sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9164: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (17): Kennedy, Salazar e as "nossas colónias"


1. Mensagem do nosso Camarada António Rosinha, com data de 2 de Dezembro p.p.: 


Era melhor outros fazerem a guerra por nós?



Ouvi,  na SIC, novamente uma solução pacífica e fácil para uma descolonização sem fazermos guerra.

Não prescindo de ouvir a opinião de ninguém, no que toca à guerra que nos calhou.

E a opinião que com mais frequência se ouve, era a solução americana que foi oferecida ao Salazar pelo Kennedy. E hoje, dia 21 de Novembro, ouvi novamente na SIC, essa ideia como a melhor maneira de Salazar não precisar de mandar a juventude impreparada, fazer a guerra.

Essa solução era e é defendida pela maioria daqueles que foram para a Europa, não os que foram para o «bidonville» assentar tijolo, mas os que foram com mesada dos paizinhos ou com alguns estudos, foram para as universidades europeias, quando chegavam à idade militar.

Regressaram com essa ideia encasquetada, aquando o 25 de Abril.

Foi hoje na SIC que o escritor João do Céu Silva, na apresentação de um livro seu, disse que Salazar podia ter seguido o que Kennedy dizia, e de quem todos gostávamos tanto.

Claro que nós (ele) gostava muito, foi pena que quem lhe deu o tiro em 1963 não era da mesma opinião.

Parece que o seu vizinho Fidel, também não simpatizava muito.

E aquele soviético que queria instalar os mísseis em Cuba também não alinhava com ele.

Mas que o jovem presidente era simpático lá isso era, mas não deixava de ser americano como aqueles americanos que fizeram duas Coreias, que fizeram dois Vietnames, mais tarde apoiaram a ocupação de Timor pela Indonésia, sem falar que foi no reinado e nas barbas de Kennedy que se construiu o Muro de Berlim, que no reinado de Kennedy não souberam os americanos o que fazer com Cuba.

Quando Kennedy foi assassinado, todos se lembraram que apoiou a UPA, em Angola, com fins bem definidos.

E quem conhecia as circunstâncias internacionais e africanas, estava no mínimo  preparada uma Angola do Norte e outra Angola do Sul como as Coreias e os Vietnames, se os americanos liderassem os destinos de Angola... Jamais os Angolanos aceitavam a figura que chefiava a UPA.

Nessa altura já tinha sido liquidado Lumumba e o secretário-geral da ONU, derrubado de avião quando se ia avistar com Tchombé. Tudo com a extrema sensibilidade "política"  de Kennedy.

Salazar não deixou os americanos fazerem a guerra por nós, só após a morte de Salazar é que os americanos ao lado de Sul-africanos se digladiaram em Angola contra Cubanos e soviéticos.

Enfim, penso que nessa altura, com muito sacrifício nosso, garantimos a futura integridade de quase todas as fronteiras coloniais, o que jamais era garantido se tivéssemos tido o critério de outras potências coloniais que optaram por entregar independências a tiranos protegidos por "legiões" e "mercenários internacionais".

Disso nunca ninguém nos poderá acusar, proteger tiranos, embora após o 25 de Abril alguns militares da nossa revolução e alguns civis, tenham tomado partido naquela guerra fratricida angolana.

Faz anos dia 22 de Novembro que em Dallas assassinaram o "desejado" de alguns portugueses. Embora haja dúvidas quanto ao assassinato de Kennedy… Salazar nunca foi suspeito.

Eu também não acreditava em Salazar, quando com aquela voz fininha, a tremer, dizia "as nossas colónias são muito invejadas".

Se fosse hoje, não lhe chamava os nomes que lhe chamávamos. A única mentira que o ditador dizia, era o Portugal de "Minho a Timor".

Afinal era só até ao Funchal.

Os meus cumprimentos
Antº Rosinha
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Notas de MR:

Retrato oficial de John F. Kennedy, pintado a óleo por Aaron Shikler (1970). Imagem do domínio público. Fonte: Wikipedia.

Foto de Salazar, em 1940. Autor desconhecido. Imagem do domínio público. Fonte: Wikipedia.

Vd. o último post desta série em:

9 DE MARÇO DE 2011 > Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só comCarta de Chamada

Guiné 63/74 - P9163: Patronos e Padroeiros (José Martins) (25): Anjo Custódio de Portugal

 


1. Em mensagem do dia 7 de Dezembro de 2011, o nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais um Patrono.





PATRONOS E PADROEIROS XXV

Anjo Custódio de Portugal

Anjo Custódio do Reino
Escultura de Diogo Pires, o Moço (séc. XVI) 1518-1520, calcário
Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra, Portugal.
© Foto: O Portal da História, com a devida vénia.


Santo Anjo da Guarda de Portugal

O Anjo de Portugal é, até hoje, o único Anjo da Guarda, de um país e com culto público oficializado e foi o único Anjo Guarda de uma nação que apareceu aos homens.

Foi em 1504 que, a pedido do monarca português D. Manuel I, e bispos portugueses, o Papa Leão X (n. 11 de Dezembro de 1478, eleito a 19 de Março de 1513, † 1 de Dezembro de 1521), com base de que já era um culto antigo em Portugal, instituiu a festa oficialmente.

Com esta oficialização, D. Manuel manda expedir instruções para todas as Câmaras Municipais, indicando que as festas, ao Anjo Custódio, devem ter a participação de todos, desde as autoridades e instituições, das cidades e vilas, assim como todo o povo, assim como devem ser celebradas com toda a solenidade.
Esta festividade tinha lugar no terceiro Domingo do mês de Julho, só equiparada a Festa do Corpo de Deus, a maior festa em que a nação afirmava a sua Fé na presença de Cristo na Eucaristia, manteve-se desde o Século XVI até ao Século XIX, altura que o país conhecem mais um dos seus piores períodos.

Vários acontecimentos se sucedem neste país desde a Guerra das Laranjas, com a perda de Olivença; Invasões Francesas: Lutas Liberais, escaramuças breves mas frequentes em África, não só com os autóctones, mas também com forças externas; Conferência de Berlim e consequente corrida a África, Campanha de Pacificação, entre outras.

A festividade e o culto ao Anjo Custódio alcançaram grande brilho, especialmente nas cidades de Braga, Coimbra e Évora, celebrada no dia 9 de Julho. Porém, durante o pontificado de Pio XII (n. em 2 de Março de 1876, entronizado em 12 de Março de 1939, † 9 de Outubro de 1958), a festa do Anjo de Portugal foi restaurada, passando a celebrar-se no Dia de Portugal.

Com a viragem do século e a entrada do novo, o 20.º do calendário romano, volta a falar-se no Anjo da Guarda de Portugal: o Anjo aparece a três crianças, na Loca do Cabeço, perto de Fátima. Essas três crianças, dois irmãos e uma prima, que naquele ano 1916 pastoreavam o gado pertença da família, como era uso e costume das populações rurais.
Eram Francisco de Jesus Marto (n. Fátima, Ourém, 11 de Junho de 1908 † Fátima, Ourém, 4 de Abril de 1919), Jacinta de Jesus Marto (n. Fátima, Ourém, 11 de Março de 1910 † Lisboa, 20 de Fevereiro de 1920), beatificados em 13 de Maio de 2000, pelo Papa João Paulo II e Lúcia de Jesus dos Santos (n. Aljustrel, Fátima, Ourém, 28 de Março de 1907 † Coimbra, 13 de Fevereiro de 2005), que, de acordo com o seu testemunho, um Anjo apareceu-lhes e identificou-se como: "Eu sou o Anjo da Guarda, o Anjo de Portugal".

Em muitos monumentos que imortalizam os nossos heróis, aparece uma figura alada, que protege o Soldado Português, e em muitos deles colocando-lhe, sobre a cabeça, uma “coroa de louros”, enaltecendo o seu espírito de sacrifício e patriotismo.

Miniatura do Anjo de Portugal, inserido no Grupo escultórico inaugurado na Loca do Cabeço, Fátima, em 12 de Agosto de 1958, da autoria da escultora Maria Amélia Carvalheira da Silva
Colecção de Maria Manuela Martins
© - Foto José Martins
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9156: Um novo Monumento aos que tombaram pela Pátria, aos que construíram uma terra (2) (José Martins)

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9023: Patronos e Padroeiros (José Martins) (24): São Martinho de Tours, militar que se tornou santo

Guiné 63/74 - P9162: Notas de leitura (310): De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2011:

Queridos Amigos,
Conclui-se assim a recensão sobre as memórias do comandante Bobo Keita. Importa reconhecer o seu olhar peculiar sobre a vida da guerrilha em que esteve envolvido tantos anos. Envolveu-se em controvérsias, desamores e não esconde ressentimentos. É claramente desprimoroso com as tropas portuguesas no Leste, após o reconhecimento da independência, carece de contraditório. E se a caso se vier a demonstrar que Osvaldo Vieira abençoou a conspiração de Janeiro de 1973, em Conacri, é escusado continuar a bater no ceguinho de que a PIDE foi o braço-longo e o cérebro da operação.
Seria bom que pessoas responsáveis e que ainda estão vivas, caso de António Fragoso Allas, o dirigente da DGS em Bissau, viessem depor com documentos na mão. Compete a portugueses e a guineenses apresentarem provas, ambos estão comprometidos com a verdade histórica.

Um abraço do
Mário


Bobo Keita: do assassinato de Cabral à entrada em Bissau, em 1974

Beja Santos

O que o comandante das FARP Bobo Keita nos conta em “ De Campo em Campo, Dos Estádios de futebol à luta de libertação nacional dos povos da Guiné e de Cabo Verde” (edição do autor, 2011) quanto ao período próximo do assassinato de Cabral poderá ter a maior importância caso venha a ser confirmado por outros testemunhos. Mas há uma relativa nebulosa ou vontade de não comentar em profundidade tudo quanto estava a ver quando chegou a Conacri, vindo da União Soviética. Diz que a situação estava caótica mas não explica porquê. As coisas não estavam bem em Conacri e aponta imediatamente para os nomes de Momo Turé e Aristides Pereira, dá-os como recrutados por Spínola e mobilizadores de todos aqueles que tinham sido castigados. Em Conacri recebe uma informação de que fora designado como novo comandante dos tanques anfíbios, sucedendo a Inocêncio Cani, comprovadamente o conspirador que primeiro atirou sobre Amílcar Cabral, na noite de 20 de Janeiro. Recebido na véspera do assassinato pelo próprio Cabral, este revela-lhe que tinham acabado de sair do seu gabinete os embaixadores da Tanzânia e da Argélia que lhe deram a informação que as autoridades de Bissau tinham fechado a zona de Cacine e preparavam um novo golpe contra a República da Guiné, era um plano que incluía a eliminação da sua própria pessoa.

Em 20 de Janeiro, Bobo deixa Conacri na companhia de José Pereira, representante do PAIGC em Boké, é para ali que ambos se dirigem. De madrugada, foram convocados pelo governador de Boké, são informados do assassinato do líder e que entretanto um barco saíra de Conacri levando a bordo Aristides Pereira, feito prisioneiro. Deu-lhes a entender que esse barco se dirigia para Cacine e deveria passar por Boké. O que nos relata sobre o assassinato de Cabral é o que já consta de outros testemunhos, Norberto Tavares de Carvalho cita abundantemente Oleg Ignatiev que, como veremos oportunamente, é parcialmente contraditado por outros testemunhos como o de Oscar Oramas, o embaixador cubano em Conacri.

O relato imprevistamente descamba nas negociações entre autoridades portuguesas e o PAIGC e depois Bobo dá a sua opinião, muito crítica, sobre a alegada clivagem entre guineenses e cabo-verdianos, desmente-a categoricamente, não deixando porém de referir que os cabo-verdianos têm, todos eles, missões de desempenho muito elevado, desde artilharia passando por mísseis terra-ar, direcção política e outras actividades que requeriam elevada formação ideológica ou militar. Estiveram nas frentes de combate mas em lugares seleccionados, di-lo explicitamente: “Lembro-me de uma vez, quando atacámos Gadamael em força, estavam ali eles, ao nosso lado, a manejar com perícia os morteiros 120. Quem esteve presente e não se lembra de João José (o Jota Jota) no assalto a Guileje? Este cabo-verdiano, hoje radicado nos EUA, deu mostras e provas de um espírito de combatividade e de técnica no manejo das peças de artilharia que contribuiu para que Guileje não resistisse às nossas forças. O Julinho de Carvalho esteve sempre ao pé das Katyuissas e dos morteiros. O Tchifon tratava por tu tudo o que era artilharia. O Manecas era também especialista no manejo das Katyuissas e dos morteiros”. Depois o relato volta aos acontecimentos do assassinato, Cani chega a Boké, afinal não foram os barcos soviéticos que o detiveram no alto-mar, como por vezes se vê escrito, foi detido ali. Cani, segundo Bobo Keitá, iria a Boké ajustar contas com José Pereira, fora este que investigara os actos ilícitos que teriam levado à sua expulsão do Comité Executivo da luta do PAIGC, tempos atrás. O livro é outra vez reconduzido a Oleg Ignatiev e a um conjunto de fantasias como a não comprovada implicação da PIDE em Lisboa na chamada operação “Rafael Barbosa”, de que não existe qualquer indício ou prova documental.

O relato volta a dar uma guinada, vai para aviões de caça, mísseis o relato da independência unilateral, a operação “Amílcar Cabral” que envolveu Copá, Guidaje e Guileje e, por arrastamento, Gadamael Porto. E dá nova guinada para críticas a Nino Vieira com quem se incompatibilizou à volta do golpe de Estado de 1980. Estranhamente, parece ignorar o que se passou de facto na morte dos três majores no Jolmete, em 20 de Abril de 1970 e estamos chegados aos acontecimentos posteriores ao 25 de Abril.

Em Agosto de 1974 é assinado o acordo de Argel. Bobo regressa à Frente Leste e afirma desabridamente: “Eu resolvi fazer uma astúcia. Escolhi o quartel de Buruntuma. Preparámos a operação e organizámos um assalto em simulacro. Fizemos tudo para que a tropa portuguesa tivesse conhecimento da operação. Mandámos avisar a população e os elementos do Partido para que abandonassem Buruntuma pois íamos atacar aquela população”. O comando de Buruntuma não percebe o que se está a passar, contacta o PAIGC, dentro do bluff Bobo comunica que as tropas portuguesas têm duas horas para sair. No dia seguinte, as tropas portuguesas saem para Piche, só lá fica a milícia. Bobo Keita, recorrendo a este estratagema, diz ter conseguido libertar seis pequenos quartéis e que entretanto começaram as dissensões entre oficiais superiores e Carlos Fabião. Adoptou, diz ele, uma postura agressiva, estende a Bafatá e a Bambadinca o controlo de carros. Em Pirada, tendo sido informado da sublevação das milícias, procede a execuções. Afirma ter dado ordens ao oficial de Pirada. E não esconde que há populações e tropas africanas que se põem em fuga para o Senegal. Em Setembro, entra em Bissau, foi nomeado Comissário Político da região e afirma: “Eu é que organizei a retirada definitiva de Bissau dos últimos elementos do exército português”.

Assim termina o relato na primeira pessoa do singular. Segue-se uma listagem de guerrilheiros que caíram em combate, o posfácio do nosso camarada António Marques Lopes, que teve a gentileza de me enviar esta obra para recensão. Em anexo, consta o texto dos acordos de Argel e uma cronologia de factos e feitos da história da Guiné.

Estamos perante um testemunho que nalguns pontos-chave carece de contraditório: se é facto que Osvaldo Vieira passou uma boa parte do dia 20 de Janeiro de 1973 na companhia de Inocêncio Cani, e que razões determinaram a saída daquele guerrilheiro histórico da direcção do PAIGC; o guerrilheiro, à semelhança de outros depoimentos, refere que Conacri, ao tempo da conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral, era um local irrespirável quanto a intrigas e a rumores de conspirações, mas não se dá substância à natureza do que se fala, os nomes que se põem na mesa são os de Momo Turé e de Aristides Barbosa, ninguém acredita que estes dois quadros em estado de “regeneração” prepararam e executaram uma conspiração que envolveu largas dezenas de quadros guineenses; e porque continua ausente uma resenha histórica de tudo quanto se passou na Guiné entre 25 de Abril e a saída das tropas portuguesas, ao menos que os protagonistas que viveram os tais episódios que Bobo Keita refere em Buruntuma e outros locais nos transmitam a versão dos acontecimentos, parece essencial começar a clarificar o que foi de facto o entendimento sobre os acordos de Argel no território guineense, como se viveu esse período tão conturbado.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9137: Notas de leitura (308): De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9153: Notas de leitura (309): Guillaume Apollinaire, de George Vergnes (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P9161: Parabéns a você (349): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73) e Armandino Alves, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9154: Parabéns a você (348): Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil Art do Pel Canhão S/R 2054 (Guiné, 1968/70)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9160: (Ex)citações (162): Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da política seguida pelo nosso blogue (José Teixeira)

1. Em mensagem do dia 7 de Dezembro de 2011, o nosso camarada José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), membro da Direcção da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau (ONGD), enviou-nos este...


REFLECTINDO…

Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da "política" seguida pelo nosso blogue.
Desde a primeira hora e eu sou dessa hora, afirma que pretende criar condições para que a história da guerra colonial seja contada pelos autores e em simultâneo atores dessa guerra ou seja nós e... os nossos adversários à data dos acontecimentos. Caso contrário a história ficará mal contada.

Há uma frase slogan que espelha este espírito "Não deixes que outros contem a tua história"...

- Houve uma guerra que alguns querem que seja a guerra do ultramar e outros a guerra das colónias. Estes ficam até ofendidos. Afirmam que Portugal não tinha colónias, mas províncias ultramarinas. Pois... mas quando fui para escola as tais províncias eram colónias e Portugal tinha um império colonial de que o Estado Novo se orgulhava. Mas... mudam-se os tempos… e os nomes por conveniência política. A carne vira peixe, para se poder comer na Quaresma sem se cair em pecado. Será?

Ainda há dias ao procurar numa livraria do Porto tabuadas para enviar para a Guiné, a pedido de guineenses vi um mapa do glorioso império português do Minho a Timor datado de 1946, o ano em que vi a luz deste mundo.


- Fomos chamados a combater. Diziam que era pela Pátria. Fomos arrebanhados à força ou será que todos fomos voluntários para "carne para canhão"?

Eu confesso que não fui, mas parti convencido que a minha Pátria tinha a Razão do seu lado. Porém, rapidamente verifiquei o quanto estava errado ao ser acolhido pela forma como fui. Afinal não eram selvagens e comunistas que viviam na Guiné, mas… pessoas com valores e contra-valores como todos os povos do mundo. Com uma cultura muito própria que merecia ser respeitada pelo poder instituído e tal não acontecia. Felizmente nós, os militares e guerrilheiros à força demos lições de civismo a par das lições de guerra que éramos forçados a dar, talvez para sobreviver (não éramos nenhuns santos tal como os “turras”) e hoje somos recebidos em festa.

Confesso que deixei fugir lágrimas de emoção e raiva quando vi um chefe de posto amarrar um homem a um poste e ordenar que lhe fossem dadas 50 chicotadas, só porque outro o acusou de algo, sem ouvir o presumível réu. Só que o queixoso era “português” fiel e o outro era um simples homem do mato.


- Lutar por quem, contra quem e porquê!

Esquecemo-nos dos anos que antecederam o ano de 1640 na luta dos portugueses pela independência contra Castela. Pois é. Já lá vão muitos anos.

Será que aqueles povos não tinham o direito de lutar para o bem ou para o mal por um direito que todo o mundo lhes dava, excepto o regime que vigorava em Portugal?


- Creio que toda agente sabe como eram arrebanhados e instrumentalizados os guerrilheiros do PAIGC. Tal como nós ou pior ainda. Entravam pelas tabancas dentro e levavam todos quantos tivessem idade para irem para a luta.

Em 2008 conversei com uma guerrilheira que com doze anos era a rádio telegrafista do PAIGC dos grupos de combate que cercaram Guiledje. Apenas 14 aninhos! Será que estaria lá de boa vontade, voluntária?

Hoje, é uma mulher grande algures numa tabanca na mata do Cantanhez. Será que não deve merecer o nosso respeito?

Um outro guerrilheiro, ao saber as terras por onde andei procurou-me para localizar possíveis encontros. Efectivamente tivemos vários. Foi muito gira a nossa conversa, a qual começou por um humilde pedido de desculpas por parte dele, logo que descobrimos e contabilizamos as vezes que nos encontramos frente a frente: “Discurpa. Guerra é guerra, mas caba há manga di tempo, dá um abraço”. Chamou amigos e família para me conhecerem e fez comigo um pacto: “Quero ser teu ermon” - e não me largou mais nos dias que estive em Bissau.

Este homem que seguia o Nino para todo o lado. Tinha sido “mobilizado” pelo PAIGC com 16 anos numa visita relâmpago à sua tabanca . Era o especialista de minas e armadilhas do terrível trilho “carreiro da morte” no Cantanhez. De uma vez só levantamos 87 minas em Tchangue Laia, montadas por ele.

Hoje, melhor, acabada a guerra, regressou à sua tabanca e é um humilde trabalhador do campo.

Será que não deve merecer o nosso respeito, tanto quanto nós merecemos o respeito dele, daqueles povos que hoje nos recebem em festa? Ou será que nós fomos uns santinhos que por lá apareceram?!

Os nossos aviões, por exemplo, despejavam toneladas de trotil sobre Tabancas em poder do IN, possivelmente pessoas apanhadas entre dois fogos, sem possibilidades de defesa. Ou será mentira?

E quando as nossas tropas, sobretudo as de elite avançavam sobre as tabancas consideradas inimigas?…

Note-se que não pretendo fazer juízos. Guerra é guerra, como disse o Baldé e eu também lá estava.

Antero, o guineense que gosta de ouvir o Hino Nacional

- Acabada a guerra, da qual saímos de uma forma inglória, como era de esperar, pois nenhuma guerra pela independência em qualquer parte do mundo foi favorável ao opressor, há que fazer passar à História os acontecimentos que marcaram aquela época de luta, sangue suor e lágrimas por parte das duas frentes em contenda. Para tal é no mínimo necessário tentar ouvir intervenientes de ambas as partes e reconhecer os soldados que se evidenciaram, que os houve naturalmente, e nós temos felizmente muitos. O PAIGC também os terá e há que reconhecê-lo, tanto quanto eles admiram por exemplo o Spínola, o Carlos Fabião e possivelmente outros que lhes merecem no mínimo o respeito pela forma como lhes fizeram frente.

Para finalizar recordo o Ernesto. O motorista que me acompanhou no ano passado durante alguns dias pelo interior da Guiné. O toque do seu telemóvel era… o Hino de Portugal.

- Eu gosto muito de ouvir o Hino Nacional - justificou-se...

Deixemos o blogue cumprir a sua missão. Fazer História, mesmo que nos doa. Deixemos que os intervenientes contem a sua história. Apenas peço o cuidado de tentarem respeitar as susceptibilidades dos outros camaradas ou ex-inimigos.

Não nos esqueçamos que “guerra caba manga di tempo” e o tempo deve cumprir a sua missão de curar as feridas.

Abraço fraterno
Zé Teixeira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9009: Ser solidário (115): Poço em Farim do Cantanhez (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)

Guiné 63/74 - P9159: Recortes de imprensa (53): Em, A Semana - Opinião, África no tempo das belas Signares, de Arsénio Fermino Pina (Nelson Herbert)



1. O nosso tertuliano Nelson Herbert*, jornalista na Voz da América, em mensagem do dia 7 de Dezembro de 2011, deu-nos conta do artigo "África no tempo das belas Signares" de autoria de Arsénio Fermino de Pina e publicado no diário online "A Semana" deste mesmo dia, que transcrevemos com a devida vénia ao referido diário e ao seu autor.










OPINIÃO
ÁFRICA NO TEMPO DAS BELAS SIGNARES
Por Arsénio Fermino de Pina

Remexendo nos meus papéis, encontrei um artigo bastante interessante do historiador congolês Likia M’Bokolo, com ilustração de Hoa-Qui, sobre as “
signares” do Senegal, e, por associação de ideias, veio-me à mente um trabalho recheado de humor saudável apresentado ao 2.º Congresso dos Quadros e Dirigentes Associativos Cabo-Verdianos da Diáspora, pelo amigo e colega Dr. Daniel Neves sobre os cha¬mados lançados ou tangomaos no Senegal. Escreveu o colega, a certo passo, que “os lançados, por razões diversas e em particular pela concorrência dos franceses cada vez mais numerosos em África, desapareceram no século XVII, mas ficou o termo lançado no nosso crioulo que, na sua acepção de homem temerário teria, aí, talvez, a sua origem semântica”, acrescentando, com sorriso matreiro num cantinho da boca, que, rezam crónicas apócrifas que teve a sorte de encontrar nas suas laboriosas pesquisas históricas, que alguns desses lançados teriam frequentado o Liceu Gil Eanes, em S. Vicente de Cabo Verde: Nhunha de Bia Gaxa, Tchenta (Gomes), Coxim, Nhelas de Ti Pede, Torres e Bitim Leite.

Mas, deixemos de lado estes e outros lançados da investi¬gação histórica do colega e respiguemos alguns elementos do citado artigo sobre as “signares”, cuja origem e fama deve o Dr. Nhelas conhecer melhor do que eu por viver dias-há no Senegal enroscado a Dakar como moreia anzolada em buraco de rochedo, ingratamente sem dia de regresso ao torrão natal. Escreve M’Bokolo que é aos portugueses que senhoras elegan¬tes dessa época devem o nome de signares: a palavra portuguesa senhoras, rapidamente deformada, deu origem a “signares”. De resto, foram eles quem, dos europeus, primeiro pisou terra afri¬cana, montou negócios entabulando relações com as suas gentes e, obviamente, como costuma dizer o amigo Neco — a carne é fraca —, os primeiros a ter relações amorosas com mulheres africanas.

Não se sabe, ao certo, quando começou esse relacionamento horizontal, isto é, ao nível da cama, entre europeu e mulher africa¬na. Na crónica da Guiné de Gomes de Zurara (meados do século XV), quase que não se encontra referência a essa aventura amo¬rosa. Foi um pouco mais tarde, na última metade do século, que jovens portugueses, de espírito aventureiro e sem preconceitos, se ligaram a mulheres africanas, com grande escândalo da chamada boa sociedade branca. No início do século XVI, o padre Manuel Alvares descreve-os da seguinte guisa: “são tudo que há de mau, idólatras, perjuros, desobedientes do Céu, assassinos, debochados, ladrões ..., gente sem lei, não respeitando nada a não ser os seus apetites libidinosos, sementes do inferno”. O padre devia estar danado, muito provavelmente por não poder fazer outro tanto, embora, posteriormente, fosse tolerado aos padres portugueses tomar, sem escândalo, mulher indígena, jamais europeia, nes¬ses climas miasmáticos.

Daí nasceram muitos descendentes da Eclesia, à cautela e hipocritamente denominados de sobrinhos e afilhados, raríssimos com apelidos dos respectivos pais. Em Cabo Verde, por exemplo, quase que não se encontra família mais ou menos graúda que não tenha um padre e cónegos progenitor no passado, que viveu maritalmente e sem escândalo com a mãe dos filhos, respeitado por todos da comunidade e sem grandes objecções, nessa época, por parte da Igreja Católica.

Todavia, não obstante condenações do tipo das do Padre Álva¬res e atropelos à moral oficial, foi-se tornando hábito entre todos os outros europeus, por imitação dos iniciadores portugueses, viver com mulheres indígenas, ao longo de toda a costa africana onde se fazia comércio de produtos preciosos (ouro, marfim, etc.) e, sobretudo, o rendoso e criminoso tráfico de escravos. Foi sobretudo nas ilhas e portos da chamada Senegâmbia — Gorée, Saint-Louis, Portudal e Joal (terra natal do ex-presidente Leopold Senghor, nome derivado do português Senhor, que cantou em lindos versos a beleza da mulher africana, mas ... se casou com europeia) — que as “signares” mais se notabilizaram.

Apesar da proibição de certos oficiais e empregados franceses de mandarem buscar as respectivas mulheres de França para o Senegal, a Companhia da Senegâmbia e do Senegal decidiram interditar aos seus empregados viver com mulheres africanas. O resultado foi que a relação entre europeus e africanas teve de ser, a princípio, concubinagem, para se transformar, com o decorrer dos anos, numa espécie de política oficiosa, por se ter constatado que os europeus que viviam com mulheres negras resistiam melhor às condições climáticas e sanitárias do meio, isso porque a sua en¬trada na sociedade indígena permitia-lhes beneficiar dos serviços de curandeiros que dominavam melhor o tratamento das doenças tropicais.

Tal facto levou a que entre 1728 e 1730 alguns gover¬nadores do Senegal tivessem pedido a essas Companhias que amenizassem essa proibição. Disso resultou que durante cerca de um século, até meados de 1830, os europeus adoptaram a prática do chamado “casamento à moda do país”.

Um casamento com europeu, geralmente um funcionário da Companhia do Senegal ou do Estado, portanto, com alguém de¬tentor de poder económico e político, constituía a melhor garantia para se ganhar um lugar no mundo novo, euro-africano, que se constituía. “Os casamentos à moda do país” eram, de facto, uniões reconhecidas: os africanos tomavam-no como tal e os europeus também reconheciam aos filhos dessas uniões um certo número de direitos (herança, direito de uso do apelido do pai, etc.). As beneficiárias desses casamentos obtinham, também, a libertação da escravatura.

As “signares” desempenhavam um importante papel económi¬co e social na sociedade local e como conselheiras dos maridos, e algumas até participavam no rendoso negócio de tráfico de escravos, portanto, compravam e vendiam irmãos de raça. Em 1788, assinalam-se três “signares” entre os armadores mais importantes de Saint Louis (primeira capital do Senegal).

A beleza, elegância e “boeza” dessas “signares” fascinavam os europeus. Jean-Baptiste Durant, um dos directores da Companhia do Senegal, escreveu: “elas são belas, dóceis, ternas e fiéis. O seu olhar tem um certo ar de inocência e o falar uma timidez que se alia ao seu encanto. Elas têm um pendor invencível para o amor e a volúpia”. Foi com esses trunfos que as nossas mães ancestrais africanas levaram à certa os europeus. Não admira, pois, que a mestiçagem se intensificasse, cons¬tituindo-se, assim, uma pequena comunidade muito influente de mestiços e de “negros franceses”. Até se ouviu falar deles na Revolução Francesa. Em 1789, na véspera da convocatória dos Estados Gerais, os negros e mestiços de Saint-Louis associaram-se aos brancos para redigir as “muito simples queixas e exortações dos habitantes do Senegal aos cidadãos franceses”. Proclamaram, particularmente: “o sangue francês corre nas nossas veias”, e assinaram, orgulhosos da sua componente sanguínea francesa, “Negros e mulatos, todos franceses”.

É difícil, se não impossível, dizer quando terminou a in¬fluência económica e social das “signares”. Custou-lhes cara a ocupação colonial do século XIX, bem como a chegada regular de mulheres europeias em África. Todavia, ainda em 1902, o Dr. Barbot, num livro de conselhos aos europeus que emigravam para África, recomendava o “casamento à moda do país”. De salientar que até à eleição do primeiro deputado negro do Senegal, Blaise Diagne, em 1914, foram os mestiços, filhos das “signares” que incarnavam, bem ou mal, as confusas aspirações de então das elites africanas.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8811: Recortes de imprensa (49): Expresso das Ilhas - Morreu Aristides Pereira (1923-2011), o primeiro Presidente de Cabo Verde (Nelson Herbert)

Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9140: Recortes de imprensa (52): Revista Expresso , nº 1299 - Memórias de Alexandre Carvalho Neto, secretário de Spínola e de Marcello Caetano (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P9158: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (29): O acidente aéreo em Chitado, Angola, 10 de Novembro de 1961: 18 mortos, entre os quais 2 oficiais generais (Maria Arminda / Aniceto Carvalho)

1. Texto da Maria Arminda, a partir de comentário ao poste P8998 (*):

Camarada Marques (**):

Efectivamente, fui ao Chitado após o acidente. Tivemos para saltar para procurar esse avião, duas enfermeiras,  a Maria de Lurdes Rodrigues e eu, o médico também paraquedista, Henrique Souto, integrados num pelotão de paraquedistas.

A bordo do avião que nos transportava, tivemos conhecimento que o avião sinistrado tinha sido encontrado e não havia sobreviventes. Contudo fui integrada num grupo de peritos técnicos da Força Aérea, que levava o médico chefe, Dr João Varela (já falecido) e pilotos entre eles o então Ten Vito Negrão.

Tive ocasião de ir mesmo ao local, mas os corpos já tinham sido retirados para Sá da Bandeira onde fomos na missão de reconhecimenro e infelizmente também reconheci um. O que vi marcou-me para toda a vida e por isso não mais esqueci.

Quanto ao teor da missão desconheço. Apenas ouvi falar de uma reunião, no Sul de Angola. De que se tratava desconheço. Só a Força Aérea  talvez nos seus registos lhe poderá dizer. Vi e sei que o avião,  depois de embater com uma asa numa árvore muito alta,  caiu a pique e estava muito prestes a aterrar. Encontrava-se talvez de meio a um quilómetro na posição transversal à pista. Estava de nariz enfiado no chão, cauda no ar. Tinha as duas asas, mas a parte principal toda ardida.

Acompanhei as exéquias em Luanda e depois a esposa de um dos pilotos, o Srgt Correia (***). As outras viúvas e familiares (filhos) foram acompanhadas, para Lisboa,  pelas enfermeiras Maria de Lurdes e Maria Zulmira.

Os netos do General Francisco Chagas, filhos do outro piloto, [ o Ten Pilav José Manuel Boavida] Chagas, foram acompanhados para Lisboa pela minha colega Maria da Nazaré. Eu, depois de chegar do Chitado,  fiquei sozinha em Luanda a acompanhar as esposas dos pilotos que se recusaram a partir com as outras senhoras, antes dos corpos chegarem a Luanda.

Infelizmente só a viúva,  que depois acompanhei para Lisboa, é que assistiu à cerimónia porque se deu outro infeliz acontecimento que por não ter interesse para o amigo, não o conto neste momento. Todos estes acontecimentos fizeram com que eu dormisse sempre de luz acesa até regressar a Luanda e só a apagasse depois de nos juntarmos as quatro enfermeiras, que fomos as primeiras a prestar serviço em Angola.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 5 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8998: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (28): Comemoração dos 50 anos dos cursos de 1961 das Tropas Pára-quedistas (Rosa Serra / Maria Arminda)

(**) Comentário, de 7/12/2011, ao poste P8998, da autoria de um nosso leitor, de apelido
Marques, neto do Ten Cor Oliveira Marques:

(...) Caros amigos: Deixo aqui este comentário porque acabei de ver a Enfermeira paraquedista Maria Arminda na televisão, dizendo que uma das suas primeiras missões foi socorrer um acidente de aviação no Chitado [, ocorrido em 10 de Novembro de 1961,] onde todas as vitimas se encontravam carbonizadas.
 
Sou familiar do Ten Cor [CMM João Manuel de] Oliveira Marques, e o filho [, civil, João Manuel de Oliveira Marques], falecido no acidente de aviação do Chitado em 1961, que julgo ser o mesmo a que a enfermeira paraquedista  se referia. Muito pouco sei sobre este acidente e muito pouco me foi transmitido. Apenas sei que esse acidente ceifou a vida a mais de 18 pessoas (****),  entre elas o meu avô e o seu filho menor [, João Manuel de Oliveira Marques].  
 
Gostaria de junto da enfermeira  Maria Arminda saber onde e como posso ter mais informações a respeito deste acidente. (...)
 
(***) Lapso (?) da Maria Arminda: Deve tratar-se do Brig Pil Av José da Silva Correia, Segundo Comandante da 2ª. Região Aérea [de Angola].

(****) Segundo Aniceto Carvalho, que assistiu "às cerimónias fúnebres e à partida das dezoito urnas na Base Aérea 9 para a Metrópole", morreram neste acidente, no sul de Angola,  2  oficiais generais.

Guiné 63/74 - P9157: Agenda cultural (176): Apresentação da obra Elementos de Cultura Militar, de João Freire, sociólogo, dia 12 de Dezembro de 2011, pelas 18 horas, na Associação 25 de Abril

1. Por sugestão do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), dá-se notícia do lançamento da obra "Elementos de Cultura Militar",  de autoria de João Freire (*),  a ter lugar no dia 12 de Dezembro pelas 18 horas,  na Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95 - Lisboa. A apresentação estará a cargo do Dr. Manuel Barão da Cunha.




Ver também: http://www.edi-colibri.pt/Noticias.aspx?NoticiaID=201
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2011 Guiné 63/74 - P9138: Agenda cultural (175): Apresentação do livro As Mais Belas Cidades de Angola, de Sandro Bettencourt, dia 6 de Dezembro, pelas 18h30 na Bertrand do Chiado

(*) Sobre o currículo académico do autor, conhecido sociólogo do trabalho e antigo oficial da marinha, vd mais informação aqui

Guiné 63/74 - P9156: Um novo Monumento aos que tombaram pela Pátria, aos que construíram uma terra (2) (José Martins)

1. Segunda parte do trabalho do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), sugerindo razões para a construção de um Monumento aos Mortos na Guerra do Ultramar (1961/74) do então Concelho de Loures.

UM NOVO MONUMENTO AOS QUE TOMBARAM PELA PÁTRIA!

Aos que construíram uma terra!

Ligação entre Loures e Odivelas

É certo e a história comprova-o que, antes destas terras serem portuguesas, eram mouras e, muito antes dos mouros, outros povos a habitaram, deixando vestígios da sua passagem e das suas civilizações.
Mas, desde a tomada de Lisboa em 25 de Outubro de 1147, que se tornaram nos arrabaldes da cidade, para onde ela se havia de expandir além dos muros do castelo que, sucessivamente foram sendo alargados e sendo abertas novas portas.
Como atrás dizíamos, os arrabaldes, que tomaram o nome de Termos em 1385 e assim se mantiveram, embora perdendo território aqui ou ali. As suas gentes, composta por cristãos, mouros e judeus, mantinham as suas tradições e rituais, liberdade de culto, assim como as suas festas.

Em 1527, em resultado de um censo populacional aos Termos de Lisboa, constata-se que é formado pelas vilas de: Cascais, Sintra e Torres Vedras, a Poente; Enxara dos Cavaleiros, Sobral de Monte Agraço e Aldeia Galega da Merceana, pelo lado Norte; Alverca, Alhandra, Vila Franca de Xira, Povos e Arruda dos Vinhos, para nascente, onde ainda hoje, na Estrada Nacional 10, existem, entre o Forte da Casa e Alverca, dois padrões que delimitam os Termos de Lisboa.

O Termo tinha como autoridade máxima o Corregedor do Crime, que durou até 20 de Agosto de 1624, data em que um Decreto extinguiu o cargo e nomeia, em sua substituição quarenta e dois Corregedores do Crime que tomariam o seu cargo em cada uma das trinta e três freguesias. Dada a extensão, não só territorialmente mas também pelo número de habitantes, para algumas freguesias foram nomeados mais que um corregedor. Neste documento também se verifica que a área aumentou, em virtude da inclusão de novas freguesias nestes territórios. Na lista que está indicada no documento citado, lá se encontram muitas das freguesias que, hoje, ainda fazem parte dos Concelhos de Loures e Odivelas, figurando estas como freguesias.

Os Termos, pensa-se, vai mantendo a sua estrutura na base de cerca de três dezenas de freguesias porem, se entretanto se verifica a saída de alguma delas, outras são subdivididas, mas, a partir de 1759, começa a perder as freguesias que se encontram mesmo nos limites territoriais, pela inclusão destas nas vilas que, entretanto, tinham passado a concelhos.

Com a Divisão Administrativa de 1836, as freguesias são reduzidas para vinte e duas, até que, em 1852 os Termos de Lisboa são extintos e, em sua substituição, são criados dois concelhos na zona de Lisboa: Belém e Olivais.
É nesta altura que Loures e Odivelas se afastam administrativamente, passando a pertencer a concelhos diferentes: Loures a Olivais, e Odivelas a Belém.
Porém, o curso da história não pára e, por carta de lei do dia 18 de Julho de 1855, é extinto o concelho de Belém, cuja eficácia tem início no primeiro dia do ano seguinte.

Odivelas junta-se, de novo, a Loures, ficando as duas freguesias a pertencer ao concelho dos Olivais, até que nova reforma administrativa, de 22 de Julho de 1866, é extinto o concelho dos Olivais e em 25 de Julho de 1866, por Decreto Real, é criado o concelho de Loures, onde as freguesias de Loures e Odivelas são incluídas.
Loures é elevada à categoria de vila em 26 de Outubro de 1926 e a cidade em 9 de Agosto de 1990.

Odivelas, que sofre o fenómeno de sobre urbanização, entre 1950 e 1970, tendo aumentado a sua população em quase nove vezes, passando de cerca de 6700 habitantes, para mais de cinquenta mil. Este facto vem originar a elevação da localidade a vila, em 3 de Abril de 1964 e a cidade em 10 de Agosto de 1990. Em 19 de Novembro de 1998 é criado o concelho de Odivelas, mas só assume esse estatuto, com a Lei 84/98, em 14 de Dezembro de 1998.


O Novo Monumento

A construção de um novo monumento que perpetue a memória dos que partiram, rumo além-mar e por lá combateram, desde 22 de Agosto 1415 (Conquista de Ceuta) até 11 de Novembro de 1975 (Independência de Moçambique), não é só um acto de justiça mas, porque não, o pagamento duma dívida de gratidão a quem, honrando o Juramento feito a Portugal e à sua Bandeira, tombou pela Pátria, deixando um vazio, primeiro nos camaradas que o acompanhavam, e depois nos familiares e amigos, vazio esse mais difícil de preencher, quando os corpos não retornavam a casa, ou pela prática da época ou por outra razão, como a não recuperação do corpo.

Loures - Parque da Cidade
Foto © José Martins

A forma de erigir “um marco histórico” numa das localidades que temos vindo a referir - Loures ou Odivelas - já que estão unidas por laços de centenas de anos, pode revestir-se de diversas formas.
Os locais que adiantamos, quer um quer outro, são frequentados por imensas pessoas, dado tratar-se de um local público e aprazível, convidativo ao lazer e à meditação: o Parque da Cidade, em Loures, e o Parque da Memória, em Odivelas.

Odivelas – Parque da Memória
Foto © José Martins

Poderá ter a forma de uma ponte, como a ponte de Sacavém, aliás onde começou a construção do que haveria de ser, além de território português, o espaço onde começaram os Termos de Lisboa. Uma ponte que ligasse o “passado ao futuro”; ou um aqueduto que transporta a “água que é símbolo de vida”, como os aquedutos de Caneças ou de Santo Antão do Tojal; um pórtico, qual “entrada dos heróis” para a eternidade.

Projecto monumento “Pórtico”
Desenho José Martins

Poderá ter a forma de um triângulo, a figura geométrica mais simples, mas de um equilíbrio estável, tão só, um triângulo equilátero que pode significar:
• Para os Cristãos, a Santíssima Trindade;
• Os três ramos das Forças Armadas: Exército, Marinha e Força Aérea;
• As religiões monoteístas: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo
• As classes de militares: Oficiais, Sargentos e Praças;
• Os territórios onde, as Forças Armadas Portuguesas, desenvolveram maiores esforços: Angola, Guiné e Moçambique.

Projecto / plano de Monumento “Prisma Triangular”
Desenho José Martins

Se vários triângulos se “sedimentarem ao longo dos anos”, elevar-se-ão do solo e formarão um sólido, mantendo a forma indeformável, como o espírito que formou e uniu os combatentes em campanha.

Projecto de Monumento “Mural” (2 faces)
Maqueta de José Martins

Poderá ter a forma de muro, em pedra resistente, num único bloco, simbolizando a unidade ou, em partículas ou tijolos, como que a vontade de todos e cada um de nós que, juntando forças, transformamos a aparente fragilidade numa unidade, que permite enfrentar todas as adversidades.
Mas, tenha a forma que tiver, receberá as placas que identificarão, não só a memória a que se destina, os últimos Soldados de Portugal que tombaram a defender a Bandeira das Quinas em África, mas também recordará, ”Os Combatentes Desconhecidos” de todas as épocas, porque a história se esqueceu de registar os seus nomes.

Terá necessariamente um mastro, em forma de Cruz, que servirá para hastear as bandeiras que, por direito - além da Bandeira Nacional - estarão a flutuar ao vento.


(Continua)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9143: Um novo Monumento aos que tombaram pela Pátria, aos que construíram uma terra (1) (José Martins)

Guiné 63/74 - P9155: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (26): Ao domingo não há guerra e Estragos no bananal

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 6 de Dezembro de 2011 com mais uma das suas irreverentes e picantes memórias boas da guerra.


Memórias boas da minha guerra (26)

Ao domingo não há guerra e
Estragos no bananal

Estávamos nos primeiros dias de Maio de 1967. Havíamos chegado no dia 1, à noite, e ainda não conhecíamos nada do que nos envolvia no aquartelamento instalado na Estação Agrária de Fá, a poucos quilómetros de Bambadinca, perto da estrada para Bafatá.

Logo nos primeiros dias o Capitão incumbira o Alferes Clarinho para se deslocar com o pelotão até à povoação de Fá Mandinga, a fim de contactar o Cipaio Mamadu Baldé, apresentar cumprimentos, dar a conhecer a nossa tropa recém-chegada e manifestar a disponibilidade para o que fosse necessário e possível, incluindo aspectos de saúde

O Alferes, a quem não era estranha a importância de relações amistosas com a população em tempos de guerra subversiva, zeloso, foi directamente à procura do “Homem Grande” de Fá.
 
Logo que feito o contacto e enquanto puxava do papel e lápis para anotações, deu a liberdade ao pessoal para andar pela tabanca, fazendo os seus primeiros contactos amistosos com os nativos.

O Alferes estava satisfeito com a receptividade do Cipaio e a simpatia de seus familiares e de outros homens e crianças que se abeiraram. O tempo passou rapidamente sem que o Alferes se apercebesse dos pormenores do pessoal do pelotão que continuava cirandando pela tabanca.

Quando já fazia as despedidas, avistou o Furriel Valentim a fazer-lhe sinais para que ele fosse ao seu encontro. Então, satisfeito, despediu-se do Cipaio que mandou “manga di mantenha” para “nosso Capitão” e foi prometendo voltar a visitar a tabanca.
- Que se passa? – perguntou já junto do Furriel, que lhe respondeu, apontando para uma palhota:
- Está ali uma gaja à sua espera. Já está livre. Pode ir sossegado, porque já “lá” foi a malta toda.
- Hum?! Não gosto de jogar em campos enlameados… Chame o pessoal. Vamos embora.


Ao Domingo não há guerra

Nesse primeiro Domingo na Guiné, durante a tarde, quase nada se ouvia. A tristeza estava patente naquele grupo de furriéis. Acabada a escrita das cartas ou aerogramas e a contemplação das fotografias mais queridas, ali estava o Machado a abrir as malas com roupa civil. Viera preparado para estagiar numa estância balnear tipo Biarritz ou Saint-Tropez, dada a variedade e a qualidade do seu guarda-roupa. De repente, vemo-lo a vestir-se à civil e diz:
- A roupa já cheira a mofo, tenho de a arejar.
- Isso, vamos aproveitar para tirar fotografias, para mandar para a família. – Incentivou o Mariz.

Viveram-se, então, momentos de alegria e de imaginação. Foram tiradas fotos em vários locais e em várias posições. Parecia um grupo de manequins a posar para alguma revista moderna.

Possivelmente por ter ouvido as gargalhadas, surge, vindo na nossa direcção, o Capitão, que diz:
- Que brincadeira é esta? Vocês não sabem que estamos em guerra? É com isso que têm de se preocupar.
 
E continuou o sermão:
- Já viram o exemplo que estão a dar aos soldados?
- Ó meu Capitão, que é que estamos a fazer de mal? Intervim eu, que continuei:
- Hoje é Domingo, não há guerra! Olhe, estamos a tirar estas fotos para mostrar à família e namoradas para verem que estamos bem e a gozar a vida. Elas ficaram lá a sofrer muito por nós.
- Ok, Ok, mas temos que lutar para vencer também essas saudades. – Insistiu.
E olhando à volta, acrescentou:
- Não vejo quase ninguém, onde andam os soldados?

Logo respondeu o Miranda:
- Penso que estão para a tabanca. Desde que esteve lá o nosso pelotão, não param de ir às bananas.

Estragos no Bananal

Ao fim da tarde, estávamos na galhofa a contar as novidades que iam surgindo no contacto diário, quando o básico Guisande se dirige ao Furriel Faria (Berguinhas), dizendo-lhe que o Capitão queria falar com ele.
- Dá licença, meu Capitão – pede o Berguinhas, ao mesmo tempo que entra no Gabinete.
- Ouça lá, ó Faria, vejo aqui este pequeno papel trazido pelo cabo Maqueiro, para serem pedidas para Bafatá 300 embalagens de Penicilina e 400 de pomada Penisulfadê !!! 

E continuou:
- Estamos aqui há pouco mais de uma semana e você pede uma quantidade destes remédios, que dava para meia dúzia de anos?
- Pois é, meu Capitão - diz o Enfermeiro, que continuou:
- Tem toda a razão, mas não esqueça que metade da nossa Companhia anda com a pi_ _ca esquentada. Deve haver mulheres na tabanca que estão com esquentamento na...
- O quê??? – interrompeu em grito alarmante o Capitão.
- Não me diga que ainda não reparou que a maior parte de malta anda de pernas abertas, que até parecem cow-boys? – perguntou o Faria.

- Estamos tramados! – exclamou o Capitão, que aproveitou para dizer:
- Ó Faria, você não sabe utilizar outras palavras como blenorragia, pénis, vagina e …
- Ânus? – interrompeu o Faria, que acrescentou:
- Ó meu Capitão, não vale a pena usar essas modernices. Sabe que a Companhia é toda do norte e, se eu falar assim, chamam-me paneleiro em pouco tempo. E isso, nem pensar. Tenho uma promessa ao São Gonçalo de Amarante e quero ir lá cumprir com a minha patroa nem que seja no meio do milho. Os nossos soldados percebem bem o que é um esquentamento e pi_a e ca_ _lho e que c_ _a é o pi_o e que o cu é o cagueiro, a peida, o pacote, o traseiro etc, etc.. Essas outras palavras, não.

- Ó Alferes Clarinho, chegue aqui – berrou o Capitão de forma a ser ouvido para além da divisória.
- Diga, meu Capitão – disse o Alferes, ao chegar.
- Não percebo nada disto. Você foi à tabanca, fez o relatório e não detectou que havia para lá problemas de saúde – disse o Capitão, ao mesmo tempo que apanhava umas folhas agrafadas. E continuou:
- Diz aqui: ”Sobre aspectos de saúde nada há a salientar. Apenas pequenos problemas de respiração ou de sinusite em algumas mulheres”. Ora, isto não justificava que mandasse os enfermeiros à tabanca. Então o Cipaio não lhe disse mais nada? É que o nosso pessoal está todo contaminado com blenorragia.

O Alferes, calmamente, pareceu fazer um esforço de memória antes de responder:
- O Senhor Mamadú Baldé só me disse que havia “mulheres com problema di catota” ao mesmo tempo que encolhia os ombros e torcia francamente o nariz. Deduzi que tinham problemas nas vias respiratórias, talvez com sinusite e catotas no nariz.

Silva da Cart 1689
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9119: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (11): Sexo - a quanto obrigas

Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9087: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): O Zé Maria ou as cambanças da nossa geração

Guiné 63/74 - P9154: Parabéns a você (348): Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil Art do Pel Canhão S/R 2054 (Guiné, 1968/70)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9127: Parabéns a você (347): Herlânder Simões, ex-Fur Mil das CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9153: Notas de leitura (309): Guillaume Apollinaire, de George Vergnes (Manuel Joaquim)

1. Mensagem de Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67, com data de 5 de Dezembro de 2011:

Meus caros camaradas,
Aqui vai um texto do meu dossier de memórias de guerra. Aproveita-se alguma coisa dele? Os excertos transcritos talvez sejam demasiados mas acreditem que me esforcei para limitar o seu número. Fiquei sem coragem para cortar mais. Na altura, até foram sublinhados pelos seus variados leitores para os utilizarem como apoio à escrita de muita cartinha ou aerograma. Respeito e aceito o vosso critério para a sua publicação, com cortes ou sem cortes, ou para a sua não publicação.

Um grande abraço,
Manuel Joaquim


Cartas de guerra

“Aquele que não viu sacolas penduradas no pé de um cadáver que apodrece no parapeito da trincheira, não sabe como a morte é uma coisa simples”.
(Guillaume Apollinaire)

Guillaume Apollinaire (1880-1918), francês de origem polaca, escritor, crítico de arte e um grande ativista do chamado “vanguardismo”, no início do séc. XX. Foi o criador do adjetivo “surrealista” usado, pela primeira vez, para caraterizar a sua peça de teatro “ Les mamelles de Tirésias”.
Participou como voluntário na 1.ª Grande Guerra. Em abril de 1915 partiu para a frente de batalha como furriel do 38.º Reg. Artª. Em agosto foi promovido a 1.º sargento e em novembro aceitou, por convite, a promoção a alferes de infantaria.
Em março de 1916, foi ferido gravemente em combate por “uma granada 105”: um estilhaço furou-lhe o capacete e ficou alojado na cabeça. Foi trepanado, passou tempos maus no hospital mas recuperou o suficiente para, embora fragilizado, voltar à intensa vida intelectual de Paris.

Morre a nove de novembro de 1918, vítima da gripe espanhola que então atingia a Europa.


Um livro na guerra

Dias antes de partir para a Guiné, comprei o livro “Guillaume Apollinaire”, obra de George Vergnes, edição Ulisseia/1965. E assim levei comigo algo mais do que um simples livro biográfico, como se verá a seguir.
Este exemplar também fez a guerra, tendo sobrevivido ao clima tropical e às frequentes manipulações de que foi vítima o seu “corpo”, principalmente as suas partes mais “íntimas”. Está hoje um pouco combalido. “Posou” para a fotografia e, como veem, está apresentável apesar da idade e de, na Guiné, ter sido bem apalpado por muitas mãos. Mãos que nas suas páginas procuravam inspiração para os seus proprietários melhorarem a “expressão escrita” da sua correspondência de guerra.
Que partes íntimas eram? – Eram as mais de trinta cartas escritas por Apollinaire no campo de batalha e dirigidas a Madeleine Pagès, pessoa que conheceu no comboio quando se dirigia para a frente de batalha. As cartas revelam o crescimento de uma relação afetiva. A 1.ª carta é de 5/maio/1915 e a última de 22/dezembro/1915.

Apesar das diferenças, pequenas ou grandes, entre campos de batalha e ações de combate, os sentimentos da maioria dos combatentes serão parecidos quando estes afrontam o perigo e as duras condições de vida do teatro de guerra.
Passei os olhos pelo livro, o seu conteúdo entusiasmou-me, principalmente o das cartas de guerra que contém. Chegado a Bissau, li-o então a sério e percebi que essas cartas, 50 anos depois de terem sido escritas, estavam vivas e capazes de nos ajudar a descrever momentos da nossa vida de combatentes, com algumas adaptações ao cenário de guerra, físico e humano. Se para mim o interesse deste livro ia muito para além de nele figurar essa correspondência, esta foi para alguns outros o único assunto que os atraíu.
Esta espécie de biografia de G. Apollinaire passou de mão em mão e serviu de apoio a alguns de nós, também a mim, na redação das nossas cartas e aerogramas. Abriu muitas portas ao nosso pensamento e à nossa expressão escrita. Foi “bombeiro” a acudir-nos naqueles momentos em que até “o pensar” nos custava, quanto mais ter imaginação!
É possível que tenha acontecido algum tipo de plágio. Estávamos lá nós preocupados com isso! Qual plágio qual quê! “Voa carta, voa-voa, voa lá até Lisboa!”
Com as nossas próprias palavras ou não, o que cada um de nós queria era falar da situação em que estava metido e, ao mesmo tempo, tentar fortalecer relações afetivas cultivando a amizade e o amor. Queríamos compartilhar o sofrimento e as angústias, arranjar forças para vencer as dificuldades e agarrar o futuro com unhas e dentes. Queríamos paz de espírito e sonhar com o mundo que desejávamos encontrar quando tudo aquilo por que estávamos a passar fosse uma recordação. Queríamos manter bem vivo o desejo de ser feliz.

Para se compreender melhor o que está dito atrás, eis alguns excertos dessas cartas, com indicação da data em que foram escritas:

(5/5/1915) “Que extraordinária surpresa me esperava ontem (...) no meio de uma inacreditável chuva de granadas de canhões enfeitada de tiros de espingarda (...) o oficial do correio grita-me: “um embrulho para ti!” E a gentil encomenda (...) lá estava (...). Caixotão encantador carregando granadas deliciosas e pacíficas!
Agora, sentado em cima de um saco de areia, escrevendo sobre um tronco de árvore, revejo-a, pequena viajante (...) de longas pestanas e de rosto expressivo. Algumas horas num comboio! uma recordação maravilhosa e a guerra como cenário, com a chuva enquanto troveja, desesperada e mortalmente,(...).
(...) digo-lho muito francamente, pensei muitas vezes em si. Estou tão longe que posso muito bem dizê-lo sem a chocar. A sua carta levou dez dias a chegar-me às mãos e agora, que tenho a sua amável promessa, não terei resposta senão daqui a 20 dias ou um mês. Por isso escreva-me um pouco mais amiude, eu escrever-lhe-ei também o mais frequentemente possível, se você estiver de acordo.”
(11/5/1915) “Tivemos a mesma ideia, a mesma inquietação, um e outro: não nos deixemos muito tempo sem notícias (...). Escreva-me cartas grandes, pequena aparição encantadora. Não ouso pedir-lhe uma fotografia mas se soubesse o prazer que me dava ter uma (...). Nós estamos aqui como os animais selvagens na floresta, já não se conhecem as conveniências. Mas não se ofenda. (...). Envolverei o seu retrato numa tão grande devoção, tão terna que por mais longínqua que possa ser, ela não deixará de chegar até si, de a tocar.”
(25/5/1915) “Sim, pequena fada tão distante, pobre de mim, (...) você escreveu-me uma carta deliciosa (...) e eu sou um malandro por lhe ter escrito há alguns dias uma carta desiludida, desculpe-me(...). Li e reli essa bonita carta e como desejaria que uma varinha de condão acabasse com estas distâncias. (...) Mas como espero com impaciência, uma impaciência que é quase um desatino, essas fotografias de que me fala! Cresce-me água na boca (...).”
(3/6/1915) “Bom dia, minha senhora, sou eu mais uma vez. Importuno-a? Espero que não, senão você não me teria escrito. Por seu lado, porque se crê ou se diz um empecilho? ... Empecilho, a bonita criatura dos olhos profundos, de nariz esperto, que retrata a fotografia que você teve a gentileza de me enviar! (...) Mande-me mais fotografias suas, não abandono nunca mais a que já tenho. Guardo-a na algibeira do lado esquerdo do casaco.”
(4/6/1915) “Desculpe-me de a ter feito sofrer. Sou eu que sou parvo e às vezes enervado, não quero que esteja triste por minha causa. Estou tão contente por causa de si! (...) Você está sempre comigo na minha barraca, é verdade, e dorme aí mesmo sobre o meu coração, em imagem: a sua fotografia que é o que tenho de mais precioso juntamente com as suas cartas.”
(...)“Tímida e muda!!! Não seja nem uma coisa nem outra ... É a mim que deve sentir, ao longe, tão tímido diante da pequena fada maravilhosa que é você. Ajude-me, (...), a dominar a minha timidez que além de tudo fica mal a um soldado.”
(22/6/1915) “Você é bonita tanto de espírito como de aparência física. É por isso que os meus sentimentos estão mais à mercê dos seus que os seus dos meus. É portanto muito simples que você decida (...). Se não sente nada, isto tem somente uma pequena importância, um coração masculino pode suportar muitos golpes. Mas se sente a mínima hesitação, diga-o (...)”.
(1/7/1915) “ Escrevo-lhe no meio do horrível pavor de milhões de moscas azuis. Caímos num lugar sinistro onde todos os horrores da guerra, o horror do sítio, (...) ,se juntam à falta de árvores, de água, de terra autêntica até. Se ficamos aqui muito tempo pergunto a mim próprio o que nos acontecerá (...). Depois de vários dias de viagem com dormida suportável no chão, eis-nos em buracos de tal maneira que, em lá estando, penso que tenho vontade de vomitar. Com tudo isto, o cansaço (...).”
(10/7/1915) “Há tantos dias que não tenho podido escrever-lhe (...). Este setor é inimigo dos descansos. Amo-a também, Madeleine e amei-a desde que a vi. (...) e este último retrato traduz tão completamente a sua voluptuosa beleza que estremeço ...
(...)Os canhões, as metralhadoras trabalham, é um barulho infernal. As bengalas iluminam a noite.Que deseja saber do meu passado, (...)? (...) quer ter a certeza de que não há nada nas minhas amizades que deva afastar-me de si. E, com efeito, nada a deve afastar de mim. (...) Mas tenho amizades sólidas às quais você não quererá que renuncie quando as conhecer. Tenho amizades femininas muito sérias mas não se deve inquietar por isso ...
Desculpe-me uma carta tão mal alinhavada como esta. Esta noite pôs-me um pouco doido e estou doido por si, Madeleine .”
(20/8/1915) “Minha querida, beijo-a do fundo da alma, apaixonadamente, doidamente, perdidamente... (...) Madeleine, a sua boca é minha e eu beijo-a longamente. Escrevo~lhe deitado no chão debaixo da tenda, no bosque(...)
(25/9/1915) “Tive hoje, meu amor, uma festa extraordinária, uma orgia fantástica, qualquer coisa de verdadeiramente magnífico, cinco cartas tuas e duas encomendas.(...) Adoro-te, sabes. Nunca tinha encontrado uma coisa tão bonita e uma mais perfeita comunhão à distância entre dois amantes seria impossível. A tua querida boca, os teus dentes, a tua saliva saborosa, tudo isso é meu apesar da distância(...).”
(25/9/1915) “Houve tiros de canhão todo o dia. É noite e repouso até à meia-noite e meia- hora para retomar o fogo com a minha peça. Partimos amanhã (...). Estou fatigado esta noite, meu amor,do nosso tiroteio quase incessante. Amanhã ainda vai ser mais terrível.”
(4/10/1915) “A minha vela acaba de cair sobre a carta, desculpa de ir tão suja, meu amor, mas estou tão mal instalado! Renovo os meus beijos nas tuas ancas de pérola, que eu amo e de que te orgulhas, minha adorada. (...). Sim, minha querida, ponho a minha cabeça contra o teu seio esquerdo, tremo de volúpia tocando nele, escuto o teu coração ...”
(7/10/1915) “... Imagino-te nua apertada contra mim. Os teus deliciosos seios penetram-me com os bicos tenros. Aperto a cintura flexível que torna pesado o cálice dilatado das tuas ancas de mel. Os nossos braços enlaçam os nossos corpos como cobras lunares. A tua cabeleira afoga-nos na onda misteriosamente noturna do nosso amor que se alumia a si próprio ...”
(3/11/1915) “Ah Madeleine, que lama, que lama! Tu não imaginas a lama, é preciso tê-la visto aqui, tendo às vezes a consistência do betume, por vezes das natas batidas, às vezes de verniz e escorregando de uma maneira extraordinária! (...).”
(30/11/1915) “(...) nove dias sem me lavar, deitado no chão, sem palha, sobre um chão cheio de vermes, sem uma gota de água senão aquela que serve para vaporizar as máscaras (...) em caso de gases.(...) A trincheira de argila é muito má (...) é preciso a toda a hora consolidá-la com sacos de terra. (...) É fantástico o que se pode suportar(...).”
(2/12/1915) “Meu amor, no horror misterioso, metálico, mudo mas não silencioso por causa dos barulhos dos engenhos que apitam, gemem, estalam formidavelmente, o nosso amor é a única estrela, um anjo perfumado que flutua mais alto que o fumo negro ou amarelo das bombas que explodem.(...) Atemorizante monotonia de uma vida onde a água, mesmo a não-potável, está ausente.”
(...) Fala-me do amor (...) Pensa a que ponto sabe a vida das trincheiras se se está privado de tudo o que a prende ao universo, é-se unicamente um peito que se oferece ao inimigo. Como uma ladeira de carne viva ...”
(9/12/1915) “Se ficar prisioneiro ou dado como desaparecido, espera-me. Se morrer dou-te tudo o que tenho e esta carta é a prova e serve como testamento. Não paro de pensar em ti (...), o teu pensamento me protege, meu amor, e prometo-te não ser voluntário para nenhuma missão perigosa, (...) não devo esconder que o perigo é permanente e excessivamente grave.
(22/12/1915) “Olhei com embriaguez as tuas fotografias. (...) Adoro-te e já não sei muito bem o que escrevo.(...) Meu amor adoro-te doidamente, amo-te. (...) Beijo-te a boca e todo o corpo, que é meu.”

Paris, cemitério de Père Lachaise: visita ao túmulo de G. Apollinaire: senti-me muito bem e recordei com ele os “nossos” tempos passados na Guiné. Este túmulo foi concebido por Pablo Picasso e financiado com a venda em leilão de uma obra sua e uma outra de Matisse, em 21/6/1924.


Nota final: Se aparecer por aqui alguém que se tenha correspondido com militares da CCaç 1419, nomeadamente furrieis, e venha a descobrir agora que o vosso correspondente também foi um daqueles que passeou pelas páginas deste livro e delas se serviu, não leve a mal se algumas frases lembrarem algum tipo de plágio.
No meu caso há alguém que se habituou a ler, no final das minhas cartas que da Guiné recebia, esta doçura “Beijo-te a boca e todo o teu corpo, que é meu”. Já fui a Paris pedir desculpa ao seu autor e ele até me “deixou” sentar no seu túmulo para confirmar que me tinha perdoado. Esse alguém foi comigo mas não percebeu nada da cena (!!!) para além de ficar a saber que eu gosto muito de Apollinaire e que adoro os seus “Caligrammes”.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9093: O Nosso Blogue em Números (24): A propósito da sondagem dos 3 milhões: Para mim o blogue está bem e recomenda-se (Manuel Joaquim)

Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9137: Notas de leitura (308): De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (Mário Beja Santos)