domingo, 3 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7074: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (12): Tempo presente, A honra aos que lutaram

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 30 de Setembro de 2010:

Caros camarigos editores
Prossigo, para vossa "tortura" na insistência de escrever em verso o que vou sentindo, neste reviver "terapêutico" das memórias de Guiné.

Quase acredito que a rima me acalma, me tranquiliza me devolve uma Guiné de paz e entendimento.

Mas para isso é preciso fazermos as pazes com o passado, para no presente conseguirmos aceitar o passado mais recente, que colocou de lado o que nós fomos, o que nós somos, o que nós sempre seremos.

Enviados fomos, mas poucos quiseram saber de nós.
Regressados chegámos, mas fomos olhados de lado.
Resolvido o conflito, mais desprezados acabámos por ser.
E vamos morrendo aos poucos, porque a hora se vai chegando.

Que ao menos nesta Tabanca Grande fique aquilo que sentimos e com verdade contamos, para que os vindouros pela nossas bocas saibam, o que nós passámos, o que vivemos, o que sem vergonha contamos, homens cansados, mas vivos, que nas nossas memórias, vamos fazendo história.

Um abraço camarigo do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

O TEMPO PRESENTE (2)

A HONRA AOS QUE LUTARAM

Tanto para recordar
nada para esquecer
que a vida é feita do tudo,
do passado e do futuro
e do presente a viver.

Contei-vos tudo,
ou talvez não,
o que vivi em tempos,
ou mesmo o que vivo agora.
Contei-vos das esperanças,
das dores do coração,
das angústias,
das revoltas,
das alegrias fugazes,
das memórias,
das saudades,
de tudo o que não fizemos
e de tudo
o que fomos ou não capazes.

Ganhou-se,
ou perdeu-se a guerra,
viveu-se um povo,
fez-se terra,
ou apenas e afinal,
de nada serviu tanta vida,
porque se por cá ainda há fome,
por lá um povo se consome
e daqueles que tombaram,
quer de um ou outro lado,
apenas se ouve a voz,
que pergunta em tom fechado:
Nós que somos só memória,
somos derrota ou vitória?

Pensava, pobre de mim,
que ao dar a conhecer,
as letras que quis escrever,
para me retratar e expor,
tudo chegaria ao fim.
Mas coitado,
sonhador,
há memórias agarradas,
que mesmo muito contadas,
não se libertam da dor,
e permanecem assim,
fundidas no coração,
que chora e se lamenta,
que se entristece e alegra,
cada vez que as recorda,
como uma parte de mim.

E penso na tal homenagem
a fazer pelo meu país,
àqueles que combateram
e se sentem desprezados.
Mas o amor ou existe,
desde a mais tenra idade,
entre os pais e os filhos,
ou não é pela força,
nem pela persuasão,
que ele se torna real,
mais verdadeiro e concreto,
mas apenas um arremedo,
uma hipocrisia ensaiada,
apenas uma imitação.

Não quero homenagens falsas,
que apenas se servem de nós,
quero que nos ouçam,
que tenhamos voz,
que saibam que demos a vida,
de vontade,
ou “empurrados”,
que fomos todos soldados,
somos filhos da Nação.

Vai-se o tempo,
vão-se os anos,
e a cada ano que passa,
somos menos “problema”.

Que importa àqueles que dormem,
o sono despreocupado,
o sono dos que não dormem,
sob a ignomínia do desprezado.

Pensei que já tinha a paz,
pensei que já nada importava,
mas levantam-se dentro de mim,
os muitos milhares de vozes,
que gritam cada vez mais alto,
pela dignidade,
pela honra,
dos muitos que então tombaram,
lá longe,
naquele calor,
e aqueles que por aqui,
vão tombando todos os dias,
porque se lhes esgota a vida,
cansada, esgotada, lutada,
à espera que um dia lhes digam:

Somos uma Nação grata,
a todos os que lutaram,
em África,terra passada.
Vinde que fazeis parte
da história deste País,
que vos chora e recorda,
juntos com os demais,
que nos tempos,
e em tempos,
de peito feito,
levantado,
e o medo feito coragem,
honraram os nossos Pais.

Monte Real, 10 de Agosto de 2010
__________

Notas de CV.

(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7030: Estórias avulsas (96): O dia em que o RAP2 esteve sob ameaça terrorista (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver

Guiné 63/74 - P7073: Notas de leitura (153): Memórias e Reflexões, de Juvenal Cabral (II) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Setembro de 2010:

Queridos amigos,
Quem, como eu tantas vezes ouviu falar em Infali Soncó, fica desvanecido pelas recordações de Juvenal Cabral. O pai do mais renomado dos fundadores do PAIGC guardou um sem número de memórias dos seus tempos de Bafatá, ao tempo em que Amílcar Cabral aqui nasceu.
Como já observou o nosso confrade Leopoldo Amado, é indispensável ter em conta os valores por que se regiam homens como Juvenal Cabral, crédulos da sua civilização e até da sua superioridade cultural.

Um abraço do
Mário


Juvenal Cabral e as suas memórias de Bafatá (2)

Beja Santos

O pai de Amílcar Cabral é uma figura típica do intelectual cabo-verdiano que estudou em Portugal, que se motivou pelas letras pátrias e que se lançou, no espírito do tempo, na defesa pública dos interesses da população cabo-verdiana, entre os anos 30 e 50. O seu livro “Memórias e Reflexões” é um depoimento do maior interesse para conhecer a têmpera de um homem culto que enaltecia a pátria portuguesa como nação colonizadora e que simultaneamente assumia a sua identidade africana e denunciava, dentro dos limites que o salazarismo consentia, os infortúnios desses ilhéus açoitados pela fome.

Já se escreveu como ele apareceu na Guiné, um quase adolescente, se atirou ao trabalho no funcionalismo em Bolama e depois como professor primário, percorrendo Cacine, Buba, Bambadinca e Bafatá. É aqui que vai nascer Amílcar Cabral. Desse período, Juvenal Cabral oferece-nos alguns dos seus melhores textos antes de regressar à ilha de Santiago. Oiçamo-lo a descrever a vila de Bafatá: “Centro comercial de primeira ordem, ergue-se em anfiteatro, risonha e próspera, no ponto em que o pequeno rio Colufi junta as suas águas às do volumoso Geba, cujas sinuosas margens foram testemunhas de interessantes acontecimentos históricos. Foi nas margens do imponente rio Geba que Infali Soncó mandou colocar arame farpado, na tentativa de impedir a passagem de embarcações e cortar todas as comunicações comerciais entre Bissau e Bafatá. Foi nas pitorescas margens desse caudaloso rio que filhos de Geba se reuniram em 1852 para planearem a revolta por meio da qual manifestaram o seu descontentamento e o seu protesto contra os prejuízos resultantes do privilégio concedido a Nicolau Monteiro de Macedo de, em exclusivo, explorar todo o comércio e navegação do rio Corubal. Foi ainda naquelas aprazíveis margens, à sombra de frondosas árvores, que a Fidalga de Fá – negra biafada, sedenta de civilização e doidamente apaixonada – se lançou nos braços do cabo-verdiano José Valério com quem, num idílio verdadeiramente rústico, celebrou o seu romance de namoro, cujo interessante epílogo foi a cedência aos portugueses de todo o território de Fá!”

A admiração de Juvenal Cabral pelo administrador Calvet de Magalhães era quase ilimitada. Exalta-o nas suas memórias como trabalhador incasável, homem de sociedade e acção que sobrepunha o interesse do serviço público ao seu próprio bem-estar. Calvet lançou-se em obras de fomento como a construção da ponte sobre o rio Colufi, e depois o mercado em estilo árabe, ao gosto dos muçulmanos. Juvenal Cabral confessa que Bafatá foi uma verdadeira escola para ele. Era professor oficial e subdelegado do Procurador da República. Recorda ainda outros administradores como Alberto Pimentel e mesmo João Barreto, autor da primeira história de Guiné. Depois espraia-se em histórias da sua vivência. É o caso de um homem que teria sido assassinado para as bandas de Selho, hoje em território do Casamansa. O administrador Saavedra Temes dirigiu-se ao local acompanhado por Juvenal, o chefe de posto aduaneiro, um amanuense e um escrivão foram de cavalo e seguiu também a filha de um régulo que vivia com o administrador. Lá foram à frente numa grande comitiva, com muitos fulas a pé, passaram por Contubo-El até chegarem a Sama Irondim. Ele escreve: não me cansei de admirar a paradisíaca beleza de alguns pontos do território da Guiné, onde jamais entrou uma enxada de lavrador para explorar, pela agricultura, as riquezas que o seu solo abençoado promete. Se toda a Guiné fosse cultivada, produziria géneros alimentícios excedentes das necessidades da metrópole, com a óptima vantagem de que Cabo Verde não teria necessidade de recorrer a Angola, quando acossados pela crise”. A chegada a Sama Irondim foi uma verdadeira apoteose. O cozinheiro levado de Bafatá preparou uma canja deliciosa. Bebido o primeiro garrafão de cinco litros, a comitiva mostrou-se ruidosa e festiva, com algumas imprecações de permeio, com os fulas a escutar tudo em silêncio. Depois o régulo pediu licença para fazer a sua festa, começou um batuque infernal. Seguiram-se alguns episódios brejeiros, como o súbito desaparecimento do administrador na companhia da filha do régulo. No dia seguinte, procedeu-se à identificação do corpo e o administrador mandou enterrar o cadáver.

O relato de uma batucada é feito com todo o fulgor: “Chegam os homens do tambor e, atrás deles, o dançarino, rapaz negro mas de formas correctas e gentis. Vem quase completamente nu mas no pescoço e nos braços ostenta argolas de metal; nos tornozelos, além de argolas, qualquer coisa de madeira cujo som, semelhando castanholas, nitidamente sobressai, a cada passo da dança, a cada passada do dançarino. Centenas de raparigas formam uma espécie de circunferência, cujo centro é o palco, onde o esbelto mancebo, num ritmo que seduz, numa agilidade que assombra, vai conquistar ovações estrondosas da plateia… ao matraquear ensurdecedor do tambor, das tábuas e das palmas, o dançarino, sobre quem incidem todos os olhares, salta de um lado para o outro, dá voltas ao recinto e baila sapateando com rapidez e perfeição… entretanto, um grupo de raparigas, num gesto que não pode dizer-se selvagem, porque foi realmente sublime e encantador, aproximam-se do seu Adónis, rodeiam-no como a um ídolo e ao mesmo tempo que dão palmas entoam uma canção, um hino de mística harmonia. Arte indígena? – Arte primitiva? Arte oriunda dos primeiros habitantes do Egipto? – Da Arábia? – Do Industão? Eu não sei…”. Esta colectânea de memórias termina com uma exaltação dos heróis da Guiné, onde aparecem nomes como Teixeira Pinto e Júdice Bicker.

As recordações cabo-verdianas são igualmente palpitantes, fazem hoje o deleite de qualquer etnógrafo ou etnólogo. Como nos parecem igualmente tocantes todos os seus textos sobre as crises e as fomes e os seus apelos para que o povo flagelado visse mitigado todo o sofrimento.

Também por isso se compreende o orgulho dos cabo-verdianos que reeditaram Juvenal Cabral para o mostrar como exemplo às gerações mais jovens, exibindo textos com importantes informações socioculturais e políticas que têm de ser lidas à luz do contexto em que foram formuladas.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7064: Notas de leitura (152): Memórias e Reflexões, de Juvenal Cabral (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 – P7072: FAP (52): Estatística das minhas missões em DO-27 e FIAT G-91 (António Martins de Matos)




1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen PilAv Res), enviou-nos, em 30 de Setembro último, a seguinte mensagem:


Caros amigos,


Deixem-me dizer-vos que fiquei deveras surpreendido com o acolhimento do meu último texto, não esperava tantas e tão amáveis palavras.


Uma coisa é certa, com os meus cabelos grisalhos, já tinha constatado que o pragmatismo por vezes tem que ser temperado com uma dose de sorrisos, caso contrário acabam por matar o mensageiro.


É verdade que o texto tinha uma tantas “armadilhas”, mas até se deu o caso de descobrirem mais “indirectas” daquelas a que me tinha proposto.


Aproveitando a oportunidade:


- Ao Manuel Marinho, as Berliets que falei faziam parte da coluna de Binta para Guidage e, ao serem abandonadas, acabaram por ser destruídas pela FAP;
- À Filomena, obrigado pelo seu comentário, foi mais que suficiente;
- Ao Hélder Valério e em relação à questão de moral levantada a propósito do napalm, ponho-lhe a seguinte questão:
Imagine-se a levar morteirada da grossa e, em desespero de causa a pedir a ajuda da FAP.
Agora imagine que eu estou à vertical do seu quartel e que, como armamento só tenho napalm.
No seu entender, que acha que deveria ser feito, onde começa e termina a moral?
- Ao Mário Pinto, manda quem tem mais qualificações, ou não é assim no dia-a-dia?
- Também constatei que não posso dizer aquela palavra começada por G, caem-me logo em cima, e no entanto desta vez só repeti o que vem descrito naquele livro que já foi apresentado numas quatro ou cinco vezes.
Que escusam de ficar descansados, eu que estive lá, ainda que por cima, que até tenho um dos meus relatórios de missão escarrapachado no tal livro (página 415), falarei do tema tantas as vezes quantas achar que devo falar.
E que fique claro, não tenho nada contra ninguém, até me prezo de ser amigo do Manuel Reis.


Mas a razão pela qual volto a escrever é outra.
AS MISSÕES DE DO-27 E FIAT G-91, E AS MISSÕES DE FIAT G91, POR SUA VEZ, DIVIDIDAS EM PLANEADAS E EM APOIO URGENTE, AO LONGO DOS MESES DA MINHA COMISSÃO
Ao consultar a minha Caderneta de Voo do tempo da Guiné e dado que uma imagem vale mais que mil palavras, achei interessante dar-lhe uma forma gráfica.


Claro que estes gráficos não mostram o esforço da FAP, apenas a minha pequena contribuição na guerra em que todos nós participámos.


Quem quiser analisar os gráficos, a algumas conclusões chegará.


Posto isto, apresento os meus dois “bonecos”:


O primeiro contem o número das minhas missões de DO-27 e Fiat G-91 ao longo dos meses de comissão;


O segundo apenas regista as missões de Fiat G91, por sua vez divididas em Planeadas e em Apoio Urgente.


Algumas dicas em relação ao primeiro gráfico:


- A laranja estão as minhas missões em Fiat-G91 e a azul as de DO-27.
- Nos meses de Nov72 e Ago73 estive de férias;
- Os mísseis Strela apareceram em Abr73;


Dicas para o segundo gráfico:

- As missões a verde eram pré-planeadas de véspera (ex. Ida a Cumbamori);
- As missões a laranja eram as solicitadas pela rede do Exército para apoio urgente;
- Em termos práticos representam o número de quartéis a quem fui dar apoio imediato;
- Quanto mais “laranja” apresentar o quadro tanto mais violenta estaria a guerra;
- Em Maio73 o apoio foi maioritariamente a Guidage e Guileje;
- Em Janeiro74 a Canquelifá e Copá.
E já agora algumas curiosidades tiradas da leitura da Caderneta de Voo:

- Os primeiros voos de DO-27 em Maio de 72 serviram para a qualificação na aeronave, aterragem em Bula, Binar e Biambe e “já estás pronto para operações”;
- 10 Junho72, primeiro transporte de pessoal, Tite, Fulacunda, Tite, os 4 passageiros viram um Tenente Periquito e ainda por cima maçarico na avioneta, iam morrendo de susto;
- 17 Junho, a minha primeira evacuação na Guiné, a Bissorã;
- 21 Junho, a primeira missão mista, estando aterrado em Guileje a descarregar material, pediram apoio urgente para um ferido em Gadamael;
- 23 Junho, piloto de longo curso, Bissau-Pirada-Bissau;
- 7 Julho, a primeira aterragem em Guidage, porcaria de pista com vacas e arame farpado;
- 8 Julho, o primeiro posto aéreo de comando, em Teixeira Pinto, para a zona da Caboiana;
- 16 Julho, dia em que andei a fazer de “fuzileiro” pelos afluentes do rio Cacheu (é uma outra história);
- 31 Julho, o meu primeiro destacamento de 1 semana em Nova Lamego.

E pronto, tenho outros gráficos que mostram a evolução diária da guerra, mas já seria abusar da vossa paciência.

Um Abraço,
António Martins de Matos
Ten PilAv da BA12
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7071: Parabéns a você (159): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72) (Tertúlia / Editores)

Dia 3 de Outubro de 2010. Aniversário do nosso tertuliano Hélder Valério Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), um dos camaradas que com os seus comentários nos postes, incentiva os seus autores à contínua colaboração neste Blogue de todos nós.

Tem também uma missão de consciência dos editores, sempre atento, intervindo a propósito, quando algo corre menos bem, antes mesmo de a ele recorrermos, numa antecipação oportuna e sem esperar agradecimentos. O nosso muito obrigado ao Hélder.


Seguem-se as homenagens merecidas, que alguns dos camaradas justamente lhe quiseram fazer.

1 -Postal de aniversário do casal Giselda e Miguel Pessoa




2- Assim diz
Zé Dinis


Aqui há tempos telefonou-me um gajo que eu pensava que já tinha morrido há muitos anos e estava a residir num túmulo de um monumento manuelino. De inicio não tinha qualquer esperança. Depois, o gajo convidou-me para uma viagem. Isto passou-se, vai para dois anos. O tal gajo marcou-me como ponto de encontro aquela terra de pescadores que dá pelo nome de Peniche. Desconfiado da amizade, voltei a ter Esperança.

Entretanto, de Setúbal, um gajo que lá mora, dava sinais de querer conhecer-me, porque num blogue contemporâneo temos manifestado opiniões quase coincidentes. Referi-lhe o estranho convite do famigerado navegador, embora intrigado pelo inusitado convite, ao que este outro gajo de Setúbal anuiu invejosamente: também quero ir!

Dessa forma, metem-se três mânfios a caminho de um encontro, anunciado como importante, mas de conteúdo mais ou menos reservado até chegarmos à fala.

Enquanto bolinava, lembro-me, ia a pensar em especiarias, sândalos e outras riquezas que me subsidiassem a viagem e garantissem mais-valias, desejo que se aliava ao encontro das belíssimas mulheres indianas, misteriosas, mas sorridentes e sedutoras.

Bem. Melhor: mal, pagámos um dinheirão pelo almoço que o histórico da iniciativa, através de um parente, tinha sido informado da existência de uma feitoria para o necessário repasto. Antes, porém, para garantir a autenticidade histórica, o velho marinheiro engatou duas moçoilas, lindas e provocantes, que andavam por aquelas terras marginais a ver se arranjavam teca para nos levar com elas, e solicitou-lhes que registassem o momento, através de uma máquina esquisita, que trouxe de contrabando de uma viagem ao Japão que, não se percebe porquê, a História não refere. A imagem desse momento está aí para mostrar a verdade, com os três peixinhos. Enquanto a menina se aventurava em artes de testemunhar a História, dizia o almirante de Buarcos: oh Zé, olha que a menina não tira os olhos de ti.

Tive então que chamar a atenção àquela personalidade, de que a menina sendo vesga, olhava para mim, mas só o via a ele. O que era lógico: o que andaria o Vasco da Gama a fazer em Peniche?

Decidimos juntar esforços com outros cavalheiros, para levarmos de vencida uma horrorosa carne que sobrara da última viagem ao Oriente. Foram eles: o Belarmino que, meio inexperiente ofereceu a casa no Cadaval; o Zé Brás, conhecido de várias touradas e que, com laureado prestígio mete o arado na literatura, promovendo lindas colheitas e, finalmente, mas não menos precioso, aquele que veio a guindar-se ao posto de comandante, no que se pode considerar o mais recente milagre conhecido, pois nunca fez nada, nem justificou tamanha honra, Don Jorge Y Rosalez, um conhecido traidor, que fintou a coroa espanhola para se bronzear na costa do Estoril, e brilhar no choupal conimbricence. Aqui foi decidido, por ordem de nossas excelências, que o Maia havia de escrever uns versos animadores da causa lusitana, e nós mandaríamos imprimir em doses relativamente acessíveis.

Surgiu o Grupo do Cadaval, cuja exponência já atravessa mares e oceanos através da navegação virtual. E como somos muito amigos, hoje, comunicamos ao mundo, que o tal gajo de Setúbal, o Valério, faz anos e paga a despesa.
PARABÉNS !!
JMMD



3- Vasco da Gama
Declama


Conversas esparsas num dos encontros da nossa Tabanca Grande, contactos posteriores com troca de mails sem significado especial, consultas mais profundas que íamos trocando, análise de ideias sobre a (má) governação do mundo, projectos que iam germinando até aparecerem os primeiros rebentos, obrigaram-nos a juntar ao vivo.

Assim aconteceu e em Peniche, terra de bons amigos, e lá me encontrei com o Zé Dinis e com o Hélder, o nosso querido aniversariante de hoje.

Ali nos aceitámos de imediato, em prolongadíssimo repasto, aceitando todas as nossas diferenças e comungando também de tanta coisa…

Um trio de bons camaradas: Hélder Sousa, Vasco da Gama  e José Manuel Dinis

Lá demos o pontapé de saída para a execução do primeiro projecto, reforçando-nos com mais três pesos pesados, o Belarmino, o Zé Brás e o Rosales, em reuniões e trocas de opiniões que nos conduziram ao lançamento de um livro de um nosso camarada e dando à luz o auto denominado Bando do Cadaval.

Grupo do Cadaval: Zé Dinis, Belarmino Sardinha, Vasco da Gama, Jorge Rosales, Hélder Sousa e Zé Brás

O nosso Hélder é, na minha sincera opinião, o paradigma, a norma, o exemplo do Homem bom, utilizando sempre a sinceridade e a lhaneza no trato com todos nós e levando à letra os mandamentos da nossa Tabanca Grande sobretudo no que diz respeito ao equilíbrio das suas análises, à busca de consensos no saber ouvir e no bem opinar.

Que bom é ter-te como amigo Hélder Valério de Sousa.

Do meu Buarcos lindo segue um grande abraço de parabéns e conta sempre comigo e com o restante bando, como nós contamos contigo.
Vasco A.R. da Gama




4- José Brás
Não ficou para trás


O Helder parece-me tão bom carácter que às vezes, eu que também não sou mau de todo, me espanto.
E já ia perder esta oportunidade de mais uma abraço apertado e com palmadas nas costas.
Agora as fotos. Acho que estávamos já um pouco desiquilibrados e que o Vasco ao colocá-las assim na digitalização quis dizer isso mesmo.
E não fiquem a chorar porque quando um de nós abraça outro (de nós), abraça todos no tempo e na emoção.
José Brás


5- Belarmino Sardinha
De dizer também tinha

Depois de ler os escritos, do comandante ou navegador principal VG, do trabalhador de palavras JB e do mestre de cerimónias JD, fiquei sem palavras para ilustrar o meu apreço por aquele ser amigo que hoje faz mais um risco no calendário da comissão da vida. É pois para ele que envio um grande e forte abraço de parabéns, com o desejo de um bom milenium para ajudar a superar a crise anunciada.
BS



6 - Os Editores
Esses... folgaram


Caros amigos G e MP, JMMD, VG, JB e BS, a vossa colaboração no poste de aniversário do Hélder é um exemplo a seguir por outros camaradas que queiram, à sua maneira, homenagear um aniversariante que de algum modo lhe seja mais próximo.

Para ti Hélder, um abraço da Tertúlia e um especial dos Editores, e muito obrigado por nos aturares e pela tua disponibilidade.

Os nossos desejos são de que este domingo de aniversário seja um dia feliz para ti, passado com alegria junto dos teus familiares e amigos, e que esta data seja comemorada sempre com saúde e alegria, nas próximas décadas.

Pelos Editores
CV
__________

Notas de CV:

(*) Vd, poste de 3 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5046: Parabéns a você (31): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF, Piche e Bissau (1970/72) (Editores)

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7052: Parabéns a você (158): Agradecimentos à tertúlia de Coutinho e Lima e Luís Borrega

sábado, 2 de outubro de 2010

Guiné 63/74 – P7070: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (22): A morte no final da comissão, Bissau, em 3 de Outubro de 1969


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Álbum fotográfico do Albano Gomes > Foto nº 10 > "O Obus 10.5, virado à fonte, que, conjuntamente com outro instalado do lado contrário do Aquartelamento, e quando manuseados pelo Pelotão de Artilharia ali instalado, faziam Manga de Ronco" (AG). 

Fotos (e legendas): © Albano Gomes (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os  direitos reservados.


1. Mensagem de Torcato Mendonça, de 28 de Setembro último:

Assunto: Destinos


Meu Caro Camarada e Amigo [Carlos Vinhal]: 


Antes que o mês acabe vou fazer paragem na sabática. Ou seja, envio um texto lamechas na leitura apressada. O 3 de Outubro está perto. Sabes,  aquele escrito e outros estão "aquietados". Mas li este e fiquei a pensar, a recordar. São coisas que só um homem sabe bem e, se for lido em linhas e entrelinhas ou se vai lá ou, em gente de certo passado como nós, estabelecemos analogias.

Tenho ultimamente lido mais ao correr do rato. Outros paro e consumo devagar. Concordo, discordo e,  como anteriormente disse,  não comento. É pior e fica-se a remoer. Há concepções...bem não adianto mais ou... delete. A pluralidade opinativa é um valor adquirido e tem toda a razão, Felismina, de existir. Mas será extensível a tudo o que aqui aparece. O "aqui" é o blogue.

Eu nem sei se estás ao serviço ou de serviço. Parto do princípio que sim e, como quase sempre peço,  diz se chegou...basta um Ok. Quanto ao anexo é vosso e dele fazem o que quiserem.

Ainda vou tratar de uns assuntos e já é 28 de Setembro

Abraço a ti e extensível aos Editores e a Todos claro está.
Torcato

PS- Esta Bolha pode ser a uma por semana. Serei capaz? Sem compromisso,  como sempre. 

 
2.  Estórias de Mansambo II > Logo Ali, o Vazio…
por Torcato Mendonça (**)

Alegre, sorriso fácil, normal gosto por festas e bailaricos. Cresceu na planície com horizonte largo, a cidade lá muito ao fundo, e, á noite, sentado no portal da casa, olhava as luzes da cidade a tremerem devido ao calor a sair lento, lentamente da terra quente.
Planície de terra negra, fértil, terra de barros e terra mãe a dar sustento a ranchos de homens e mulheres que nela trabalhavam.
Ele trabalhava-a com carinho, mesmo com jorna magra e quando o sol se começava a querer esconder no horizonte a casa voltava.
Recebeu, através da Junta de Freguesia, a carta a dizer que teria que ir para um quartel. Carta curta, simples e a partir daquele momento estava incorporado como militar. Assim, poucos dias depois beijou a mulher, tocou-lhe ao de leve na cara a desviar a lágrima que descia.
Partiu então e por lá andou, correu, saltou, aturou berros e gritos. Nada disse, quase nada sentia a não ser o desejo de voltar. Voltar para junto da mulher, da terra negra, afagar ambas e á tardinha olhar a planície sem fim.
Um dia disseram que teria que ir para África. Onde? África e Guiné.
Ficou triste. Voltou a casa por breves dias, olhava ternamente a planície, o horizonte e com a mulher ao lado sem nada dizerem. Sentia quanto aquela aproximação seria breve. Sentiam, ele e ela, de modo diferente tudo o que os rodeava. Guiné? África? Porquê?
Voltou a despedir-se da mulher, fez-lhe uma festa no ventre e sorriu. Sorriram ambos na angústia de um destino desconhecido.
Meteram-no num barco, barco enorme, barco prenhe de militares companheiros de viagem em porão mal cheiroso e, cada vez mais nauseabundo á medida que os dias passavam. Sulcavam mares como o seu povo há séculos fazia mas, ele e outros, certamente também de pronto dispensavam. Passaram os dias, lentos e numa manhã ouviram o grito de que estava terra á vista.
Olhou e ao longe viu a neblina a levantar-se da terra. Lembrou a sua planície e rápido desviou o pensamento.
Horas depois aí estava o barco parado, a azáfama do desembarque, o calor a encharcar o corpo, a humidade a fazer-se sentir. Olhava e sentia ser tudo diferente, tudo a nada lhe dizer, tudo a levar a questionar-se o que ali fazia.
Não o deixaram gastar muito tempo, em visitas, olhares ou pensamentos. Não tardou a ser metido num batelão de nome esquisito. Ele, viaturas, caixotes enormes e, claro, os seus e outros companheiros, que aqui eram camaradas, lá seguiram viagem. Desta vez, não por mar, mas por um rio enorme acima.
Foi parar a um quartel. Chamavam àquele amontoado de casas desgastadas, barracões e buracos enormes tapados por troncos e com valas, no chão abertas, quartel. Seria um quartel ou um aquartelamento. Tudo bem para ele.
Tudo diferente, tudo estranho, onde o horizonte era já ali baço e verde, com a floresta num verde-escuro a sobressair da terra vermelha e quente.
Os amigos eram os camaradas do grupo e da Companhia. Falavam, riam, tentavam adaptar-se e afugentar para longe as recordações do seu Pais.
O tempo passava lento, tão lento que, sem por isso dar, veio a carta e nela a nova de que era pai de uma menina.
Se até aí as saídas para o mato em operações, as colunas com muitas viaturas, os tiros e rebentamentos eram a normalidade daquele estúpido viver e até a vontade de rir ou sorrir iam desaparecendo, naquele momento ficou parado, quieto, olhar vazio. Não soube o tempo que assim passou. Despertou com o vozear dos camaradas e sentiu que as forças lhe fugiam corpo abaixo, a cara a ficar molhada, os cheiros a serem os da planície, da mulher, da terra negra. Sentiu-se só, demasiado só. Sentou-se e o corpo ali e ele lá, ele a lá voltar, não sabia quem já era, que fazia ali, que tinham feito dele, porque, em tão pouco tempo, vira tanta desgraça e tanta miséria. Sentiu medo, mais medo, medo de tudo e dele também.
A partir daquele dia sentiu-se outro, mais temeroso e a desgastar-se no tempo. Tempo a passar cada vez mais lento, tão lento.
Andava cabisbaixo, diferente e fazia contas ao tempo que faltava. Quanto? Um ano, seis meses, três?
Se saía para o mato sentia-se mais fraco, sentia mais o medo, os medos que todos sentem e mais os dele.
Recebeu a notícia com certa indiferença. Ia para Bissau para tratar e cuidar de teres e haveres dos seus Camaradas da Companhia. Tinha tantos meses de comissão e nunca vira Bissau, excepto, brevemente, ao desembarcar e nem dera para ver nada. Vida de soldado era difícil.
Passados dias aí estava Bissau. Habituou-se rapidamente e reaprendeu a sorrir. Os pensamentos continuavam caminhando para a sua planície, família e os seus camaradas no mato. Como a guerra ali era diferente. Guerra só de nome e gente com risos e vidas a correrem rápidas e alegres. Muito deles em passagem para voltarem ao mato, aos medos, á vida que dispensavam.

Naquela manhã saiu alegre. Entrou no jeep, o amigo a conduzir, Bissalanca logo ali. Estrada fora ele a dizer que teria o embarque daí a dois meses. Seria?

A hiena apareceu, o jeep guinou, saiu célere da estrada, o baga-baga parou-o. Da testa escorria-lhe um ligeiro fio de sangue. Talvez o seu último pensamento tivesse chegado á planície, á terra mãe, á mulher e a sua filha…talvez…

Nenhures ou entre o Alentejo e Bissau aos 3 de Outubro de 1969
_____________

Nota de L.G.:

18 de Maio de 2010

Guiné 63/74 – P6423: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (21): Zumbidos em noite de Verão


(**) 

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/05/guine-6374-p6423-estorias-de-mansambo.html

(***) Na lista dos Mortos do Ultramar, organizada pelo portal Guerra do Ultramar, consta, no concelho de Beja, o nome de  José Francisco Gaié Casadinho, natural da freguesia de São Matias, sold da CART 2339, vítima de acidente de viação em 2 (e não 3) de Outubro de 1969. 

Guiné 63/74 - P7069: Recortes de imprensa (32): A guerra do José Casimiro Carvalho, CCAV8350 e CCAÇ 11, 1972/74 (Correio da Manhã)


1. O nosso Camarada José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 - 1972/74 -, e dos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11) - Gadamael, Guileje, Nhacra, Paúnca, enviou-nos a história da sua guerra, tal e qual foi publicada no jornal “Correio da Manhã” (edição do dia 14 de Dezembro de 2008):









Um abraço,
José Carvalho
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 e CCAÇ 11
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
27 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7042: Recortes de imprensa (31): A guerra do José Martins, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70 (Correio da Manhã)

Guiné 63/74 - P7068: In Memoriam (56): Cap Art Victor Manuel Ponte da Silva Marques (CART 3494, Xime, Agosto/Novembro de 1969) (Sousa de Castro)




O Cap Art Victor Manuel da Ponte da Silva Marques, em Quicua.Angola 1967/69, preparando-se para um jogo de futebol supostamente, vendo-se atrás o Tozé Santos.

Foto: Tozé Santos (2010) (Cortesia de Sousa de Castro)


1. Mensagem do Sousa de Castro, o nosso tertuliano mais antigo, a seguir ao Luís Graça, daí ter como  registo de matrícula, na Tabanca Grande, o nº 2...


Prezados editores,

Recebi de um nosso camarada d'armas,  Tozé Santos, que cumpriu serviço em Angola entre 1967/69,  fazendo parte da CART 1770, uma foto reproduzida em cima,  com a devida vénia, do primeiro Cmdt  (foram três) da CART 3494.

O Victor Manuel da Ponte S. Marques, que infelizmente já não se encontra no mundo dos vivos, usava muito a expressão "salta-me a cabeça"...

O Cap Art N Mº 51322811, Victor Manuel Ponte da Silva Marques, para além de ter sido o primeiro de três comandantes que passaram pela Cart 3494,  no Xime, Guiné, entre Dezembro 1971 a Agosto de 1972 tinha sido também Cmdt da CART 1770 do BART 1926 em 1967/69 em Quicua - Angola (Este batalhão, para além da CART 1770,  era composto pela CCS, CART 1769 e CART 1771).

Os outros Cmdt da Cart 3494 foram: de Agosto de 1972 a Novembro de 1972, o  Cap Art 04309164 - António José Pereira da Costa  [, nosso camarada na Tabanca ]; de Novembro de 1972 até ao final, Abril de 1974,  Cap Mil N mº 06383765 - Luciano Carvalho da Costa.


Ver aqui mais detalhes do BART 1926 (Batalhão de Artilharia 1926).

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Nota de L.G.:

(*)  Último poste desta série: 

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7067: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (34): Em Teixeira Pinto, círculo quase fatal

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 29 de Setembro de 2010:

Caro Amigo Carlos
Mais uma passagem de “Viagem…” que por certo não aconteceu a muitos.
Hoje, quando recordada dá vontade de rir… mas à época, foi um susto do “caraças”!!
Aqui vai e quem ler, se se imaginar no contexto, também talvez consiga pelo menos sorrir, que é do que quase todos andamos a precisar.

Um abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (34)

Teixeira Pinto - Círculo quase fatal

Nas bastantes operações que fazíamos na zona Oeste da estrada Teixeira Pinto - Cacheu (que denomino por inclusão, Balanguerês), as coisas nunca eram fáceis e por vezes tornavam-se bastante complicadas, desde logo pelo tipo de matas onde a dada altura éramos forçados a nos embrenhar, na tentativa de atingirmos os objectivos que nos tinham sido determinados e depois, por ser território de constantes movimentações inimigas.

Numa dessas ocasiões, o nosso objectivo era uma bolanha, onde o Comando supunha (sabia?) haver cultivo IN e como tal presença de população, guardada por elementos armados e nas proximidades eventualmente um acampamento.

Em Teixeira Pinto, como normalmente acontecia nessas ocasiões consideradas mais problemáticas, estavam meios aéreos de prevenção e Comando.

Depois de apeados, avançamos, os 1.º e 2.º GRCOMB, embrenhando-nos nas matas com os cuidados usuais, na esperança de não sermos detectados precocemente e emboscados.

Segundo dizíamos, caso não acontecesse nada, tínhamos que trazer ao menos uma mão cheia de vianda especial daquela área como prova de que lá tínhamos ido, não se desse o caso de termos que repetir a proeza logo de seguida, como já tinha acontecido por uma vez!!

O objectivo era na certa importante para o Comando já que o DO começou a breve trecho a dar sinal de si e... de nós, sobrevoando a zona intervaladamente em círculos, o que obrigou os banana a ficarem com perda de sinal ou tal interferência que não permitiam comunicação perceptível.

Pela tarde começou a dança e que dança, ao som de graves, agudos e secos.

O DO que por aquelas bandas esvoaçava, aparece e começa os círculos de águia apertados e a baixa altitude.

Ao meu lado, como de outras vezes, calha estar o Cancelo com o 60. Peço-lho e sigo com o olhar a granada que lhe meti pelas goelas e que ele vomitou na perfeição e trajectória prevista, próxima da vertical. Entra-me a águia no campo direccionado de visão, fazendo o seu círculo de observação alado e projéctil vomitado, aproximam-se em rota de colisão. Os meus olhos aguçam-se e ficam em bico, fixos no projéctil, todo o corpo me fica tenso, não posso fazer nada, ou por outra, posso fechar os olhos e por as mãos na cabeça para a proteger de destroços. Não o quero fazer e não o faço. Deus queira que não, rezo. Os sons da guerra parecem ter desaparecido. O olhar continua fixo. O zénite da trajectória do projéctil ocorre a dois, no máximo três metros da barriga do Dornier que continua o seu voo, indiferente, felizmente.

Nos meus ouvidos o barulho da guerra recomeça.

Se o piloto ou algum dos ocupantes se aperceberam do que se passou, devem ter apanhado um cagaço daqueles… pior do que o meu !

Esta cena, aconteceu pela tarde de 23 de Setembro 1971, na Península do Balanguerês (OP Açaimo 65).
Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (33): Teixeira Pinto - Perdidos (2)

Guiné 63/74 - P7066: Blogues da nossa blogosfera (38): Breve História da Tabanca dos Melros (Carlos Silva)



Com a devida vénia à Tabanca dos Melros, transcrevemos o seu poste 45 de 28 de Setembro de 2010, de autoria do nosso camarada Carlos Silva, que dá a conhecer a História desta Tabanca do Concelho de Gondomar.


45 - Breve História da Tabanca dos Melros*

Autoria de Carlos Silva

Penso que é tempo de fazer uma breve história da Tabanca dos Melros, explicando como surgiu e quais os seus objectivos a fim de os camaradas compreenderem melhor como se tem desenvolvido e consolidado a nossa camaradagem.

1 – Homenagem aos nossos mortos inscritos no Memorial em Fânzeres
A Tabanca nasceu em 2009 a partir de uma ideia que me atormentava há muito.
Pois todos tinham Tabancas e os gondomarenses não tinham porquê?
Isto porque sentia que neste aspecto os gondomarenses estavam/estão apáticos, embora presentemente estejam menos, como se vem sentindo, na medida em que, estão a aderir bem aos convívios.
Daí eu já ter lançado a ideia ao Albano Silva, que anda sempre atarefado e por isso em certo dia que estive em casa dele falei-lhe no assunto e do Carvalho das Medas.
Como ambos são autarcas, logo estabelecemos contacto e como coincidiu com uma 4ª feira, combinamos falar sobre fazer uma homenagem em Fânzeres aos nossos camaradas mortos no Ultramar.
Encontrámo-nos no “Milho Rei” os dois com o Barbosa e conversa puxa conversa e em dias posteriores pelo telefone e mails, lá se marcou a data 5-10-2009 para a realização do evento com a concentração e deposição de uma coroa de flores no Memorial de Fânzeres, seguindo o convívio na freguesia das Medas com porco no aspecto oferecido pelo nosso camarada Carvalho, que coincidiu com a grande procissão da Romaria da Nª Sª do Rosário em S Cosme, mas deu tempo para assistir a todos os eventos.
Para tal fizemos a respectiva mobilização com a publicação do evento no Site da Câmara Municipal de Gondomar e Juntas de Freguesia, bem como foram colocados cartazes por todo o lado incluindo cafés e através de passa-palavra.

Nesse dia ficou logo estabelecido que as freguesias de Gondomar organizariam no ùltimo fim-de-semana de Setembro de cada ano eventos semelhantes e os nossos camaradas de Jovim, Agostino Reboredo e Albano Silva assumiram de imediato esse compromisso para a realização em 2010 e Valbom seria em 2011, entretanto, posteriormente ficou a freguesia de S Cosme de através do Joaquim Martins realizar o evento e assim está combinado.

2 – Criação da Tabanca dos Melros

Em 31-10-2009, fui almoçar ao Choupal dos Melros com 2 colegas da Esc Ind e Com de Gondomar que não via há 40 anos, sendo um deles um “Melro” assíduo, o António Silva de Valbom.
Nesse almoço, como gostei do espaço, em conversa com o nosso amável amigo /camarada Gil lancei o repto de criarmos uma Tabanca dos Gondomarenses e realizar naquele local maravilhoso os convívios, o que ele aceitou de imediato.
Daí lancei o repto a outros camaradas, incluindo o nosso amigo/camarada Jorge Teixeira e outros que sempre me apoiaram na iniciativa.
Em 5-12-2009 face a toda essa movimentação e efectuados os primeiros contactos, realizámos o 1º convívio e a partir daí até hoje.
Neste excelente convívio, aliás como têm sido todos, consagramos o nome da Tabanca e a periodicidade da realização dos almoços/convívios para o 2º sábado de cada mês excepto em Março e Setembro.
O nosso objectivo foi única e exclusivamente aglutinar/aproximar principalmente os camaradas gondomarenses e claro por arrasto, todos os outros nossos camaradas que queiram conviver connosco.
Não existem outros objectivos.
No entanto, com o andar da carruagem num dos convívios em que esteve presente entre outros o Cor Coutinho e Lima, lançámos a ideia da criação de um Museu do Combatente que está a dar os seus primeiros passos e a colher os seus frutos, tendo nosso amigo/camarada Gil de imediato correspondido ao nosso pedido, disponibilizando para o efeito um espaço.
Assim tem decorrido e espero e lutarei nesse sentido para que assim continue, pois não nos move outros objectivos.
Aliás, estas ideias base foram muito bem esclarecidas e precisas neste último convívio.

Daqui resulta claro que os nossos objectivos/princípios enquadram-se ou são semelhantes em parte aos de outras Tabancas que também prosseguem outros objectivos.
Nós temos o nosso rumo traçado, tal como outras Tabancas e não há concorrência entre as mesmas, como tenho referido muitas vezes em vários fóruns.
Daí cada uma segue o seu caminho e estabelece os seus eventos como bem entender e quando entender, mesmo que aconteça em datas coincidentes com o de outras Tabancas.
Só cabe aos camaradas tomarem as suas opções quanto a estar presente num lado ou noutro.
Nenhuma das Tabancas está subordinada a outra ou ter de conciliar ou marcar eventos para alturas diferentes.
Faço esta breve História da nossa Tabanca para que comece ser mais conhecida e os seus objectivos, apelando à aderência dos meus camaradas conterrâneos, bem como, a todos os nossos outros camaradas e amigos que connosco queiram conviver trazendo a sua alegria.
Apelo também, como tenho feito até aqui, que contribuam com o seu espólio militar e de guerra para o crescimento do nosso Museu.
Com saudações amigas
Carlos Silva

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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7013: Blogues da nossa blogosfera (37): Os Abutres de Cabuca, 2ª CART / BART 6253, 1973/74

(*) Enviado por Jorge Teixeira (Portojo)

Guiné 63/74 - P7065: Contraponto (Alberto Branquinho) (15): Chegada à Guiné (Planeta África)

1. Mensagem de Alberto Branquihno (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 28 de Setembro de 2010:

Caríssimo Carlos
Estou a enviar, junto a este, o texto do CONTRAPONTO (15) - Chegada à Guiné (Planeta "África"), no qual tentei reverter minudências que me vieram à memória quando escrevi o anterior.

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (15)

CHEGADA À GUINÉ (Planeta “África”)

Que informação era dada às tropas sobre os territórios africanos onde, dentro de pouco tempo, iriam atracar? – Nenhuma!
Nem sobre as gentes nem sobre o clima nem sobre a insurreição militar e política existente nessas terras.

Só a bordo do navio e no dia anterior à entrada no porto de Bissau, os capitães chamavam os alferes e os furriéis milicianos para dizer umas generalidades sobre a realidade local que os esperava dentro de algumas horas. (E recordo: - Você pode ir embora, porque sabe mais disto do que eu).
Para a tropa, África era uma terra habitada por pretos e onde fazia “um calor do caraças”. E era tudo.

Foto: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados.


A chegada

Imaginemos, então, a rapaziada, acabada de atracar ao planeta “África”, com pouco mais que 20 anos, a chegar a terra e a olhar em volta. (Não existiam na Guiné – nem existem – as grandes metrópoles de outras colónias Portuguesas ou de outros países africanos, nas quais constatamos estar em África somente porque há muitas pessoas de raça negra nas ruas). No nosso caso nem por Bissau passámos. Desembarcámos do Uíge para barcaças que nos levaram, Geba acima, directamente para o interior. A imediata observação da realidade local foi: o contacto “agressivo” com os “velhinhos”, a população próxima, o calor, os cheiros, a sensação de sede africana. Depois veio a diferente fauna, flora, os costumes, a religião… Aquela África rural, interior, quase primitiva foi um espanto. Os peitos nus das raparigas e das mulheres grandes, homens que tinham várias mulheres (e que viviam juntas!). Raças que conviviam com dificuldade.

Foi a observação de tudo o que era exterior ao quartel durante as primeiras saídas para o mato… enquanto não houve tiroteios. A beleza das paisagens, a exuberância e variedade da vegetação, a primeira observação dos babuínos (macaco-cão).

- Aqueles filhos da puta até parecem gente.

Os saguis, “macaco-gato”, macaco de tarrafo… A macacada toda. Os répteis – cobrinhas, cobras médias, cobras grandes, finas, grossas, amarelas, amarelas-esverdeadas, etc. E os lagartos.

– Olha este cabrão a fazer flexões! Paga dez!

E o lagarto, ansioso, lá fazia não dez flexões, mas quatro ou cinco. Dava uma corridinha e – mais duas ou três. Gargalhadas. Mais tarde aprenderam que, se não fizessem gestos bruscos, eles vinham comer os pedaços de pão que lhes atirassem para o chão. Como os gatos e os cães na “Metrópole”.

Com a proximidade dos rios conheceram o risco dos crocodilos ou jacarés, que nadavam mansamente, mas atacavam sem avisar.
A progressão nas matas, mais ou menos densas, trouxe os primeiros sustos causados por porcos-de-mato ou veados em fuga.
Tudo tão diferente!


No reino das aves e dos insectos

Mas África é, em grande parte, o reino das aves e dos insectos.
A variedade de aves ocupava os olhos pela diversidade, diferentes tamanhos, cores e cantos.
Os periquitos, a que havia que ensinar tudo (como à tropa nova, com fardas verdinhas, novas), eram relativamente fáceis de capturar e muito apreciados. Muitos soldados adoptaram um, que era, a assim dizer, a família… de cada adoptante. Eram apaparicados e protegidos até à irracionalidade.

Falando de insectos

Quanto aos insectos, a diversidade era tanta que estonteava um homem. Estavam, de certo modo, mais próximos que as aves, mas, devido à pequena dimensão, eram menos notórios. E a diversidade dos insectos existia mesmo dentro da mesma espécie. Gafanhotos, por exemplo. Uns eram pretos, outros pretos com manchas amarelas. Havia, também, verdes, verdes com manchas rosa, amarelos com manchas verdes, verdes com manchas pretas…

Pedi ao furriel enfermeiro um frasco com formol, onde fui colocando um exemplar dessa diversidade de gafanhotos, que pretendia trazer nas férias. Com o começo da guerra a sério e com tantas andanças e mudanças, o frasco ficou esquecido em qualquer lugar.

E a variedade de formigas?

Desde uma formiga anã, insignificante, à construtora da baga-baga, ao tamanho intermédio, até àquelas grandes, pretas, com grandes cabeçorras e grandes pinças na cabeça. Subiam pelas pernas tão sub-repticiamente que ninguém as sentia, até que, já em número considerável, atacavam selvaticamente o escroto com as tenazes, como se ele fosse um animal suculento, capaz de fornecer proteínas a um formigueiro de milhões. O homem assim atacado, largava a arma, despia-se (da cintura para baixo) em menos de um décimo de segundo, berrando furiosamente das dores, ao mesmo tempo que esfregava, violentamente, virilhas, testículos e toda a zona púbica, desfazendo em pedaços as formigas agressoras.

A primeira vez que testemunhei uma coisa destas foi quando gritos quebraram o silêncio de muitas horas em emboscada. Ficámos apatetados a olhar na direcção dos gritos, sem possibilidade de vermos devido à vegetação, sem saber se devíamos abrir fogo, pensando que o rapaz estava a ser “agarrado à mão”. Um soldado milícia tentou esclarecer-nos com um sorriso irónico:

- Formica, noss’alfero.

- Quê?!

- Formica…

Os soldados olharam-me. Fiz-me de entendido, mas não entendi nada. Certo é que depois de tanta gritaria, não era aconselhável continuarmos ali. Levantámos a emboscada.

Só mais tarde (e por experiência própria) compreendi o sofrimento. Se nunca experimentaram, não o desejem. (Parêntesis – mesmo sendo mulheres, porque, pelo que me informaram, como as mulheres não têm… escroto, as formigas também mordem, mas nos… arredores… onde ele estaria, se fossem homens). A solução para evitar esses ataques é simples – meter as calças por dentro das meias.

E as abelhas, senhoras e senhores?

Abelhas, vespas, abelhas doudas, abelhas bravas ou o que lhes queiram chamar.
Inquietá-las é um risco. Quer dizer: praticar qualquer acto do qual resulte que elas “possam pensar” que estão a ser atacadas. Da fila, em progressão
na mata, os trinta a quarenta mais próximos ficavam com “direito” a vinte ou trinta abelhas cada um. Acabávamos picados e bem picados, apesar da rede mosquiteira à volta do pescoço, mangas puxadas abaixo, golas levantadas e quicos enterrados na cabeça. Tudo isto minimizava mas não evitava ser picado, as dores e algumas partes do corpo inchadas. Por causa das alergias ou excesso de picadas por vezes verificaram-se mortes. Pior que tudo era tentar afastá-las com qualquer objecto ou correr de um lado para o outro (com o risco acrescido de pisar ou tropeçar em minas). Era aconselhado deitar no chão e permanecer imóvel… apesar de picado.

Imagine-se um ataque de abelhas debaixo de fogo (p. ex. caindo em emboscada), situação criada pelo IN, que disparava sobre os ninhos construídos nos troncos das árvores.

Depois de um ataque de abelhas, regressei ao quartel no dia seguinte, no final da operação, com o pescoço e cara de tal modo inchados que não conseguia abrir os olhos. Tive que caminhar com a arma em bandoleira no ombro direito e, com a mão esquerda, manter puxada para baixo a pálpebra inferior do olho esquerdo, espreitando por uma fresta.

O terror que as abelhas causavam aos soldados nativos era tal que, mal as pressentiam, fugiam aterrorizados para a frente da coluna aos gritos:

- Baguera!!! Baguera!!!

Continuando a falar de insectos, pergunto: Será que, alguma vez, observaram a “residência” da matacanha?

Todos viram a infecção causada pela matacanha alojada nas unhas dos pés, nas dobras dos dedos dos pés e nas nádegas das crianças (que brincavam sentadas no chão). E todos viram a mestria com que os nativos extraíam a matacanha ou a “maternidade” que ela tinha instalado nos locais acima referidos. Mas onde vive a matacanha fora desses locais do corpo humano?

Observando o chão durante a época seca, vêem-se de onde em onde uns pequenos buracos de meio centímetro de diâmetro na parte superior e que para baixo, com uma profundidade de alguns milímetros, toma forma cónica. Pois é no bico desse cone invertido que a matacanha vive, aguardando as presas, que serão de dimensões mínimas, pois ela tem o tamanho de um milímetro, mais ou menos.

Se agarrarmos uma formiga pequena e a colocarmos dentro do cone, a matacanha agarra-a e sacode-a, demonstrando uma força que não se imaginava possível para o seu tamanho.

Se lhe taparmos o habitáculo com terra, ela sacode os pequenos grãos de terra para cima, para um lado e para o outro, reconstituindo o cone e, se estivermos atentos, notamos o movimento das partículas quando ela se realoja no bico do cone, voltando TUDO ao sossego anterior.

Experiência - identificação da matacanha: Com um pedaço de papel branco, com mais ou menos, dois centímetros de largura, passemo-lo mesmo por baixo do habitáculo de uma matacanha, puxando, depois, cuidadosamente o papel com a terra para cima. Afastando, cuidadosamente, a terra ao longo do pedaço de papel, é possível identificar a matacanha a movimentar-se (desesperada) a céu aberto.

Destas experiências ficou-me uma “dúvida existencial”: não sei como a matacanha sobrevive no chão lodoso durante a época das chuvas.

Continuando a falar de insectos, deixei para o fim um exemplar que todos os que passaram e passam por aquela terras sofreram e sofrem:

– Sª.Exª., o MOSQUITO !

Mesmo aqui, na nossa terra, é melga, teimoso, persistente, chato e perigoso. E tornou-se mais comum devido ao aumento das temperaturas durante o Verão.

Na Guiné, no sul mais a sul, abundava, por vezes, em nuvens. E, como dizia um soldado nos nossos primeiros dias de Guiné:

- Estes gajos não aguentam uma cachaporra, mas mordem p’ra carago!

O mosquito era omnipresente como Deus, pelo menos nas terras do sul mais a sul – estava em todo o lado e ao mesmo tempo. Era impossível fugir-lhes. A quantidade era tal que nem mosquiteiro nem LION BRAND nem repelente nos livravam absolutamente deles.

À noite ou ao anoitecer, em operações militares, principalmente em emboscadas nocturnas, tentava-se evitar as picadas com rede mosquiteira à volta da cabeça, mas a rede não era tão apertada com seria necessário, porque diminuía a visibilidade. Por outro lado, o repelente, colocado na cara, só actuava durante algum tempo e cheirava muito mal para… os repelir. Na manhã seguinte o pessoal regressava com a testa, orelhas e faces cheias de pequenos relevos esbranquiçados e comichosos.

Conheci um capitão miliciano que se “alimentava” de whisky e que dizia que todos os mosquitos que o picassem já não voavam, pois, de imediato, cairiam bêbados no chão.

Do paludismo (ou malária) todos ouvimos já falar, mas só quem o experimentou entende como é aquela noção de “apocalipse”, de fim de mundo, os picos de febre e os tremores, que fazem tremer a cama do doente como se fosse um terramoto.

Muitas histórias se contam de pessoal “apanhado pelo clima” naqueles tempos de guerra, mas a mais surrealista que conheço é de um alferes que, tendo as paredes e o tecto do “quarto” pejadas de mosquitos, cheio de sono e não conseguindo dormir, puxou da G3 e atacou-os às rajadas.

Acabadas estas minudências, muito mais diminuídas por serem acerca desses seres menores chamados insectos, é tempo de regressar.

***************

Não fosse a guerra, as dificuldades de mobilidade que ela provocava e as preocupações que causava (ocupando tempo e mente), para muitos e naquela idade, a descoberta daquela terra teria sido uma vivência extraordinária.

Na Guiné (Planeta “África”) nos fizemos homens como consequência de tudo o que vivemos. Teria sido bem melhor termos “crescido” num ambiente de paz.
Pena foi não terem sobrevivido todos e outros terem regressado afectados no corpo e na alma.

Alberto Branquinho
__________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6944: Contraponto (Alberto Branquinho) (14): Discorrendo sobre a(s) água(s) na Guiné

- Fotos retiradas da internete, com a devida vénia aos seus autores

Guiné 63/74 - P7064: Notas de leitura (152): Memórias e Reflexões, de Juvenal Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Setembro de 2010:

Queridos amigos,
Li Juvenal Cabral com imensa surpresa. As autoridades de Cabo Verde dizem estar a prestar homenagem ao pai daquele que foi o fundador de duas nacionalidades.
Lendo esta colectânea de memórias, ficamos com o quadro do intelectual cabo-verdiano do seu tempo, um “civilizado” que se orgulhava de Cabo Verde e Portugal.

Um abraço do
Mário


Juvenal Cabral, o pai de Amílcar Cabral

Beja Santos

O escritor Juvenal Cabral nasceu em Cabo Verde, foi ainda criança para Portugal, regressou depois à sua terra natal, onde frequentou o Seminário-Liceu de S. Nicolau e aos 22 anos embarcou para a Guiné, onde fez um périplo entre Bolama e Bafatá. Mais tarde, regressou a Cabo Verde onde se revelou muito activo na defesa dos interesses cabo-verdianos. O Instituto da Biblioteca Nacional, de Cabo Verde, editou em 2002 as suas impressivas “Memórias e Reflexões”, inicialmente publicado em 1947, na Cidade da Praia. Falando da Guiné, Juvenal Cabral mostra como procurou servir a nação portuguesa e, diz ele, “transformar em cidadãos prestáveis puros gentios da tribo” e mostrar a sua admiração pelos encantos naturais deste coração da Senegâmbia, recordando até a peregrina formosura de uma adolescente fula. Apresenta-se como um simples recruta entre os escritores que, garbosamente, enfileiram na ala dos profissionais da pena.

São memórias e reflexões onde ele nos fala de Rufina Lopes Cabral, que pertencia a uma família de lavradores da Ribeira do Engenho, na ilha de Santiago. Uma senhora rica e sua madrinha, D. Simoa dos Reis Borges Correia, mandou-a estudar em S. Tiago de Cassurães, perto de Mangualde, tinha ele oito anos. Recorda mestres e amizades feitas no seminário de Viseu. Nostálgico, diz que passou aqui os melhores anos da sua vida. Descreve Viseu como a rainha da Beira. De regresso à ilha de Santiago, vai para o Seminário de S. Nicolau, a experiência corre mal. Em Abril de 1911, segue para a Guiné, com destino a Bolama. Transforma-se num funcionário público, amanuense da Câmara com um ordenado de 15 000 Reis. Aqui esteve 45 dias e depois passou para a Fazenda, colocado como aspirante provisório. Outra experiência que não correu lá muito bem. Seguiu para alfândega. É então que Juvenal Cabral se tornou professor primário. Foi nomeado professor da Escola de Cacine em 1913. Ele escreve: “Cacine, a circunscrição civil ao tempo menos movimentada, não tinha, como nunca teve, fauna escolar apreciável. Dedicando-me, pois, ao ensino da meia dúzia de alunos que compunham a frequência, não deixava de ocupar-me no cultivo de um quintal, cuja produção – mandioca e batata-doce – constituía precioso reforço à minguada verba do meu vencimento oficial. Monótona, aborrecida por vezes, era a vida em Cacine. Se contássemos – administrador, amanuense, telegrafista, chefe do posto aduaneiro, professor, enfermeiro e um comerciante – teríamos concluído o recenseamento da população que, com a reduzida família, habitava as cinco existentes na sede da circunscrição. A presença do Capitão Teixeira Pinto, que ali fora, a fim de meter na ordem uns chefes desobedientes, foi o acontecimento mais notável que se verificou em Cacine, durante a minha permanência ali como funcionário”. Foi depois transferido para Buba, antigo presídio, que ele descreve assim: “O que resta da sua antiga magnificência não é hoje mais do que a carcaça de um velho gigante que, nos primeiros séculos da colonização portuguesa, proporcionou riqueza e renome a todos os obreiros do seu desenvolvimento e grandeza. A nova escola que eu ia dirigir não tinha, mau grado, frequência superior à da que eu acabava de deixar. À excepção de quatro ou cinco civilizados, apenas dois gentios, filhos de régulos, se matricularam. Do facto, nasceu, arreigando-se, a minha convicção de que uma escola entre gentios – excepção feita de Missões devidamente organizadas – somente poderia produzir frutos apreciáveis, se a obrigatoriedade de ensino, assegurada por um meio de severas sanções, fosse uma realidade da Guiné”. Descreve alguns episódios picarescos de dois alunos filhos dos régulos de Forreá e do Corubal. A seguir é colocado na escola de Bambadinca e mais tarde em Bafatá, onde vai nascer Amílcar Cabral. É um capítulo riquíssimo, vale a pena desenvolvê-lo no post seguinte.

Juvenal Cabral, depois desta experiência como professor na Guiné, como se disse, regressa a Cabo Verde. É uma experiência de grande importância, mas o que escreveu e como participou na vida cívica e literária não cabe neste blogue. Leopoldo Amado já tinha chamado a atenção para o vulto cultural que foi Juvenal Cabral, cabo-verdiano fervoroso, que deixou este testemunho, como ele escreveu, a enaltecer a pátria portuguesa.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7058: (De) Caras (3): A emboscada em Malandim e a descontrolada reacção do 1º Cabo Costa, na noite de 3 de Agosto de 1969: Branco assassino, mataste uma mulher (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 27 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7045: Notas de leitura (151): Manual Político do PAIGC (Mário Beja Santos)