terça-feira, 1 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8976: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (26): Missão à Índia (I parte) (Maria Arminda)

A nossa camarada Maria Arminda Santos* (ex-Ten Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970) enviou-nos, utilizando a preciosa colaboração do nosso camarada Miguel Pessoa, um trabalho que podemos considerar histórico. Trata-se do relato de uma missão das nossas Enfermeiras Pára-quedistas, nos idos anos de 1961, à Índia Portuguesa, no exacto momento em que aquele território sob administração de Portugal estava a ser invadido pela União Indiana.
Pode dizer-se que estávamos a viver o princípio do fim do império.

É um notável documento que a partir de hoje fica a fazer parte do espólio deste Blogue.


MISSÃO À ÍNDIA (1)

Por Maria Arminda

Foi no dia 18 de Dezembro de 1961 que a Índia foi invadida pelas tropas da União Indiana no governo do seu primeiro-ministro, o Pandita Nehru, como à data se dizia.

Hoje vou recuar no tempo e relembrar porque tal facto fez parte da minha vivência cheia de emoções, que não se apagaram da minha memória.

Prestava serviço em Angola, Luanda, como enfermeira pára-quedista, onde tinha sido colocada; tinha ali chegado a 12 de Outubro de 1961 na companhia das minhas colegas, Maria da Nazaré e Maria Zulmira - já falecidas - chegando a Maria de Lourdes, também apelidada de Lurdinhas, pelo seu aspecto físico mais franzino, cerca de duas semanas depois.

Terá sido entre os dias 14 e 16 de Dezembro que nos soou que se encontrava de prevenção uma Companhia de Pára-quedistas para a hipótese de ser necessário enviá-la para o Estado da Índia Portuguesa; havia notícias de uma possível invasão daquele território por parte dos indianos, que estavam a concentrar as suas tropas nas nossas fronteiras. A 2.ª Companhia, comandada à época, pelo Cap. Pára-quedista Heitor Almendra, a que estava destinada essa missão, partiria por via aérea até à Beira, através do canal de Moçambique, por ser geograficamente mais próximo desse nosso território e haver habitualmente uma ligação entre Goa e Moçambique assegurada pelos TAIP (Transportes Aéreos da Índia Portuguesa).

Dissemos que se fosse necessário também nos oferecíamos para ir; tínhamos a consciência de que por certo não poderíamos ir todas, dado o trabalho a desenvolver em Luanda. Trabalhávamos nos postos de socorros das Companhias, íamos em missões de vacinação às tropas estacionadas na Base Aérea do Negage e outros locais, dávamos apoio ao bloco operatório do Hospital Militar e na Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea, onde também eram tratadas as famílias dos militares e pessoal civil. Acresce ainda que assegurávamos o acompanhamento de feridos e doentes, nas denominadas “Evacuações Aéreas” entre Luanda e Lisboa.

Nessa manhã tratámos da esposa do Senhor Cor. Magro, que a acompanhava, e com quem desabafámos sobre a hipótese da nossa ida à Índia, ao que o mesmo respondeu com ar de troça: “Falam assim mas sabem que não vão, porque se tivessem que ir, se calhar não quereriam”. É claro que estava a brincar connosco pois, além de conhecer o nosso empenho, era acima de tudo nosso amigo. A conversa ficou por ali e combinou-se que à noite, eles viriam a nossa casa, para fazermos o tratamento à senhora.

O dia passou-se tranquilamente e não mais se ouviu falar da saída dos Páras, nem do seu embarque. Após o jantar, a Nazaré e eu fomos chamadas à 2.ª Companhia (sediada em Belo Horizonte), a mesma que estava de prevenção, onde alguns militares apresentavam sintomas de paludismo.

Um avião DC-6 da Força Aérea estava a essa hora prestes a partir para Lisboa, com passageiros sem feridos ou doentes, pelo que nenhuma de nós previa viajar nesse voo. Acontece que um rádio chegado pouco tempo antes ao Comando da Região Aérea, tinha entretanto dado instruções para embarcarmos com urgência nesse transporte a Nazaré e eu, ficando atrasada a hora de saída do DC-6 até ao nosso embarque.

 DC-6
Foto retirada da página Pássaro de Ferro Crónicas da Aviação, com a devida vénia

O Capitão Pára-quedista Jerónimo Gonçalves dirigiu-se a nossa casa e tendo encontrado a Zulmira e a Lurdinhas, disse-lhes que “tínhamos que embarcar imediatamente no avião que aguardava a nossa chegada para partir” e informou-as de que “iríamos para a Índia”. Como ainda não tínhamos chegado o oficial saiu ao nosso encontro, enquanto as duas preparavam as nossas bagagens com algumas peças de roupa, umas a mais e outras a menos.

Daí a pouco chegámos nós nas calmas, muito longe de imaginar o que se estava a passar; ao vermos a Zulmira, excitadíssima, gritar-nos do alto da janela da pensão da dona Maximina, onde habitávamos, “despachem-se e subam depressa que têm que ir para a Índia”. Começámos a rir, pensando que elas nos estavam a pregar uma partida. Perante as malas de viagem prontas e as palavras do oficial é que ficámos convencidas e, tal como estávamos vestidas, despedimo-nos apressadamente sem tempo sequer para ver as roupas que nos tinham emalado, para um clima que não conhecíamos.

Na saída deparámo-nos com o senhor Coronel Magro, que vinha com a esposa levar a injecção; vendo todo aquele aparato e a nossa pressa interpelou-nos, acabando por saber naquele momento o nosso destino.

Escusado será dizer que o senhor ficou perplexo, visto ser um dos Comandantes da Região Aérea, mas como o rádio tinha chegado fora do horário normal, não tinha dele conhecimento. Despediu-se de nós, desejando-nos que a missão decorresse bem e ainda brincou acerca da conversa que tínhamos tido de manhã.

A pressa foi tanta que, chegadas à placa, entregámos as malas ao oficial responsável pela carga de embarque de passageiros e muito lestas nos vimos dentro do avião, sem que o restante pessoal se apercebesse. Foi o Capitão Jerónimo Gonçalves quem comunicou ao Senhor General Resende que já estávamos a bordo, a aguardar pelos restantes passageiros; O Gen. Resende era o responsável máximo da Força Aérea em Angola e possivelmente teria recebido a comunicação directa de Lisboa, tendo-se deslocado propositadamente ao aeroporto, para se despedir de nós. Pedimos desculpa pelo lapso e despedimo-nos do Senhor General, com certa estranheza, dado o insólito da situação.

No decurso da viagem para Lisboa comentámos entre nós, que não levávamos nenhum dinheiro nem roupa quente. Íamos com um vestido leve e de manga curta, dado que naquela data em Angola era verão e na metrópole inverno. Depois de quase vinte horas de viagem, com escalas em S. Tomé e na Guiné, chegámos ao aeroporto da Portela cerca das dezassete horas, com um dia gélido, de apenas quatro graus, segundo nos disseram.

Esperavam-nos o Senhor Coronel Kaúlza de Arriaga, Secretário de Estado da Aeronáutica e esposa a Senhora Dona Maria do Carmo Arriaga. Acompanhavam-no o seu Chefe de Gabinete, Tenente-coronel Troni e um dos oficiais às ordens, o Alferes Francisco Pinto Balsemão; o outro era o Alferes Francisco Vanzeller, que nós também já conhecíamos.

Pensávamos que teríamos tempo de arranjar alguma roupa mais apropriada, mas enganámo-nos. Fomos de imediato com o alferes Balsemão à Embaixada do Paquistão, para tratar do passaporte e do visto, sendo entretanto informadas de que iríamos para Carachi.

Um funcionário da Embaixada pediu-me mesmo se eu não me importava de levar uma encomenda com um relógio de pulso, um presente para a mulher - que se encontrava na parte oriental do Paquistão - a quem eu podia enviar a encomenda directamente do aeroporto de Carachi. Aceitei fazer esse favor ao senhor e fiquei com a encomenda.

Terminadas estas formalidades o alferes levou-nos de seguida para o local onde íamos jantar e entregou-me um envelope com dólares, para as nossas despesas, com a recomendação de que não levássemos nada que nos pudesse identificar como militares e que estivéssemos de novo no aeroporto às vinte e uma horas, para seguirmos viagem a bordo de um avião da TAP (um Super Constellation).

Após essas diligências dirigimo-nos ao Lar das Enfermeiras do Hospital de Santa Maria, onde tínhamos trabalhado, e de onde tínhamos saído poucos meses antes. Ali jantámos, revemos colegas, arranjámos roupa adequada para a época e aproveitámos para telefonar à família, sem lhes darmos conta do porquê da nossa vinda e do destino seguinte. Inventámos para todos, que tínhamos vindo trazer doentes, mas por sermos poucas e haver necessidade de voltar, partiríamos de novo após o jantar, não dando tempo para uma visita.

A minha família vivia em Setúbal mas, morando a da Nazaré na capital, mesmo assim ela não os foi visitar, tal “o secretismo”.

Todos acreditaram, mas umas amigas mais próximas fizeram questão de nos levar ao aeroporto e aí se despedirem. Esperava-nos o Tenente-coronel Troni, que ao ver as acompanhantes disse “que já não embarcávamos, mas que tínhamos que ir com ele”. Não percebemos na altura essa mudança brusca de procedimento. Afinal fomos para ali ao lado, ao aeroporto militar de Figo Maduro. Foi a maneira das nossas amigas regressaram sem nós, não tendo desconfiado de nada.

Fomos então informadas do conteúdo da missão. Íamos para o Paquistão Ocidental para a cidade de Carachi, onde já se encontravam há alguns dias as nossas colegas, a Maria do Céu e a Maria Ivone, que estavam muito cansadas; nós íamos revezá-las no seu trabalho, como reforço, no acompanhamento de mulheres e crianças, famílias de militares a prestar serviço nesse território, que estavam a ser retiradas, de Goa, através da ponte aérea assegurada pelos TAIP e posteriormente evacuadas para Lisboa pelos aviões da TAP. Estavam nessa missão o chefe da mesma, um representante do nosso Ministério do Ultramar, o Dr. Espinheira, o Major médico da Força Aérea, Dr. Fernandes Tender e o senhor Rodrigues, Relações Públicas da TAP.

O Aeródromo Base n.º1 de Figo Maduro, estava em silêncio e pouco iluminado, o que estranhámos; o avião da TAP mantinha-se ali, imobilizado, parecendo que esperava por algo para ser posto em marcha e rolar para a pista. Pouco depois apareceu o Chefe do Estado Maior da Força Aérea, General Mira Delgado, que nos veio desejar boa viagem; ficámos um pouco curiosas e apreensivas perante tanta despedida e votos para que tudo corresse pelo melhor.

Colocaram-nos na zona da 1.ª classe do avião, comunicando-nos que qualquer pergunta do pessoal de bordo sobre a nossa presença deveria ser remetida para o piloto, Comandante Magro (que viemos a saber posteriormente ser irmão do Coronel que estava em Luanda). Fomos informadas de que só sairíamos, definitivamente, em Carachi.

Passado pouco tempo sentaram-se atrás de nós cinco ou seis homens trajando à civil; soubemos mais tarde tratar-se de oficiais e sargentos do nosso Exército, da Arma de Engenharia, enviados à pressa nessa missão.

Ouvimos o ruído de um carro, que pude divisar da janela do avião, um carro grande, com capota de lona vi encostar ao avião, não tendo conseguido detectar mais pormenores. Passado pouco tempo arrancámos para a placa do estacionamento do aeroporto, para a entrada do pessoal de cabine, duas hospedeiras e um comissário de bordo que, penso eu, só nesse momento souberam para onde iam voar, porque nos perguntaram pelos bilhetes; respondi-lhes que perguntassem ao Comandante o avião.

Por volta das onze da noite locais descolámos rumo ao nosso destino. Nessa altura, disse à Nazaré: “Com todo este aparato, achas que nos vai acontecer alguma coisa? Uma das hospedeiras deu-nos cobertores para nos taparmos e dois banquinhos para descanso das pernas, pois a viagem ia ser longa e nós, poucas horas antes, tínhamos chegado dum local bem distante. Dormimos tranquilamente algum tempo, até porque estávamos muito cansadas e havia que recuperar forças para o que viesse.

Recordo-me que quando acordei para não mais dormir até à chegada no outro dia já de noite, talvez por volta das vinte horas locais, ter sobrevoado as costas da Itália, Grécia, Turquia, as Ilhas de Rodes e Chipre, até fazermos a primeira paragem no Líbano, na cidade de Beirute, onde almoçámos e o avião foi reabastecido.

Toda aquela vista aérea me encantou, pois foi feita com condições atmosféricas favoráveis e o Mar Mediterrâneo por baixo de nós, de tons de verde e azul, fascinou-me. A aproximação ao Líbano mostrava-nos uma cidade que me parecia ser linda. Não deu na ida para a apreciarmos, mas na vinda pudemos visitá-la. Ao sairmos para o restaurante reparámos então no avião seguiam umas dezenas de rapazes, que tinham em comum peças de vestuário iguais: nuns, eram as camisas, noutros as gravatas, ou sapatos e até as meias. Não nos foi difícil de adivinhar que se tratava de militares.

A vida é um misto de acasos e emoções. Aconteceu que na nossa mesa se sentou, entre outros, um jovem que na minha frente me olhava, parecendo rebuscar na sua memória a minha fisionomia, para chegar à conclusão de onde me conhecia. Porém, eu com a minha memória de elefante, que afirmam que tenho, reconheci-o de imediato. Comíamos em silêncio, quando o rapaz mete conversa e me diz conhecer-me, embora não se lembre donde. Sorri nessa altura e perguntei-lhe se não tinha uma cicatriz, por cima do ombro direito, respondendo-me afirmativamente, muito espantado. De repente, exclama “Senhora enfermeira Lopes Pereira, o que faz aqui no meio de nós?” ao que lhe respondi, que ia no mesmo passeio turístico que ele.

Ficou espantado e de repente começou a falar do que os jornais tinham noticiado sobre as primeiras mulheres Pára-quedistas e eu pedi-lhe que se calasse. Tinha estado internado no meu serviço no Hospital de Santa Maria, meses antes de ir para a tropa e por esse facto, estava muito presente na minha memória.

Despedi-me dele em Carachi; continuou viagem para Goa, ficou prisioneiro e nunca mais o vi. Prestes a chegarmos ao Paquistão o Comandante mandou avisar-me que possivelmente teria que seguir directamente para Goa e assim sendo, não nos deixava em Carachi. Eu como mais antiga, era a interlocutora, respondendo que as ordens que recebera eram para ficar ali e não noutro lado.

Não sabíamos o que se estava a passar mas o Comandante, via rádio, sabia que o assalto ao aeroporto podia estar eminente. A invasão já tinha começado e o avião dos TAIP, que deveria estar em Carachi, para fazer o transporte do material de guerra e os militares para Goa, que connosco tinham viajado, não tinha conseguido sair, pelo que o nosso avião fez uma paragem técnica. O pessoal saiu para comer e voltar para continuar a viagem. Nós ficámos em Carachi e, talvez por volta da meia-noite, soubemos que o aeroporto em Goa tinha sido bombardeado; desconhecíamos o que acontecera ao avião e a todos os que iam a bordo, incluindo a tripulação.

Na viagem até Carachi fomos muito bem tratadas pelo pessoal de cabine, de cujos nomes tenho pena de não me recordar. O comissário de bordo, ao conversar connosco, contou-nos que era casado e que esperava ser pai do primeiro filho, pois a mulher estava grávida de seis meses. Quando se soube que o bombardeamento tinha sido no desembarque em Goa, as palavras do comissário não me saíam do pensamento, embora estivesse preocupada com todos os que iam naquele avião, com menos sorte que nós.

(Continua)

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Nota de Miguel Pessoa:

Pouco antes da invasão indiana do Estado Português da Índia, os TAIP foram utilizados para a evacuação de civis de Goa para Karachi. No dia da invasão 18 de Dezembro de 1961) encontrava-se no Aeroporto de Dabolim apenas um DC-4 dos TAIP que escapou, juntamente com um avião da TAP, ao bombardeamento que sofreu aquela instalação. Nessa noite a pista foi reparada permitindo aos dois aviões levantar voo para Karachi de onde seguiram para Lisboa. Acabou aí a operação dos TAIP.

Avião dos TAIP
Foto retirada da página Camabatela e Magia do nosso camarada Albino Silva, com a devida vénia

No dia 19 de Dezembro de 1961, Nehru rompe o não ao belicismo e envia forças armadas para o ataque aos três territórios: Goa, Damão e Diu. Estavam a caminho das eleições, e o seu partido esquerdista, estava atrás nas sondagens. Do lado de Portugal, Salazar queria jogar o papel de vítima, numa batalha perdida há muito. Às potências internacionais era-lhes interessante poder apontar o dedo moral a uma Índia não alinhada nas jogadas intercontinentais. Aviões bombardeiros E.E. Camberra arrasam a pista e danificam o DC-4 dos TAIP e o Superconstellation da TAP ali estacionados. Incrivelmente ambos os aviões conseguiram descolar enquanto os indianos permaneciam convencidos de terem interditado o aeroporto e de terem capturado por preempção de fuga as aeronaves. O Superconstellation (CS-TLA, “Vasco da Gama”,) da TAP, comandado por Manuel Correia Reis, copilotos Anselmo Ribeiro e Alcídio Nascimento, navegador P. Reis, mecânicos A. Coragem e H. Dias, radiotelegrafista A. Pereira, comissário Madeira e assistentes Prazeres e Carlota, descolou para Karachi usando apenas os 700 metros de pista disponível. Três horas depois aterrava com um pneu furado e 25 buracos, consequência dos estilhaços provocados pelo bombardeamento da aviação indiana à pista.

Aeroporto de Goa
Foto retirada da página Restos de Colecção, com a devida vénia

O Comandante Solano de Almeida pilotou o último voo efectivo dos TAIP, de Goa também para Karachi, capital do Paquistão na altura, em voo rasante ao solo para evitar a aviação inimiga, transportando as mulheres e crianças familiares dos militares portugueses.

De salientar que o ataque a Dabolim não teve justificação militar visto Portugal não ter ali um único meio aéreo que não fosse civil. A guerra saldou-se com 34 mortos e 57 feridos em combate para Portugal, 30 mortos e 57 feridos para a Índia. Uma infantaria de pouco mais de 3000 efectivos lutou durante dois dias contra uma força 10 vezes maior, e que dispunha de 22 caças e 20 bombardeiros como meios aéreos.

No geral, a recusa dos militares em seguir a política de “terra queimada” imposta por Salazar, e lutar até à morte de todo o nosso contingente militar, fez com que se evitasse derramamento de sangue inútil e que a retirada de Portugal fosse para sempre vista como uma tragédia irresponsável e cruel.

A maior parte as potências ocidentais condenou o ataque Indiano, tanto por terem um passado colonialista, como por aproveitamento de minar a política de não-alinhamento de Nehru. O partido deste ganhou de facto as eleições, mas manchou a sua imagem, imaculada até então, de pacifista.

(Texto e fotos retirados da Internete, conforme links apresentados)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8504: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (24): Saltar ou não saltar de pára-quedas... hoje, só se fosse para salvar uma vida (Maria Arminda / Aura Teles)

Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8770: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (25): A essas Mulheres o nosso reconhecimento e o nosso bem hajam (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P8975: Blogpoesia (165): As listas negras de Portugal (J.L. Mendes Gomes)

1. Mensagem, de hoje, do nosso Palmeirim de Catió, o J. L. Mendes Gomes:


Caro Luís

A propósito do muito digno e simples monumento aos Combatentes do Moledo da Lourinhã, achei por bem enviar para publicação, se o entenderes, um texto que escrevi, depois de visitar pela 1ª vez o nosso monumento "michuruco" de homenagem aos mortos do Ultramar...Depois disso, puseram lá uns ligeiros adornos, mas continuo a sentir muita raiva por tamanha e gritante ingratidão dos nossos mandantes.

Um grande abraço
Joaquim Mendes Gomes


AS LISTAS NEGRAS DE PORTUGAL

Há tantas listas
Neste mundo!…
Listas brancas,
Listas negras…e sem matiz…
Uma só, d'infeliz lembrança,
Já faltava
Ao meu País…


A lista da lotaria.
Sempre branca,
Como a morte,
Em cada folha,
Até ao fundo,
P'ròs avessos da boa sorte.
É a esmagadora maioria!…
Mui risonha,
As mais das vezes,
Para quem,
Sem sofrer,
E sem merecer
Já reina
Em meio mundo…

A lista, negra, do desemprego:
De quem:
- Um dia, nasceu, pobre,
É honesto
E sem padrinho…
- Pecou,
Uma vez só,
Desamparado
E sem perdão…
- Muito vale,
Com muita força,
À sua custa
Mas,
Faz sombra, grossa,
A quem,
Por desgraça,
Tudo pode!…

A lista de espera dos hospitais.
Como é longa e dolorosa,
Esta lista!
Só de velhos,
Desamparados,
Sem fortuna
Ou pé de meia…
Na cidade, cega,
Esquecida vila.
Ou
Remota aldeia.
Que triste sina!…

A lista das portas da Justiça.
São tantos, aos milhares
Os amigos da violência,
Da maldade
E do alheio!…
São de mais!…
Mas,
Não chegam os Juízes,
Há tanta desordem e desleixo.
Nos nossos tribunais…
Com sede de justiça,
Já morreram as testemunhas…
Tantas noites sem dormir,
Já esqueceram suas queixas!…
Que infelizes!…

A Lista dos Dependentes
Muito tenros,
Inocentes,
Crescidos, sózinhos, ao relento.
São famintos da justiça
Do pão da vida
Que lhe juraram,
Ao nascer…
Na asfixia torturante
De amor fraterno,
Que lhe negam
Os egoístas e os poderosos,
Vagueiam, à deriva,
Como farrapos,
Nas encostas e nas valetas
Dos casais ventosos
Espalhados,
Por toda a parte…

A Lista Gloriosa dos alienados
São aos milhões,
Que tristeza!…
De todas as camadas sociais:
Com cultura, sem cultura,
Que medonha caldeirada!…
Há presidentes e doutores,
Serralheiros e lavradores,
Fiscalistas, banqueiros,
Padrecos e professores!…
Nas bancadas de tineira,
Nas tardes loucas de Domingo
Do futebol.
Que engorda do vil metal
As bilheteiras…
E a carteira
Dos figurões e dos senhores,
Amantizados
Com a indústria… da política!
A razão triste,
Única e verdadeira!…


Mas,
Neste cortejo deletério,
De tantas listas e outras mais,
Só faltava uma,
Ao meu País:
Venham vê-la!…
Junto à Torre de Belém,
Que é o testemunho merecido
Aos heróis das Descobertas…
Nas paredes nuas e escondidas
Dum fortim pobre …
Que ali havia,
Escreveram, há poucos dias,
Uma lista, longa,
Envergonhada,
De muitos nomes, secos,
Por ordem alfabética!…
Que tristeza!…
Que miséria!…
Parece a lista dum cemitério!…
Vejam só!…Ó filhos de Portugal!…
País de glória, à beira-mar…
Com aquilo…
Quiseram os grandes e insanos,
Honrar,
P'ra todo mundo,
Na Capital e no Império,
Todo o sangue e o suor…
Dos nossos gloriosos
Combatentes do Ultramar!?…
Saibam todos.
Nós,
Os da Lista
Dos nomes que, só, por sorte,
Lá, não estão…
Espalhados por todo o mundo,
De cabeça bem erguida,
E, com coragem,
Gritamos,
Uma vez mais:
Vomitamos…
Não aceitaremos, nunca,
A vergonha daquela homenagem!!!…

Almada, 14 de Junho do ano 2000
11h e 24m
Joaquim Luís Mendes Gomes
(Combatente do Ultramar)

________________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8974: Parabéns a você (331): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8954: Parabéns a você (330): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Luís Marcelino, ex-Cap Mil, CMDT da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8973: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (6): Fotos enviadas a Cherno Abdulai Baldé - Chico de Fajonquito (1)



Integrada na série "Fajonquito do meu tempo" do nosso camarada José Cortes (ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74), apresentamos uma troca de correspondência entre este nosso camarada e um dos seus meninos da Guiné, o nosso tertuliano Cherno Baldé (Engenheiro) actualmente a exercer funções de Director do Gabinete de Estudos e Planeamento no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações da Guiné-Bissau.



1. Mensagem de José Cortes endereçada a Cherno Baldé no passado dia 19 de Outubro:

Caro Cherno,
É com bastante prazer que mantenho este contacto contigo, e tenho muito gosto em te fazer recordar os teus tempos de menino.
Vou tentar esclarecer as dúvidas que me pões com respeito às fotografias.

Slide nº 3 - Pois é mesmo o Magalhães Condutor. Não sei o que é feito dele, nunca apareceu aos encontros.
Slide nº 4 - Eu sabia que ias gostar de ver o Dias nessa foto, é a única que tenho com ele.
O Araújo, é mesmo o que tu pensas, também era Condutor. Nunca apareceu aos encontros, porque faleceu antes de 1999, ano em que nos começamos a encontrar.
Slide nº 5 - O Torres, como já te disse vive em Canelas, perto de Vila Nova de Gaia, e está bem.
O Sérgio, tem uma empresa de pneus no norte do país, também o vemos todos os anos.
O Moreira, também tem aparecido aos encontros, e também está bem de saúde.
Slide nº 10 - O Oscar era um operacional do 3º pelotão.
Slide nº 12 - A pessoa que está de pé na 3ª fila é Dias Corneteiro, que estava integrado no 2º pelotão.

Brevemente, irei enviar-te um relato do que tem sido a história da Família Deixós - Poisar, desde o regresso de terras da Guiné.
Aí vai mais uma foto para matares saudades.

Um abraço,
José Cortes


2. Mensagem de Cherno Baldé para José Cortes:

Caro amigo José Cortes,
Já vi e revi vezes sem conta a ultima foto que me enviaste e cada vez é mais forte a minha convicção de que o rapazito mais pequeno que aparece na foto a direita, sou eu em pessoa. Como já disse antes, o colega é o Adama Sunto o qual não tive grandes problemas para reconhecer, eu e ele éramos muito amigos quase que inseparáveis dentro e fora do quartel, portanto é muito lógico que estivéssemos juntos a espreitar nas  Transmissões.

Julgo que o soldado, em primeiro plano, é o teu amigo, o Furriel Farraia. Veja a legenda que produzi na foto, em anexo, e diz-me se corresponde aos factos.

Vi a lista dos nomes inscritos na lápide do poste da bandeira que deve corresponder aos militares mortos pelo soldado Almeida em Abril de 1972, à testa da qual esta o nome do Cap. Figueiredo. Gostaria de saber quando foi feita esta pequena lápide em jeito de memorial aos soldados mortos
no rebentamento da(s) granada(s).

Um abraço amigo,
Cherno Abdulai Baldé
Chico de Fajonquito.

PS. Caso não vejas nisso qualquer inconveniente, gostaria de enviar esta imagem ao nosso amigo Luís Graça a fim de a juntar à colecção das minhas fotos no Blogue.


3. Finalmente a mensagem que Cherno Baldé enviou ao nosso blogue em 21 de Outubro:

Caro amigo Luís Graça e companheiros,
A busca do ex-Soldado Condutor-Auto Dias, cujo nome completo era Manuel Alberto Dias dos Santos, que foi meu amigo e protetor no aquartelamento de Fajonquito acabou por confirmar o pior dos meus pressentimentos, pois ele já não está entre nos, tendo falecido em 2005. O seu desaparecimento constitui uma grande perda para a família e para mim, também, que apesar do tempo e do desgaste da memória ainda tinha alguma esperança de o reencontrar um dia. Todavia, ainda nem tudo está perdido pois, alguns dos seus companheiros estão vivos e de boa saúde, segundo informações do nosso amigo e membro da TG, José Cortes, e pode ser que um dia reencontre alguns.

O José Cortes foi muito prestimoso, e foi quem me deu toda esta informação e ainda me enviou algumas fotos do seu tempo de Fajonquito. Com elas, revivi um pouco daquele tempo em que assistia a todos os jogos, a todos os acontecimentos dentro e fora do quartel. O José Cortes ou simplesmente Cortes para os putos do quartel, era um excelente jogador, possuidor de remates "fodidos" à Eusébio. Por incrível que pareça, numa delas descobri um garoto pequeno e magricela que, tudo leva a crer ser o Chico (eu) o incorrigível rafeiro de Fajonquito, na companhia de um colega. Já solicitei autorização ao José Cortes para poder enviar ao arquivo do blogue esta e mais outras fotos de Fajonquito que ele me enviou recentemente. Ainda não recebi a resposta, mas acho que ele não levara a mal, pois não consegui resistir a tentação de te pôr ao corrente das nossas frutuosas trocas de informação, assim como esta maravilhosa descoberta de uma fotografia com, quase, 40 anos de idade.

De facto, eu era assim, pequenino e traquina, comia pouco e dormia mal em lugares incertos, perseguido por sobressaltos de medos e angústias de alguém que obedecia pouco e vagabundeava mais. De alguém que, muito cedo, queria ser ele próprio, livre de partir ou de ficar, livre de amar ou de odiar, livre de abordar tabus e descobrir enigmas, livre de viver ou de morrer, inclusive no meio de diabos brancos, desconhecidos e do inferno que foi a desgraçada guerra da Guiné que destroçou vidas, fez órfãos e viúvas, quase... quase tudo, por nada (ao escrever estas palavras, que espero não sejam muito duras, não fixo o olhar para uma certa direção, viro-me sim, para o sul e, também, para o norte). Ele era tão apegado ao quartel e seu reboliço, sempre curioso, metido em jogos, brincadeiras e deambulações à volta que, quase, nada escapava aos seus atrevidos olhos de criança.

Por agora, se quiserem, acho que podem publicar as fotos onde está o meu amigo Dias, a equipa de futebol de salão com o Cap. Sao Pedro e aquela do memorial da bandeira, que representa um importante marco da presença dos soldados portugueses em Fajonquito, das tragédias humanas que sempre acompanham as guerras e da minha inevitável presença no aquartelamento de Fajonquito. Para as restantes fotos, agradecia que informassem ou solicitassem ao dono legitimo, José Cortes.

Com um grande abraco,
Cherno AB
Chico de Fajonquito


4. Segue-se uma série de fotos referentes a Fanjoquito, publicadas com a expressa autorização do nosso camarada José Corte. Em próximo poste serão publicadas as restantes fotos, estas referentes aos Encontros da Família Deixós-Poisar.

Fajonquito, casa do Vilela. Eu e o Alaje

Almoço em Bafatá . Da esquerda para a direita: Paulo Matos, Brás, Magalhães, Lobinho (Padeiro), Fur Mil Coelho, ?, Torres, Fur Mil Farraia e Fur Mil Cortes

Mecânicos e Condutores: Pinto (Mec), Sérgio (Combustíveis), Torres e Araújo (falecido)

Torres, Sérgio e Moreira

O terceiro é o falecido Dias

Parque auto - Eu, Fur Mil Bica e Fur Mil Farraia (falecido)

Rua Principal de Fajonquito

1- Em primeiro plano: O Fur Mil Farraia das Transmissões, CCAC 3549 (1972/74), junto a bandeira em cuja base se encontra uma lápide feita em memória do Cap. Carlos Borges de Figueiredo e os Soldados mortos no acidente do caso Almeida em Fajonquito no ano de 1972.
2- Ao fundo: As instalações dos serviços das Transmissoes da Companhia.
3- Na varanda da casa estão os rafeiros Adama Sunto e Francisco (Chico), de verdadeiro nome Cherno Abdulai Baldé

Eu e um menino (não sei quem é)

De pé; Cap. São Pedro, Ferreira, Cunha, eu e Fininho. Em baixo: Esteves, Óscar e Fur Mil Pina

Entrada do quartel

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 28 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6061: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (5): A mina A/P que estropiou o Vasconcelos na estrada para Cambajú

Guiné 63/74 - P8972: Homenagem aos mortos e aos vivos da(s) guerra(s) do ultramar: um exemplo, o monumento do Moledo da Lourinhã, inaugurado em 2005











Lourinhã > Moledo > 2 de Agosto de 2010 > Passei por lá, numa manhã cinzenta de verão, mas gostei do monumento erigido em 2005, em terra que foi de amores ardentes mas perigosos e clandestinos, os de Pedro e Inês... Gostei do singelo monumento aos combatentes da(s) guerra(s) do ultramar, não apenas os mortos mas também os vivos...  Não apenas os de Angola, Guiné e Moçambique... mas também os que passaram por Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, e mais tarde pela  Índia (e a propósito, em Dezembro de 2011, farão  50 anos a invasão e a ocupação, por tropas da União Indiana, dos territórios de Goa, Damão e Diu)... 

Curiosamente, nesta pequena e bonita freguesia do concelho da Lourinhã, distrito de Lisboa, situada no planalto das Cesaredas, nenhum combatente morreu,  ao que eu saiba, por doença, acidente ou combate em África, durante a guerra colonial (1961/74)... Na "Rocha do Moledo", ficou gravado um poema de um camarada da APVG - Associação de Veteranos de Guerra, que pela foto não consigo identificar... 

Aqui fica a minha homenagem aos camaradas do Moledo, e a todos os demais, do nosso Portugal e da nossa diáspora, numa altura do ano em que costumamos lembrar e evocar os nossos queridos mortos... LG

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.  

Guiné 63/74 - P8971: Blogpoesia (164): Terra à vista! (José Pardete Ferreira)

1.Mensagem de 30 do corrente, de José Pardete Ferreira:

Caro Luís Graça, mesmo não tendo nada a ver com a Guiné, excepção feita ao mar, ao pescador e à minha Serra da Arrábida, no seguimento da “minha Serra” do Fado da Orion (*), junto envio este poema que, pelo menos para os homens do mar, os  Fuzileiros Especiais com quem estive, deve querem dizer qualquer coisa. J. A.  Pardete Ferreira

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, José, por queres partilhar com todos nós este belo poema. Mas permite-me a liberdade de, para além da tua oportuna e apropriada dedicatória aos valorosos fuzileiros (e demais marinheiros) com quem conviveste no TO da Guiné, fazer dos teus versos também, por extensão, na proximidade do Dia de Finados, uma homenagem do nosso blogue a todos aqueles soldados e marinheiros, nossos camaradas da Guiné, que ficaram insepultos nos traiçoeiros e lodosos rios e braços de mar daquela terra, desde o Rio Cacheu ao Rio Corubal...  E, já agora,  aos nossos pescadores, aos meus antepassados de Ribamar da Lourinhã, a todos os nossos pescadores que, para ganhar a vida, encontraram a morte no mar... Muitas vezes com a terra à vista!


TERRA À VISTA!

Uma bruma de salpicos,
Emergentes duma vela molhada
Por uma bolina robusta,
Saída dum nordeste fim de dia,
Quase sem Sol, mas brilhante
Como a Estrela de Alba
Que nos anuncia a noite!

Não sei se o pescador se o leme,
Pega mais firme no outro,
Enquanto a mão livre, dorida,
Domina a escota
Que a vela caça.

Lábios gretados, pele tisnada,
Músculos tensos, segurando ossos firmes,
Quais remos ofegantes,
Como artes de navegar,
Após mais um dia de esforço.
Rumo à terra, vai o peixe
Desse dia de labuta!


Já não sei se é mar se lágrima,
Meus olhos não deixam ver:
Se o Portinho, se Alportuche…
Volto amanhã, se Deus quiser,
E mais riqueza trarei,
Se vivo a casa voltar,
Mesmo de barco sem escama
P’ra meus filhos e mulher.


Setúbal, 2011-10-04

J. A. Pardete Ferreira

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Nota do editor:(* Vd. poste de 30 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

Guiné 63/74 - P8970: Tabanca Grande (304): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Amanuense (Bissau, 1967/68)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Amanuense, Bissau, 1967/68, com data de 28 de Outubro de 2011:

Olá Amigo Carlos!
Espero que esteja bem de saúde na companhia de família e amigos.

Olhe, recebi a sua referência através do amigo José Ferreira.

Li um blogue do L. Graça e, notei que se pode lá contar alguns episódios.

Entretanto, para ser franco, apesar de eu ter estado na Guiné durante a Guerra de libertação, o facto é que não me considero um combatente devido a que - SORTE MINHA? - nem uma pistola tive nas minhas mãos!... Assim tudo o que possa dizer, não envolve situações de "aperto". Obviamente, e já me têm dito o mesmo que vou dizer, é que, numa Guerra nem todos usam armas!... Se é bem certo que só quem passa por "elas" é que pode avaliar com conhecimento de causa e, como tal, para esses, vai o meu respeito aos vivos e homenagem aos que já nos deixaram!... Todos são HERÓIS!..

Eu fiz a minha comissão de serviço na Messe de Oficiais da FAP, em Bissau, mesmo junto ao Palácio do Governador - Bettencourt primeiro e Spínola depois.

Quando terminei, fiquei lá a trabalhar no Café-Cervejaria SOLMAR. Depois fui para o Grande Hotel - (isto, claro, se acaso teve a oportunidade de conhecer). Depois abri o restaurante "O PELICANO" mesmo junto ao cais de embarque. Eu era o encarregado do Restaurante.

Depois abri por minha conta "O NINHO DE SANTA LUZIA" na estrada do mesmo nome junto ao QG de então. Antes ainda do 25 de Abril, comprei A TABANCA - antiga META, que eu ajudei a abrir mesmo ainda quando ao serviço, uma vez que um dos sócios - por debaixo da mesa - era o meu chefe, Tenente Mário Ascenção ou Assunção, (agora não me lembro).

Com o 25 de Abril, acabei por ficar com mais uns quantos estabelecimentos, - vendidas algumas e subalugadas outras, devido aos proprietários quererem sair. Uma longa estória a contar mais tarde. Por agora, cinjo-me somente ao que o amigo Ferreira sugeriu e junto envio duas fotos - uma mais ou menos actual após "maquilhagem", devido a que trabalhava como agente de seguros e, como tal, tinha que andar mais ou menos.

Outra, como militar, no recinto da Messe de Of. da FAP em Bissau. Tenho outras mas em Portugal, uma vez que neste momento vivo nos EUA.

Gostava de contar um episódio real que foi o facto de o meu Tenente me ter apanhado a "batizar os barris de vinho", mas nunca me apanhou a "batizar" o arroz!...

Quando me apanhou, parecia que ia ser "o cabo dos trabalhos" mas... depois, consegui convertê-lo ao meu "batismo" - e não lhe pedi 10% de "bula" ou tiding, como se diz em Inglês.

Gostou tanto ou tão-pouco que... contou ao substituto dele o qual, já eu estava na "peluda" - a trabalhar no Solmar - me aparece lá o novo Tenente, chamando-me de lado, dizendo-me:

- Oh CABO... FAÇA-ME LÁ UM FAVOR!... Vá lá acima à Messe a ensinar "aquele cabrão" - palavras do Senhor Tenente - do cabo Zé António... senão vai ele e eu p´rá "choupa"!...

Enfim, como eu estou a terminar de escrever um livro, descrevo este e outros episódios que quase que tenho a certeza o pessoal vai achar engraçados.

Deste modo, aqui ficam os dados iniciais, juntamente com as fotos.

Nome completo: Mário Serra de Oliveira
Natural do Alcaide - Fundão
Nascido a 27 de Janeiro de 1945 - 66 anos hoje.
Assentei Praça em Leiria no RI7 - junto foto.
Fui transferido para a Força Aérea - BA3 - Tancos.
Fui para a Guiné em Maio de 1966
Disponibilidade a 24 de Dezembro de 1968.

Fiquei na Guiné até Agosto de 1981.
Trabalhei num navio sismográfico no Mar do Norte. Saí da Guiné a bordo do mesmo, com uma história por detrás disso.

Vim para aos EUA em Janeiro de 1982 - para a Embaixada Portuguesa - eu Mordomo e minha mulher cozinheira do Embaixador de Então.

Saí e fui trabalhar para a Embaixada da Alemanha em Washington, de onde me reformei em Janeiro de 2010.

Neste momento espero o dia de regresso - após vender uma casa que aqui tenho - o que está difícil.

Passo o tempo a escrever coisas e a divertir-me com o meu cão, e dois pássaros que até estão na minha página do Facebook.

Mário Serra de Oliveira no RI7

Bissau, 1966 - 1.º Cabo Amanuense Mário Serra de Oliveira


2. Depois do envio de uma mensagem/resposta ao nosso camarada, recebemos esta:

Obrigado amigo Carlos, pela rápida resposta!

Quero frisar já que me dá muita satisfação poder fazer parte do vosso grupo. Sim... acredito, sem presunção alguma, que devo ter um historial interessante tal como muitos outros nossos conterrâneos - ex-combatentes ou não - o devem ter, só que, nem todos se dão conta e outros entregam-se ao "não quero saber"!...

Quanto ao Português... agradecendo antecipadamente sempre qualquer correcção que, por um motivo ou outro, poderá a vir ser necessária, permite-me referir que, nesse ponto, creio que estarei mais ou menos bem porque, se há algo - e o meu livro fala disso - a que eu me agarro ou agarrei "com unhas e dentes", é e foi exactamente a nossa língua.

Para o efeito, até mandei vir o novo Dicionário do acordo ortográfico de língua portuguesa, datado de 2010. Adiantando, somente para fazer uma nota neste aspecto, tenho inclusive sido o correspondente do jornal de língua Portuguesa, com maior tiragem, nos EUA - o Luso Americano. Resignei recentemente por motivos de incompatibilidade de me deslocar a certos locais onde a minha presença seria essencial. Ora, como se tratava de uma posição não remunerada... nem sempre se enquadrava com a minha disponibilidade. Desta forma, melhor não fazer parte!...

O que acontece, sobre certos erros, às vezes, carrega-se na tecla errada mas... quando assim é, a ajuda as pessoas com capacidade de perspicácia para saberem perceber do que se trata, tal como tu e bem te apercebeste que... "ismográfico" seria sismográfico" e 1910 seria 2010 porque, em 1910 nasceu o meu pai, que em paz descanse!... Para isso, conto sempre com pessoas do género.

A terminar - por hoje, claro - diz-me como e quando posso colocar a minha primeira história - 90% verdadeira já que os restantes 10% são uma espécie de "floreamento" das frases e linguagem utilizada... sem nunca fugir do "caroço" da história real!...

Um abraço.

PS - Não mencionei antes que, quando saí da Guiné no navio Sismográfico foi porque... nessa ocasião, a minha mulher era a cozinheira do Embaixador Americano lá em Bissau e, eu, era o encarregado de todo o pessoal local. Ou seja, eu trabalhava para os Ianques!...

Aconteceu que, o referido navio, apareceu lá em Bissau e, a tripulação visitou a Embaixada. O Embaixador de então, disse-me para eu dar um "Tour" pela cidade a certos elementos da tripulação. Escusado será dizer que foram aos sítios mais importantes.

Andei com eles - putas e cerveja - até que me perguntaram quanto é que eu ganhava. Quando lhes disse, ofereceram-me trabalho no Navio - como Cozinheiro. Aceitei, porque - o diabo quando tenta uma pessoa, quase sempre vence - o raio da oferta era 4 vezes mais o que ganhava e, ainda por cima, em USD.

Muito mais para contar... fui para Dakar, Inglaterra, Holanda, Escócia, Noruega, Inglaterra novamente, e EUA.

Depois acabou, se for no blogue, conto tudo.

Renovo abraço.
Mário


3. Comentário de CV:

Caro Mário
Nas tuas mensagens de apresentação denotas uma experiência de vida muito rica que fazem adivinhar um manancial de boas histórias. Perguntas quando podes começar a contar as tuas memórias. A resposta é desde já.

Mesmo não tendo sido operacional, tiveste em Bissau, no cumprimento das tuas funções, imensos contactos, ouviste muito, conheceste muita gente, e tudo isso é uma fonte inesgotável.

A continuação da tua permanência na Guiné depois da tropa, os teus negócios na restauração, a independência do território que tiveste oportunidade de viver, os políticos locais com quem terás convivido, as convulsões políticas a que assististe, etc, são uma mais-valia que podes partilhar com o Blogue para aumentar o nosso espólio histórico no que concerne àquele período transitório para a independência e já como nação independente.

Por outro lado, a tua estadia nos EUA e o périplo pela Europa dão muito assunto para a nossa série "Os nossos seres saberes e fazeres".

Posto isto, ficas com a responsabilidade de não nos defraudar.

Por favor toma nota de que deves enviar os teus textos e fotos para o endereço do Blogue: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos editores, cujos endereços constam da página do blogue.

Fica aqui e agora um abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores do Blogue.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8899: Tabanca Grande (303): Carlos Alberto de Jesus Pinto, ex-1.º Cabo Condutor Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa, 1969/71)

Guiné 63/74 - P8969: Notas de leitura (298): Guiné - Apontamentos Inéditos, por General Henrique Augusto Dias de Carvalho (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2011:

Queridos amigos,
Os apontamentos do general Dias de Carvalho são de grande argúcia, foram corrigidos por uma visão penetrante e compreensiva, alguém que ali viveu cerca de dois anos com uma missão e que dela se desincumbiu produzindo um relatório que são o hino à esperança nas potencialidades agrícolas da Guiné. Quase não se fala das pescas, o que também se pode entender. Dão-se recados sobre a educação, o sistema de transportes e o aproveitamento dos rios, não se esconde que é indispensável mudar o relacionamento com os autóctones, vivia-se num permanente pé de guerra. Foi pena ter esperado por 1943 para publicar tão valiosas observações. E são tão valiosas que tudo justificava que se voltassem a imprimir. Sobretudo na Guiné.

Um abraço do
Mário


A Guiné do final do século XIX, segundo o general Dias de Carvalho (2)

Beja Santos

Os apontamentos inéditos coligidos pelo general Henrique Augusto Dias de Carvalho sobre a Guiné (edição da Agência Geral das Colónias, 1944) constituem um documento histórico da maior valia e significado. O oficial general viveu ali cerca de dois anos, percorreu a colónia de lés e a lés, vê-se que estudou, procurou inteirar-se da realidade socioeconómica e cultural da região, levava a incumbência de organizar com Vitor Cordon a Companhia de Comércio e Exploração da Guiné. O seu registo sobre os Bijagós é impressionante, inteirou-se (mas fez juízos superficiais, hierarquiza e observa incorrectamente os Balantas e omite os Manjacos, por exemplo) sobre o mosaico étnico e repertoria como nunca encontrei noutro roteiro de viagem dados sobre flora e fauna, seguramente que esta observação lhe era indispensável para propor medidas de fomento agrícola.

Na continuação dos dados anteriormente expostos, vejamos agora o que o oficial general nos diz sobre o clima. Ninguém esperará juízos benignos. Mas se o clima é perigoso (mesmo a exposição ao cacimbo da noite) há comportamentos exemplares que mostram que a excepção pode distorcer a regra. Nesse ano de 1898 vivia em Bolama um antigo capitão da marinha mercante, João Carlos Rebelo Cabral, então com 75 anos de idade, tipo baixo, sobre o nutrido, alegre, dentadura completa, inteligência clara, boa memória, que fixara a sua residência na Guiné em 1848. Qual a receita da longevidade de Rebelo Cabral? Segundo o que contou ao autor, “Como o tempo em que se estabelecera na Guiné os vinhos de Portugal chegavam lá falsificados, deixou de beber vinho, bebia café no tempo fresco e chá no tempo quente, se durante o dia tinha sede ou bebia leite ou água filtrada com chá; não fumava; não se expunha ao sol nem às chuvas; se as chuvas em trânsito o molhavam, logo que recolhia se friccionava com álcool; regressava sempre a sua casa antes das oito horas da noite e às nove ia deitar-se”. E disserta sobre a falta de quadros, a curtíssima permanência dos governadores e dos secretários gerais, o funcionamento caótico da administração. Aproveitou para falar de um moço que viajara com ele para a Guiné, em 1898, para tomar posse do cargo de tesoureiro. Deram-lhe como auxiliar um nativo remador da Alfândega, a título de servente. Lamentava-se publicamente que tinha de fazer de tudo um pouco: o cofre geral do Província, a Alfândega, o correio, a venda de selos e papel selado, a escrituração do movimento de cada um desses cofres, a distribuição de emolumentos e, claro está, a contagem do dinheiro em todos os cofres. Logo que pôde regressou à metrópole e pediu transferência para outra província. A administração estava entregue a empregados provisórios. E escreve: “Há entre nós, acentuadamente, horror à Guiné e não se tem procurado modificar as condições que concorrem para como tal ser considerada; e por isso os portugueses europeus não pensaram na sua Guiné, nem se quer aproveitam as raças que lhes são mais afeiçoadas”.

O capítulo que dedica à agricultura complementa avisadamente o que escreveu sobre a flora. Acha que na Guiné há bons solos para os milhos, chegou a altura de abandonar a concepção da Guiné como entreposto comercial, invoca Andrade Corvo que ajuizara com optimismo as potencialidades do desenvolvimento agrícola da Guiné. Apela a que se eduque o agricultor já que o futuro da colónia é a agricultura. Considera que a exploração das pontas é instável e não fixa as populações à terra. Citando o governador Correia e Lança advoga que os cabo-verdianos poderiam prestar à agricultura e ao comércio da Guiné grandes serviços. Refere o sucesso de diferentes experiências e o que se conseguiu com a distribuição de sementes de mancarra, cola, cacau, borracha, gergelim, café e até videiras. Cita o exemplo de uma propriedade na margem direita de Cacine que estava a dar excelentes resultados com plantações de cacau.

Passando para a navegação em comércio, deplora a situação a que se chegou de não haver fretes regulares entre a metrópole e a colónia, recordando que são os alemães, os ingleses e franceses que aparecem nos primeiros lugares com os seus vapores marcantes. Indústrias não as encontrou e na medida em que todo o seu apanhado de notas tem por fito a ponderação de criar uma companhia de comércio, passa em revista a riqueza hidrográfica da região, recordando que foi sempre nos rios que se fizeram negócios de marfim, curtumes, cera e arroz. O seu juízo sobre a administração, como se compreenderá, é pouco lisonjeiro, a Guiné do tempo não tem praticamente população branca, tem escassos efectivos militares, a administração civil é de opereta, dos telégrafos à justiça. Não se podia fazer face às rebeliões permanentes com um batalhão de caçadores e uma bataria de artilharia.

O general Dias de Carvalho mostra-se bastante sensível à etnografia e à etnologia. Não espanta as considerações por vezes erróneas que deixa registadas, à luz dos conhecimentos da época. Ficam só aqui duas notas, são meras curiosidades. Falando dos Bijagós, diz que “Respeitam os portugueses porque deles precisam do seu comércio; e por isso vêm amigavelmente aos comandos militares. Recebem bem os portugueses que os procuram nas suas ilhas. Em outro tempo, se uma embarcação das nossas naufragava nas proximidades das suas ilhas, ainda assim a roubavam e prendiam a tripulação, que não entregavam sem o respectivo resgate ainda que pequeno. Nos costumes, não têm os Bijagós semelhança com povos da terra firme. Como vivem quase constantemente no mar, são excelentes marinheiros e tão destros que em se lhe virando a canoa mesmo a nado a reviram, continuam o seu caminho remando muito ligeiramente com as suas pás a que chamam pangaios”. Falando da miscigenação, observa: “Deram-se em princípio ligações de mulheres indígenas com europeus e filhos de Cabo Verde, o que era um grande auxiliar para os negociantes: manejavam as suas especulações no interior com uma habilidade e vantagens inimitáveis, pelas muitas relações do seu parentesco e perfeito conhecimento das coisas do país. A história regista um grande número delas mesmo nas classes inferiores: activas, laboriosas, muito fiéis a quem se ligavam, dando-se a tais pessoas com todo o carinho. Citam-se mesmo fortunas que se devem a essas ligações”.

Aqui se põe termo aos apontamentos surpreendentes de um oficial general que no virar do século XIX inopinadamente veio parar à Guiné, procurou estar atento às potencialidades económicas e tece um hino magnífico ao futuro agrícola da região. Estes apontamentos mereciam ser reeditados, constituem um primor de que a auto-estima dos guineenses bem carece.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8955: Notas de leitura (295): Guiné - Apontamentos Inéditos, por General Henrique Augusto Dias de Carvalho (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8968: Notas de leitura (297): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte V): Início desastrado e desastroso da luta de guerrilha no chão fula, em 1963 (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8968: Notas de leitura (297): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte V): Início desastrado e desastroso da luta de guerrilha no chão fula, em 1963 (Luís Graça)

1. Continuação da leitura do livro de memórias do Bobo Keita (BK), da autoria de Norberto Tavares de Carvalho, guineense da diáspora (vivendo na Suíça) (*)...


Bobo Keita (abreviadamente, BK) estreou-se no Leste, para onde foi destacado por Amílcar Cabral para fazer “trabalho político”. A data é imprecisa: mas terá sido em Outubro de 1961. Não sabemos quais os critérios usados na escolha, se é que os houve: de qualquer modo, BK era muçulmano e o leste era essencialmente habitado por população islamizada.

Numa das tabancas (fula ? mandinga ? balanta ? beafada ? ),  ele e os seus camaradas foram recebidos, aparentemente,  com hospitalidade e boa fé, para logo de seguida serem denunciados às autoridades locais. Tiveram que fugir, debaixo de fogo dos tugas (não sendo claro se estes eram forças do exército ou, mais provavelmente, polícia administrativa, sabendo-se que ainda eram escassos os militares, metropolitanos, estacionados no território em 1961).


Foi o batismo de fogo do BK, embora sem consequências de maior. Desta vez ninguém foi ferido ou preso.

Mas o “Cabral mandou-nos regressar a Conacri”… A estreia tinha sido desastrosa… “Era urgente redefinir a estratégia de mobilização” (p. 68).


Em 1 de outubro de 1961 morreu-lhe a mãe, que o tinha ido procurar a Ziguinchor, no Senegal, preocupada com a sorte do seu filho de quem se dizia que passava mal em Conacri. Constava que BK ia ao Senegal “carregar bananas para subsistir” (sic) (p. 69). Em Ziguinchor a mãe acaba por não encontrar o filho e, pior, morre de doença súbita.


Na época os militantes do PAIGC não circulavam livremente no Senegal. Cabral arranjou um salvo-conduto para BK ir ao choro de sua mãe. BK é preso no aeroporto de Ziguinchor. Com alguma sorte e esperteza, acabou por ser solto. E teve tempo de passar alguns dias com a família que tinha hospedado a sua mãe. Quase meio século depois, BK recorda, emocionado, esse momento:

“Embora me tivesse preparado psicologicamentre, não pude conter as lágrimas quando me remeteram os seus pertences. Nesse dia, fui invadido por uma profunda emoção e chorei a morte da minha mãe que nunca mais veria” (p. 71).

BK volta a Conacri. Retoma o trabalho de mobilização, sendo destacado desta vez para uma vasta região que ia do Cacheu até ao Óio, incluindo as zonas de "Varela, Susana, Subijac, Bassarel, Elias, Bobonda, D. Domingos, Apiudjo, Sedengal, Bigene, Binta, Farim, Cuntima e Ingoré". Foi na época de 1961/62. 

"Contrariamente ao que se passou na zona leste onde fomos denunciados logo à chegada, aí tivemos francos sucessos. Estávamos mais à vontade no norte” (p. 75).


Esta foi, em boa verdade, a “primeira grande missão” confiada ao antigo titular da seleção de futebol da província portuguesa da Guiné, agora transformado em militante nacionalista. Em Conacri,  Amílcar Cabral marcava pontos, ao ver reconhecido por Sékou Turé, o seu Partido Africano para a Independência (PAI) como "o único representante legítimo dos povos da Guiné e de Cabo Verde". (Isto terá sido em 1962, mas o BK diz que foi em 1961). Na realidade, os estatutos do PAI são revistos em janeiro de 1962. E só a partir de agosto de 1962 é  que a sigla PAI passa a ser substituída pelo acrónimo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

Perdedores deste braço de ferro, travado em Conacri,  foram o MLG (Movimento de Libertação da Guiné) e a FLING (Frente de Libertação Nacional da Guiné), ambos criados por François Mendy, um manjaco, de nacionalidade francesa, e antigo expedicionário na Argélia, em 1959 e 1962, respetivamente. 




Fotograma do filme Labanta Negro, do realizador italiano Piero Nelli, 1966, a preto e branco, com 39' de duração. Guerrilheiros do PAIGC, no Morés. Em primeiro plano, um  deles empunhando uma Patchanga; e um outro, uma Ricco... Filme projetado no doclisboa2011... Foto de Luís Graça (2011).

Por outro lado, no interior da Guiné, a luta clandestina não era fácil.  O ano de 1962 é de grande repressão. Em fevereiro de 1962 há uma vaga de prisões levadas a cabo  pela PIDE.  O histórico Rafael Barbosa é detido. 

Eis o relato do BK em relação às dificuldades desse ano, experimentadas no interior do território:


"(...) Em 1962 os tugas lançaram uma grande campanha de prevenção no interior da Guiné. Não podíamos nem estacionar num lugar para fazer o trabalho de mobilização. Pior ainda era que não tínhamos armas naquela altura, as frentes de combate ainda não estavam constituídas. Tirávamos as sandálias de plástico,  e andávamos descalços, porque os tugas observavam os pés e tinham informações de que os guerrilheiros de Cabral  usavam sandálias de plástico... Diziam que eramos 'terroristas', chamavamn-nos 'turras', bandidos." (p. 76)


BK e os seus camaradas só em 1963 (princípios ?) receberam as primeiras armas: 1 pistola metralhadora PPSH 41, calibre 7,62 mm, com tambor de 72 munições, de origem soviética; 1 espingarda semi-automática, Simonov, de calibre 9 mm, com capacidade para 30 munições, e igualmente de origem soviética; e ainda 25 granadas ofensivas.


A PPSH, a que chamávamos “costureirinha”, foi batizada por BK e seus camaradas como “Patchanga”, que era então um estilo de música tipo salsa, latinoamericano… A alcunha tem a ver com “os discos Patchanga que nos faziam dançar em Bissau” (p. 78). A Simonov, uma arma mais pequena, por sua vez, foi batizada como “Ricco”… Explicação ? 


“Havia a música congolesa do conjunto Ricco Jazz cujos discos de 45 rotações, os mais pequenos, faziam dançar Bissau” (p. 78-79).


Essas primeiras armas vieram de Marrocos, diretamente de Rabat para Conacri. Mas o carregamento,  que vinha camuflado, acabou por ser descoberto, devido ao arrombamento de uma das caixas por uns vulgares ladrões que procuravam outro tipo de mercadorias… Na sequência desta “bronca” todos os dirigentes do PAIGC, presentes em Conacri, foram detidos por ordem das autoridades locais. Amílcar Cabral, que estava no estrangeiro, teve de regressar, de imediato, a Conacri para resolver a delicada situação que configurava o primeiro conflito sério do PAIGC  com Sékou Turé…


Este incidente teve, como condão, levar alguns militantes do PAIGC a decidir iniciar a luta armada, com o escasso material que possuíam ainda e com a impreparação geral. 


“Fizemos algumas acções isoladas só para marcar o acontecimento e dar a entender que estávamos dispostos a tudo para lutar contra os colonialistas. No fim, Sékou Turé compreendeu que não se tratava de uma aventura ordinária e mandou libertar os camaradas” (p. 80).


Mal conhecendo o funcionamento das armas distribuídas, BK tomou a Ricco e o João Silva a Patchanga, preparando-se para a luta no norte, enquanto no sul o jovem Arafan Mané, com apenas 18 anos, atacava Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (p. 86-87). Não é claro, das conversas com BK,  se as ordens vieram de "cima" (ou seja, de Amílcar Cabral, que centralizava tudo), se foi uma "iniciativa espontânea" dos comandantes operacionais que estavam no terreno...


BK e João Silva escolheram Elias, no chão felupe, para iniciar as hostilidades no norte… “Outros camaradas foram para Varela e Susana” (p. 81). BK conta como foi o seu verdadeiro batismo de fogo: 


“Disparámos tiros à toa, queimámos casas. Não tínhamos nenhuma formação militar. Só algumas bases rudimentares. Eu, por exemplo, nunca tinha disparado um tiro na minha vida, foi aí a primeira vez que ouvi o som dum tiro disparado por mim mesmo” (p. 81).


Os guerrilheiros que foram atacar Varela não tiveram a mesma sorte que os que foram a Elias. Os Felupes ripostaram em massa. Todos os atacantes foram mortos “com arcas e flechas” (sic). Cortaram-lhes as cabeças e levaram-nas para mostrá-las aos portuguesas… 


O início, pois, desastrado e desastroso!... Osvaldo Vieira, o comandante da Frente Norte, mandou então retirar o seu pessoal para Bigene e daí para a fronteira, uns, e o Morés, outros.


Entretanto, nos primeiros 5 anos da luta armada, as relações com os senegaleses não vão ser fáceis. 


“Ficámos [na fronteira norte] durante 5 anos. Tivemos tempo de estabelecer relações de confiança [ - eu acrescentaria, e de cumplicidade –] com as autoridades senegalesas. Na primeira fase da luta, os senegaleses só autorizavam a nossa instalação nas tabancas, na segunda fase, quando a luta armada já tinha começado, autorizavam os nossos camiões que transçportavam alimentos . Da nossa parte aproveitávamos para camuflar armamento nos camiões” (p. 88). 


BK tranforma-se em traficante de armas e  contrabandista. A sua tática era subornar os "gendarmes" senegaleses que passaram a fazer vista quando os camiões do PAIGC circulavam com mantimentos para a guerrilha...


(Continua)


Luís Graça,

Quinta de Candoz, Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 28/10/2011

[ L.G. segue a nova ortografia. Respeita, no entanto, a ortografia antiga nas citações de outros autores ou fontes]



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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 29 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8961: Notas de leitura (296): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte IV): Os 'Portuguis Nara' de Boké e de Conacri (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8967: (Ex)citações (153): Comandante da Companhia de Instrução de Milícias, em Bambadinca, por dois meses (Luís Dias)

1. Comentário de Luís Dias [, aqui em Bambadinca, ´no último trimestre de 1973, junto a um caça-bombardeiro T6,] ao poste P8950:
Eu já não apanhei o Paulo Santiago em Bambadinca. Encontrava-me com o meu Gr Comb de reforço ao Batalhão de Piche, quando fui nomeado para comandar a Companhia de Instrução de Milícias, em Bambadinca.

Tive como segundo comandante um dos meus furriéis e 1º cabos como comandantes de pelotão, oriundos de diversas unidades. Foi uma temporada de cerca de 2 meses para preparar os pelotões militarmente para serem colocados em diversas tabancas, embora já não me recorde, para onde foram e qual era a origem dos seus elementos.

Foi um tempo agradável, de que gostei particularmente e pude conviver com a malta da CCS do BART 3873. O quartel era também maior e com outra filosofia que a que eu não estava habituado, quer no Dulombi, quer nas sedes dos Batalhões de Galomaro, de Piche e de Bolama, onde estivera antes.

Creio que a carreira de tiro era onde tu referes [,  junto à ponte do Rio Udunduma, ] e tenho uma foto dela, mas não sei se dá para identificares. Recordo-me que também conheci na altura o Tenente Comando Jamanca, que comandava a CCAÇ 21, que intervinha na zona. Mais tarde iria intervir na área de Canquelifá, em conjunto com o BCA [, Batalhão de Comandos Africanos,].

Tinha um sargento na área administrativa que também fazia fotografia e onde muitos jovens africanos iam tirar o retrato (!!!). Isto admirava-me porque eram jovens, mas em idade de combater e, como se sabe, a maioria servia nas milícias, ou então nas fileiras do PAIGC.

Eu,  por brincadeira,  costumava dizer-lhes:
- Então onde é que ficou a kalash ou o roquete? Atrás de uma palmeira na bolanha?

Eles riam, mas...acho que muitas das vezes acertava. O quartel era aberto à população.

Não tive problemas com o pessoal, porque tinha uns óptimos instrutores, gente aplicada e isso foi manifesto no exercício final para os graúdos de Bissau verem - um golpe de mão, muito bem executado.

A única chatice foi que treinámos os milícias com as G3, e muito perto do fim foram-lhes entregues FN FAL, o que nos obrigou a um trabalho suplementar sobre esta arma. Ainda por cima, tive uma discussão com o responsável pelo Armamento (um Major)que afirmava que as armas eram novas e eu dizia-lhe que elas foram foi pintadas de novo, mas as coronhas, ainda em madeira, tinham inscrições feitas pelas nossas tropas com dizeres referentes a Angola. Calei-o.

Um abraço
LD
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Nota do editor:
 
 

domingo, 30 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

1. Mensagem de J. Pardete Ferreira:

Data: 30 de Outubro de 2011 15:26
Assunto: Fado da Orion

 Caro Luís, o prometido é devido:

O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante Faria dos Santos. A LFG passou mais de um ano acostada ao molhe do Pi(n)djiguiti porque tinha cedido a Batarda um dos motores.

Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando "a acreditar nos praticantes da má-língua" e, de seguida,  foi o navio almirante da ida a Conacri, sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro.

Poeta e grande amigo, recebia a jantar e bem um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool.

Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras, havia jantar melhorado e aberto a convidados.

2. Blogpoesia  > Fado da "Orion"
por José Pardete Ferreira


[, LFG Orion, a navegar no Rico Cacheu, em 1967, foto à esquerda; crédito fotográfico:  Manuel Lema Santos]






Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à "Marinha"
Aos "jantares da quinta-feira"!

Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.

Refrão

Ser marinheiro
De "LFG' no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar.

Quando vinha dessa Terra
E voltava à minha Serra,
Nem eu queria acreditar !
Virei-me ainda p'ra ver,
O meu Adeus lhe lançar
E também lhe agradecer:

Com meu suor derramado
No teu chão, tão maltratado,
Deixo-te votos amigos
E, também, as minhas preces,
'squecendo rancores antigos,
Por ti, Guiné, que mereces.

Refrão...

(1ª parte e Refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970. 2ª parte escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do "Fado do Cacilheiro" do Maestro Carlos Dias).

J. A. Pardete Ferreira
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Nota do editor: