quarta-feira, 7 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 Km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos do IN.







Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 >Nas proximidades da antiga tabanca de Padada >  Como refere o Fernando na sua série A Guerra Vista de Bafatá, na sequência do agravamento da situação no Cossé, em mados de Junho de 1969 fora destacado para Madina Xaquili, onde viveu "uma experiência verdadeiramente inesquecível". Madina Xaquili ficou-lhe para sempre no coração. Disse-me, há dias, em Monte Real, que teve imensa pena de não ter podido, por razões de transporte, voltar à antiga tabanca onde esteve destacado entre 12 e 24 de Junho de 1969, para uma visita de saudade...





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > Nas prioximidades da antiga tabanca de Padada




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Uma pausa para retemperar as forças, entre Madina Xaquili e Padada. O Fernando está ao centro, tendo à sua esquerda o João Vieira, o comandante de milícias de Madina Xaquili (Pel Mil 147).





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Restos da  antiga tabanca de Padada.




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  Um dos abrigos da tabanca que era guarnecdia pelo Pelotão de Milícias 147... O Fernando dispunha  de 10 miliatres metropolitanos e 38 milícias, sem treino e mal armados... Madina Xaquili estava na iminência de ser atacada por um bigrupo do PAIGC, o que viria acontecer um mês depois. A 19 de Junho, recebe a visita do Cor Hélio Felgas, Comandante do Agrupamento de Bafatá (COP 7, a partir de Agosto de 1969), que lhe diz:  "Gouveia, só sai daqui quando a população civil tiver abrigos"...O Gouveia comenta, com condescendência: "Como já o conhecia muito bem, sabia que não iria ser bem assim, como mais tarde se verificou"...




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  A morança que foi destinada ao Fernando Gouveia.


Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Agrupamento de Bafatá, Bafatá, 1968/70) 
explica o porquê da sua ida intempestiva para aquela aldeia no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...).

Aproveitei para republicar, em formato extralargo,  algumas das belíssimas fotos tiradas pelo Fernando em Madina Xaquili e Padada. Com a devida vénia, e a recomendação  aos nossos leitores para voltarem a ler os postes do Fernando sobre a sua "inesquecível experiência" em Madina Xaquili, à frente de uma tropa fandanga... (LG)Fotos:  © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados
 
 
1. Continuação das mimhas notas sobre a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 onde, noutra encarnação (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) fui pião de nicas, pau para toda a obra, na ausência de posto de trabalho para um Furriel Miliciano, com a especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, a belíssima especialidade que me coube em sorte na tropa ...Na vida civil tinha sido jornalista... (LG)
 
 
A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590, composta por cerca de 50 quadros metropolitanos - oficiais, sargentos e praças especialistas - e por 100 soldados do recrutamento local, oriundos do chão fula) foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5).

Durante a sua primeira comissão (1969/71), irá actuar  sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulados do Enxalé e do  Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...) (*).

Ainda nem sequer haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590)  fez a sua primeira saída para o mato. A 21 de Julho, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiram, de Bambadinca,  em farda nº 3,  para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o subsector de Galomaro, a sul de Bafatá. (**)

Entretanto, o 1º Gr Comb (comandado pelo Alf Mil Op Esp Moreira)  efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, no chamado Rio Geba Estreito, tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15 desse mês).

Este afluente do Rio Geba, o Gambana,  estava referenciado como um ponto de cambança ou de travessia do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 6 de Fevereiro último, no decurso da Op Mabecos Bravios] e visando especialmente as tabancas dos regulados de Cossé, Cabomba e Binafa.

Dias antes, o  IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé, donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas,  e reagido a uma emboscada das NT.



Pormenor do mapa geral (1/250000) da Província da Guiné (1961) com a posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde, Pel Mil 147), em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte estrada Bafatá-Gabu.  Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50000). Com a retirada de Béli, Madina do Boé e Cheche, passou a haver um corredor por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal.

Apesar do reforço temporário de tropas pára-quedistas ao subsector de Galomaro (a partir de Agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT em Outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura).  O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, donde eram originários os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em  finais de Setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1),  da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em Agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam  no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado  a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).

Imagem: Luís Graça (2010)


(i) Sori Jau, a primeira vítima em combate

Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

O ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. Em consequência, esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos. [Mobilizada pelo BII 19, partiu para a Guiné em 11/11/1968 e regressou em 1/10/1970. Passou pelo Cacheu, Mansabá, Bafatá, Galomaro, Cancolim e Brá. Era comandada pelo Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho].

No primeiro ataque a Madina Xaquila, o IN utilizou Mort 60, Lança-rockets e Armas ligeiras, tendo danificado uma viatura GMC e causado vários feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º Gr Comb, evacuado no dia seguinte para o Hospital Militar 241, em Bissau.

A 25, os três Gr Comb da CCAÇ 12 regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Já não me lembro da reacção dos que tinham ficado... Por mim, senti que essa situação marcou muitos dos meus camaradas que lá foram (o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o António Marques, o Joaquim Fernandes, o José Luís de Sousa, etc.).

Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no subsector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, este aquartelamento seria flagelado com Canhão s/r e Mort 82 durante 10 minutos.

A 26, o 4º Gr Comb seguiu para Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba, a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf  Mil Beja Santos, uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do Rio Passa (limite a partir do qual começava a ZI - Zona de Intervenção do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas. Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada em Sinchã Mamajã, na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca.

(ii) Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono, em Outubro, de) Madina Xaquili

Por outro lado, o 1º (Alf Moreira) e o 2º Gr Comb (Alf Carlão) seguiam para o subsector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

A 28  de Julho, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 e meia hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos (bigrupo reforçado), tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de Mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (que ficará inoperacional, com incapacidade permanente) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP, em Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

Na reacção ao ataque, o apontador de Mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

O ataque foi efectuado da diercção SW, e o retirou na direcção de Padada. A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7, sediado em Bafatá, e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população.

O nosso camarada, meu amigo e meu vizinho Humberto Reis, já aqui referiu as dramáticas circunstâncias em que conheceu o Jorge Félix, Alf Pil Heli Al III (1968/70)... em Madina Xaquili:

"O meu 1º encontro desesperado com o Jorge Félix foi em 29 Julho 69 (...) . Estava o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 em Madina Xaquili com feridos graves resultantes da flagelação da noite anterior e sem meios rádio para pedir ajuda.



"Um héli voava à vertical de Madina e começámos a esvoaçar os camuflados na tentativa de chamar a atenção da tripulação, o que conseguimos. Ele aterrou e não podia fazer mais nada, pois levava alguns pára-quedistas a bordo, mas via rádio pediu as evacuações de que tanto estávamos necessitados, bem como de munições, pois o stock durante a noite anterior tinha atingido o limiar da pobreza. Pouco tempo depois apareceram 2 hélis, um para levar os feridos e outro com munições para repor o stock" (...)

Uns dias antes, a 23, pelas 10h, em Dulombi, um grupo IN reagiu com armas automáticas a uma patrulha do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 (Alf Moreira) que havia saído em virtude do accionamento duma mina antipessoal por parte dum elemento civil, a escassa distância do arame farpado, tendo simultaneamente flagelado o destacamento durante 10 minutos.

Neste mês de Julho de 1969, a actividade do IN no Sector L1 foi intensíssima com ataques ou flagelações a diversas subunidades, ou emboscadas nas imediações  (indicam-se a seguir as localidades e entre parênteses o dia): Dulombi  (1), Paia Numba (10), Padada 2E4 (14), Missirá (15), Cansamba (15), Madina Alage (15), Cansamba (20),  Dulombi (24), Mansambbo (24), Xime (24),  Madina Xaquili (24),  Quirafo (25), Xime (26), Mansambo (27), Madina Xaquili (28), Dulombi (29),  Mansambo (30) e Candamã (30)...

(iii) Ataque de duas horas a Candamã

E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [, a subunidade de quadrícula de Mansambo, a que pertenciam alguns camaradas do blogue como o Torcato Mendonça e o Carlos Marques dos Santos] (Op Guita).

Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer. Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [2 bigrupos], armados de 2 Canhões  s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora pesada 12.7, Granadas de Mão e Armas ligeiras automáticas, numa imnpressionante manifestação de força. valeu a coragem e a valentia do Pelotão da CART 2339 que guarnecia na altura Candamã...

Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN terá sofrido   várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de Canhão s/r e de RPG-2.

Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de consideráveis danos materiais (moranças queimadas, etc.).

O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará. Participei nesta operação. Ainda hoje tenho bem presente, na memória, o espectáculo desolador de Candamã, com as moranças a fumegar e os canos das espingaradas ainda quentes... naquela madrugada do dia 30 de Julho de1969...

Por outro lado, pergunto-me: o que é feito de ti, Sori Jau ? E de ti, Braima Bá ? E ainda de ti, Uri Baldé ? O que vos deu a Pátria Portuguesa em troca do vosso sangue, suor e lágrimas ?  Estarão ainda vivos ? Seguarmente abandonados e esquecidos... Alguns dirão, mais valera tal morte do que tal sorte... Nem sequer o vosso rosto consigo agora recordar... Apetece-me, por isso,  acabar este texto com uma citação do Mário Cláudio, no início do seu romance " Peregrinação de Barnabé das Índias" (Lisboa, D. Quixote, 1998, p. 11):

 "De ti se servem, ó morte, inimiga nossa, para alcançar a alegria, tu, que és a mãe do infortúnio; adversária da glória, ao serviço da glória é que te colocam; de ti se servem, porta do Inferno, para entrar no Reino; de ti, abismo da perda, para atingir a salvação" (De um documento cistercense do século XIII).

[Fonte consultada: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 6-8. Documento policopiado. Documento classificado, que foi escrito por mim, na altura Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf, Henriques.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior 25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)

(**) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia, um mês antes, em Junho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três  oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(...) Escrevi no Poste P4305, o seguinte comentário, em 8 de Maio de 2009:

Meu caro Fernando: Não estive em Madina Xaquili. Nunca lá fui,  mas alguns dos meus camaradas (dois ou três Gr Comb), incluindo o Humberto Reis,  tiveram lá o seu baptismo de fogo!... Como já referi, os nossos soldados (africanos) acabavam de fazer a sua instrução de especialidade e a IAO, em Contuboel. Tivemos lá os primeiros feridos, dois ou três graves. 

Agora, sei do que falas (e do que experimentaste), quando fostes reforçar a tabanca em autodefesa de Madina Xaquili (vd. carta de Cansissé). Também passei várias temporadas (geralmente quinze dias), em tabancas do Corubal, de Badora, de Joladu (a norte do Geba)... E sei o que era o pesadelo dos dias e das noites, das dificuldades de transmissões, dos problemas logísticos, da disciplina das tropas, dos conflitos com os milícias, dos Comes & Bebes, do suplício da falta de bebibas frescas, etc...

Sei o que era o tédio, a tensão, a espera, a ameaça de ataque do PAIGC, a solidão, a claustrofobia, as minas e armadilhas, a miséria das populações (fulas), confinadas ao arame farpado, a promiscuidade sexual (dos meus soldados com as mulheres dos milícias), a condição das mulheres e das crianças, ...

Para nim, sobretudo era o pesadelo da noite, o calor de estufa das moranças, o odor execrável, os malditos mosquitos, a falta de luz para poder e escrever, o breu da noite africana, o inferno da noite africana, as chuvas torrenciais, as míriades de insectos, a falta de água potável, a falta de latrinas, os banhos à fula, etc. Durante o dia, ao menos, conversava com os habitantes, observava as suas actividades, procurava entender e perceber a sua cultura...

O facto de ter soldados africanos, fulas, tinha as suas vantagens e desvantagens... Mas, em geral, ir reforçar uma tabanca em autodefesa era visto como um prémio: durante esses quinze dias, pelo menos livravas-te da actividade operacional: eramos uma companhia de intervenção, ao serviço do comando do Sector L1... Tanto o BCAÇ 2852 (1968/70) como o BART 2917 (1970/72) exploraram-nos até ao tutano...

Um abração. Estou a seguir-te com muito interesse. Luís (...)

Guiné 63/74 – P6685: Histórias do Eduardo Campos (14): O que aconteceu à “minha” Nhacra?

1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a 3ª parte da narração da sua ainda fresquinha viagem à Guiné.

CAÇ 4540 – 72/74 – SOMOS UM CASO SÉRIO

O que aconteceu à “minha” Nhacra?
Quando decidi efectuar a viagem, disse à minha família em que circunstâncias o ia fazer, acabando por me juntar a esta “expedição” à volta da Guiné. O “Capitão” Zé Rodrigues e os restantes marinheiros, que, só por si, eram a garantia de uma viagem de sucesso.

O que eu não esperava era que ao grupo se viessem juntar mais três nobres marinheiros: o Fernando Henriques, o Petiz e o Vilar.

Embora os três compreendessem e falassem português bastante bem, era-nos muito difícil saber, através deles, o que pretendiam, facto este proveniente, em parte creio eu, de lhes ser muito difícil interpretar o nosso tom irónico, brincalhão e de boa disposição que foi patente, nas nossas conversas, no dia-a-dia.

Seja-me pois permitido aqui exprimir toda a minha gratidão, pelas muitas e boas gargalhadas que me proporcionaram.

Tinha a perfeita consciência que no meu regresso á Guine, nem tudo o que iria encontrar seria do meu inteiro agrado, mas também estava longe de imaginar o avançado estado de degradação, de muitas infra-estruturas, que no passado conheci no seu melhor aspecto.

Todos sabemos que estou a falar de um país pobre, onde os recursos mais básicos não existem sequer para a sobrevivência dos seus povos, mas mesmo reconhecendo este facto, sinto uma certa revolta, pelo que fui encontrar em Nhacra.

Para quem viveu num aquartelamento que durante 10 meses foi a sua casa, e que bela era ela, julgo não exagerar que foi dos aquartelamentos mais bonitos que vi na Guiné.

Por momentos pensei que estava em Nagasaki ou em Hiroshima, o que aconteceu à minha Nhacra?

Um agradecimento pela simpatia e gentileza do Administrador de Nhacra, pela forma como nos recebeu e autorizou a tirar algumas fotos, tendo ao mesmo tempo lamentado o estado de destruição daquele espaço.

Nhacra – Antiga Capela

Nhacra – Antiga Enfermaria

Nhacra – Antigo bar dos praças?

Nhacra – Antigo edifício do comando

Nhacra – (?)
Nhacra - (?) Nhacra - (?)
Nhacra - (?)
Nhacra - (?)

Nhacra – Entrada da porta de armas
Nhacra – casa do administrador

Nhacra – Carvalho –Eu –Administrador – Capela – Carminda

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

24 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6461: Histórias do Eduardo Campos (13): Língua Portuguesa na Guiné: Em Perigo?

terça-feira, 6 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6684: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (20): Liderança e voluntariado de mãos dadas na Mata dos Madeiros

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 26 de Junho de 2010:

Meu caro e amigo Carlos Vinhal,
Cá estou de volta a dar-te algum trabalho.
É uma história simples. O seu significado está muito para além das palavras.

Dentro de dias irei abraçar alguns dos protagonistas aqui mencionados. Ao fim de 37 anos!

Para ti e para os nossos camaradas um abraço imenso,
José Câmara


Memórias e histórias minhas (20)

Liderança e voluntariado de mãos dadas na Mata dos Madeiros


A emboscada ao grupo da 26a. CCmds junto ao nosso acampamento na Mata dos Madeiros trouxe alterações significativas à nossa actuação. Entre elas tiveram significado especial o reforço das escoltas ao Bachile e ao grupo que, diariamente, juntava a lenha para a cozinha. Porém, o esforço maior adveio do começo da picagem da estrada e da protecção próxima das máquinas e dos trabalhadores em serviço na estrada. Esta nova missão, a nível de um grupo de combate, era protagonizada por um dos grupos regressados do mato, e prolongava-se até às seis horas da tarde. Os postos de sentinela noturnos já eram reforçados com três elementos. Outra consequência não menos significativa foi o facto dos grupos de combate nas saídas de vinte e quatro horas terem o seu quadro completo de graduados.

Como consequência de todo este reforço de trabalho, os nossos soldados sem dúvida os mais sacrificados, passaram a actuar quase continuamente. O seu esforço passou a ser compensado com 12 horas de descanso a cada 12 dias de trabalho contínuo. Os graduados eram mais felizardos nas noites passadas no acampamento porque só tinham que fazer uma ronda nocturna. Comum a todos os operacionais foi o reforço das rações de combate que passou de uma em cada 48 horas, para duas e meia em cada 72 horas.

A 28 de Abril de 1971 escrevi à minha madrinha de guerra o seguinte:

"Esta manhã voltei de uma operação (24 horas), para voltar ao mato durante o dia (12 horas). No regresso voltei a sair numa escolta aqui perto (o Bachile distava cerca de 10 Kms do primeiro acampamento). O trabalho está a ser durinho, mas vai-se cumprindo da melhor maneira. Amanhã vou novamente para o mato; depois de amanhã devo descansar para voltar a alinhar mais quatro dias seguidos para o mato."

A primeira destas quatro saídas aconteceu porque o Comandante da Companhia, Cap Mil Rogério Rebocho Alves pediu-me para substituir no 2.°Pel o Alf Mil Agostinho Barata Neves por impedimento deste. Integrar aquele pelotão não era problema. Comandá-lo era. Os furriéis João Cruz, Fernando Silva e Joaquim Fermento eram competentes e, qualquer um deles, à altura de comandar o grupo. A fim de evitar mal entendidos com os meus camaradas, pedi autorização para levar a minha secção completa. Era, julgo eu, a forma mais correcta de assumir, como graduado mais antigo, o comando de um grupo que não era o meu. O Comandante da Companhia compreendeu e anuíu.

Foi assim que a minha secção saiu 'voluntariamente' para o mato sem que o pessoal soubesse das razões. Durante os próximos quatro dias só regressávamos ao acampamento para abastecimento de água e ração de combate.

Quando regressámos da primeira das quatro saídas, o 1.º Cabo José Leonardes, um excelente homem e militar, aproximou-se e disse-me sensivelmente o seguinte:

- O pessoal da nossa secção não percebe porque teve que ir para o mato só porque o meu furriel se ofereceu como voluntário. Nós já estamos sobrecarregados com trabalho. Eu acho que eles têm razão.

Perante esta manifestação correcta de desacordo, respondi:

- Eu não fui voluntário. O nosso Capitão pediu-me que o fosse. Nesta companhia eu sou, talvez, o único que não pode tentar negar-se a um pedido dele. Quanto a vocês eu só posso acrescentar que vos treinei e sei o que cada um é capaz de fazer. Tens razão numa coisa: O meu problema não pode ser o vosso. Qualquer outra explicação sobre este assunto serão vocês que a terão que descobrir e compreender. A partir de hoje, sempre que eu tiver que alinhar fora do grupo, vocês não terão que me acompanhar.

Nunca saí para o mato sem a minha secção. Os meus homens compreenderam que eu estive sempre ao lado deles. Também compreenderam que eu, tal como eles, era um açoriano com alguma responsabilidade acrescentada.

Finda a conversa com o Leonardes, enquanto me preparava para regressar ao mato, desta vez com o meu grupo, o Comandante da Companhia informou-me que o Alf Mil Francisco João Magalhães, comandante do grupo, tinha adoecido e que eu teria que comandá-lo. Essa informação originou um diálogo que não esteve muito longe deste:

- Meu capitão, o grupo não deve sair desfalcado de um graduado.

- Vai ter que ser pois não tem ninguém preparado para te ajudar.

- Meu Capitão, temos um que eu sei estar sempre preparado para qualquer eventualidade.

-Quem? - perguntou o comandante. Eu não respondi. O capitão encaminhou-se para a sua G3, pôs o cinturão com as cartucheiras, o cantil e duas granadas de mão. De seguida dirigiu-se ao depósito de géneros para recolher a sua ração de combate.

A 3 de Maio de 1971 escrevi à minha madrinha de guerra o seguinte:


"A saída de ontem teve um bom aliciante. O comandante da companhia resolveu acompanhar-nos pela primeira vez. Claro está que se andou um bocadinho mais que o normal. Tivemos interesse em que ele visse alguns aspectos da mata por onde andávamos. Rapazes novos tudo podem, como se costuma dizer, e como eu guiava a coluna no seu trajecto tentei fazê-lo tremer um bocadinho. Tudo saíu bem."

Foi assim, desta forma simples, que o comandante da CCaç 3327 recebeu o seu baptismo operacional na Mata dos Madeiros.

Para mim nunca foi importante que o comandante da companhia alinhasse no mato. Os bons líderes manifestam-se de muitas maneiras, entre elas a força do carácter e do trabalho.

O Cap Mil Art Rogério Rebocho Alves era um homem culto e humanista. Impunha disciplina com uma palavra amiga e compreensiva. Isso não o impedia de usar, em casos mais extremos, o RDM. Muito raramente o fez. Na sua missão principal fazia tudo o que lhe estava ao alcance para minimizar a miséria que era a nossa luta na Mata dos Madeiros.

A forma como ele fez a sua primeira saída para o mato dignificou o homem, o militar e o comandante.

José Câmara
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6484: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (19): Baptismo de fogo adiado

Guiné 63/74 - P6683: Memória dos lugares (88): Binta, no Rio Cacheu... Quando o meu anfitrião foi o JERO, da CCAÇ 675 (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil, CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá, 1965/67)


1. Comentário de Manuel Joaquim, com data de hoje, ao poste P6676 (*)

 Meu caro JERO:

Aqui está uma bela ocasião para te dar um abraço. Aproveitando as palavras do Luís Graça,  venho reforçá-las, fazendo o que já ando para fazer há uns meses, desde o momento em que te vi neste blogue.



Em inícios de Outubro de 1965, estava a minha CCaç 1419 em Bissau,coube à minha secção fazer segurança interna a um transporte marítimo-fluvial: Bissau - Farim - Bissau, no caso a um pequeno barco e a dois batelões de reabastecimento.
Já no regresso de Farim, descendo o belo rio Cacheu, atracámos em Binta. A minha secção estacionou no aquartelamento da CCaç 675 enquanto decorreram as operações de carga/descarga e se cumpriu o período de descanso da tripulação.

O meu anfitrião foi um tal Fur Mil Oliveira (!). A esta distância temporal não me lembro, objetivamente, dos temas das nossas conversas. A não ser de dois, o trabalho operacional da CCaç 675 e um teu trabalho suplementar que era a redação de um Diário da Companhia  de que me lembro de ver o 1º volume já impresso (?) e que manuseei.

O bom nível do convívio foi tal que nunca mais me esqueci dele. Alguma razão deve ter havido para isto acontecer, sem dúvida a qualidade do meu interlocutor. Agora, pelas referências elogiosas que aqui recebes, confirmo que continuas a mesma figura agradável que marca quem contigo convive.

Estou muito contente por te saber vivo e bem
vivo !

Um grande abraço do

Manuel Joaquim
(Fur Mil, CCaç 1419, Guiné, 65/67) (**)



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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande (13): Caras Novas (Parte IV ): O JERO, aquele rapaz de Alcobaça e de Binta, lembram-se dele ? (Luís Graça) 


(**) Vd. poste anterior da série > 27 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6645: Memória dos lugares (80): Bissau, cidadezinha colonial (Parte V) (Agostinho Gaspar)

Guiné 63/74 - P6682: Convívios (259): Convívio anual de "Os Sobreviventes" - CCAÇ 3490, Saltinho, 1971/74 (Mário Migueis)

1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 21 de Junho de 2010:

Caro Carlos:
Votos sinceros de muita saúde e boa disposição.

A pedido dos organizadores do último encontro de ex-combatentes da CCaç 3490 (a da emboscada do Quirafo), na mira da captação de novos convivas para os próximos, estou a remeter-te uma pequena notícia sobre o mesmo, bem como algumas fotos que a ilustram.

Considerando que, recentemente, comprei uma peruca branquinha e troquei os óculos por lentes de contacto, junto ainda uma nova foto tipo passe, onde é patente o meu novo visual. Se puderes passar a fazer uso dela na apresentação da minha prosa (e não só) futura, agradecia.

Um grande abraço
Mário Migueis


Convívio anual da CCaç 3490 - Saltinho 1971/74

“Os sobreviventes”


Quando, pouco depois do meio-dia do passado domingo, dia 13, entrei na sala do restaurante Milho-Rei, em Penafiel, onde já se comia e bebia sem cerimónia, dei comigo a exclamar mentalmente: “ora, cá estão, finalmente, os sobreviventes da desgraçada 3490!”. Na verdade, não os via desde Outubro de 1972, andando a tentar localizá-los há, pelo menos, uns cinco anos. Aliás, meses atrás, cheguei a apelar nesse sentido neste nosso santo blogue, que tantos milagres tem operado em casos congéneres. Mas, nem assim: do outro lado, nada, ninguém respondeu. Mas, como quem porfia sempre alcança, não desisti e, através do “Luís Graça e camaradas da Guiné”, cheguei ao blogue “Histórias da Guiné 71-74…”, que me havia de dar a grande pista: um artigo do Luís Dias, seu fundador e nosso camarada de tertúlia - ex-alferes de uma das outras companhias do batalhão em Galomaro e Dulombi - tinha merecido um comentário que a minha perspicácia de homem das informações – modéstia à parte – não deixou passar. E, na verdade, quem assim comentava não era gago nem um qualquer, era tão só e simplesmente o Agostinho Barbosa, um dos dois organizadores de todos os convívios já efectuados, os quais, viria a saber, vinham acontecendo nos últimos seis anos sem interrupção. Ao e-mail que lhe dirigi, respondeu prontamente com uma simpatia quase comovente. Depois, foi só esperar que decorressem os dois mesitos que nos separavam da data prevista para o encontro.

De todos os presentes, que, com os familiares que os acompanhavam, ultrapassariam a centena e meia, apenas reconheci imediatamente os ex-furriéis Aguinaldo Silva (Ponte do Lima) e Carlos Raimundo (Faro). Mas, curiosamente, embora disfarçado com barba e cabelo branco, fui imediatamente reconhecido pelo Carvalho, 1.º Cabo Cripto da Companhia, por sinal, senhor – na altura - de uma voz melodiosa, que interpretava alguns fados castiços de Lisboa de uma forma tão arrepiante e especial que nos levava invariavelmente às lágrimas. Nunca mais esqueci algumas das bonitas letras do seu reportório!

Após quinze minutos de animadas conversas e múltiplas reapresentações, já tinha o nome de cada um na ponta da língua e toda a gente sabia que “aquele da barba branca” era o Furriel das Informações. Pena que, como é natural neste género de encontros de pessoas espalhadas por todo o país e não só, se tenham registado algumas ausências, designadamente a do Comandante da Companhia, capitão miliciano Dário Lourenço, que, por razões de ordem profissional, tivera que se ausentar para o estrangeiro dias antes. Quem também não vi por lá – gostava muito de o rever, embora tenha estado com ele há relativamente pouco tempo na Tabanca de Matosinhos – foi o nosso querido camarada de tertúlia António Batista, que, na sua qualidade de morto-vivo, é uma imagem de marca da unidade em questão.

Mas, que foi uma festa bonita, lá isso foi. A concentração iniciou-se manhã cedo, seguindo-se, na Igreja do Calvário, no centro da cidade, uma missa sufragada por todos os camaradas já falecidos. Por volta do meio-dia, foi tempo de seguir para o restaurante Milho-Rei, situado a cerca de seis de quilómetros de distância, junto à estrada para Entre-os-Rios. Para além dos comes e bebes em quantidade e qualidade, não faltaram os discursos, os brindes, as brincadeiras e um bailarico abrilhantado por uma mini-banda ao vivo. Confesso que, de todos os encontros em que já participei, este foi, sem dúvida, o mais animado, com todos os participantes imbuídos num ambiente de euforia, dando mostras do seu contentamento por estarem de novo reunidos, afastadas que foram as sombras de um passado de dor e sofrimento, que a fraternidade que os ligava ajudou a esbater. Estão, pois, de parabéns o Agostinho Barbosa (Penafiel) e o Justino Sousa (Paredes), não só organizadores de mais este convívio, mas, eles próprios, também, os idealizadores, mentores e fautores do tocar a reunir as tropas, decorridas que eram já três décadas desde o regresso da Guiné. E o que estes grandes entusiastas gostariam agora era que, nos próximos encontros, mais malta da Companhia comparecesse, para que todos pudessem sentir e fazer sentir o doce sabor da camaradagem, que permanece viva e inalterável no coração de cada um. Para tal, solicitam àqueles que ainda não tiveram oportunidade de estar presentes em nenhum dos convívios anteriores que facultem desde já à Organização (agostinhorochabarbosapenafiel@gmail.com) os respectivos contactos, possibilitando assim a sua oportuna convocação para o encontro do próximo ano que, em princípio, terá lugar de novo em Penafiel durante o mês de Junho.

Outros dizem que cada vez somos menos. Cá os nossos homens da Organização preferem que se diga que cada vez seremos mais, bastando para isso que tu, caro camarada da CCaç 3490, marques a tua presença nos próximos encontros.

Até lá!

Esposende, 15 de Junho de 2010
Mário Migueis da Silva


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (84): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)

Vd. último poste da série de 29 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6655: Convívios (173): 10 de Junho de 2010 (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P6681: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (3): Conclusão

1. Conclusão da publicação das memórias do Sílvio Faguntes Abrantes, membro da nossa Tabanca Grande, conhecido na Guiné como o Hoss. Pertenceu à CCP 121 / BCP 12.

Hoss e o Folhas


Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro



16 de Junho de 1970

Conclusão


Conforme mencionei na 1.ª parte, houve um oficial que na emboscada saltou da viatura sem a G3 e pediu ao Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou. O oficial fez a vida negra ao Folhas o resto da comissão.

Passados uns meses e já em plena época das chuvas, fomos para um aldeamento na fronteira com o Senegal onde só havia um pelotão de obus.

Nós, soldados, dormíamos debaixo de panos de tenda, onde a água entrava por todos os lados, os oficiais e sargentos instalados numa antiga escola. O nosso acampamento mais parecia um acampamento do índios dum filme de cowboys do que de soldados prontos para a guerra e dar a vida pelo Pátria.

Um dia saímos de manhã fazer uma operação de reconhecimento, chegámos todos molhados. À noite fomos em auxílio dum quartel do exército que estava a ser atacado, chegámos todo molhados. Na manhã seguinte o dito oficial manda formar a companhia de camuflado. Camuflado significa botas. Nós só tínhamos dois pares de botas e dois camuflados que estavam todos molhados. Então resolvemos formar em fato de treino uns, e outros de calções, a única coisa que tínhamos enxuto para vestir. Ao ver tal situação o dito oficial manda o Folhas sair da formatura, entra em discussão com ele e deu-lhe cobardemente duas bofetadas.

O Folhas passa-se da cabeça, e não era para menos, vai buscar a G3 com um carregador enfiado, pronta a disparar, corre atrás do oficial que se refugia na escola. Então eu e outros colegas fomos acalmar o Folhas, o que não foi nada fácil e conseguimos que nos desse a G3.

Passados poucos minutos reuniram-se alguns velhinhos da companhia e de cabeça quente ditamos a sentença ao nosso oficial. Decidimos que, se o dito oficial participasse do Folhas, deixaria de contar a 100% no efectivo das tropas Pára-quedistas, ou seja hoje não estaria no reino dos viventes. Por sorte não houve participação.

Mas digo com toda a honestidade, se fosse comigo não lhe perdoava. Ainda hoje pergunto o que é que me segurou em não concretizar a sentença, algumas vezes o tive na mira. O meu pai nunca me bateu.

Seria mais um morto em combate.

Esse grupo era composto por 3 MG, 2 Hk, 1 Degtariev e várias G3.

Porque é que este senhor não se meteu comigo ou com outro colega meu? Porque teve de ser com o Folhas?

Há 2 ou 3 anos encontro, numa festa da companhia, em Tancos, um outro oficial, hoje coronel na reforma que me perguntou pelo Folhas, ao que eu respondi que não sabia nada dele. Então contou um outro triste episódio passado entre ele e o Folhas. Não vale a pena estar aqui a recordar, pois eu já não estava na Guiné. Pergunta o coronel porque é que o Folhas era um revoltado. Então eu e o meu amigo Vicente, outro enfermeiro, contámos a passagem da G3. O nosso homem nem queria acreditar no que ouvia.

- Não é possível que um oficial faça uma coisa destas, nunca imaginei tal coisa. Se encontrasse aqui o Folhas, pedia-lhe desculpa agora mesmo.

Atitude digna dum Homem.

Junto envio duas fotos. Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro e a outra, eu o Folhas. O colega que segura o soro, se a memória não me falha, é um bravo açoriano.

Hoss
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Nota de CV:

Vd. postes de:

20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo
e
14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6387: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (2): o ataque à coluna Bissau-Teixeira Pinto, em 16 de Junho de 1970 (II Parte)

Guiné 63/74 - P6680: O Nosso Livro de Visitas (91): A. Branco, CCAÇ 16, Bachile, chão manjaco, 1971

1. Mensagem do nosso camarada José Romão [, foto à esquerda], com data de 30 de Junho último:

Assunto:  Bachile, CCAÇ 16


Amigos e camaradas Magalhães Ribeiro e António Graça Abreu


Aqui vos mando uma mensagem enviada pelo camarada Branco que também prestou serviço militar no Bachile.


Um grande abraço. Romão


2. Mensagem do A. Branco, com data de 29 de Junho passado, para o Zé Romão:

Assunto -  Bachile,  CCAÇ 16

Caro Romão

Acabo de fazer mais uma das minhas habituais visitas ao blogue do Luis Graça e rapidamente me apercebi do texto e das imagens da CCAÇ 16.

Tal como referes, e ao contrário da opinião do António Graça Abreu, o Bachile nessa altura era efectivamente tal qual o descreves e sublinhas com fotos.

A confusão do António Graça Abreu, deve ter a ver com o que eu algures já li,  noutros sítios,  em que o Bachile antes da conclusão da estrada até ao Cacheu não tinha nem por sombras  aquelas condições, até porque a CCAÇ 16 só foi organizada em Fevereiro de 1970,  conforme nota descretiva que a seguir envio.

Esclarecida esta situação, queria-te pedir que me autorizasses a copiar para o meu album pessoal as imagens do quartel e nomeadamente da minha secção, a arrecadação, já que as que eu tenho não têm a mesma qualidade.

Por agora um abraço e vou continuando atento a tudo o que surja referente à nossa companhia e ao Bachile.

A. Branco
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Notas sobre a Companhia de Caçadores nº 16, compiladas por José Martins (Vd. poste P4347, de 14 de Maio de 2009)


(i) Subunidade do recrutamento local, foi organizada no CIM de Bolama, em 4 de Fevereiro de 1970;

(ii) À semelhança de outras, da chamada "nova força afriacna", por quadros (oficiais, sargentos e praças especialistas) de origem metropolitana e por praças guineenses, de etnia manjaca;

(iii) Colocada em Teixeira Pinto, em 4 de Março de 1970, destacou dois pelotões para Bachile, passando a estar integrada no dispositivo do BCAV nº 1905, e substituindo a CCAÇ nº 2658, que se encontrava em reforço no sector;

(iv) Em 30 de Abril de 1970, já com o quadro orgânico de pessoal completo,  passa a ser a unidade de quadrícula de Bachile;
(v) Em 28 de Janeiro de 1971 passa a depender do CAOP 1 (com sede em Teixeira Pinto);

(vi) A partir de 1 de Fevereiro de 1973, fica na dependência do o BCAÇ nº 3863 e do BCAÇ nº 4615/73, que assumiram, a seu tempo, a responsabilidade do sector em que aquela subunidade estava integrada;

(vii) Destacou forças para colaborar nos trabalhos de reordenamento de Churobrique;

(viii) Em 26 de Agosto de 1974, desactivou e entregou o quartel de Bachile ao PAIGC, recolhendo a Teixeira Pinto, onde foi extinta a 31 de Agosto desse ano.

(ix) Assumiram o comando desta subunidade, os seguintes oficiais:

Cap Inf Rolando Xavier de Castro Guimarães
Cap Inf Luciano Ferreira Duarte
Cap Mil Inf  José Maria Teixeira de Gouveia
Cap QEO [Quadro Especial de Oficiais] José Mendes Fernandes Martins
Cap Inf Abílio Dias Afonso
Cap Mil Art  Luís Carlos Queiroz da Silva Fonseca
Cap Mil Inf Manuel Lopes Martins

(x) Esta subunidade não tem História da Unidade: existem  apenas alguns registos,  muito incompletos, relativo aos períodos de 1 de Janeiro a 31 de Setembro de 1972 e de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1973 (Vd. Arquivo Histórico Militar, caixa nº 130 – 2ª Divisão/4ª Secção).

3. Comentário de L.G.:

Agradeço ao Romão e ao Branco (bem como ao nosso infatigável colaborador, amigo e camarada José Martins) estas preciosas notas sobre o historial da CCAÇ 16, da qual não temos falado muito no nosso blogue, a não ser mais recentemente.

O Branco, que é nosso leitor regular, fica deste já convidado a integrar a nossa Tabanca Grande, se assim o desejar. Basta-lhe mandar-nos duas imagens, digitalizadas, uma actual e outra do tempo da tropa. Diz-nos também qual foi o teu percurso na tropa, onde moras e, ainda, se quiseres, o que fazes ou fazias na vida activa, além do dia do teu aniversário. Tens aqui um batalhão de gente à tua espera. E que desejarão saber mais coisas sobre Bachile, a CCAÇ 16 e os teus manjacos. Até á volta do correio. (*)
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6674: O Nosso Livro de Visitas (91): Hélio Matias, ex-Alf Mil Cav, comandante do Pel Rec Daimler 805 (Nova Lamego, 1964/66), que conheceu o Triângulo do Boé (José Martins)

Guiné 63/74 - P6679: Controvérsias (92): A ficção e a guerra (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 5 de Julho de 2010:

Meus caros camarigos editores
Escrevi hoje um texto sobre esta "conversa" à volta da ficção e da realidade, suscitada pelo texto do Mário Cláudio.

Como sempre publicarão se assim o entenderem, mas se me é permitida uma sugestão, a publicar seria agora, visto que depois deixará de ter sentido.

Mas vós é que sabeis "da poda"!

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim



A FICÇÃO E A GUERRA


Li com atenção todos os textos publicados na Tabanca Grande, bem como os comentários e, salvo melhor opinião, julgo haver um consenso que nos remete para que a publicação deste tipo de textos de ficção, deve ser perfeitamente identificada como tal, para que não haja confusões com a realidade, como tentarei explicar mais adiante.

Já foram publicados vários textos, (chamemos-lhe de ficção), neste nosso espaço, entre eles alguns meus e todos foram, ao que me lembro, perfeitamente identificados como tal, não fosse eu um dia ser confrontado com alguém que me dissesse na cara que eu tinha a mania de ter sido um qualquer “rambo”, ao lerem um texto meu que pretendia retratar humoristicamente algumas bravatas causadas pela imaginação.

Mas há também opiniões, com as quais eu comungo inteiramente, que afinal a ficção portuguesa sobre a guerra apenas retrata o lado negro da guerra, como se esse lado negro fosse uma realidade sempre presente e constante da actuação das Forças Armadas Portuguesas, o que não pode estar mais longe da realidade.

Os nossos camarigos que procedem com empenho à compilação de dados estatísticos sobre a guerra saberão com certeza quantas centenas de milhar de Portugueses combateram ao longo de treze anos nas três frentes de guerra.
Pergunto eu então, a quantas dezenas, (não se contarão com os dedos das duas mãos?), se podem definitivamente assacar tais práticas de barbárie em teatro de guerra?

Quero eu com isto dizer que não se deve falar do assunto?

Com certeza que sim, que se deve falar de tal assunto por muito que ele doa!
Os factos aconteceram, (embora talvez nem tantos porque se percebe que muitos são de “ouvir dizer”), mas ao representar a guerra apenas com estes episódios, insisto que se ofende a memória de tantos e tantos milhares, que obrigados ou de livre vontade, lutaram corajosamente, com a dignidade humana que é possível numa guerra desta natureza, ou em qualquer uma, claro.

E repito ainda que aqueles das gerações mais novas, (talvez nossos filhos, talvez nossos netos, talvez amigos de uns e outros), que possam ler estes textos sem uma perfeita noção de que são ficcionados, poderão ter uma imagem dos seus pais e dos seus avós que não corresponde minimamente à realidade, ainda por cima muitas vezes “ajudada” pela forma deficiente como esta parte da história é ensinada, e pelo labéu que em determinada altura a “política” lançou sobre os combatentes desta guerra.

E viram fotografias e reportagens em revistas estrangeiras, e ouviram dizer, e citam nomes, e logicamente acredito que aconteceram tais factos, mas porque é que raio também essas mesmas revistas, ou essas mesmas fotografias, não mostram o outro lado da guerra?

Porque é que a ficção há-de tratar exaustivamente tal assunto, e não retrata, insisto o outro lado da guerra?
Onde estão as fotografias, e as reportagens dos soldados, cabos, furriéis, alferes, capitães, (se calhar até os chamados oficiais superiores), se dedicaram no meio da guerra a ensinarem as letras, a ensinarem a escrever, a melhorarem as condições de vida das populações?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

Onde estão as fotografias, e as reportagens sobre os enfermeiros e médicos “militares” que empenhadamente vacinaram, trataram, fizeram partos, ensinaram regras básicas de higiene a toda uma população, melhorando as condições de saúde e o acesso à mesma?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

E onde estão as fotografias, e as reportagens sobre os militares que fizeram e protegeram colunas, apenas para levar arroz e outros mantimentos a Tabancas que deles precisavam, que fizeram poços e reconstruíram casas, que deram enfim do seu melhor, para dar uma vida melhor a essas populações?

Não serão eles muitos mais do que os que praticaram os tais actos de barbárie?

Não serão estes temas, (e apenas para citar estes), uma realidade também da guerra e por isso não mereciam também um tratamento literário de ficção que os retratasse?
Pois, provavelmente não teriam muita venda, e não serviriam determinados propósitos.

É verdade, meus camarigos, querer transformar a guerra de África que vivemos num repositório de atrocidades, sejam elas ficcionadas ou verdadeiras, não é mais do que querer dar dum todo uma imagem distorcida, que está muito longe de corresponder à realidade.
Já não é a primeira vez que se fala por aqui de “hitleres” e outros quejandos?
Então e não havia também os “stalines” de um lado e do outro?
Eu, por mim, estou tão longe de uns como dos outros, e “hitleres” e “stalines” sempre os haverá, mas não representam minimamente a humanidade, representarão sim a desumanidade que infelizmente também faz parte da humanidade.

Meus camarigos, este escrito já vai longo, mas quero que fique bem claro que não faço a apologia da guerra, (como cristão, condição indissociável de mim, sou totalmente contra a guerra), e que não afirmo que tudo correu maravilhosamente sem terríveis atitudes de parte a parte, mas afirmo, isso sim, que no cômputo geral as forças em presença, quer de um lado quer do outro, se portaram bem mais dignamente que as forças armadas dos países que se pretendiam “donos do mundo” no século XX, quer da “direita”, quer da “esquerda”, e que afinal não foram exemplo para ninguém.

Reafirmo ainda para terminar, que a minha questão não tem a ver comigo próprio, (tenho a consciência tranquila sobre o modo como me comportei na Guiné), mas com aqueles que olham para mim, para nós, como uma referência para as suas vidas, porque somos pais, avós, amigos ou simplesmente mais velhos.

A todos o meu forte e camarigo abraço
Joaquim

Monte Real, 6 de Julho de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: 20 Anos depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

Vd. poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6678: Controvérsias (91): Mário Cláudio e o debate, Açordas! (José Brás)

Guiné 63/74 - P6678: Controvérsias (91): Mário Cláudio e o debate, Açordas! (José Brás)

1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 5 de Julho de 2010:

Carlos, meu amigo
Podes editar ou não, sendo que é grande para comentário

Um abraço
José Brás


Mário Cláudio e o debate:

Açordas!


Isto é que vai aqui uma açorda!

E começando assim, repetindo uma comezinha fala de "malucos do riso" e de um personagem popularizado (ou popularunchizado?) por actor de mais recursos do que, alcandorados em balofa erudição, alguns pensavam, começando assim, corro o risco de também popularuncho, ou de gato escondido com rabo de fora.

Mas lembrei-me do dito e pareceu-me bom como bengala, disso pedindo desculpa a eruditos e não eruditos, pelo abuso.

E para que preciso eu de bengala, afinal?

E antes ainda, e antes ainda pergunto a mim próprio porque diabo hei-de eu, em vez de me deixar quieto no meu canto, estar a meter colher em tal açorda, deitando mesmo a mão à bengala, seguramente porque sinta que dela necessito na circunstância, nem que seja para encontrar espaço e tempo de entrada no testo de barro, no alho, muito, nos coentros e outras ervas.

De Mário Cláudio, nem sei bem porquê, posso dizer quase, que nunca li nada, se disser que nada é o muito pouco e atravessado, lido mais com os olhos do que com a alma (quando leio, leio mais com a alma, o que é muito perigoso).

E é muito mau que assim seja, para mim, claro, porque indiciador de ligeirezas minhas e incapacidades de entender grandezas.

Li agora o texto que deu tempero a este luxo de debate e, peço desculpa a quem fala de densidades, porque digo que tal não achei e, sim, um texto limpo e claro, pronto a ser consumido sem grandes exigências de entendimento, ficção sobre um real muito conhecido, tivesse sido ou não, esse real, já em si, muito ficção. Marcado, certamente, e contra isso não haverá nada a dizer senão contrastar com outras marcas.

Quer dizer. A ficção escorre aqui, a meu ver, apenas pela forma como se juntam as palavras e se criam as imagens, apenas pelo estilo narrativo, naturalmente a milhas dos códigos do relatório a que nos habituámos muito.

Quase posso garantir que conheci o personagem em Tavira, mítico, cara de menino perdido, parecendo sempre longe dali, duro com seus instruendos, não mais que outros que por lá campeavam, amigos da pinga, violentos, sonhando heroísmos em África, confessadamente, alguns, admiradores de Hitler, fazendo pagar à maralha o preço de tão azarenta data de nascimento.

E reencontrei-o também na Guiné, onde, que me conste, não teve oportunidade de fazer das suas, se é que as fez realmente quilómetros mais abaixo no mapa de África. Aliás, nem ele, nem outros supostos heróis que nos haviam feito a vida negra no Algarve, alegadamente para nos endurecer e preparar na perspectiva do que nos esperaria.

Do que diz Mário Cláudio, e de como o diz, acabou por parecer que não falava da andorinha mas da Primavera.

E o clamor se elevou! Como é hábito, salutar, acho eu.

Com ou sem razão? Com ou sem razões (que não é a mesma coisa)?

Pessoalmente, desculpem-me a palavra honrada, tendo em conta o que somos como grupo (e somos, naturalmente, um pouco do que fomos), apesar da heterogenidade que compõe o ramalhete, só poderia dar bernarda.

Alguns dos comentários, em minha opinião, indo mais longe do que provavelmente Mário Cláudio quis ir, acrescentaram a pimenta.

De facto, pese embora a ocorrência de casos extremos e desvairados, do que sei, do exército português não se poderá dizer que se excedeu em desumanidades para além daquelas inevitáveis em guerras. Aceito que, provavelmente, ocupado com a realidade isolada de Medjo e do Corredor, sei muito menos do que um jurista em Bissau. E a melhor prova disso foi e é a possibilidade do abraço, acabada a guerra; são as declarações dos do outro lado sobre a bravura combatente e a moderação do gesto da tropa portuguesa, quando no acto de aprisionar.

Creio ser insuspeito, dizendo o que digo aqui, ou, pelo menos, não mais suspeito que todos os que abrem a boca para falar disto. Eu perguntaria se conhecem outra guerra deste tipo, com outros intervenientes, que na ressaca das independências, tenha sido possível juntar os dois lados sem ódios nem raivas, como aconteceu connosco e ainda acontece hoje, alguns achando que exageradamente, até.

Excessiva foi a postura do regime que se fechou à apropriada leitura da história e alongou o conflito, criando impossibilidades aos que lutavam dos dois lados. E nisso nos diferenciamos claramente de outras experiências, porque também os intelectuais portugueses não esperaram tempos para se pronunciarem contra a guerra, contra a guerra tendo estado sempre e o disseram abertamente, talvez que com isso se lhes enublando a visão sobre os que lutavam e aguentavam bravamente na crença de dar tempo a políticos para resolverem politicando, talvez olhando uma árvore e achando que era bosque.

Uma coisa não se pode negar. Este texto desatou uma boa e elevada discussão, quer do ponto de vista da afirmação de posições, quer do ponto de vista, mesmo, da construção da comunicação, e eu me espanto que se considere isso negativo.

Quanto ao fazer-se ou não ficção na Tabanca, quem é contra que invoque o artigo que nos estatutos o definem, claramente mostrando entender diferenças entre ficção e realidade.

E pronto, tenho dito!
Abraços
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6436: Bibliografia de uma guerra (56): Vindimas no Capim, de José Brás - Maneira mais cómoda para obter esta obra

Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6677: Controvérsias (90): Guerra colonial: os Garcez que (nunca) existiram (Belarmino Sardinha)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6677: Controvérsias (90): Guerra colonial: os Garcez que (nunca) existiram (Belarmino Sardinha)

1. Mail de hoje, do Belarmino Sardinha (que, para quem não sabe,  trabalhou na Sociedade Portuguesa de Autores, instituição onde se presume tenha conhecido o Mário Cláudio):
 
Carlos,
Envio-te este texto por achar grande demais para comentário, se não for esse o entendimento dos editores, faz-me o favor de o remeteres para os comentários ou pura e simplesmente ignorá-lo.

Um abraço,
BSardinha



2. O ESCRITO QUE NÃO QUERIA TER ESCRITO
 

por Belarmino Sardinha

Vi no blogue, li e ponderei a leitura do belo texto apresentado por um amigo do escritor Mário Cláudio (*) e assinado por este, e é sobre esse texto que quero pronunciar-me.

Tenho pelo escritor Mário Cláudio uma forte admiração e reconheço-lhe a importância na vida de todos nós, trazida pela arte da palavra escrita ou dita através das representações teatrais das peças de que é autor.

Tenho pela pessoa de Rui Barbot Costa o respeito e admiração do ser humano que sempre me pareceu existir na pessoa com quem falei, poucas vezes, mas as suficientes para me aperceber da pessoa que tinha na minha frente. Nunca abordámos o serviço militar obrigatório ou a guerra, desconhecia mesmo que tivesse estado na Guiné.

Porém, o facto de o admirar enquanto escritor e ser humano, leva-me a não deixar passar a sua narrativa (de ficção), não despida de um sentimento generalizado de acontecimentos praticados, ou mandados praticar por um hipotético militar, não só por achar que não corresponde inteiramente à verdade -estando eu enganado e sendo real a sua dimensão carecem de uma melhor fundamentação-, mas por nos tornarem a todos indirectamente culpados.

Vi fotografias publicitadas pelo regime, tinha eu 11 ou 12 anos, onde as coisas aconteciam de forma generalizada mas em sentido contrário. Eram fotografias de interesse do regime para levarem à indignação e possibilitarem alimentar a guerra durante os anos que se seguiram, mas diziam respeito apenas e só a Angola. Não vi fotografias dessas vindas de Moçambique ou Guiné, antes ou durante os anos de guerra nestes locais.

Temos no blogue o relato de um ex-militar que serviu na Guiné, mas viu matarem-lhe um irmão deficiente e o pai. Voltamos a falar de Angola.

Existem fotografias com cabeças cortadas e espetadas em paus, tiradas por um ex-militar fotógrafo, em Angola, estão publicadas em livro e foram alvo de um artigo de imprensa.

O contrário também aconteceu, é certo, em menor número se não mesmo pontual ou selectivamente, mas uma vez mais em Angola. Embora não possa afirmar não ter havido, não conheço nenhuma referência a Moçambique ou Guiné, com excepção de um texto publicado no blogue onde foi descrito a morte dos guias. Não pondo em duvida, ninguém mais se pronunciou ou corroborou esta situação.

Estou em crer que o texto de ficção do escritor Mário Cláudio mais não pretende que alertar e a salientar os excessos que acontecem em qualquer guerra, quando o descontrole emocional e humano ressaltam em situações nem sempre possíveis de controlar, não quero acreditar que está a dar relevância a actos condenáveis cometidos por pessoas de má índole, não só porque é dar-lhes uma importância que não merecem como, uma vez mais, não foram/são, felizmente, a generalidade.

Não podemos ignorar que alimentámos uma ou três guerras durante 13 anos e que estas situações aconteceram nos anos iniciais. Após isso, pugnámos por um princípio generalizado de respeito, se é que existe respeito quando se prende, interroga, tortura e humilha fruto da guerra. Este aspecto dava para muitas outras extrapolações mesmo sem guerra.

Acredito que a narrativa ficcionada do escritor Mário Cláudio em nada faz eco com aqueles que, sem qualquer vivência ou conhecimento de causa não se coíbem de se pronunciarem apelidando de assassinos todos os que foram para a guerra cujo objectivo era só o de matarem e cortarem as cabeças aos pretos.

É bom separarmos as águas. O texto apresentado a frio, sem um conhecimento de quem o escreveu, a razão porque o escreveu ou o tipo de obra a que se destina pode levar a interpretações desajustadas.

Não me compete, nem é esse o meu propósito, fazer a defesa do autor que dela não necessita para nada, mas o meu conhecimento da pessoa custa-me compará-lo a um qualquer político de vão de escada em angariação de votos para uma qualquer eleição, muito mais quando ele próprio, em Bissau ou em outro qualquer lugar da Guiné fez também parte da guerra.


Este é mesmo o escrito que não queria ter escrito, mas de acordo com as disposições e interesses do blogue "Luís Graça e Camaradas da Guiné", devemos contar as nossas vivências e dar a nossa opinião, para memória futura, deixando aos historiadores a recolha do que interessa efectivamente para que possam dar-lhe forma, corpo e vida.

Um abraço
Belarmino Sardinha


[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.] (**)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de  4 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6672: Para o livro de ouro do Capitão Garcez, um inédito de Mário Cláudio

(...) Chega-me a mensagem de um que andou com o Capitão Garcez nas lutas africanas, e transcrevo dele este bocado, “Há muitíssima confusão, o que favoreceu o mito. Vamos pensar. Mas eu não pretendo branquear-lhe a memória, muita atenção, o tipo era um homicida que descobriu, na guerra colonial, a sua coutada, e que se realizou na tortura, no massacre e na matança. A prova está em que nenhum de nós confraternizava com ele, e havia um como que acordo tácito, entre a malta, nesse sentido. Estou a avistá-lo, ainda, sempre isolado, absorvido nas bolinhas de fumo, que atirava para o ar, com aquele rosto de querubim, mas que, se analisado à lupa, apresentava-se destituído de qualquer sentimento. Por que haveria eu de o desculpar? Mas o que ninguém negará é que as cabeçorras dos pretos, espetadas nos paus, a bordejar a picada, funcionavam como um truque da psico, para demonstrar aos rebeldes, convencidos, pelas igrejas evangélicas, de que Deus os conservava invulneráveis às balas, que não beneficiavam do dom da imortalidade e que não eram menos mortais do que nós. Se isto não escusa as atrocidades, é natural que lhes dê, no entanto, uma certa razão, e uma razão patriótica, que constituia aquilo que, na circunstância, se desejava do sujeito. Quem se adiantaria, se não o Garcez, para executar o trabalho sujo, desempenhado sem luvas, e a que não se furtava, por o considerar imprescindível, talvez, e não tanto porque lhe apetecesse?” (...)