivamente entregue aos cuidados dos padrinhos, das Caldas da Rainha.

O património da família ainda lá está, no Enxalé, arruinado. Também tinham prédios em Bissau. Em 1989, a Maria Helena voltou aos lugares da sua infância. Ainda encontrou, no Enxalé, gente que trabalhara para o seu pai bem como amigos de infância.

Ela ainda fala do Enxalé e da Guiné com emoção. Em Coruche teve ocasião de falar, por uns breves instantes, com o Beja Santos (Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) que nos seus livros tem bastantes referências ao Enxalé. Também ouviu falar do nosso blogue, mas ainda não o conhece, não se sentindo muito à vontade na Internet. Através dos serviços da Junta de Freguesia da Lourinhã, donde sou natural, acabou por localizar-me e telefonar-me.

Aqui fica o apelo, aos nossos camaradas que passaram pelo Enxalé (incluindo o Abel de Jesus Rei, autor de Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/69), para nos fazerem chegar mais informações sobre a família Pereira e, se possível, fotos das instalações civis do Enxalé, ocupadas pelo Exército.


Outro camarada nosso que conheceu bem o Enxalé é o Henrique Matos, primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68) . Aqui ficam os contactos do nosso camarada, já tornados públicos no blogue, para a eventualidade de a Maria Helena querer falar com ele:

Residência actual: Rua dos Lavadouros, n.º 46, 2.º Esq.
Edifício República
8700-442 Olhão
Telef. 289 714 748
Telem. 963 334 811
e-mail: henrique.matos10@sapo.p

Infelizmente não temos muitas imagens nem histórias passadas no Enxalé (teremos cerca de 30 referências)… No final dos anos 60 e princípios de 70, o Enxalé, na margem direita do Rio Geba, em frente ao Xime, tinha um heliporto e um cais acostável (só utilizado na época seca).  A própria Maria Helena tem poucas fotos desse tempo.

Do ponto de vista do dispositivo militar, o Enxalé passou a  pertencer ao Sector L1 (com sede em Bambadinca, Zona Leste), a partir do último trimestre  de 1969, se não me engano: nessa época, só havia duas destilarias de cana de açúcar no sector, uma em Bambadinca e outra em Ponta Brandão ( a escassos 5 quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá).  Por outro lado, a sua extensa e rica bolanha continuava a ser cultivada. A localidade pertencia ao regulado do Enxalé, onde a população recenseada, sob controlo das NT , era de 400 balantas e 350 mandingas e beafadas. Na localidade do Enxalé, onde existia uma loja comercial,  a população residente (cerca de 300) era considerada "colaborante na defesa".

O Enxalé era frequentemente alvo de ataques e flagelações do PAIGC.  O destacamento era apoiado pelo fogo de artilharia do Xime, aquartelamento que ficava na outra margem do rio Geba.

Em Junho de 1970, quando o BART 2917 substitui o BCAÇ 2852 no Sector L1, no destacamento do Enxalé havia um Grupo de Combate da CART 2715 (a unidade de quadrícula do Xime) bem como um esquadrão do Pelotão de Morteiros 2106. A partir de Outubro de 1971, passou a ter o GEMIL 309 e, em Dezembro de 1971, o GEMIL 310 (ambos pertencentes à Companhia de Milícias de Porto Gole). 



Fizemos (nós, a CCAÇ 12 e outras forças que integravam o dispositivo militar do Sector L1) várias operações na região compreendida pelos regulados do Enxalé e do Cuor, algumas bem duras e dramáticas, com terminus no Enxalé,como a Op Tigre Vadio (Março de 1970).

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Notas de L.G.:


(**) Vd. postes de:

Guiné 63/74 - P6115: Notas de leitura (89): Ciclone de Setembro, de Cristóvão de Aguiar - (II) (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Aqui vai o segundo episódio do Cristóvão de Aguiar, um escritor de tamanhão. Ainda há muita Guiné na sua obra. Como terão oportunidade de ver.
Renovo os meus pedidos, não me canso de bradar no deserto. Quanto aos anos 60, fico grato a quem se lembrar de outros autores para além de Manuel Barão da Cunha, Álvaro Guerra e Armor Pires Mota. Confio na bondade de alguém que conheça outro alguém que me possa emprestar “O Capitão Nemo e Eu” para se concluir a viagem à volta da obra do Álvaro Guerra.
Estamos já nos anos 80, o Zé Grave anunciou que anda à procura de outros açorianos, para além do Álamo de Oliveira, que o Cristóvão de Aguiar me emprestou.
Aceitam-se sugestões. Não há nenhum bairrismo nesta série de escritores açorianos: é bem possível que haja um cocktail explosivo entre ser ilhéu e ter combatido na Guiné.
Não me compete decifrar o mistério.

Um abraço do
Mário


Companhia Independente de Caçadores 666:

Nomes da miséria, a miséria dos nomes


Beja Santos

Continuamos na boa companhia do Cristóvão de Aguiar e do seu “Ciclone de Setembro”, a obra em que ele, em 1985, regressa à Guiné. A 666, o número da Besta, anda há onze meses na nomadização, um grupo de combate acode aqui, outro além. O aquartelamento está a norte de Bafatá, a Companhia Independente está integrada num batalhão de infantaria. Proceda-se ao primeiro inventário das desgraças, ao tempo: três evacuados, o mais grave com duas pernas amputadas e um falecido de todo. Tudo aconteceu três semanas após o desembarque, era uma simples operação de rotina, um treino em simulacro da realidade, ali para os lados de Nhacra, uma bricalhotice. É durante a comédia que irrompe o drama: “O guarda-costas do capitão, o soldado Barrancos, respirando valentia, despoleta uma granada ofensiva. Segura-a na mão para o que der e vier. Não é precisa. Não há inimigo à vista. Respiramos de alívio. O Barrancos também. Só que, com a atrapalhação, enfia a granada no bolso do dólman. Nunca mais se lembra que lhe havia tirado a cavilha de segurança e que, sem a mão fechada fazendo as suas vezes, ela rebenta. Demora-se no bolso apenas uns segundos, depois explode e, por simpatia, as restantes que leva ao dependuro no cinturão. Os que estão próximos levitam e voam com a deslocação do ar. O Barrancos é projectado para a bolanha ainda seca, a uns 30 – 40 metros de distância... Chego junto do Barrancos. Ele ri, ri às gargalhadas. Ao princípio ainda cuido ser choro convulsivo por causa das dores. Mas não. São gargalhadas perfurantes, acusativas lâminas... Continua rindo, bóiam-lhe nos olhos transtornados ondas de um revolto mar de loucura: Meta-me esta merda para dentro, meu furriel... Refere-se às tripas caídas por terra, dela besuntadas, esguichadas da escancarada buraqueira do baixo-ventre. Só pára de rir após a injecção de morfina, dose reforçada: Oxalá não escape, meu alferes caso contrário nunca será homem que preste”.

As críticas ao oficialato em Bissau não são poucas e a outro mais ou menos na periferia, e mesmo a norte de Bafatá. Cristóvão de Aguiar não é peco no arranjo das imagens e na descrição das misérias temporais, como se segue: “A encenação psicológica dos oficiais da repartição número não sei quantos, nem interessa, descambou no que se acabou de relatar (episódio do soldado Barrancos). Podem todos limpar as mãos à parede esburacada da consciência. Do mesmo modo, pode também o capitão de Buruntuma as mandar limpar ou cortar, como na sentença bíblica. Pertencia ele ao Batalhão Ás de Ouros, nome de guerra do Bat. Inf. 557. Valente Infante com o curso do Estado-Maior, resolveu um dia integrar-se numa operação realizada nos matos circundantes de Canquelifá. O nosso capitão Farias, como responsável pelo gabinete de operações do Batalhão, não tinha qualquer obrigação de acompanhar as tropas em acções no mato. Mas quis dar o exemplo. E deu-o como só um capitão altamente qualificado o pode dar”. No itinerário, rebenta uma mina anti-pessoal debaixo do jipão do oficial de operações do Ás de Ouros. Não houve estragos, apenas estoirou um pneu. Galhardo, o oficial escreveu em letras de imprensa e deixou no buraco: Turras, arranjai minas mais fortes; o Ás de Ouros pode com esta e muitas mais; cabrões de merda. A viagem prossegue, a operação prevista, por razões espúrias, será cancelada. Há viaturas que regressam a Buruntuma, uma delas vai a reboque da outra, avariada, lá seguem vinte homens na escolta, metade em cada uma, regressam com grande alívio, sempre é menos um combate a averbar no calendário da guerra. De súbito, um estrondo, lá na direcção em que seguiram as duas viaturas. O capitão do Estado-Maior enviou o narrador para saber o que se passou, caso tenha sido coisa séria que mande uns tiros para o ar. Avistam-se as duas viaturas imobilizadas. Alguém trás a má notícia: estão todos mortos na primeira viatura, na segunda não há ninguém e com isto atroam os céus e a terra com o sofrimento de quem assiste ao espectáculo daquela carroçaria abarrotando de carne ensanguentada. Não é possível qualquer identificação, tal o número de corpos em minúsculos destroços. Aqui, um pormenor: “O papelinho do nosso capitão do Ás de Ouros ainda se encontra, enfiado no pau, a meia haste, no fundinho da cratera causada pela mina anti-pessoal. A viatura transformada em açougue ficou imobilizada mesmo à sua ilharga”. O capitão do Estado-Maior quer os cadáveres alinhados, assim se cumpre. Os que tinham desaparecido foram encontrados em Piche: “Fizeram cerca de 20 quilómetros em pouco mais de hora de meia. Alguns iam feridos com estilhaços das granadas que os guerrilheiros lançaram para dentro da primeira viatura”. O capitão Farias do Ás de Ouros estava prostrado: com tal desastre, lá se ia ao galheiro a promoção a major.

Muito há a contar desse tempo de nomadização: tiros em Pirada, o alferes Leite estraçalhado por um crocodilo quando anda à pesca, um soldado que passou o que era possível passar em Madina do Boé e que caiu à água a bordo do Niassa, chegamos assim ao destacamento de Dunane, situado num mamelão entre Piche e Canquelifá, meio hectare de terra rodeada de arame farpado. O que era preocupação transforma-se no tédio do isolamento. Apareceram lá as senhoras do Movimento Nacional Feminino, o nosso alferes atreveu-se, numa brejeirice, a pedir a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, para sua surpresa foi-lhe enviada pouco tempo depois. Felizmente que os cães dão companhia e ajudam a reconstituir a normalidade: a Andorinha desbarrigou, deu à luz lindos cachorros, é o grande acontecimento em Dunane. E estamos chegados ao drama do Niza, que não recebeu a carta da sua Lena. A carta dos pais prenuncia a grande tragédia que vem aí: “Não queríamos mandar-te dizer nada disto bem basta a tua consumição nessa guerra. A rapariga que namoravas, a Lena da Maria Calva, roeu-te a corda a grande galdéria. Anda agora de namoro pegado com o filho mais velho do Rolo o que está emigrado para França”. O Niza vai desvairar, dispara carregadores de G-3, Dunane entra em estado sítio. A grande porra é que o desgraçado do Niza tem no braço tatuado o amor da Lena, ele anda aos gritos a mostrar a sua desgraça, grande puta que ficas para sempre com o teu nome gravado na minha pele, é uma seta que atravessa o coração tatuado, Amor de Lena. Não há injecção que acalme um homem que se considere corno. O Niza irá enforcar-se no hospital. Este braço tatuado, iremos ver mais adiante, transformar-se-á numa auto-estrada da memória dilacerada de Cristóvão de Aguiar. E um dia as lanchas virão rio Geba abaixo, até Bissau. Passaram seguramente por Mato de Cão, mas naquele tempo não fui eu que lhes dei segurança. Diz o autor que não dormiram na travessia do rio, tal era o medo de serem atacados. De Bissau subiram o portaló do Uíge, a comissão terminara. É o regresso à ilha, tudo fantasiado, ele vai para Coimbra, acaba os estudos, encontra trabalho como leitor de inglês, anos mais tarde, escalavrando o caminho, descobrirá o formigueiro da escrita, a peçonha e o êxtase fugaz que tiranizam a existência do escritor. Bom, ele volta à ilha só para reconstituir as coisas sofridas da adolescência entre o Pico da Pedra e Ponta Delgada. A ilha é uma danação, é a raiz profunda da açorianidade. Este Cristóvão de Aguiar fez bem em voltar à guerra, tal é o fulgor original desta narrativa de vanguarda que se embebe no casticismo dos mestres telúricos, como Nemésio, Tomaz de Figueiredo ou Araújo Correia. Vamos seguidamente ver como ele volta à Guiné em “Relação de Bordo”, em 1999.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6109: Notas de leitura (88): Ciclone de Setembro, de Cristóvão de Aguiar (I) (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6114: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (5): As colunas auto de Aldeia Formosa- Gandembel

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 25 de Março de 2010:

Dando o meu testemunho de “Estorias” das colunas auto de Aldeia Formosa – Gandembel e vice-versa, em que participei e/ou tive conhecimento de algo de realce.


As minhas memórias da guerra - V

Guiné - As colunas auto de Aldeia Formosa-Gandembel

Ponto 1
- A coluna-auto que se realizara de Aldeia Formosa – Gandembel - Aldeia Formosa, em 20 de Agosto de 1968 e na qual fui incorporado, em que é extraída da História da Unidade a descrição que se segue:

Durante a escolta à coluna de Aldeia Formosa – Gandembel - Aldeia Formosa, foram detectados 02 fornilhos e 05 minas A/P, tendo-se procedido ao seu rebentamento por não darem condições de segurança no seu levantamento. Uma das armadilhas foi accionada provocando um ferido às N/T.

Das lembranças tenho, que desde o início da marcha da coluna até Chamarra, fomos instalados “comodamente” nas viaturas e a partir desse lugar apeamo-nos para prosseguir, sendo organizado o sistema defensivo inerente a cada situação (foto 1). Quando da formação da escolta apercebi-me que tropas de elite Pára-quedistas que iam integradas, ainda não estavam elucidados no seu todo e nomeadamente nas precauções a tomar numa coluna-auto deste tipo. Assim, um elemento dessa Unidade de elite perguntara-me como proceder, disse-lhe que ele estava a experimentar os meus conhecimentos para me dar algumas dicas, ao que me retorquiu que era a sério, porque tratava-se da primeira coluna que se incorporava e necessitava de informação.

Foto 1 > Guiné > Região de Tombali > Subsector de Aldeia Formosa > 1968 > Eu e o meu grupo, levando a arma de forma nada ortodoxa e ia tomar posição.

Dizendo-lhe que deveria seguir afastado cerca de dez metros dos camaradas e na mesma linha, e nunca fazendo ajuntamentos porque seria um alvo apetecível para o In, levaria a arma apontada para o lado oposto à forma como levasse aquele que lhe ia na vanguarda e marchando sempre pelo trilho do rodado das viaturas. Quanto ao resto seria com ele, porque estava treinado e como um dos melhores do mundo, não tenho lembrança do seu nome, mas a sua naturalidade é de uma cidade conhece bem.

Iniciou-se a marcha, indo eu com a minha fé na folhinha com a oração da Nossa Senhora de Monserrate e quanto às ocorrências havidas já foram antes mencionadas.

Chegados a Ponte Balana, o Comandante da Coluna deu a permissão para que vários elementos da CCaç 2381, não se deslocassem a Gandembel a fim de evitar que neste Aquartelamento houvesse grande concentração de pessoal e por sua vez os que ficavam montavam segurança.

Tendo eu ficado e dando uma olhadela pelo reduto de Ponte Balana, as lembranças que me ficaram são de que situava-se em lugar isolado, no lado esquerdo da estrada, junto à ponte e na margem direita do rio que lhe davam o nome, era bunker/fortim com sistema defensivo e cercado por duas fiadas de arame farpado que estavam armadilhadas.


Ponto 2 - Da História da Unidade também foi extraída a actividade, relativa à coluna auto Aldeia Formosa – Gandembel e que no regresso se deu uma emboscada entre Chamarra e Mampatá, no dia 22 de Agosto de 1968:

Assim, no decorrer da Coluna Auto Aldeia Formosa - Gandembel, foram detectadas 27 minas A/P e das quais 15 foram rebentadas por não oferecerem condições de segurança. Tropa Pára-quedista coadjuvava as nossas forças de segurança à coluna, detectaram e levantaram no mesmo local mais 37 minas A/P. No regresso entre Chamarra e Mampatá, grupo In estimado em 70 elementos emboscou as NT com fogo de RPG-2, metralhadoras pesadas e armas automáticas, causando 05 feridos graves (01 Caçador Natuvo) e 02 ligeiros, e estragos ligeiros numa viatura. Efectuada batida foi encontrado um elemento In morto, variadíssimos rastos de sangue e material diverso.

Que subjacente à mesma presenciei situações de forma pertinente e que foram fundamentais para contrariar a intenção do In e tendo-lhes causado baixas:

Por conseguinte a coluna auto marchara de Aldeia Formosa para Gandembel e logo apareceram os Bombardeiros T-6, os quais foram estacionar na pista e aguardando para que em caso fosse necessário dar-lhe a devido apoio.

Foto 2 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Pista de Aviação > 1968 > Parque de estacionamento das aeronaves que demandavam esta Pista.

Só que o T-6 com dois ninhos de foguetes (dois tambores Lança Rockets) avariou-se e foi preciso vir uma DO 27, transportando um Sargento Mecânico e equipamento, para efectuar a devida reparação (tendo presenciado e oferecido os meus préstimos).
Concluída que fora a reparação e após, porque a coluna estava de regresso e a chegar a Chamarra, por isso a DO e o T-6 com as bombas, levantaram voo seguindo para a Base Aérea 12 – Bissalanca. Contudo outro T-6 ainda ficara estacionado no parque, talvez porque o Piloto tivesse que aquecer o motor e/ou tratar de algumas anotações.

Assim, o In provavelmente foi informado que as aeronaves para apoiar a coluna tinham partido, suponho que foi só aguardar no intuito da surpresa, em zona considerada segura para as NT e que agora seguiam montados nas viaturas, mas a Avioneta “DO 27” é que fez confundir o In.

Conquanto a coluna fora emboscada, ouvia as explosões das granadas, o matraquear das metralhadoras pesadas e tendo eu conhecimento que há pouco saíram de Chamarra. Como um T-6 ainda estava na pista e estando eu com o jipe dirigi-me para lá e entrei em diálogo com o Piloto (que estava dentro do cockpit) e informando-o da situação, ao que me disse que por via rádio também estava a ser informado do mesmo e que de imediato iria levantar voo e dirigir-se para aquele local. Solicitara-me para que me posicionasse junto da Tabanca e do Quartel (onde havia acessos transversais), de forma a evitar a entrada na Pista, de pessoas e/ou animais (foto 3).

Foto 3 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) 1968 > Panorâmica da Pista de Aviação, estando eu no jipe, vimos um bidão pintado marcando o limite da pista e assim como lateralmente a estrada que ligava a Mampatá.

E em poucos minutos, por contraste com o aproximar do pôr-do-sol, era visível o T-6 estar em acção na zona de intervenção e efectuando por várias vezes voos picados, lançando de rajada os Rockets, apanhando o In de surpresa e pondo-o em debandada.

Caberá ao Piloto Aviador do T-6, que teve esta intervenção, se houver mais algum facto a mencionar e ainda com mais a propósito das situações havidas.


Ponto 3 - Noutra coluna para Gandembel em que fui incorporado, o qual deu-se por rotatividade de serviço e realizada no dia 08 de Outubro 1968, e consta na História da Unidade da CCaç 2381 o seguinte:

Durante a escolta à coluna - auto de Aldeia Formosa – Gandembel - Aldeia Formosa, foi detectada e levantada por forças desta CCaç 2381, 01 mina A/P. Foram encontrados vestígios In, assim como rastos de sangue deixado por elementos In, que ao aproximarem-se do Destacamento de Chamarra caíram numa armadilha montada pelas NT e accionando-a. A coluna realizou-se sem consequências.

Para eu entender o que era o Aquartelamento de Gandembel, foi necessário lá entrar e houve uma grande tensão, indaguei se havia algum conterrâneo e/ou a ver o seu sistema defensivo. Não identifiquei ninguém e relativamente às instalações e aos abrigos eram de uma forma geral de tipo de construção meia enterrada (diferente de outras que conheci), somente as frestas e as coberturas com duas camadas de cibos sob terra e chapa de bidão é que pouco mais se elevavam do solo, havia as normais fiadas de arame farpado em toda a volta do Aquartelamento e claro está entre as mesmas estavam as armadilhas.

Pelo que me disseram no local, a artilharia de defesa, em muitos dos ataques In só eram accionadas no início, tal era a profusão e concentração de fogo In.


Ponto 4 - Pela última vez a 28 de Novembro de l968, incorporei uma coluna auto Aldeia Formosa – Gandembel – Aldeia Formosa, na História da Unidade somente consta, sem consequências (foto 4).

Foto 4 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Estrada de Gandembel > 1968 > Eu, algures entre Chamarra e Ponte Balana, quando a actividade In já tinha amainado.

Nesta data, fui pela segunda vez ao mítico Aquartelamento de Gandembel, houve tempo para conversas e ai tive conhecimento de várias situações sendo algumas adversas para “Os mártires de Gandembel”: - Que aquando de um ataque In, com baterias de morteiros e canhões s/r, instalados nas proximidades da vedação de arame farpado e tendo havido elementos do In que chegaram à vedação no lado esquerdo de quem entrava na porta de armas, pretendiam o assalto e ai morreram (não era só café e/ou a bala do branco que não matava..!).

Também nesse ataque, um dos abrigos sofrera três impactos na mesma zona, por granadas de canhão s/r e perfurando-o, ocasionando vários feridos e a morte de um Alferes;

- De quando alguns camaradas da CCaç 2317, efectuavam apoio logístico a uma coluna de Aldeia Formosa – Gandembel, no pontão de Changue Laia, caíram num campo de minas, ocasionando 4 mortos e 2 feridos. A minha Unidade CCaç 2381 “os Maiorais” ia integrada nas forças de segurança dessa coluna. Foi encontrado posteriormente um morto (Furriel Miliciano) e levantado por camaradas da minha companhia, as ossadas foram colocadas em campa, no cemitério de Bissau.

À margem das colunas é de salientar o que me ficou na memória, aquando eu estava em Aldeia Formosa, penso que foi no mês de Setembro de 1968, e que supostamente era mês de aniversário do PAIGC, em que perdi a contagem, do numero de ataques a Gandembel, pois sofrera mais de meia centena (era um “Regabofe” de dia e de noite);

A situação acalmou no Subsector de Aldeia Formosa, só após tropas de elite Pára-Quedistas, sediadas em Gandembel/Aldeia Formosa, serem preponderantes em várias operações de surpresa e com sucesso junto à fronteira da Guiné Conakry, de terem aniquilado praticamente dois Bi-grupos In e capturado imenso material de guerra, de que parte esteve exposto em Aldeia Formosa e assim como um ferido In capturado (estava em maca, fora dito que tinha os testículos esfacelados, pelo aspecto deveria ser quadro do PAIGC e recusava-se a falar).

Do que mencionei sobre a CCaç 2317 “Os Mártires e heróis de Gandembel,” e que tenho como referência, é uma pequena e singela descrição, relativa às condições difíceis que enfrentavam estes valorosos camaradas e sendo a ponta de um iceberg.

Por força das circunstâncias “descrito em outra estória” estive a vê-los chegar a Buba e ficamos acomodados na mesma camarata.

Neste Sector não tive conhecimento de quem passasse tanto as passinhas do Algarve (as voltas que os figos dão, desde a apanha e até que sejam torrados no forno).

Foto 5 > Guiné > Algures no Sector de Buba > 1968/69 > São os amigos da CCaç 2381 (uma Secção) em posição de expectativa, identificando Furriel Mil Tareco, seguido do 1.º Cabo Enf Jorge Catarino.

São lembranças que estavam cheias de pó e guardadas no Baú, tratam-se de algumas versões em segunda mão, mas contadas no local e como quem conta um conto altera um ponto, mas a sua essência está toda escrita.

Com cordiais cumprimentos a todos os bloguistas,
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas,
CCaç 2381 ”Os Maiorais”
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6089: Os nossos regressos (21): No dia 1 de Abril de 1970, a CCAÇ 2381 finalmente despede-se em Parada Militar (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5857: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (4): Operação Grande Ronco (2)

Guiné 63/74 - P6113: Convívios (212): Pessoal da CART 2412 - "Sempre Diferentes", no dia 15 de Maio de 2010, em Fátima (Jorge Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Teixeira (ex-Fur Mil Art da CART 2412, Bigene, Guidage, Barro, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Amigo e camarada

Não querendo sobrecarregar o teu meritório trabalho, agradeço que dentro das possibilidades,
publiques no blogue da Tabanca Grande o seguinte comunicado/convocatória:




CONVOCATÓRIA

Convocam-se todos os ex-combatentes da CART 2412 "SEMPRE DIFERENTES" que estiveram na Guiné em 68-70 em Bigene - Guidage - Binta - Barro, a estarem presentes no encontro / convívio anual que se realiza a 15 de Maio em Fátima e a relembrarem, comemorando, os 40 anos do nosso regresso a Lisboa no fim da comissão, que viajando (de lado!!!) no Carvalho Araújo, atracou no Cais de Conde de Óbidos, em 14 de Maio de 1970.


A concentração será às 10:00 horas no recinto do Santuário (Hotel Fátima).

O almoço de confraternização está previsto para o Restaurante "PÉROLA DO FÉTAL" em Celeiro a 10 Kms (+ou-) de Fátima na estrada Fátima/Batalha.




Para quem estiver interessado e para facilitar o transporte, está previsto um autocarro que sairá de Santo Tirso.

Para mais informações e marcações contactar os organizadores do evento:
Moura 22 415 30 87 e 96 924 03 61
Godinho 252 852 325 e 91 750 82 92

...e é só

Obrigado pela atenção e pelo trabalho.

Um abraço
cumprim/jteix
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6111: Convívios (125): 6.º Almoço Convívio do Pel Mort 4574 em Penacova, dia 22 de Maio de 2010 (António Santos)

Guiné 63/74 - P6112: Parabéns a você (99): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil OP Esp (Os editores)

1. Hoje dia 6 de Abril, um bom Carneiro está de parabéns. E nós também, como mais à frente se verá. Joaquim Mexia Alves, um camarada especial que dispensa mais adjectivos, completa 61 anos.Camarigo Joaquim, vimos assim desejar-te uma longa e boa vida junto da tua família e dos montes de amigos que soubeste fazer.

É uma honra para o Blogue ter tertulianos como tu, com as tuas qualidades de ser humano.
Sempre pronto a defenderes o teu ponto de vista até à exaustão, respeitas, contudo, as opiniões divergentes das tuas. Nós é que estamos de parabéns por te termos como amigo.

O Mexia Alves é um colaborador incansável do nosso blogue com as suas histórias e opiniões. Inúmeras vezes intervém para pacificar as hostes, quando as trocas de palavras começam a ultrapassar os limites do razoável. Raramente se chega a este limite, mas por vezes, no calor da discussão, lá saem umas frases mais ou menos contundentes. Nestes casos o Joaquim aparece sempre para arrefecer os ânimos.
Nos últimos anos, o Mexia tem-se dedicado à organização dos Encontros da Tertúlia, papel que tem desempenhado com muito afinco e brilhantismo. Este ano resolveu mudar de ares pelo que a espectativa é grande. Vai-nos receber em Monte Real, sua terra natal.

Do último Encontro de Ortigosa, ficam estes dois instantâneos:



Depois do traquejo adquirido a distribuir Rações de Combate nos Convívios da Tabanca Grande, fundou a Tabanca do Centro onde os almoços-convívio são à base de Cozido à Portuguesa da Manutenção Militar. É o que se pode arranjar, diz ele.




2. Voltando a falar a sério, no seguimento do que há tempos pedimos, que qualquer camarada pode enviar um texto alusivo ao seu próprio aniversário, o Mexia Alves mandou-nos os seus parabéns, destinados a nós todos, os seus camarigos, como ele gosta de dizer.

Ora bem, então hoje sou eu que faço anos!

61, para ser mais preciso!

E por isso quero dar-vos os parabéns, já que é dia de parabéns!

E porquê?

Porque todos vós vos sabeis manter vivos, activos, e, apesar de tudo, nada acomodados e ainda dispostos a ir à luta.

E dou-vos os parabéns porque todos sabeis colocar frontalmente e sem peias as vossas histórias, as vossas guerras, os vossos sentimentos, as vossas raivas, os vossos choros, e assim abris os corações a cada um que aqui passa, dizendo sem subterfúgios: Estamos vivos e não nos calamos!

E dou-vos os parabéns ainda, porque apesar das diferentes políticas, das diferentes maneiras de ver a guerra e tudo o que a envolve, de viver a vida em cada dia, no passado e no presente, sabeis encontrar mais laços de união do que de conflito, mais razões para festejar a amizade do que renunciar o abraço que nos abraça na “coisa” comum a todos.

Dou-vos os parabéns porque não vos envergonhais do que fizestes, até mesmo por obrigação e involuntariamente, porque vos mantivestes íntegros, porque não deixastes que as más recordações e o eventual ressentimento vos levasse a odiar o antigo inimigo, (antes pelo contrário), o que vos dá o direito a discutir e criticar o que fizestes no passado, para ser verdade no presente.

Dou-vos os parabéns também, porque apesar de nosso país sermos coisa marginal, vidros transparentes em que os olhares passam sem se deterem, grupúsculos incómodos que todos gostariam de ver extintos, mantendes a cabeça levantada dizendo altaneiramente: Fomos, somos e seremos!

Dou-vos os parabéns finalmente, (mas sem esgotar as razões para vo-los dar), porque por aquilo que vou vendo dos meus filhos mais novos que ainda andam a estudar, somos mais do que necessários para repor a verdade e consolidar a história da guerra recente, que alguns teimam em ensinar à sua maneira e do seu ponto de vista.

Falei mais da guerra e dos seus efeitos nestes três últimos anos, mercê da Tabanca Grande, (obrigado Luís), do que nos últimos 33 anos antes de vos conhecer a todos, e isso tem sido para mim uma experiência de libertação e reencontro que muito me tem ajudado, até na minha vivência familiar.

Por isso neste dia de festa, pois então, bebo um copo à vossa saúde e abraçando-vos, agradeço-vos a vossa amizade.

Ah, e afinal ainda há mais um motivo para vos dar os parabéns, e que é a vossa paciência em me aturarem com as minhas “frontalidades” e com as minhas “lamechices”!

Mas eu sou assim… e já não mudo!!!

Monte Real, 6 de Abril de 2010

JMA

O RANGER Casimiro Carvalho, enviou-nos 2 fotos do RANGER JMA, para juntarmos neste poste, obtidas há 23 anos na festa da Associação de Operações Especiais.

O Carvalho já nesta altura andava a tentar descobrir se o JMA é um grande RANGER, um RANGER muito grande, ou as duas coisas juntas???? 

Parece que ainda hoje a dúvida persiste!!!!!
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Notas de CV:

Vd. postes de Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73) nos marcadores Joaquim Mexia Alves e J. Mexia Alves

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6111: Convívios (211): 6.º Almoço Convívio do Pel Mort 4574 em Penacova, dia 22 de Maio de 2010 (António Santos)

1. Mensagem de António Santos (ex-Sold Trms do Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74), com data de 3 de Abril de 2010:

Camarada, Vinhal
Boa Páscoa, junto dos teus queridos.

Em anexo envio um ficheiro com as indicações da nossa reunião para almoço e confraternização, logo que te for possível a malta do 4574, agradece.

Um alfa bravo, do
ASantos
SPM 2558



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de l5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6110: Convívios (124): 4º Encontro-Convívio da CCS/BART 2917 e Unidades Agregadas ao Comando do BART, MAI70 a MAR72 (Benjamim Durães)

Guiné 63/74 - P6110: Convívios (210): 4º Encontro-Convívio da CCS/BART 2917 e Unidades Agregadas ao Comando do BART, MAI70 a MAR72 (Benjamim Durães)


1. O nosso Camarada Benjamim Durães (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do Pel Rec Inf, CCS/BART 2917 – Bambadinca -, 1970/72) enviou-nos uma mensagem dando-nos notícias do 4º Encontro-Convívio da sua CCS/BART 2917:

Camaradas,

No passado dia 27 de Março, teve lugar em Coruche o 4º Encontro-Convívio da CCS/BART 2917 e das Unidades agregadas ao Comando do BART, entre Maio de 1970 e Março de 1972.

Marcaram presença 117 convivas, sendo 58 ex-militares (41 da CCS, 2 da CART 2714, 2 da CART 2715, 4 da CART 2716, 5 da CCAÇ 12, 2 do PEL CAÇ NAT 63, 1 do PEL MORT 2268 e 1 do PEL ENG/BENG 447), incluindo 12 estreantes nestes Convívios.

Nos Encontros-Convívios já realizados, marcaram presença ao todo 96 ex-Militares, com 27 totalistas.



O grupo dos ex-Militares
O grupo ex-Militares com os seus Familiares
Um abraço para vós
Benjamim Durães
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS/BART 2917
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P6109: Notas de leitura (88): Ciclone de Setembro, de Cristóvão de Aguiar (I) (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Chegou a vez do Cristóvão de Aguiar entrar em cena.
Haverá razão para lhe dar o reconhecido destaque: tanto como me é dado saber, é o nome sonante que se imporá a partir dos anos 80 e praticamente até à actualidade.
Não é uma leitura amável, tal como José Martins Garcia sobressai pelo vigor da “açoarianidade” e um registo brutal das circunstâncias e dos gestos dos homens.

Um Abraço do
Mário


Um açoriano ciclónico com a cabeça cheia de Guiné

Beja Santos

Chama-se Cristóvão de Aguiar (1940), veio de São Miguel para Coimbra, interrompeu o curso e seguiu para a Guiné. Escreveu bastante prosa até que em 1985 aconteceu o “Ciclone de Setembro (Romance ou o Que Lhe Queiram Chamar)”, publicado pela Editorial Caminho. A Guiné tornou-se-lhe assunto recorrente. Formou-se em Filologia Germânica, foi redactor da Revista Vértice e leitor de Língua Inglesa na Universidade de Coimbra, tem recebido importantes prémios literários. Este Ciclone de Setembro de que vamos falar já apareceu com vários nomes, compreende-se como o seu autor o não queira deixar em paz. Como vamos ver.

É um ciclone autobiográfico, sem tirar nem pôr, até é possível imaginar a infância no Pico da Pedra, os estudos no liceu Antero de Quental, em Ponta Delgada e, subitamente, chegamos ao primeiro grupo de combate da CCaç 666, que ele comandou.

No princípio, corre Setembro e a tarde espreguiça-se no supliciado soalheiro da lembrança, escreve ele e eu lembro-me de Nemésio, um dos patriarcas desta geração. Chegara a hora de enfiar as memórias, de se abrir a diferentes ventos, os das ilhas, os da guerra, os que preludiam o futuro, a obsidiante Guiné. Mas o génese do ciclone é portentoso.

Imagem da infância: “Ao ombro, preso pelas alças de cadarço, levo o saquitel enxadrezado da merenda; na mão, uma maleta envernizada, com um losango cor-de-canário ao meio da tampa. Trajo uma vestimenta em bom uso, a bem dizer nova do trinque: casaco estrenido e tom cinzento-claro, calça bege vincada a poder de ferro bem aquecido de brasas por sobre um pedaço de papel de jornal velho – nada melhor para o vinco ficar como um prumo. Vou descendo a ladeira da Rua do Norte nestes preparos domingueiros porque me encaminho para Santana, o campo de aviação que serve a ilha. O Dakota americano aterra às segundas, quartas e sextas... só quando estiver perto da casa amarela da araucária gigante, a um escassilho de tempo do Campo numa esgueirada corrida das minhas, é que hei-de enfim ter a certeza de que o Dakota, vindo Banda d’Além da Lomba de Santa Barbara, se vem fazendo à pista, desencolhidas já as três rodinhas do trem de aterragem”.

Um açoriano não sabe expressar-se se não falar do mar salgado, dos campos verdes, da bagacina, da solidão infinita que é o apanágio do viver em ilha, um marulhar atlântico que nunca mais se despega da pele. Um açoriano está sempre em condições de falar das noites esborralhadas de vento, dos temporais, da suspeita dos sismos, do vento que sopra pelas canadas, do labor imigrante e da construção das casas, o sonho de um melhor viver. Nunca se esquece do nascer da casa e de quem a constrói, naquelas ilhas: “A casa nova, ou melhor dizendo o mestre Manuel Pinzinho, um dos pedreiros da obra, oriundo dos Fenais da Luz. Assenta-se numa pedra de ladrilho contra a parede-do-meio-da-casa, a única que permaneceu do anterior casebre quase em ruínas. Vai colherando com vagares ilhéus o mata-bicho das nove da manhã: uma tigela de barro rasa de sopas de leite de pão de milho migado, uma lasquinha de queijo amarelo na mão esquerda, que vai condutando por via de iludir o travor bodumoso do leite acabadinho de ordenhar da cabra malhada do Guerra e aligeirar a massa embolada do pão enqueijado no seu caminho deslizante para o caninho do alimento”. Lembranças das rapaziadas, das ternuras familiares, das festas. Lembrança maior é a do pão, dos alguidares da amassaria. Mas também Vavó Aparecida, afecto singular na vida deste autor disfarçado de Arquelau de Mendonça. Depois o amor temporão, que deixam a marca da inocência. E os estudos, a convivência, as rivalidades inter-ilhas. E o peso das relações desencontradas com o pai, sobretudo.

Chegar e partir são momentos extraordinários, nunca se sabe quando se regressa, tais as inclemências do tempo, é por isso que as casas das ilhas estão preparadas para a hospitalidade imprevista de quem não pode partir ou é forçado a demorar graças ao mau tempo. Parte-se com malas e embrulhos, recebe-se a bênção, há sempre o olhar marejado da despedida, há sempre o calor da chegada.

Chegou a hora de uma aventurosa viagem, estão semeados os ventos da guerra, Arquelau acaba de chegar à Guiné, responde por 33 homens operacionais, um rancheiro, um primeiro-cabo telegrafista junta-se um casal de rafeiros, é assim que se parte para o Leste: Por ordem de SEXA, o comandante-chefe, segue para a sede do Batalhão de Nova Lamego, onde aguardará ordem de marcha para Dunane, o primeiro grupo de combate desta companhia. Vai abonado de alimentação até hoje. Até o soldado Covilhã da companhia acantonada em Fajonquito, e adido à 666 durante umas semanas devido a reparações efectuadas, por causa das cheias, num pontão sobre o Geba seguiu com guia de marcha: por ter morrido afogado no rio Geba quando se procediam obras de restauro num pontão sobre o mesmo, regressa, sobre escolta, à sua companhia, em Fajonquito, o soldado número mil setecentos e cinquenta, barra sessenta e três, o qual vai abonado de pré e alimentação até hoje inclusive...”

Em Jabicunda faz-se um pouco de psico-social, aliás custa pouco, são uns comprimidos de laboratório militar. Segue-se para Sonaco, povoação Fula, ainda pejada pelo comércio de brancos e libaneses. Arquelau assiste ao pesar da mancarra, o peso está sempre do lado do comerciante. Sonaco é um pouco de paraíso dentro do inferno da guerrilha. Arquelau (ou quem se esconde sobre este nome) medita sobre as reais qualidades do soldado português: “Desde que tenha vinho e correio, nenhuma chatice entra com ele”. O baptismo de fogo aconteceu no mato do Caresse. O comandante da companhia que os acolhe não se terá lá comportado muito bem, é preciso andar sempre com um olho bem arregalado neste capitão Castelar, pelo que fica escrito por Cristóvão de Aguiar um carrasco e um energúmeno: o guia, um prisioneiro, qualquer que seja o resultado da operação, será sempre abatido. “Depois faz constar do relatório: temos a lamentar a morte do guia indígena, guerrilheiro capturado em anterior operação, o qual, ao preparar-se para fugir em direcção mato, onde certamente se iria juntar às hostes inimigas, foi abatido a tiro por homens não identificados das nossas tropas... O palavreado do capitão Castelar tornou-se já um papel químico. Utiliza-o sempre nos circunstanciados relatórios enviados aos superiores hierárquicos. Também nas suas conversas quezilentas lança mão de um outro papel químico: não sou salazarista, nem político, nem democrata, nem muito menos comunista; não sou nada, meus senhores, sou apenas um militar que cumpre ordens; tenho raiva a quem se deixa levar por ideias subversivas, entendeu, doutor?”

Em certas circunstâncias, o torcionário Castelar impõe conivências, empurra a execução sumária do prisioneiro guia para um alferes. A descrição de Cristóvão de Aguiar faz-nos ribombar até ao sofrimento extremo: “O alferes não dispara apenas um tiro mas um carregador inteiro. O prisioneiro fez-lhe perder o domínio dos nervos. Após ter aberto o coval, disse para o alferes: Mate-me de costas, nosso alfero; mas antes, deixe-me fazer uma oração a Alá... E voltou-se para Meca, prostrado. Terminada a reza, disse já de costas para o oficial: Pode disparar, nosso alfero”. Não sei por onde anda o capitão Castelar, reduzido neste livro à condição mais mísera dos desgraçados morais. Durante uma emboscada, ele revelará a sua verdadeira condição, raspando-se ao tiroteio. Mas depois veio-lhe a gana e volta a dar ordens para matar o guia.

Este ciclone de Setembro, insiste-se, vai passar de obra para obra, como aqui se vai registar.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6092: Notas de leitura (87): Antologia O Corpo da Pátria, de Pinharanda Gomes (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973

1. Parte VII dos dias da batalha de Guidaje, de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviado ao nosso Blogue em 6 de Março de 2010:




Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje



Parte VII


Daniel de Matos


Os Dias da Batalha


22 de Maio


Houve uma flagelação, curta, mas suficientemente certeira: caíram nas valas granadas de Morteiro 82, causando feridos, um deles muito grave. O pessoal já não sabe onde dormir. Faz oito dias que chegámos. Estamos fartos de viver como toupeiras, queremos ir embora a qualquer custo. Mesmo sendo conhecedores dos riscos que teremos de enfrentar pelo caminho. Se os Comandos Africanos passaram sem levar viaturas, nós também o poderemos fazer. Antes feridos ou mortos a romper o cerco do que enfiados nas tocas, como ratos. É dia de tentarmos uma vez mais ultrapassar os obstáculos, prepararmo-nos para novos confrontos, vamos romper as linhas do IN e atingir Farim, em direcção ao paraíso.

Pouco passa das sete horas e aí vamos nós, uma bicha de pirilau de cada lado das viaturas, protegendo-as de ambos os lados da picada. Somos pouco mais ou menos os mesmos da desafortunada coluna de dia 19, descontando as baixas sofridas desde então, que não são unicamente os feridos, há que acrescentar o pessoal vítima de “amoques” diversos, como ataques de paludismo e quejandos, que atiram para os bancos das viaturas de trás um bom punhado de novos inoperacionais.

Desta vez, o nosso posicionamento na coluna é mais avançado, digamos que do meio para a frente. Nota-se uma grande concentração nos olhos e no caminhar dos homens, um cuidado suplementar com a disciplina, a cada passo. O silêncio só não é total devido ao ralenti das Berliet da frente (enquanto se vai fazendo a picagem as restantes viaturas ficam para trás e mantêm os motores desligados, quando há condições de segurança aproximam-se quinhentos metros e voltam a parar). A passarada e demais habitantes da mata também se calam à nossa passagem, ou em sinal de respeito ou então como num filme de suspense, aguardando o desfecho.

Atingimos a bolanha seca do Cufeu, enorme, vamos ter que atravessar um grande descampado e, do nosso lado, não se vislumbra um único refúgio em que possamos abrigar-nos, caso isto dê para o torto. Fazemos um compasso de espera, sempre de olhos no chão que pisamos e na linha do horizonte, e os homens da frente progridem umas dezenas de metros com todas as cautelas, como que a apalpar o terreno. Nada acontece e são mandadas avançar as duas Berliet, que como é costume na função de rebenta-minas, apenas levam os condutores e sacos e mais sacos de areia, no chassis, sobre os pára-choques, em toda a parte.

Olhamos uns para os outros, parece até que sorrimos, como que a dizer “é desta!”, desta vez é que o pessoal zarpa daqui, vamos embora! Os sorrisos duram pouco tempo: uma infinidade de canhoadas começa a troar ao fundo da bolanha e atiramo-nos para o chão, liso, que nem bermas há onde esconder o cabedal. Passam breves momentos e começa a cair a chuveirada de granadas de canhão-sem-recuo e de morteiro, e mesmo os mais convictamente ateus rezam para que nenhuma pouse nas suas imediações. A parte imensa da coluna que se estende pela bolanha está desprotegida, em plena zona de morte. Como o ataque é desferido de longe, a única reacção ao fogo provém dos nossos morteiros.

A situação dura minutos incontáveis, durante os quais os fuzos da frente avançam, tentam surpreender o IN mas eles é que acabam por ser surpreendidos, deparando-se com uma linha perpendicular pela frente, de onde despontam rajadas de metralhadoras e de onde vem a cruzar o ar uma chusma de granadas de RPG. Parece, mais uma vez, estarmos sem saída possível. Galgar a barricada dos guerrilheiros será autêntico suicídio, pois correr desalmadamente por uma bolanha seca fará de nós alvos demasiado fáceis. Não temos a possibilidade de ver ninguém, reagimos por instinto, disparando às cegas. O soldado José António da Silva Pires (Jaca) lá vai serpenteando entre balas e rebentamentos e consegue chegar-se à frente. Tanta agilidade, carregando ao ombro um morteirete, e não só: ele e o seu camarada Manuel de Sousa transportam algumas munições, atadas duas a duas pelas bases, e escolhem o sítio ideal para as poderem disparar. Da orla da mata as costureirinhas começam a matraquear na direcção de ambos o seu som característico, tal como o demonstram os impactes das balas no capim, curto, atrás do sítio onde se encontram. Uma rajada causa-nos alguns danos, embora na maioria dos casos não passe de arranhões ou ferimentos ligeiros, nomeadamente no 1.º Cabo Gomes dos Santos, do COMBIS. Sem ter consigo a G3 para responder, o Jaca cola-se o mais possível ao chão e o Manuel de Sousa rasteja e esconde-se por trás duns arbustos ralos. Abre fogo de tal maneira que cala os disparos inimigos, levanta-se e desata a correr em perseguição, ao mesmo tempo que vai visando o inimigo com pequenas rajadas. Por sua acção, os guerrilheiros que desse lado nos tentam envolver desistem da ideia e batem mesmo em retirada. Já não seremos cercados e o Jaca gasta as munições de 60 mm fazendo-as explodir logo após os limites da nossa zona de acção, ou seja, em cheio sobre quem nos ataca, provocando o ponto final na emboscada. É pedido apoio aéreo, mas desta vez a resposta é negativa, não sabemos se devido ao receio dos mísseis Strela se a outras razões.

Desde Setembro de 1968 que os serviços de “Defesa do Estado” tinham sido avisados de que os mísseis SAM-3 estariam a ser disponibilizados pelo Instituto Internacional de Moscovo para a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC. Só que, já neste ano de 1973, o modelo de míssil anti-aéreo que viria a derrubar os primeiros aviões no norte da “Província”, acabaria por ser o “SA-7 Grail-Strela”, (designação russa e também da OTAN, ou NATO, mas nunca adoptada em Portugal) operado apenas por dois homens e facilmente transportável para qualquer ponto da guerrilha. Na realidade, o aparelho, cuja utilização já era conhecida da guerra do Vietname, não passa de um tubo com 1,40 metros e dez centímetros de diâmetro, pesando escassos 10 quilos (quase metade de um rádio Racal)… Tem acoplado um pequeno sistema de disparo. É accionado por um apontador e um homem para abastecer a carga sobressalente (municiador). E os mesmos serviços sabiam que à base IN de Kondiafara haviam chegado no ano transacto trinta apontadores acabadinhos de formar na URSS. O “SA-7 Grail-Strela”, ou SAM-7, ou simplesmente Strela, está equipado com uma cabeça auto-direccional, sensível aos infravermelhos, tendo um alcance transversal de 3,7 quilómetros e, de altitude máxima, 10.000 pés (3 quilómetros, porque acima disso, rebenta), a uma velocidade de 1,5 “Mach” (é a unidade que mede a relação entre a velocidade do objecto e a velocidade do som). Emite um sinal acústico quando tem o alvo referenciado, mas bloqueia se o avião voar baixinho (é ineficaz abaixo dos 150 metros). Não pode ser disparado com o tubo a fazer um ângulo superior a sessenta graus, sob pena de os gases de escape queimarem o apontador. Assim, disparado numa posição entre os 20 e os 60 graus, o míssil poderia perseguir um avião “até à pista”, atraído pelas fontes de calor (os reactores, no caso dos Fiat).

A anulação da operacionalidade da Força Aérea começa precisamente nesta região, onde os sistemas antiaéreos do IN começam a alvejar e derrubar aviões T-6, DO-27 e Fiat G-91. Também os helicópteros estão sem voar em grande parte do território e durante tempo indeterminado.

De facto, no dia 20 de Março de 1973, os mísseis terra/ar começam a dar sinal de vida (primeiro disparo é referenciado na fronteira norte, em Campada, S. Domingos). Mesmo que alguns tenham passado ao lado das aeronaves, as ondas de choque provocadas assustam pilotos, e não só! De início nem se suspeita do tipo de arma que o IN estava a utilizar. A primeira vítima ocorre a 25 Março. É abatido o caça do tenente piloto-aviador Miguel Pessoa (Bissalanca, BA 12). Voava a mil pés de altitude e o impacte do míssil na parte traseira do Fiat fez com que este perdesse o motor e os comandos. O piloto, que voava sobre o corredor de Guileje, consegue ejectar-se, mas devido à baixa altitude, o pára-quedas não chega a abrir-se totalmente e ele tem a “sorte” de cair sobre árvores frondosas que lhe amparam o corpo. Ainda assim, perde a consciência e parte uma perna (fractura do peróneo), o que o impossibilita de caminhar em direcção a Guileje. No dia seguinte, oculto sob a copa do arvoredo, onde os pilotos que procedem às buscas não têm a possibilidade de o ver, lança ao céu um “very-light” que é avistado pelo tenente-coronel Brito (que irá morrer em combate três dias mais tarde). Conhecido o sítio exacto onde se encontra, o Grupo de Operações Especiais de Marcelino da Mata é incumbido de o procurar e resgata-o por volta das 11 horas, levando-o até ao héli da evacuação, onde é assistido pela segunda-sargento enfermeira pára-quedista Giselda Antunes. No céu, os aviões que estão a proteger a operação, – entre eles, um T-6 pilotado pelo furriel Carvalho, – são também alvejados, mas esses mísseis não causam danos. A 28 de Março, o Fiat G91-RA n.º 5419, pilotado pelo tenente-coronel aviador José Fernando de Almeida Brito (comandava o Grupo Operacional 1201, – Base Aérea n.º 12, em Bissalanca, – e tinha comemorado o seu 40.º aniversário na véspera) é abatido por um míssil e explode no ar, nas imediações de Madina do Boé. O corpo do tenente-coronel nunca será encontrado.

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Como estava colocado em Bissau (Brá), faltando poucos meses para regressar à metrópole (esperava fazê-lo em Outubro/Novembro, resolvera casar-me em Lisboa, o que aconteceu a 31 de Março, dia da notícia do abate do Fiat de tenente-coronel Almeida Brito no DN. Embora desde muito novo tivesse o hábito de ler jornais diariamente, foi para mim um dia pouco propício para ler jornais… Mas na capital toda a gente andava alarmada com as notícias e me perguntava pelos aviões, sem que eu soubesse o que responder. As núpcias e as férias terminaram e regressei a Bissau a 1 de Maio (o Boeing da TAP saiu da Portela perto da meia-noite e, pouco antes, tive notícia de uma explosão na Praça de Londres, creio que no primeiro-andar do então Ministério das Corporações (atentado à ARA). Também nessa noite, a RTP transmitia o concurso da Miss Portugal, directamente do Casino Estoril. Claro que só tinha câmaras de filmagem no interior do casino, pois cá fora havia a pouca-vergonhice de um grupo de cidadãos protestar contra a exploração da mulher e, contraditoriamente, contra o preço dos ingressos, exibindo cartazes que diziam “2.000 escudos = a 4.000 pães”!!!

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Porém, o dia mais dramático para a nossa aviação seria 6 de Abril. O DO-27 pilotado pelo furriel Baltazar da Silva transporta um médico e um sargento de Bigene para Guidaje e não chega ao destino, havendo que proceder à sua busca. Parte de Bissalanca outro DO-27, conduzido pelo furriel António Carvalho Ferreira. Em Bigene, o comandante do batalhão local (major Mariz) embarca no avião e vai aterrar em Guidaje. Aí juntam-se o ferido a evacuar e um enfermeiro. Com essas quatro pessoas a bordo, a aeronave levanta voo na direcção do Senegal (a pista, como já vimos, é sobre a fronteira) e pura e simplesmente desaparece. É mais tarde localizado no mato entre Bigene e Guidaje. Um pelotão de pára-quedistas héli-transportado desloca-se ao local e confirma as quatro mortes, conseguindo recuperar os corpos (haveria ainda de reaver mais duas vítimas mortais dos mísseis Strela). Entretanto, voando na área em protecção dos pára-quedistas, é abatido por outro míssil um avião T-6, pilotado pelo major Mantovani, que morreria em consequência da queda. Ainda a 6 de Abril, mais um DO-27, pilotado por outro furriel aviador, também Carvalho (não sei se o meu amigo de infância José Manuel Henriques de Campos Carvalho, que era piloto desses aviões e estava na Guiné nessa altura, encontrámo-nos um dia em que foi a Gadamael, mas depois perdemos o contacto), acorre a um pedido de evacuação de Guidaje e leva a bordo a sargento pára-quedista Giselda Antunes (por curiosidade, casar-se-ia com o tenente piloto-aviador Miguel Pessoa, do Fiat abatido a 25 de Março, hoje coronel reformado, registando-se a coincidência de constituir seguramente o único casal do mundo a ser atingido por mísseis Strela em ocasiões e aviões diferentes)… É igualmente alvejado por outro Strela que, embora o não tenha atingido, o danificou com a onda de choque e o obrigou a regressar à base.

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Após o derrube das aeronaves o inspector adjunto António Luís Fragoso Allas, responsável-mor da polícia política em Bissau e homem muito próximo do general comandante-chefe e do seu gabinete, enviou para a Rua António Maria Cardoso (sede da PIDE, em Lisboa) uma mensagem que continha, entre outras, as seguintes observações: “A utilização desta nova arma (mísseis terra/ar) constitui um sério agravamento da situação, porque nos tira o domínio do espaço aéreo”. Antes, “só o apoio aéreo foi decisivo para evitar desaires”. “Temos de encarar como possível que o PAIGC venha, em curto prazo de tempo, a aniquilar algumas guarnições e a estabelecer novas áreas libertadas”. Allas era agente da PIDE desde 1961, trabalhou no gabinete de Spínola e, após o 25 de Abril, viria mesmo para Lisboa, onde permaneceu protegido pelos chamados spinolistas até ao “28 de Setembro”, nunca chegando a ser preso e fixando residência mais tarde, como empresário, na África do Sul.

Na ausência de aviões Fiat desatou o pessoal a bombardear com morteiros, bazucadas, os da frente até com dilagramas. Mas o mais que conseguimos foi provocar novo e reforçado fogachal do PAIGC e termos de nos colar novamente ao chão para evitar a chuva de estilhaços. Se tem sido o IN a avançar em nossa direcção, estávamos feitos: ou recuávamos ou não tínhamos qualquer hipótese de protecção. Mas o objectivo dos guerrilheiros era, notoriamente, impedir-nos a passagem e não dizimar-nos ou infligir-nos outro tipo de derrota. E esse objectivo eles conseguiram-no, mais uma vez, obrigando-nos a regressar a Guidaje. Voltámos ao inferno, às valas, ao cheiro pestilento, às refeições de “estilhaços com atacadores” (esparguete com pedacinhos de salsicha) e, com sorte, aos copinhos de groselha. Por quanto tempo mais?

Do quartel de Binta, sensivelmente à mesma hora (sete e trinta) em que saíramos de Guidaje, avançara também nova coluna logística, com a missão de evacuar o pessoal, sobretudo os feridos. A CCP 121 faria protecção a oeste da estrada, cabendo a um destacamento misto de fuzileiros (42 homens dos DFE n.º 1 e n.º 4, comandados pelo primeiro-tenente Albano Alves de Jesus) a protecção a leste. Os picadores seriam de um grupo de combate da CCaç 14 (guarnição de Farim), participando também um grupo reduzido de elementos da CCaç 3. Um dos elementos, – o furriel miliciano Arnaldo Marques Bento, – deste grupo comandado pelo alferes Gomes Rebelo, acciona uma mina antipessoal, reforçada com outra, anticarro, e tem morte imediata. Também um picador – o soldado Lassana Calisa, – morre alguns metros adiante e a mesma mina provoca dois feridos graves. Ainda um outro engenho viria a ferir gravemente outro homem. Cerca do meio dia, um grupo de combate saiu de Genicó e veio reforçar a coluna. O tenente-coronel Correia de Campos manda abortar a coluna de reabastecimento e o pessoal regressa a Binta, onde chega apenas por volta das 18 horas.


23 de Maio

Sai de Binta em direcção a norte uma coluna/auto comandada a partir de uma DO-27 pelo major pára-quedista José Alberto de Moura Calheiros. É protegida por uma unidade de fuzileiros especiais e por grupos pertencentes a unidades do Exército, nomeadamente da CCaç 3 e, como sempre, por uma equipa de picadores que rasga caminho lá bem na cabeça da coluna. Ao chegar perto de Genicó liga-se aos cerca de 90 homens da CCP 121 que, sob o comando do capitão pára-quedista Armando de Almeida Martins, emboscada desde bem cedo, ali aguardam a sua passagem, para lhe fazer protecção. Os pára-quedistas faziam parte de uma força de intervenção, que incluía ainda uma companhia de comandos e uma companhia de fuzileiros, enviada para Guidaje para tentar romper o cerco e aliviar a pressão do PAIGC sobre o quartel.

Por volta das 8,30 horas, com a ligação à vista praticamente a ser efectuada, uma mina antipessoal é deflagrada e provoca a morte do soldado Bailó Baldé, da CCaç 3. Escassos minutos a seguir, quando a coluna recolhe o corpo e retoma o andamento, uma viatura acciona outra mina e causa mais uma morte imediata (soldado Fonseca Nancassa, também da CCaç 3) e dois feridos com gravidade. Uma terceira mina vem a ocasionar mais um ferido grave. Perante as adversidades da progressão, parecendo impossível ultrapassar o enorme campo de minas e armadilhas que encontrou em cada metro de caminho, é recebida ordem para que a coluna retroceda e regresse a Binta. Aos pára-quedistas, no entanto, é dito que devem avançar até ao destino, em missão de patrulha (operação Mamute Doido). Assim procedem, vindo a efectuar uma pausa para descanso, já na área do Cufeu. Conforme estas fatídicas jornadas demonstram à saciedade, seja ao longo da bolanha seja em torno da casa amarela que avistamos a cada passagem – ou do esqueleto que dela resta, – o Cufeu é uma zona propícia para as emboscadas, desde logo pelo número inusitado de morros de baga-baga atrás dos quais dezenas de corpos se podem ocultar e proteger-se das nossas balas.

Retemperadas as forças, o pessoal da companhia de caçadores pára-quedistas reinicia a marcha e é de pronto surpreendido por constringente emboscada. Dois dos pára-quedistas que seguem na frente (António das Neves Vitoriano e José de Jesus Lourenço, este com apenas 19 anos) têm morte imediata; o 1.º Cabo Manuel da Silva Peixoto, apontador de HK-21, é colhido por uma rajada e fica gravemente ferido. O fogo inimigo é muito intenso, a frente prolonga-se por algumas centenas de metros e dura três quartos de hora praticamente consecutivos. Há quem garanta ter avistado gente branca do outro lado.

“Os militares José Lourenço, António Vitoriano e Manuel Peixoto iam na primeira linha e foram os primeiros a cair”, relata muitos anos mais tarde Hugo Borges, na altura da emboscada tenente, comandante de pelotão (hoje general).

À mistura com tiros de Kalashnikov ouvem-se estrondos de canhões-sem-recuo e roquetadas das RPG-7, que causam pelo menos mais duas baixas graves: a do soldado Palma, que se encontrava a tentar desencravar a metralhadora MG-42 do soldado António Melo, que foi também ferido e ficou imediatamente em coma (viria a falecer após evacuação, já na metrópole). Apesar da resistência das NT, a ofensiva só é contida graças ao apoio aéreo que desta vez corresponde ao chamamento. Os Fiat lançam bombas de cinquenta quilos ao longo de meia hora bem medida sobre a zona de acção IN (cuja força é estimada em cerca de setenta guerrilheiros). Algumas viaturas saíram de Guidaje e foram ao encontro dos pára-quedistas. Fizeram inversão de marcha para se carregarem os corpos das vítimas e regressarem à origem. Abrindo um novo trilho, conseguem chegar à aldeia de Guidaje, não sem que os guerrilheiros retirados do Cufeu após o bombardeamento da aviação os tenham atacado de novo, mas de longe e sem consequências. O Cabo Peixoto não resiste aos ferimentos e morre também neste dia 23 de Maio, – imagine-se! – considerado o “Dia dos Pára-quedistas” por ser há precisamente 17 anos (desde 1956) a data da fundação, em Tancos, da Escola de Tropas Pára-quedistas!...

O Batalhão de Caçadores Pára-quedistas (n.º 12) teve durante as campanhas na “Guiné Portuguesa” cinquenta e seis baixas, (três oficiais, seis sargentos e quarenta e sete praças).

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Os corpos dos militares da CCaç 3 que protegiam a coluna inicial e que pela manhã foram vitimados pelo rebentamento de minas (mormente os de Bailó Baldé e Fonseca Nancassa), ainda devem ter sido transportados pelas mesmas viaturas que os camaradas pára-quedistas trouxeram para Guidaje, pois viriam a ser ali sepultados, dias depois, conjuntamente. Se assim não fosse, teriam sido levados pelos fuzileiros e elementos do Exército que regressaram a Binta e o tratamento aos seus esquifes teria sido diferente.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6090: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (6): Os dias da batalha de Guidaje, 20 e 21 de Maio de 1973

Guiné 63/74 – P6107: Memória dos lugares (77): Jumbembem 1973/74 (Fernando Araújo, ex-Fur Mil da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512)

1. O nosso Camarada Fernando Araújo* (ex-Fur Mil da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), que se “apresentou ao serviço” nesta tertúlia, no poste P6098, enviou-nos a segunda mensagem, com mais fotos da sua “maravilhosa” estadia em Jumbembem, com data de 5 de Abril de 2010:

Camaradas e Amigos,

Começo esta mensagem agradecendo as boas-vindas que me foram dirigidas pelos Camaradas José Corceiro, Luís Faria, Manuel Marinho (meu Camarada da 1ª CCAÇ, do meu BCAÇ 4512 que esteve em Nema/Farim e Caetano que ainda se lembra da problemática e dantesca ponte de Lamel.

Tal como disse na primeira mensagem andei envolvido, com o meu pelotão, numa coluna a Guidage, acção esta que decorreu imediatamente antes da execução no terreno da famosa e mortífera operação Ametista Real e numa terrível emboscada em Lamel (região situada entre Jumbembem e Farim), acções estas de que vos darei a minha visão pessoal dos factos brevemente.

A presente mensagem é ainda dedicada ao aquartelamento de Jumbembem, alguns aspectos locais do aquartelamento e de hábitos e usos da população local, de que disponho algumas fotografias.
Foto 16 > Jumbembem > 1973 > Os furriéis da 2ª Companhia. Em cima, da esquerda para a direita: Assunção, Ribeiro, Baía, Gameiro, Araújo, Duarte, Gil e Machado. Em baixo, da esquerda para a direita: Pereira, Aires, Cunha, Sandy (o faxina civil), Ferreira e Tavares
Foto 17 > Jumbembem > 1973 > O espaldão do Obus de 10,5 cm, que veio substituir o Obus de 14 cm. Passei aqui inúmeras horas a treinar Karaté
Foto 18 > Jumbembem > 1974 > JUN12, à porta do meu quarto, com a nossa mascote o Boy. Ao fundo vê-se o posto nº 2 (saída para a picada de Cuntima)
Foto 19 > Jumbembem > 1973 > A escrever uma carta no meu quarto
Foto 20 > Jumbembem > 1974 > No meu quarto observando o meu álbum de fotografias e, como não podia deixar de ser, a minha namorada Rosa Maria
Foto 21 > Jumbembem > 1974 > O meu quarto depois de renovado e assim bem mais confortável
Foto 22 > Jumbembem > 1973 > Um Baga-Baga (morro de lama seca construído por formigas brancas), com uns 3 metros de altura
Foto 23 > Jumbembem > 1973 > Um dia de Sargento de Dia à Companhia
Foto 24 > Jumbembem > 1974 > ABR15, aspecto da próspera e bem tratada horta da Companhia
Foto 25 > Jumbembem > 1973 > O tanque de armazenamento de água, que servia para regar a horta e de piscina onde o pessoal ia dar uns mergulhos
Foto 26 > Jumbembem > 1973. No meu quarto com o Sandy (o empregado responsável por nos fazer as camas, limpar, varrer e arrumar os tarecos)
Foto 27 > Jumbembem > 1974 > FEV28, à conversa com um djubi
Foto 28 > Jumbembem > 1973 > ABR29, na tabanca pisando o Coconote dentro do pilão, com o meu Camarada Gil
Foto 29 > Jumbembem > 1973 > Uma fase de luta tradicional entre nativos locais
Foto 30 > Jumbembem > 1973 > Fase mais acesa de uma luta tradicional entre nativos locais
Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512

Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: