sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7063: José Corceiro na CCAÇ 5 (17): Coincidências no dia 3 de Agosto de 1970

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 28 de Setembro de 2010:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.

Tinha este artigo já redigido de forma a poder ser editado, no dia 3 de Agosto de 2010. O objectivo, com a provável edição, era prestar uma singela homenagem aos camaradas envolvidos nos acontecimentos aqui narrados, e concomitantemente recordar a data em que fez 40 anos que ocorreram esses factos. Quero particularizar, que foi o dia 3 de Agosto de 1970, o dia mais trágico que eu vivi no Teatro Operacional de Guerra na Guiné.

Não enviei o artigo para edição, porque não consegui, atempadamente, encontrar no meu espólio da Guiné, uma única foto do Furriel João Purrinhas Martins Cecílio, um dos infortunados homens que infelizmente perdeu a vida no rebentamento da mina anti-carro que deflagrou nesse dia. Visto já ter ultrapassado essa contrariedade, aqui estou eu a endereçar o artigo para publicação, caso entendam que merece.

Um abraço
José Corceiro


José Corceiro na CCAÇ 5 (17)

COINCIDÊNCIAS NO DIA 03 DE AGOSTO DE 1970

São coincidências… ou é o preço a pagar pelo privilégio de se pertencer ao Reino dos Seres Vivos!? É a Vida… e nada acontece fortuitamente, provavelmente muitos o afirmarão! Outros, não sei se mais convincentes ou não, atribuirão o ocorrido ao destino que está marcado, à sina que está escrita, ao acaso, ao inevitável, ou por se estar à hora certa no lugar errado! Pese ainda, que alguns mais assertivos defenderão que é a lei natural da Vida! E dirão: Que tudo se destrói, tudo perece, tudo passa, tudo se transforma, nada se perde!

A Natureza é dinâmica!
A seu tempo todos temos a nossa hora…
O tempo não pára e diz tudo à posteridade! O Tempo dura sempre…!

Há acontecimentos marcantes, muito especiais no quotidiano da Vida de cada um de nós, que em determinados momentos nos levam a cogitar e questionarmo-nos, se realmente na nossa vida nada acontece aleatoriamente? Será que por vezes o ser humano comete o erro de tentar tirar da cabeça aquilo que lhe não sai livremente do coração? Para o ser humano atento, comum mortal, é intuitivo que fé e demonstrações matemáticas são matérias inconciliáveis..! Acreditar nos fenómenos que são possíveis e susceptíveis de análise, é objecto de estudo da Filosofia.

Foto 1 > A alegria esfusiante, do Fur Gonçalves a vibrar com o seu violão improvisado. Da esquerda para a direita a seguir ao Gonçalves: Furs. Adelino, Gil, Laminhas, Borges e Rito.

Foto 2 > A tentar gravar em suporte magnético, melodias do Cancioneiro de Canjadude. A expressão eufórica e incontida, do Alf. Sousa, a braços com a sua inseparável viola. (Ainda hoje, não só em terras Algarvias, onde reside, mas por todo o País e estrangeiro, continua ligado á arte da música e a dar espectáculos). A seguir ao Alf. Sousa, o Cap. Arnaldo Costeira (hoje Coronel na reserva) a entregar uma garrafa ao sempre discreto Fur. Perestrelo, a seguir Alf. Varela e no canto direito sentado o Fur. Vieira da Silva.

Estamos no Aquartelamento da CCAÇ 5, em Canjadude, no dia 1 de Agosto de 1970, Sábado. Logo pela manhã, depois do pequeno-almoço, veio ter comigo o meu estimado amigo 1.º cabo Enfermeiro, Carlos Alberto Leitão Dinis, e perguntou-me se tinha a máquina fotográfica carregada com o filme, e se fazia o favor de durante o dia lhe tirar uma série de fotos. Respondi afirmativamente à questão, sem nunca ter pensado que ele desejasse tantas e tão variadas poses para ser fotografado. Eu, por cautela, estou sempre prevenido com três ou quatro rolos de películas negativas virgens, de reserva, para imprevistos fotográficos. O Dinis é raríssimo tirar uma foto, muito poucos, ou talvez nenhum camarada em Canjadude terá a regalia de ter uma foto dele, que não tenha sido disponibilizada por mim. Acertámos que nos próximos dias, (tirei-lhe fotos nos dias 1 e 2 de Agosto) logo que houvesse disponibilidade, de forma a não interferir com as nossas tarefas de obrigação militar, ficava ao inteiro dispor do amigo Dinis para retratar o que ele achasse conveniente, de forma que tinha ali, praticamente um fotógrafo privado. Ele próprio começou por ir seleccionando os locais mais diversos que serviam de cenários para o enquadramento das fotos, entre os quais: aquartelamento, abrigos, refeitório, matraquilhos, enfermaria, rochas, bolanha, lavadeiras, tabanca, pilar arroz, crianças nativas, pista aérea, picada do Cheche, picada Nova Lamego, ponte do rio de Canjadude, rio, bananeiras, etc.. Mudou 4 ou 5 vezes de vestuário enquanto durou a sessão de fotos, duas vezes com roupa civil mudas diferentes, e 3 com uniforme militar distinto. Ele escolheu diferentes lugares e variadas posições para ser fotografado, e algumas vezes em condições menos propícias para a qualidade da imagem, porque as radiações solares estavam a incidir praticamente na vertical, concentrando grande densidade de raios ultra-violetas que prejudicam as reacções químicas nos negativos quando expostos à luz, ainda que eu utilizasse um filtro UV na objectiva, mas mesmo assim os contrastes e as sombras ficam muito acentuados.

Influa embora, que eu o tenha alertado para este inconveniente, pois nunca gostei de tirar fotos com Sol na vertical, (entre as 11h00 e as 14h00/15h00) que torna as tonalidades menos suaves, mas ele não se preocupou com a minúcia. Até fotos ele virado de costas para a câmara me pediu para lhe tirar. No período de tempo que andei a tirar fotos, nunca nas feições do Dinis se vislumbrou o mais ténue esboço para sorrir, ainda que aparentasse tranquilidade e paz de espírito. Eu em tom de gozo, para criar ambiente e ver se lhe arrancava um suave gracejo que fosse, para tornar o momento mais distenso, reacção que nunca consegui, dizia-lhe mangando que ele devia ter muitas namoradas para enviar fotos para todas, porque estava a obter tantas, tão consecutivamente e com tal pressa. Eu insistia e provocava-o galhofando dizendo-lhe, que era natural que ele não tivesse “pedalada” para todas as miúdas, e que me podia dispensar alguma porque eu andava carenciado. Ele determinado e impassível, algo melancólico, ainda que ostentasse um semblante sereno, embora se adivinhasse nele um pensamento distante, expôs-se para ser fotografado sempre só, sem pretender enquadrar nas fotos, outros camaradas militares, excepto uma vez nas mais de 70 fotografias tiradas durante os dois dias, praticamente gastou-se um filme de negativo de 36 exposições.

Foto 3 > Cabo Carlos Alberto Leitão Dinis

Foto 4 > Única foto que tirei ao Dinis, enquadrado com outros camaradas de Canjadude. Da direita para a esquerda: Cabos, Viriato, José Carlos Freitas (jogador do V. de Guimarães), Montóia (jogador do Leixões, de etnia Cigana, que ainda hoje faz as feiras de Matosinhos), Cóias, Dinis, Dias, não me recordo do nome do camarada que está ligeiramente atrasado entre o Dias e o Dinis, assim como não recordo o nome, do condutor, que tem a G3 na mão. O nosso atrevimento e irresponsabilidade, ao irmos para o rio junto à ponte, como se fôssemos para a praia, só com uma G3.

A máquina utilizada foi uma Olympus Pen FT, que tem a particularidade de duplicar os fotogramas negativos do filme de 35mm, nela usado, uma vez que a superfície do filme que é exposta à luz que sensibiliza os sais de nitrato de prata da película, têm o formato de 18mmX24mm enquanto o formato vulgar é 35mmX24mm. Quando se faz o disparo que abre a cortina da máquina, (o obturador) a superfície do negativo, (o fotograma) que é exposto e sensibilizado pela entrada da luz que passa pela abertura, variável do diafragma, é metade da superfície que é habitual nas tradicionais máquinas de filme de 35mm, esta minudência tem vantagens e desvantagens.

O Capitão Arnaldo Costeira, Comandante da Companhia, está de férias, estando a desempenhar interinamente as suas funções o Alferes Deodato dos Santos Gomes, que é o Alferes mais antigo da CCAÇ 5.

A actividade operacional militar em Canjadude tem sido muito intensa, havendo saídas para o mato ininterruptas, que têm provocado muito desgaste físico nos operacionais, atendendo ao estado de alagamento em que se encontram as Bolanhas que dificultam o caminhar, exigindo um esforço suplementar para se poder progredir.

Vestígios da presença do IN na nossa área não têm sido praticamente detectados, o que para alguns já é gratificante, pois já desde o dia 12 de Setembro de 1969, dentro dum mês e pouco faz um ano, que não tem havido na zona de patrulhamento da CCAÇ 5 nenhuma actividade IN.

Já praticamente há 3 meses que se mantém em rotatividade um pelotão da CCAÇ 5, quase permanentemente, a reforçar a segurança a Nova Lamego. A actividade do IN nos Quartéis das redondezas de Canjadude têm-se manifestado com flagelações aos Aquartelamentos, e nas picadas tem havido alguns rebentamentos de minas anti-carro.

Tenho acompanhado com assiduidade as diversas actividades operacionais para o mato, por toda a nossa área, que é muito abrangente e vasta, pois somos um Destacamento periférico e temos uma superfície territorial de patrulhamento, da nossa responsabilidade, cuja extensão é limitada pela linha do perímetro, cujo raio é quase constante, com 20 ou 25km, com centro em Canjadude. Confinamos a Sul com o rio Corubal, para lá do qual só forças heli-transportadas conseguem penetrar, que é a região de Madina de Boé. Surpreende-me com toda esta persistente operacionalidade nas zonas do Bormeleu, Siai, Cheche, não haver alguns contactos físicos com o IN, mesmo que esporádicos, é estranho esta tranquilidade neste amplo espaço com esta densa mata. É minha convicção, quase certeza, que o IN deve ter arraiais alojados por aqui bem perto, pois por vezes no nosso equipamento de transmissões são captadas mensagens, supostamente do IN, ouvindo-se um só interlocutor com fonia tão audível e sem ruído, que abafa outra qualquer recepção, por vezes mais parece que estão a emitir aqui ao virar da esquina.

Dia 2 de Agosto de 1970, logo de manhã cedo saiu de Canjadude uma coluna para Nova Lamego, com o pelotão do Alferes Alexandre Rodrigues Martins, com o objectivo de ir render o GCOMB do Alferes Anibal Afonso de Sousa, que já quase quinze dias que está a reforçar a segurança de Nova Lamego. É de salientar que os militares nativos destes pelotões que ficam em Nova Lamego revezadamente, têm as suas famílias e mulheres em Canjadude, e nestas circunstâncias, com os maridos ausentes, o respeito por parte das mulheres e dos homens também, fica um pouco distante e ausenta-se, todos estão conscientes disso, pois somos jovens e as gónadas funcionam, produzindo as hormonas que estimulam e desencadeiam desejos impúdicos, e há quem se desforre, fria e “cavalheirescamente”, aproveitando esta oportunidade e situação. Uns abusam por carência ou afirmação e satisfação pessoal, ou porque é uma necessidade natural que se conforta mutuamente. Outros ousam abusar, alternando com o mesmo comportamento do semelhante, para apaziguar a vingança, por terem sido também eles traídos. Além desta insegurança e tensão psicológica, acentua-se o desgaste físico, ao estar em Nova Lamego, mais nas tropas nativas, não só com a intensa actividade operacional, que é diária, mas também porque todos os militares nativos são desarranchados, e é lógico que sem a família e amigos por perto, a alimentação praticada é bem mais desajustada, ainda que alguns se agrupem e a confeccionem.

Foto 5 > Na messe de oficiaus e sargentos. Da esquerda para a direita: Furs. Mário, Antunes, Sarg. Cipriano, Furs. Rito, Silva, Alf. Gomes, Cap. Costeira, Alf. Martins, ?, e Fur. Moreira.

A coluna regressou a Canjadude ao princípio da tarde com o pelotão já substituído e integravam-na mais 3 Furriéis “periquitos”, para render outros 3 “uns felizardos”.

O Alberto Pereira Caetano, veio para render o José Fernando Silva, o João da Silva Alves, para render o Manuel Vieira da Silva e o Augusto Soares de Moura rendeu o Nuno António Pereira Rito. Coincidência, os rendidos vieram para a Guiné no mesmo barco sem se conhecerem, conheceram-se em Canjadude e foram rendidos ao fim de dois anos no mesmo dia, regressando à Metrópole no mesmo transporte. Estou a falar de rendição individual.

Foto 6 > Da direita para a esquerda: Furs. Albino, Caetano e Alves

Foto 7 > Sargentos a descontrair na Parada Augusto Gamboa, morto numa emboscada em Uelingará. Da esquerda para a direita: Furs. Perestrelo, Augusto Moura, de pé, que chegou a Canjadude a 02-08-70 e no dia seguinte teve acidente com uma mina, 1.º Paulino (já faleceu), Furs. Albino, Antunes, Germano Silva (já faleceu), Sargs. Cipriano (já faleceu), Farinha e Fur. Ramos (já faleceu).

Dia 3 de Agosto de 1970, pouco passava das 07h00 quando saiu mais uma coluna de Canjadude para Nova Lamego, embora tivesse havido ontem uma, não deu para compreender o porquê de haver hoje outra?! (Terá sido a “força oculta” para que se concretizasse a coincidência de serem rendidos os três furriéis em simultâneo, porque um deles estava integrado no pelotão que estava em Nova Lamego e era necessário ir resgatá-lo!?) Eu estou de serviço no Posto de Rádio. Os dois rolos de negativos fotográficos que já tinham sido expostos, confiei-os ao Dinis, que acompanha a coluna, pedi-lhe que os entregasse na Casa Caeiro para serem revelados e fazer fotos, assim como o incumbi que levantasse algum trabalho meu de fotografia que estivesse concluído, pois o Sr. Caeiro ou a filha fiam-me a mercadoria entregando-a sem necessidade de pagamento, que eu oportunamente farei contas.

Foto 8 > Cabo Dinis na tabanca de Canjadude, com criança ao colo.

A decisão para definir qual o pelotão que devia integrar a coluna, foi tudo menos pacífica. Por escala ordenada, devia ir o pelotão “X” e apresentaram-se os militares desse grupo prontos para cumprir essa missão, mas já próximo da acção de partida da coluna, tomou-se outra deliberação e foi outro pelotão que se preparou apressadamente para integrar a coluna. Contrário ao que é habitual e sempre desejosos de ir, ao ponto de por vezes não haver lugar para todos os civis da Tabanca, que vão por necessidades pessoais a Nova Lamego, hoje não compareceram como é frequente, para ir na coluna. O Sargento Enfermeiro, Cipriano, nativo, que tem o agregado familiar em Nova Lamego, é assíduo em acompanhar as colunas, hoje desistiu de subir para a viatura na hora da partida. No meio desta confusão toda, o Furriel Antunes, de Transmissões, que por afazeres pessoais precisava ir a Nova Lamego e como tal apresentou-se devidamente preparado e pronto para ir na coluna, eis senão, quando em cima do acto da partida surgiu um imprevisto de última hora, que o levou a desistir da viagem.

Eram sensivelmente 07h45, quando se ouviu uma violeta explosão seca e abafada, na direcção da picada de Nova Lamego. Eu era o operador de serviço de transmissões e estava sentado no exterior do Posto de Rádio, na pedra que estava junto à porta do abrigo, onde era frequente a malta sentar-se. Ao ouvir o estrondo fiquei praticamente com a certeza que tinha sido o rebentamento duma mina anti-carro, pois no dia 12 de Setembro do ano passado, ia a fazer um ano, fui testemunha “in loco” de detonação idêntica. Entro imediatamente no Posto de Rádio e tento no AN-GRC-9 e no AN-PRC-10, entrar em contacto com a coluna, que não responde às minhas insistentes solicitações. Logo de seguida aparece o Furriel Antunes e o Alferes Gomes, que substituía o Capitão Costeira que estava de férias, para saberem o que tinha acontecido. Continuo com os meios disponíveis a tentar contactar a coluna, mas todas as tentativas de comunicação se revelaram infrutíferas. Peço ajuda aos Postos de Rádio de Nova Lamego e Cabuca, (poderiam estar mais próximo da coluna, ou em condições mais favoráveis para transmissões) para tentarem captar mensagem da coluna, pois também eles tinham ouvido o rebentamento, mas todas as tentativas de contacto se tornaram vãs. Dá-se início aos preparativos para que um grupo de combate vá ao encontro da coluna... que não chegou a sair. Ainda não eram 08h30, alguém disse que se estavam a ouvir os motores de viaturas já próximo do Aquartelamento. Passados, um minuto ou dois, surgem duas viaturas da coluna, transportando uma, 9 feridos, alguns dos quais com muitíssima gravidade, e dois mortos, entre os quais o 1.º Cabo Enfermeiro, Carlos Alberto Leitão Dinis, que ainda não tinha 4 meses de Guiné e o Furriel Atirador, João Purrinhas Martins Cecílio, colocado em Canjadude em 28 de Maio de 1970 depois de ter regressado ao Teatro Operacional da Guiné, para completar a comissão de serviço, após uma ausência operacional, motivada por uma evacuação devido a doença contraída na CCAÇ 2464, Companhia da qual fez parte e que foi mobilizada para a Guiné, em Fevereiro de 1969. Deixou 4 filhos órfãos, ainda crianças.

Foto 9 > Esta foto foi-me amavelmente cedida pelo nosso tertuliano António Nobre, tirada na CCAÇ 2464, onde o Fur. Cecílio iniciou a comissão na Guiné até ser evacuado por doença. Só no regresso da evacuação se apresentou na CCAÇ 5. Da esquerda para a direita: Padeiro(?), Furs. António Nobre, João Purrinhas Martins Cecílio (já falecido), Moura (já falecido) e Peixoto.

Foto 10 > Cabo Dinis junto ao filão das rochas de Canjadude.

Foto 11 > Confaternização no abrigo de transmissões. Chegada do Carlos Augusto dos Santos Pereira, que veste camuflado. Da esquerda para a direita: Fur. Antunes, Cabos, Alex, Pereira, José Carlos Freitas, Cóias e Lúcio.

Foto 12 > Da esquerda para a direita: Cabos TRMS Silva, Pereira e Lúcio.

A viatura que accionou a mina, em Uelingará, foi a viatura de transmissões, ficando a parte da frente toda destruída, assim como os aparelhos de comunicação. O AN-GRC-9 libertou-se das amarras e foi projectado a dezenas de metros, assim como as baterias que ficaram todas desfeitas, foi essa a razão porque não se pôde comunicar com a coluna. Por norma a viatura de transmissões ocupa quase sempre a terceira posição, a contar da frente, o mesmo acontece quando se leva ou recupera pessoal das operações do mato. Neste dia, vá lá o diabo saber porquê, a viatura ia em segundo lugar e accionou a mina. Atendendo ao estado em que a viatura ficou, parte da frente toda inutilizada e às projecções de corpos provocadas pelo impulso do rebentamento, foi um autêntico milagre não ter havido mais mortos e feridos. O Furriel Cecílio, que tinha dois meses de CCAÇ 5, foi um dos mortos e ocupava o lugar na viatura ao lado do condutor, tendo a mina rebentado no rodado direito da frente, ou seja por baixo da posição por ele ocupada. Sempre que ia, esse lugar era destinado ao Furriel de Transmissões, Antunes, mas neste dia, que precisava de ir a Nova Lamego e só não foi, como era seu desejo, devido a imprevisto de última hora.

Estranha coincidência, foi também a rapidez, nem meia hora tinha passado após a chegada das viaturas com os acidentados, quando chegou o “Homem Grande” da Tabanca de Uelingará, a apresentar os pêsames das mortes havidas ao Alferes Gomes! Como foi tão célere a vir, a caminhar com o peso da idade, 8 a 9km de distância e tinha já conhecimento do acontecido, quando a Tabanca de Uelingará não ficava junto à picada onde se deu a tragédia?!

Foto 13 > Viatura acidentada na mina no dia 03-08-70.

Foto 14 > Corceiro junto da viatura acidentada.

Um dos feridos graves, com múltiplos traumatismos, alguns cranianos, é o 1.º Cabo de Transmissões Carlos Augusto Santos Pereira, com mês e meio de Guiné; outro ferido, é o Furriel Augusto Soares de Moura, com poucos dias de Guiné, que não tem ainda vinte e quatro horas de permanência em Canjadude, pois chegou ontem na parte de tarde para render o Furriel Nuno António Pereira Rito, que por coincidência também este sofreu traumas provocados pelo rebentamento duma mina, no dia 12 de Setembro de 1969, onde eu estava presente, na mesma localidade de Uelingará, terra que se está a transformar em lugar fatídico para a CCAÇ 5, pois também neste sítio perderam a vida numa emboscada à coluna onde seguiam, dois militares, em 14 de Dezembro de 1967, o Alferes Augusto Manuel Casimiro Gamboa (no sítio onde pereceu está o nome e data da morte do Gamboa, gravado em sulcado, no tronco de uma árvore, desconheço o autor, assim como está também gravado, noutro tronco, na parada que tem o seu nome, em Canjadude) e o 1.º Cabo (salvo erro o nome é) José Ferreira Alves.

Os feridos foram evacuados. Comoveu-me intensamente toda a tragédia deste fatídico dia, mas particularmente a morte do Dinis, assim como o estado politraumático, do Carlos Augusto dos Santos Pereira, de Transmissões, que estava bem consciente da gravidade do seu estado, com ferimentos diversos. Nunca mais soube como foi o evoluir da sua saúde e o percurso da sua vida. O Augusto Moura, que foi um dos acidentados evacuados, além dos traumatismos somáticos, tem sintomatologia de trauma psíquico, pois está com amnésia parcial, não expressa no diálogo memória recente. Esteve cerca de seis meses em tratamento para recuperar e normalizar o conhecimento e a memória dos factos que aconteceram neste dia. Durante cinco meses, circulou entre Bissau para consultas e tratamentos médicos e Canjadude. Acabou por ser evacuado para a Metrópole passados quase seis meses após o acidente. Foi operado no HMP em Fevereiro de 71 e permaneceu na Metrópole durante nove meses, em consultas e tratamentos médicos. Acabou por regressar à Guiné e foi colocado em Bolama a dar Instrução Militar. Por coincidência, também o Furriel Nuno Rito, que o Augusto Moura rendeu, perdeu a memória que nunca mais recuperou, relativa aos acontecimentos do dia em que rebentou a mina na viatura na qual ele esteve envolvido. Quer um quer o outro ficaram com sequelas permanentes para toda a sua vida devido aos ferimentos e aos efeitos no organismo provocados pelo impacto do rebentamento que projectou a massa dos seus corpos, provocando uma acção de compressão e descompressão que afectou alguns órgãos do seu corpo. O Rito, sobretudo, ficou com graves problemas ao nível da coluna vertebral, que se têm agravado progressivamente, temendo ele que possa acabar o resto dos seus dias numa cadeira de rodas. Quer o Rito quer o Moura, felizmente, tiveram um percurso profissional razoável, consonante com a relatividade das suas aspirações e aceitaram resignados os desígnios da vida imposta, com menos qualidade, fruto das mazelas provocadas por acontecimentos que não lhe são imputáveis, sem nunca se terem interessado por esboçar a mais leve tentativa de accionar processo para pedir ao Estado Português uma pensão monetária compensatória, que os ajudasse a dar mais qualidade e conforto à vida quotidiana, de forma a ajudar a suavizar as máculas físicas adquiridas no teatro operacional de guerra, para o qual foram chamados e obrigados a ir, ainda que em defesa da Nação como é corrente dizer-se. Conformados. Pacientes, contentaram-se com a sorte que a vida lhes reservou e estruturaram a felicidade e o seu “modus vivendi” à sua maneira.

Foto 16 > Cabo Dinis a caminhar no destacamento de Canjadude.

Foto 18 > Cabos Carlos Augusto Perreira, com cerveja na mão e João Monteiro, junto da entrada para o refeitório em Canjadude.

Havia que tratar os feridos e homenagear os mortos. Foi elaborada uma escala de forma a garantir continuamente a presença de militares junto dos defuntos. Todos em sinal de respeito, admiração, estima e dor, vestimos farda limpa e própria para estar na enfermaria a velar os nossos estimados camaradas que nos deixaram.

Eu estou de serviço das 18h00 às 22h00 no posto de rádio, e foi-me atribuído o horário de presença na enfermaria, junto dos defuntos, entre as 17h00 e 18h00 e as 22h00 e 23h00. Às 17h00, quando entro na enfermaria, vi logo, em cima duma pequena mesa junto a algumas embalagens de medicamentos, o embrulhinho com os dois rolos de negativos fotográficos que eu tinha confiado ao Dinis para entregar na casa Caeiro, rolos que eu julgava já perdidos. Ainda bem que o não foram, para a imagem do Dinis ficar connosco. Presumo que o Dinis ao preparar a sacola de enfermagem com os diversos utensílios e medicamentos para seguirem na coluna, por distracção se esqueceu e deixou ali os rolos, que assim voltaram à minha posse e mandei revelar. Às 22h00 saio de serviço do posto de Rádio e dirigi-me para a Enfermaria, para mais uma vez homenagear com a minha presença e fazer a minha despedida dos camaradas falecidos.

Cheguei à Enfermaria havia breves segundos, pois ainda não eram 22h05. Precipitadamente desencadeia-se pavorosa flagelação, que mais pareceu que nos apanhou a todos de surpresa, pois já tínhamos neste dia a nossa dose de suplício. Impulsionados pela necessidade de protecção, todos os que estavam na Enfermaria, cuja estrutura física era frágil, de paredes de adobe e cobertura de placa zincada e exposta ao fogo IN, saímos apressadamente cada qual em sua direcção para encontrar meio para defesa e local de abrigo. A flagelação manteve cerca de 20 a 25 minutos, sempre a ribombar com detonações de morteiro, RPG 2; 7 e Kalashnikov, abrandando progressivamente quando o nosso morteiro 81mm, localizado na Tabanca, lado Nascente, Sul, iniciou os disparos, pois a posição deste espaldão era privilegiada para se poder ver a localização donde partia o fogo do IN. Este estava entrincheirado no filão das rochas e nos troncos de árvores existentes, devido à acção de desflorestação circundante ao Destacamento, lado nascente. Veja-se por favor o Poste - P6822.

O inimigo, ao flagelar Canjadude, estava posicionado um pouco distante do arame farpado, e, ou por falta de habilidade, colocação, ou visão, os seus disparos não provocaram a menor mossa física, não houve ferimentos humanos nem danos materiais de espécie alguma.

Dia 4, logo de manhã saiu um GCOMB para patrulhamento e reconhecimento, à zona envolvente donde tinha partido o ataque, eu estive presente. Havia vestígios de sangue em diversos locais, sendo expressiva a quantidade em dois pontos distintos. Foram deixadas no terreno algumas munições e quatro carregadores de arma ligeira, mas material pouco significativo.

Dia 5 de Agosto de 1970, logo de manhã cedo, saímos para uma operação comandada pelo Alferes Anibal de Sousa, cujo objectivo era seguir os trilhos utilizados na debandada do IN após a flagelação. Estive integrado nessa operação. Os cursos de água têm um generoso caudal, todos eles, as Bolanhas estão todas alagadas, assim como as picadas, o que dificulta muito a actividade operacional no mato, somos obrigados a caminhar dentro de água muito tempo, com as consequências nefastas que isso acarreta. Grosso modo, o IN utilizou na chegada e na retirada o trilho que liga Canjadude a Ganguiró, local onde foram detectados um emaranhado serpenteado de trilhos, presumindo-se que criados propositadamente com a finalidade de nos confundir, para não podermos utilizar uma só pista identificadora, do rumo em que o IN prosseguiu.

Optou-se por um trilho que pareceu ser o mais consistente, que nos conduziu para a zona do Siai, local onde o trilho começou a ser labiríntico, um autêntico enrolado de quebra-cabeças. A morfologia do terreno, no Siai, apresentava relevo muito irregular e de difícil acesso, pelo que a progressão nestas condições e seguindo o sentido do trilho, oferecia muita perigosidade, permitindo ao IN emboscar-nos. Optou-se por abandonar o trilho e patrulhar a área adjacente. Não foram detectados vestígios de presença humana. Será provável que o IN utilize o local do Siai para fazer a cambança do Corubal e desenvolver a sua actividade de guerrilha no sector Sul da região de Nova Lamego. Regressamos a Canjadude dia 6, com agravantes dificuldades na progressão, devido aos terrenos estarem todos encharcados, nos quais a progressão exige muito esforço físico, provocando muito cansaço corporal, e complica a detecção dos trilhos de penetração do IN.

Nos factos do dia 3 de Agosto, houve muitas coincidências que para mim é natural que sucedessem.

Os acontecimentos do fatídico dia 3 de Agosto, (era previsível que algo adviesse, aniversário da revolta no cais de Bissau, Pidjiquiti, era uma data comemorativa para o IN e como tal queriam marcar território, eu pelo menos estava um pouco receoso, e outros mais experientes mais previdentes estariam,) deram azo a muita especulação, como de resto é hábito com tudo o que não queremos que aconteça, há sempre profetas da desgraça a apontar o dedo e a culpa não quer morrer nunca solteira! Houve vozes veladas que tiveram o atrevimento de afirmar que no Aquartelamento alguém tinha conhecimento que a mina existia e que a flagelação ia acontecer. Conhecimento é uma coisa, intuição é outra. Ora, estes boatos geraram uma certa instabilidade e desconfiança entre os militares. Também houve vozes, na altura, de mentes férteis e imaginativas, que afirmavam que em Uelingará pairava a maldição dum espírito vingador, cujo feitiço punidor, só amainava e se purificava quando dizimasse todos os metropolitanos de Canjadude. Outras vozes ainda mais fecundas, afirmavam convictamente que bastava analisar os nomes e sobrenomes dos envolvidos nas tragédias de Uelingará para se concluir qual seria a próxima vítima a tombar, porque o supliciado escolhido, obedecia a uma sequência ordenada por nomes e sobrenomes emparelhados, que se iria repetir. “Mais parecia que havia candidato para destronar as profecias de Nostradamus”.

Em tempos materializou-se uma operação militar, ao alvorecer, à Tabanca de Uelingará, onde todas as habitações foram viradas do avesso, mas nada foi encontrado. No dia 17 e 18 de Agosto, realizou-se a operação “Grão Torcato” que cercou a Tabanca de Tumbum Sincho, onde foram detidos dois elementos da população, que geraram suspeitas, nada mais foi detectado, eu não integrei esta acção.

Não sei a história que terá chegado à metrópole, sobre o que ocorreu em Canjadude neste profético e maldito dia 3 de Agosto de 1970, porém, um amigo de infância, dum dos desditosos falecidos neste dia (o Dinis), que é membro do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, logo que se apercebeu que eu fui da CCAÇ. 5, e por acaso contemporâneo com os factos, apressou-se a pedir-me informações sobre o caso, porque lhe tinham contado uma história macabra e absurda sobre os acontecimentos desse dia, que eu imediatamente os contradisse, porque estavam desfasados de toda e qualquer realidade do que efectivamente tinha sucedido.

Coincidências da Vida, dirão alguns! O destino, o acaso, o inevitável, o que tem que ocorrer tem muita força, o que é passível de acontecer, acontece mais cedo ou mais tarde, todos têm a sua hora certa, Deus tarda mas não falha, afirmarão outros…!

A Vida é muito breve e é tão delicada e complexa que por vezes poderá até dar-se a coincidência, que ao estarmos a prevenirmo-nos da morte, podermos estar a caminhar para deixar a Vida…! A Vida é um prodígio assaz efémero na existência de cada um de nós, que temporalmente nada mais representa, que o milésimo dos milésimos do período de tempo, (a caminhar para o infinito) que é o tão pouco tempo que nos sobra da morte! Mesmo antes de sermos Vida, (gâmeta) já participámos em renhida e desenfreada competição para alcançar uma meta, que foi disputada por milhões e milhões de concorrentes, para um só ser o premiado, que recebeu o troféu que lhe outorgou a conquista do direito à Vida. Com todo o mérito, cada um de nós pode bem alto Gritar: - EU FUI O VENCEDOR ELEITO, SELECCIONADO ENTRE MUITOS MILHÕES E GANHEI O DIREITO A SER VIDA…! Mas por vezes, valerá a pena o GRITO, se a Vida é tão Efémera …?!

SÓ SÃO COINCIDÊNCIAS QUANDO NÃO HÁ MANIPULAÇÃO HUMANA

Um abraço e boa saúde para todos.
José Corceiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7037: Recortes de imprensa (30): A guerra do José Corceiro, CCAÇ 5, Canjadude, 1969/71 (Correio da Manhã)

Vd. último poste da série de 27 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6901: José Corceiro na CCAÇ 5 (16): O depoimento do Armando Oliveira Alves, ex-Alf Mil, Brá, Cheche, Canjadude, 1967/69 (José Corceiro)

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7062: In Memoriam (55): António Domingos Rodrigues (1947-2010), natural de Torres Novas, ex-1º Cabo Trms Inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969 / Março de 1971)

Vivia em Torres Novas. Era um homem bom, afável e prestável.  Discreto.  Durante anos tinha trabalhado como empregado de armazém. Reformara-se ainda há pouco tempo. Gozava, aparentemente, de boa saúde.

Foi 1º Cabo Trms Inf da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Fomos para a Guiné juntos, em Maio de 1969, no Niassa: éramos uma família, meia centena de quadros e especialistas. Estivemos a maior do  tempo, juntos,  em Bambadinca, depois de quase dois meses a dar a instrução de especialialidade aos nossos soldados do recrutamento local.  Regressámos em Março de 1971.


Foto (acima): O António em Castro Daire, em 2009. Foto de L.G. 


Estive com ele pelo menos em três ou quatro encontros da malta de Bambadinca desse tempo: em Lisboa, na Casa do Alentejo (2007), em Castro Daire (2009) e mais recentemente em Óbidos (2010). Já confirmei com o Humberto Reis, o António não esteve connosco, no 1º convívio, em 1994, em Fão, Esposende. De qualquer modo esteve em muitos convívios mais do que eu...


O António organizara, na sua terra (ou ajudara a organizar, juntamente com o Mourão Mendes, da CCS/BCAÇ 2852), o convívio de 2008 do pessoal de Bambadinca (1968/71): CCS/BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades adidas (Pel Caç Nat, Pel Rec Daimler)... Não estive presente. 


O António costumava falar lá em casa, sobretudo na vésperas dos convívios anuais, do seu tempo de Guiné. Homem de transmissões, tendo como chefe o Fur Mil Trms José Fernando Almeida (que vive hoje perto de Óbidos),  era amigo, entre outros, do ex-1º Cabo Enf Fernando Sousa (que organizou o convívio de 2006, na Trofa, e que já me mandou as duas fotos da praxe para completar o processo de entrada na Tabanca Grande, o que ainda não aconteceu por falta minha).

Ontem o António fazia anos: 63... Sentiu-se mal e deixou-nos... Assim de repente. Morte súbita. Uma ataque fulminante. Falência cardíaca. De nada lhe valeram os socorros imediatamente prestados no local. É daquelas mortes que nos deixam sem palavras. Assim, sem mais nem menos, sem um homem se poder despedir daqueles que ama. 

Recebi a dolorosa notícia, ao princípio da tarde,  através do camarada António Fernando Marques (ex-Fur Mil, da CCAÇ 12, meu parceiro da mina A/C que pisámos, em 13 de Janeiro de 1971, na estrada Nhabijões-Bambadinca). 


O António deixa uma viúva,  Rosalinda, e um filho, Pedro. Estão destroçados. Acabei de falar com o Pedro.

O  Pedro Rodrigues está contactável pelo telemóvel 919528023 (o telemóvel do pai). O funeral é no sábado, às 9h30 (a confirmar). Há também o telefone fixo, que está disponível na lista do pessoal de Bambadinca.

O corpo segue para o cemitério da freguesia de Casais da Igreja, a 15 km da sede do concelho. O nosso infortunado camarada era natural de Outeiro Pequeno. 


 O José Fernando Almeida acaba de mo confirmar, em mail recebido por volta das 10h da noite: "Falei com a sobrinha do Rodrigues, informou-me que o funeral  se realiza dia 2 de Outubro,  às 9.30 H . Sai da Igreja do Carmo (Casa Mortuária ). Fica junto à Escola da Polícia, em Torres Novas. Segue para o Cemitério de Casais de Igreja, que é uma Freguesia de Torres Novas".


A nossa família de Bambadinca fica também mais pobre. Mas o nome do António não será esquecido: pelo que ele fez por nós, e pela sua presença, discreta mas sempre agradável,  em muitos convívios, pela co-organização do convívio de 2008, na sua terra, ele merece repousar, também, à sombra do poilão da  nossa Tabanca Grande, juntando-se aos seis camadaras que da lei da morte já se libertaram...

Um abraço solidário para o Pedro e sua mãe, para a restante família e  amigos, em especial os de Bambadinca e da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, incluindo os seus camaradas de transmissões. Um abraço de toda a tabanca Grande, em meu nome, Luís Graça,  e demais editores. (*)


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Nota de L.G.:


(*) Último poste da série > 16 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6995: In Memoriam (54): O meu amigo António Santos partiu (José Martins)

Guiné 63/74 - P7061: Efemérides (52): A independência da Guiné-Bissau comemorada em Angola (Paulo Salgado)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado* (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 27 de Setembro de 2010:

Luís Graça, Carlos Vinhal
Uma forma de testemunhar uma data, de lembrar que estamos no futuro…

O músico é o Justino Delgado.

Saudação bloguista,
Paulo Salgado



Comemoração da independência da Guiné-Bissau em Angola

Que significado tem comemorar a independência da Guiné-Bissau em Angola, juntamente com guineenses, aqui, na capital deste imenso país, no célebre Chá de Caxinde, onde funcionou o antigo teatro nacional, bem no centro de Luanda. E que é, desde há duas décadas, o local de tertúlias – chá de caxinde a planta que permite o chá com o mesmo nome, que, além das suas propriedades relaxantes, simboliza em Angola, a beberagem consumida de Cabinda ao Cunene – a sabedoria?

Este escriba, bloguista intermitente, embora atento; viajante por África, mas não muito. Amante de bolanhas que charcámos (perdoai-me este neologismo – mas quem ler o Mia Couto, moçambicano, ou o Guimarães Rosa, brasileiro, ou nosso Aquilino – todos eles fazedores e inventores de palavras fica encantado… não me venham os puristas dizer que a língua se adultera – ela se enriquece, se revigora por entre os sorrisos brancos dos nossos “irmãos” africanos e brasileiros – é talvez a língua do mundo que mais se presta a ser ternamente amante… qual francês ou inglês!?!); amante de matas desminadas, calcorreador das terras da Guiné ao longo de muitos anos, ali, no Chá de Caxinde (de que são sócios também o nosso actor Rui de Carvalho e até o sempre omnipresente Marcelo Rebelo de Sousa, além do “produtor” de livros, o brasileiro, Paulo Coelho) ali estivemos.

Pois é: conversar com o Dr. Brandão Có, ex-ministro da Saúde da Guiné-Bissau, que andou numa correria debaixo de bala, entre o Ministério da Saúde e o Hospital Simão Mendes a coser braços e pernas no conflito de 1997/1998 (agora é alto funcionário da UNICEF e que tem no seu currículo uma estada no Afeganistão), e sua Mulher, Leandra, e outros confraternizantes, comer a galinha à “cafriela”, ou caldo de mancarra, ou chabéu… ouvindo o Justino Delgado… é algo que muito mexe connosco.

Perdoai-me, caros bloguistas, mas tinha que vos dar conta desta alegria.

A minha mulher, companheira apaixonada de longa data destas andanças por África, em especial pela Guiné, puxou-me e vai de dar um pé de dança.

Que vivam os Povos independentes! Que saibamos todos, mesmo nas múltiplas adversidades, que sentimos, aqui, na Guiné, em Portugal, escolher o melhor caminho para que angolanos, portugueses, guineenses, cabo-verdianos, são-tomenses, moçambicanos, timorenses e brasileiros se irmanem na língua que nos une, em clima de paz e de democracia.



Mantenhas.
Paulo Salgado
24 de Setembro de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7000: O blogue em números (7): Homenagem à terra onde aprendemos a ser solidários (Paulo Salgado)

Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7009: Efemérides (51): 17 de Setembro, Dia das Transmissões (José Martins)

Guiné 63/74 - P7060: Tabanca Grande (246): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil Av, BA12 (Guiné, 1972/73)

1. Mensagem de Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pilav, BA12 (Guiné, 1972/73), com data de 26 de Setembro de 2010:

Caros Luís Graça, Carlos Vinhal
e todos os outros

Finalmente e depois de ter recebido um honroso convite para participar neste blogue, que visito algumas vezes por semana, me apresento ao mesmo.

(i) Em 24 Junho (dia de S. João no Porto), mas no ano de 1970, já lá vão 40 anos, apresentou-se este mancebo, pouco mais que 18 verdes anos, na base da Ota onde fui incorporado.

(ii) Antes,  2 ou 3 semanas, tinha sido submetido a todo o tipo de exames e provas para acesso ao curso de pilotagem, só faltava que nos virassem do avesso.

(iii) Nesse período, a ansiedade era muita, pois todos os dias entravam e saíam candidatos, uns contentes e outros desiludidos. A taxa de reprovações era enorme. Portanto no dia 23 recebi a guia de marcha para a Ota, com o almejado APTO na mesma.

(v) Depois da apresentação na Base, deram-me licença até Outubro, onde o P2/70 começava a recruta. No primeiro dia da mesma espetaram-nos nos canais de agua e esgotos da Base, no meio de tiros com balas de borracha, para que nos manter o mais próximo dos fedores. Lá chegámos ao fim e prestámos o juramento de bandeira.

(vi) Depois, e após um pequeno período de licença, fui colocado em S. Jacinto onde iniciei o curso tendo acabado o mesmo em fins de Outubro de 1971 com a classificação de 14,14 valores.

(vii) No primeiro voo em T6, estive para desistir, imaginem!,  por causa do capacete... A cada instrutor (Sarg Aj Carvalho, o meu) calhou 3 alunos e só havia 1 capacete para todos. Acontece que me era extremamente apertado e durante esse voo, no meio da praxe habitual da acrobacia e manobras descoordenadas, só dizia mal da minha vida e no que me tinha metido. Felizmente passou.

(viii) Terminámos o curso 12 alunos: Vinhas, Abel, Teixeira, Gaioso, Chitas, Caldeira Pinto, Fialho, Geirinhas, Barreira, Corredeira, Vítor e Moutinho (eu). O Caldeira Pinto e o Vítor já faleceram de acidentes de avião.

(ix) De 8 de Novembro de 1971 a 6 de Abril de 1972 fiz a adaptação ao DO e fiz operacional em T6, na BA3.

Dezembro de 1971 > Foto de família de fim de Curso, com o Cap Cóias

(x) De 6 de Abril de 1972 a 28 de Dezembro de 1973 estive na BA12, e executei 497 missões em T6 e DO.
Bem, uma boa vintena delas foi em lazer para a praia de Bubaque.

(xi) No regresso à Metrópole, fui colocado na BA7 onde fiz o curso de instrutor em T6 de 5 de Janeiro a 27 de Março de 1974, tendo dado instrução até fins de Julho de 1975.

(xii) Nessa altura, com autorização da torre, fiz um tonneau a rapar a pista, o que não agradou a alguns superiores, alegando que dei mau exemplo aos alunos. Fui recambiado para Sintra, onde andei a pastar na fotografia aérea e em pleno PREC a fazer serviços de dia.

(xiii) Após algum tempo, ao abrigo de um qualquer artigo do RDM, pedi transferência para a unidade mais próxima da residência (BA7), e aparecendo lá, já estão a ver a surpresa dos "meus amigos".

(xiv)  Novamente em Sintra, não demorou muito a pedir a antecipação do fim do contrato. Saí a 8 de Abril de 1976.

Um T6 em Cufar

Uma vista de Bissau a partir de um T6

Parelha de T6

De DO armado com foguetes, a sobrevoar Porto Gole(?)

Cufar > Em alerta com a Enf.ª Pára-quedista Giselda Antunes


Tenho muitas boas recordações de todas estas ocasiões, que são de longe superiores às menos boas, principalmente as pessoas. Voltaria a fazer o mesmo percurso.

Acabei por fazer um historial da minha passagem pela FAP.

Até breve
Um abraço a todos
Gil Moutinho

Gondomar > Tabanca dos Melros > 3.º Convívio > 13 de Fevereiro de 2010 > O Gil Moutinho, à direita, recebendo das mãos do Coutinho e Lima um exemplar do seu livro A retirada de Guileje: a verdade dos factos, exempltar que será destinado ao "futuro museu da Tabanca dos Melros, os ECUS".


2. Comentário de CV:

Caro Gil Moutinho, bem-vindo. Resolveste em boa hora aderir à nossa Tabanca Grande, sendo tu próprio o anfitrião da famosa Tabanca dos Melros* que se reúne regularmente em Gondomar, no Choupal dos Melros, localizado em Fânzeres, Gondomar, espaço que puseste à disposição dos camaradas que aí se reunem desde Dezembro de 2009.

Não te pedimos aquela colaboração que gostaríamos que tivesses no nosso Blogue, pois sabemos que tens uma vida muito preenchida. Fica no entanto o convite para, de longe a longe, se tiveres algum tempo para nos dedicares, escrevas as tuas experiências enquanto piloto que sobrevoou o espaço da Guiné ao serviço da FAP.

Recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores.

O teu camarada
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6203: Blogues da nossa blogosfera (35): Tabanca dos Melros, com sede no Choupal dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, aberta a todos os ECUS, ex-combatentes do ultramar...

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7051: Tabanca Grande (245): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)

Guiné 63/74 - P7059: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (21): Um abraço de paz na Mata dos Madeiros

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 26 de Setembro de 2010:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história sobre as minhas andanças na Mata dos Madeiros. É uma história simples como todas as outras, mas que que traz ao de cima uma grande verdade: na nossa guerra, para os crentes, a paz espititual era o dom mais apreciado.

Para ti e para todos os nossos camaradas, do outro lado do oceano, um grande abraço amigo.
José Câmara


Memórias e histórias minhas (21)

Um abraço de paz na Mata dos Madeiros

Conforme a nova estrada avançava, também aumentava a nossa ansiedade. O acampamento era cada vez mais visível ao longe. A zona de picagem e o espaço que percorríamos a descoberto eram cada vez maiores. Foi neste cenário que, mais uma vez, o Comandante da Companhia, Cap. Rogério Alves, se deslocou a Teixeira Pinto para uma reunião com os comandos do CAOP 1, na altura comandado pelo Cor. Ferreira do Amaral. Essas reuniões deixavam-nos sempre apreensivos, pois sabíamos que elas, de uma maneira geral, traziam mais trabalho e mais perigos para nós. Esta reunião, tinha ainda a particularidade de acontecer numa altura em que já corriam fortes rumores que, em breve, iríamos deixar a Mata dos Madeiros e seguir para os destacamentos de Teixeira Pinto.

Contrariamente às nossas esperanças, não houve qualquer palavra em relação à nossa saída da Mata dos Madeiros. Em contra-partida, tal como nas reuniões anteriores, esta veio trazer-nos uma certeza: estávamos para continuar naquele buraco!

Recebemos ordem para levantar o acampamento e avançarmos cerca de três quilómetros, em direcção ao Cacheu. A ordem foi executada a 7 de Maio de 1971, precisamente um mês depois de chegarmos à Mata dos Madeiros. O novo acampamento, também no lado esquerdo de quem sobe em direcção ao Cacheu, era em tudo semelhante ao primeiro. Em matéria de defesa, houve, de facto, uma grande diferença. Foi construído um espaldar para um morteiro 120 que haveria de chegar uns dias depois. Para grande contentamento do Fur Mil Armas Pesadas Manuel Lopes Daniel, dos lados de A-dos-Cunhados, que, assim, deixava de alinhar na mata. Esta arma era essencial à defesa do acampamento. Até então, o apoio de armamento pesado vinha dos obuses do Bachile, que agora distava cerca de treze quilómetros do acampamento.


Sobre este assunto, escrevi à minha madrinha de guerra o seguinte:

Mata dos Madeiros, 6 de Maio de 1971
"Então vamos à vida por cá, por estes sítios. Amanhã vamos mudar de acampamento, mas é para perto daqui, pois fica a cerca de 3kms. O sítio nem é melhor ou pior que este. Além disso, vamos ter mais e melhor armamento, que deve chegar dentro em breve.
No aspecto da guerra, os turras continuam sem dar sinal de vida, o que é bastante bom para nós.
Quanto a descanso, já tenho autorização do Comandante da Companhia para levar a minha Secção a Teixeira Pinto, na minha noite de descanso, o que para estes sítios é quase como um Menino Jesus. Iremos à tarde e regressaremos no outro dia de manhã.
Quanto a sair daqui, só no início das chuvas."


O nosso serviço de lavandaria tinha ao seu dispor as mais modernas máquinas de lavar roupa. Aqui, José Câmara tirando partido máximo de uma dessas dessa preciosidades

Montar o segundo acampamento em tempo útil não foi tarefa fácil, até porque não se conseguiu aproveitar nada do primeiro. O pessoal já estava sobrecarregado com as patrulhas de vinte e quatro horas, a picagem da estrada e a defesa próxima das máquinas, pelo que o trabalho teria que ser executado por um grupo de combate, que se revezava todos os dias. Este grupo também tinha a seu cargo, os postos de sentinela diurnos, as escoltas diárias ao Bachile e muitas vezes a Teixeira Pinto, o arranjo da lenha para a cozinha etc. A tarefa era humanamente quase impossível. A solução foi desviar uma Secção para ajudar na construção dos abrigos. Mesmo assim, valeu-nos a grande capacidade de trabalho e disciplina dos nossos soldados. Eles compreendiam que do seu esforço dependia toda a nossa segurança e algum conforto. Nesse aspecto, a sua luta foi indómita e o seu suor que empapou aquele pó, jamais se evaporará. A estrada lá está! Fala por eles e por todos os outros que também deram o melhor do seu esforço na Mata dos Madeiros.

Obra muito importante, como não podia deixar de ser, foi a construção da capelinha que serviria de guarida ao nosso Sagrado Coração de Maria. A obra, digna de qualquer arquitecto que se preze, tinha que estar pronta para a Procissão das Velas que iríamos realizar em plena Mata dos Madeiros. De acordo com o Cap Mil Rogério Alves, a sugestão para se fazer a procissão partiu do Comandante do CAOP 1, o Cor. Amaral, que nos honrou com a sua presença na noite do dia 12 e no dia 13 de Maio.

Fazer uma Procissão de Velas entre as míticas matas da Caboiana e do Balenguerez não era, certamente, do ponto de vista militar o mais indicado. Nós os graduados andávamos apreensivos. Muitos de nós deixamos saber as nossas reservas ao nosso Comandante. Para mais, quando poucos dias antes tinha havido uma escaramuça entre os turras e os Comandos. A verdade é que o Capitão não se podia refutar à sugestão do Comandante do CAOP e o evento de fé foi por diante.

Não constituíria surpresa para quem conhecesse o povo açoriano, ver os nossos soldados no seu Trio Preparatório que incluía reflexão e reza do terço. A minha Secção não fugiu à regra. Quando na mata, usávamos sinais, pois a reza era feita em silêncio e acontecia antes de emboscarmos para a noite. Até que chegou a grande noite!

O Santuário do Sagrado Coração de Maria era uma obra prima da arquitectura contemporânea, só possível pela imaginação dos engenheiros da CCaç 3327

Ainda com alguma claridade solar, a procissão partiu do Santuário (guarida feita em folha de palmeira onde tínhamos o altar com a nossa imagem). Aos poucos, os soldados foram acendendo as velas, rezando o terço e entoando o hino de Nossa Senhora de Fátima. Quando a procissão passou junto do posto de sentinela do canto direito, ao fundo do acampamento, foi engrossada com os dois GCOMB que regressaram do mato para participarem na procissão. Assim, ficámos sem protecção afastada no mato. O Comandante da Companhia, ao aperceber-se dessa manobra não autorizada, não se zangou mas mandou apagar as velas de imediato e a procissão, para todos os efeitos, terminou ali.

Seguiu-se a missa! Nossa Senhora nos valeria naquela noite. Incrivelmente, o Comandante do CAOP não deu pelo regresso dos grupos, e se o fez não se deu por achado.


Foi assim que me referi sobre este assunto, numa carta que ainda escrevi depois da missa.

Mata dos Madeiros, 12 de Maio de 1971
" Continuando, não posso deixar de referir a excelente jornada de hoje. Inclusive, fomos honrados com a visita do comandante cá da zona. Tivemos a nossa Procissão de Velas à volta do acampamento, que culminou com uma missa. Tudo teve um sabor especial por vários motivos. Nem todos os dias podemos aspirar a isso; é verdade que não deixou de haver o espírito de guerra, uma vez que levávamos uma vela numa mão, mas na outra levávamos a arma. Enfim, no mato da Guiné, apesar de tudo, levantamos bem alto a nossa fé.
Para todos nós e em especial para mim, foi o afirmar de uma fé que não julgava possuir com tanta dignidade."


Hoje, ao olhar para trás e para o que esse dia representa na história da CCaç 3327, continuo a sentir o mesmo orgulho de então, por ter participado no evento cristão mais bonito que ainda vivi. Na noite do dia 12 de Maio de 1971, a lua cheia e sorridente, que pairava sobre a Mata dos Madeiros, foi testemunha silenciosa de um abraço de paz entre a guerra e a fé cristã.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6938: Blogoterapia (158): Um brinde à Tabanca (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6684: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (20): Liderança e voluntariado de mãos dadas na Mata dos Madeiros

Guiné 63/74 - P7058: (De) Caras (3): A emboscada em Malandim e a descontrolada reacção do 1º Cabo Costa, na noite de 3 de Agosto de 1969: Branco assassino, mataste uma mulher (Beja Santos)


Guiné Sector L1 > Bambadinca > Pel Caç Nat 52 (1968/70) > Destacamento (!) da Ponte do Rio Udunduma, na estrada Bambadinca- Xime. Natal de 1969. Destacamento, é favor: uns bidões de areia, umas valas, umas chapas ... como tecto. Este rio era uma fluente do grande Geba... Do pelotão fazia parte o 1º Cabo Benjamin Lopes da Costa, natural de Cabo Verde, ou de ascendência caboverdiana (LG).


Foto : © Beja Santos (2007) / Blogue Luís Graça . Direitos reservados.


1. Os dramas de consciência de camaradas nossos como o Luís Borrega ou o Simões (*), foram vividos (e partilhados ou não)  por muitos de nós.  Outros, como A. Marques Lopes e o Mário Beja Santos também passaram pela terrível experiência, no TO da Guiné,  de ter de disparar e matar... de caras. Os seus relatos são peças antológicas: se um dia se fizer uma antologia, em livro, do melhor do nosso blogue, eles deverão figurar lá... Eles foram pioneiros no nosso blogue, no sentido de terem sido provavelmente os primeiros, de todos nós, que vieram dizer, em público: "Eu estive na guerra e sei que matei, vi a cara dos homens ou das mulheres que as minhas balas mataram"... Com um misto de pudor, culpa, piedade, compaixão, humanidade, frontalidade, sem lamechice mas também sem fanfarronice... Tirando os casos patológicos, ninguém por prazer...  De qualquer modo, quem disse que aquela guerra era de baixa intensidade e que o Inimigo não tinha rosto ? De um lado e de outro, houve seguramente vítimas inocentes, pessoal não combatente, mulheres, crianças e idosos, que  estavam no sítio errado à horra errada. Pode não nos servir de consolo pensar que é assim, tem sido assim, em todas as guerras.

Hoje publicamos um excerto do poste P1978 (**).


2. A emboscada em Malandim e a descontrolada reacção do 1º Cabo Costa
por Mário Beja Santos [, foto à esquerda, emk Missirá, entre autoridades tradicionais do Cuor]:


(....) E portanto a 3 de Agosto [de 1969] vamos emboscar em Malandim, vamos mostrar a quem se abastece em Mero e Santa Helena que não estamos impassíveis ao descaro. Trabalhou-se até cerca das 5 da tarde, escolhi um grupo de quinze homens, cuidadosamente, com o auxílio do Benjamim Costa e do Domingos Silva expliquei como íamos actuar: ficaríamos em linha numa clareira, muito perto do mato denso que vem da destilaria de aguardente abandonada da fazenda de Malandim; ficaria no meio rodeado do Tcherno e de Mamadu Djau; ninguém dispararia a não ser à minha ordem, e a haver uma retirada viríamos pelo trilho até Finete, deixando os sentinelas de sobreaviso quanto a essa emergência. (...)

Estamos devidamente posicionados quando a repentina noite tropical caíu sobre nós. Aqui e ali ainda se ouve um cantil que vai à boca, um mastigar de comida, um pedaço de cola que ajuda a passar o tempo e quebra a secura. Penso mais no dia de amanhã que no de hoje, amanhã quero levar as folhas dos vencimentos a Bambadica, procurar trazer arroz, encomendar comida para a nossa messe em Missirá, ver se já chegaram alguns cunhetes para suprir as munições desaparecidas na noite de 15 de Julho.

(...)  A 5 de  Agosto vou escrever à Cristina:

"Não podes imaginar a dor com que te escrevo, estou chocado e não sei conter a amargura que me trespassa a alma. Tens que me ouvir. Montei uma emboscada na noite de 3 perto de Finete, onde estive até ontem. Aguardávamos com ânimo elevado a borrasca dos céus e o desfiar das horas, até alta madrugada. Eu estava estirado na pequena picada que conduz às ruínas da fazenda de Malandim. Silêncio sem o piar das aves até que, passava das 7, não estávamos ali há mais de uma hora, oiço o brado do Mamadu Camará que passa como um chicote pelas minhas costas: alto, alto já! rodopio, há um vulto que avança para mim, é um manto que me parece esverdeado que vacila diante de mim, não sei se vem armado, crivo-o de balas, oiço um suspiro breve, é como se uma massa mole que me cai nos braços.

"Estala o pânico, ouvem-se passos em fuga, é naturalmente o grupo que se reabastecera em Mero que parte em fuga. Acometido por uma violenta histeria, o cabo Costa pragueja e insulta-me: matou uma mulher, és um branco assassino. Uns procuram dominar o dementado, outros querem caçar os fugitivos, é uma desordem geral com a berraria do cabo Costa que continuava a vociferar e a insultar-me.

"Coisa curiosa, estou sereno, ordeno a retirada para Finete, aqui peço ao Bacari para ir buscar o corpo e os despojos, informo que vamos todos seguir para Bambadinca, sei e sinto que é necessário cortar pela raiz este sinal de insubordinação. Os quilómetros enlameados que levo até Bambadinca dão para pensar no que devo ao Benjamim Lopes da Costa (**), seguramente o mais culto dos meus cabos, sempre prestável, militar aprumado a quem reconheço a qualidade da solicitude e o valor da lealdade. Mas não se pode passar uma esponja sobre o que aconteceu". (...)

(...) Teor da punição dada ao 1º Cabo Benjamim da Costa Lopes, do Pel Caç Nat 52, pelo Cmdt do BCAÇ 2852, Ten Cor Jovelino Pamplona Corte Real:


"Puno com a pena de 8 (oito) dias de prisão disciplinar, o 1º Cabo nº 82535864 - BENJAMIM LOPES DA COSTA, do Pel Caç Nat 52, por no passado dia 03 de Agosto cerca das 19H00, no decurso de emboscada na estrada FINETE-MALANDIN, perante uma atitude legítima do seu Comandante de Pelotão, dirigiu-se-lhe em tom e termos denotando falta de respeito, seguindo-se-lhe uma crise de nervos e de choro, facto este que inibiu ser adoptada uma medida de perseguição imediata a um grupo IN que se revelara, sobre o qual momentos antes o Comandante do Pelotão tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos.


"Não é mais rigorosamente punido atendendo-se ao seu bom nível operacionmal bem c0mo uma razoável capacidade de colaboração já demonstrada em outras ocasiões, além das desculpas que pouco depois apresentou, alegando o seu temperamento nervoso e emotiona


"Infringiu o dever nº 2 do artº 4º do R.D.M." (...)

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Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série > 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7056: (De) Caras (2): Em 6 de Novembro de 1971 abati um chefe de bigrupo do PAIGC, sei o seu nome, e o seu rosto persegue-me até à morte (Luís Borrega)

(**) Vd.poste de 20 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!
Vd. também Mário Beja Santos - Diário da Guiné: 1968-1969: Na terra dos Soncó.  Lisboa: Círculo de Leitores / Temas e Debates, 2008, pp. 342 e ss.

Guiné 63/74 - P7057: (Ex)citações (98): Ninguém ama a sua Pátria por ser grande / Mas sim por ser sua! (António Botto / José Martins)

1. Comentário de José Martins [,ex-Fur MIl Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, foto à direita,] ao poste P7021 (*)


Caro Juvenal

Parecido, mas só parecido, junto um de António Botto, e sem desprimor para o poeta, apenas «pode» completar o teu:

Ó Pátria mil vezes santa,
-Meu Portugal, minha terra,
Onde vivo e onde nasci!

Na tua História me perco, 

e nela tudo aprendi.

Mesmo que fosses pequena
E eu te visse pobre e nua, 

- Ninguém ama a sua Pátria por ser grande,
Mas sim por ser sua!



António Botto (1897-1959) 

In
As Canções de António Botto, 18ª ed. Lisboa: Presença. 1999, p.111.


(Fixação / revisão de texto / título: L.G.)


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Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 

21 de Setembro de 2010 > 
Guiné 63/74 - P7021: Blogoterapia (158): A Nossa Pátria (Juvenal Amado)