sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10447: Notas de leitura (412): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2012:

Queridos amigos,

Por exigência do ofício, vou agora rondar pelas histórias da Guiné, imperativo que me é imposto pelo novo trabalho que tenho em mãos quanto a um roteiro que faz o arco entre a Guiné Portuguesa e a Guiné-Bissau.
É uma tentação este texto de René Pélissier, o investigador aparece bem documentado, é por vezes muito brusco e torna a leitura palpitante graças às suas descrições onde não faltam aventuras, guerras e a consideração que ele mostra pelo esforço dos portugueses em internarem-se no mato para consolidar posições. Deita por terra o mito da nossa presença ao longo de cinco séculos, o que é verdade é que mal se saiu da orla marítima, quase sempre dentro das praças e dos presídios. Sim, é apaixonante ler este René Pélissier que ainda se encontra nas livrarias.

Um abraço do
Mário


A história da Guiné,  por René Pélissier (1)

Beja Santos

No âmbito do trabalho que estou a desenvolver com o Francisco Henriques da Silva e que se intitula “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, tem total cabimento afoitarmo-nos a fazer uma incursão pelas diferentes obras que falam da Guiné. A primeira história da Guiné foi a de João Barreto, um médico goês, curioso pelo passado da Guiné e que deu à estampa o seu trabalho em 1938.

É mais uma obra de divulgador que de especialista, tem incontestáveis méritos e revela abundantes insuficiências, como mais tarde se destacará. Em 1954, o então comandante Avelino Teixeira da Mota publica um estudo detalhado, a história da Guiné Portuguesa, que durante anos foi a peça de referência e ainda hoje é de leitura obrigatória em certos domínios. E veio a seguir René Pélissier com a sua História da Guiné, portugueses e africanos na Senegâmbia, 1841-1936, dois volumes, Editorial Estampa 1989.

A historiografia posterior aparece parcelada, António Duarte Silva escreve o seu incontornável “Invenção e Construção da Guiné-Bissau”, um olhar que permite ao estudioso e ao interessado pelas coisas guineenses entender a importância da obra de Sarmento Rodrigues e a fase da Guiné como província ultramarina, até chegarmos aos alvores da causa nacionalista. Como igualmente importante se revela a Guiné, 1963-1974, de Fernando Policarpo (QuidNovi, 2006),  porventura o estudo nos oferece a melhor síntese do período correspondente à luta de libertação.

O trabalho de Pélissier aparece prefaciado por Leopold Senghor. É muito belo o que ele nos escreve aqui:

“Os meus antepassados fulas e mandingas provêm de Gabu, no nordeste da Guiné portuguesa, para se integrarem em Sérères do Sine, mais exatamente na Petite Côte do Senegal, onde Joal, minha terra natal, é um porto banhado pelo Oceano Atlântico. Além disso, o meu apelido Senghor tem origem na palavra portuguesa Senhor, tal como o nome da minha cidade natal, Joal, é igualmente um apelido português. Acresce ainda que, além de outras coisas, tenho sangue português. Last but not least, no Senegal predominam os nomes e, portanto, o sangue português, sobre os nomes e o sangue franceses. Para compreender este facto bastará ler o livro de Pélissier. Aliás, no Casamansa fala-se ainda o crioulo português como dialeto regional (…) o que René Pélissier, ou melhor, mostrar, é a originalidade da colonização portuguesa e, sobretudo, o seu carácter nem racista, nem fanático (…) O leitor europeu não ficará pouco surpreendido ao verificar isto: estas campanhas, mais exatamente estas repressões ou estas guerras são quase sempre dirigidas não tanto contra os revolucionários das cidades, os mestiços, os cristãos, até mesmo os muçulmanos, mas contra os povos animistas: os Papéis, os Balantas, os Felupes e outros Beafadas”.

Senghor considera que esta obra proporciona uma leitura apaixonante e dou-lhe toda a razão.

Na introdução, o autor explica-nos ao que vem. Primeiro, contribuir para desfazer o mito dos cinco séculos da colonização-exploração portuguesa; segundo, tentar encher um vazio no conhecimento da África Ocidental pelos francófonos, cujos historiadores, praticamente todos, cessaram as suas investigações nas fronteiras da Guiné. Sem aparentemente se aperceberem de que este enclave não só tinha uma história própria como ainda uma certa importância; terceiro, um estudo dirige-se principalmente aos guineenses para eles considerarem a resistência/colaboração dos seus avós à conquista colonial. Neste ponto, o autor é esclarecedor:

“A Guiné, entre 1841 e 1936 foi uma terra de violência, repetitiva e de uma intensidade que não foi igualada nos territórios de extensão comparável na África Ocidental: perto de três vezes mais que no Casamansa. Com 81 campanhas, expedições ou simples operações que envolveram um mínimo de cerca de 8500 soldados regulares e cerca de 42000 guerreiros e auxiliares alistados do lado português, para consolidar uma colonização que, até ao começo do século XX não sabia se não teria de fazer as malas e pôr-se a andar. Ver-se-á, ao longo do texto, que a razão essencial desta acumulação de choque está ligada com a fraqueza intrínseca do poder português que só avança verdadeiramente para o interior das guerras depois dos grandes massacres de animistas de 1913-1915”.

Nos primórdios tínhamos a Guiné de Cabo Verde (1841-1844), de cedência em cedência a presença portuguesa fica confinada à Guiné de Cabo Verde, uma fração da Guiné de Cabo Verde dos séculos XVI-XVII que começava na foz do Senegal e ia até à Serra Leoa. Esta Guiné é a dependência de Cabo Verde, um género de colónia de uma colónia, pontificam tanto no tráfico negreiro como na administração incipiente os cabo-verdianos, a despeito do tratado luso-britânico de 19 de Fevereiro de 1810 pelo qual o tráfico negreiro era proibido na Guiné.

Pélissier desvela as práticas desse tráfico e os seus protagonistas. Interpelando o que era a Guiné neste período responde:

“Em 1841-1844, a Guiné dos portugueses e dos lusitanizados é, em primeiro lugar, os rios. A isto se junta, em equilíbrio precário nas suas margens, algumas escalas mestiças que sobrevieram à concorrência estrangeira”.

 Explica quais são os limites da Guiné, a sua fronteira marítima de cerca de 450 quilómetros e tece novas considerações:

“Na prática, o problema dos portugueses do litoral, no século XIX, consistirá em fazer com que a França e a Grã-Bretanha admitam que esta costa lhe cabe sem partilhas. Ora, contrariamente a Moçambique e principalmente a Angola, que aumentarão a sua extensão, a Guiné fictícia de 1841-1844 perderá quase metade das suas margens antes de se reduzir às fronteiras que lhe conhecemos. Esta costa é disputada não só nas chancelarias como até já no terreno”.

Seguir-se-á o trabalho de interiorização, os portugueses afanosamente acabarão por criar uma verdadeira colónia. As receitas, nesta fase ainda de tutela de Cabo Verde, resumem-se aos rendimentos da alfândega de Bissau e as despesas aos soldos das guarnições e de alguns funcionários civis, bem como às raras obras de consolidação dos edifícios públicos.

René Pélissier afirma que não há conhecimento exato do comércio das feitorias e argumenta:

“Com a exceção de dois ou três navios americanos, a exclusividade da navegação lícita pertence às escunas e chalupas inglesas e francesas de Gâmbia e de Goreia, que visitam duas ou três vezes por ano, cada uma, os postos portugueses. Os produtos declaráveis são o marfim, os couros e peles, a cera, o óleo de palma, as tartarugas, algum ouro e as madeiras”.

Há um prudente silêncio sobre o tráfico negreiro. Todo o comércio se baseia na troca e nos pagamentos em espécie. Quanto à topografia político-militar, o autor refere duas capitanias-mores, a de Cacheu e a de Bissau que estão unificadas numa comarca que tem à cabeça um subperfeito, residente em Bissau, isto antes de 1842 ano em que a Guiné volta a dividir-se em dois distritos autónomos, cada um com um governador dependente do governador-geral de Cabo Verde. Os portugueses ocupam Zinguichor, de há muito cobiçada pelos franceses, há registo de um enorme esforço de Honório Pereira Barreto para suster esta presença francesa, mas o Casamansa português está num completo declínio.

Na bacia do rio Cacheu, a presença portuguesa é dada pelo presídio de Bolor, pela povoação de Cacheu e a sua antena de Farim. No rio Geba espalha-se uma série de guarnições a começar por Bissau, depois Fá, Geba e Ganjarra, quase em frente à feitoria de Geba; há uma ténue presença no Rio Grande de Buba, no arquipélago dos Bijagós a presença portuguesa ocorre em Bolama e na Ilha das Galinhas. Por esta data inicia-se a “Questão de Bolama”. Só no final do Século XIX é que os portugueses se afoitarão à região Sul, depois do acordo celebrado com os franceses em 1886. Mas a vida em Bissau é terrível, está sujeita a guerras permanentes, como se passa a descrever.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10436: Notas de leitura (411): "Rumo a Fulacunda", de Rui Alexandrino Ferreira (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P10446: A africanização na guerra colonial e as suas sequelas (Carlos Matos Gomes) (Parte I)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (julho de 1969 / março de 1971) >  Uma companhia indepedente, baseada em praças do recrutamento local, de etnia fula, criada em 1969.  Todos eles eram soldados de 2ª classe, com alguns arvorados, suscetíveis de virem a ser promovidos a 1ºs cabos, logo que fizessem o exame da 4ª classe... Na foto, paragem de um coluna numa tabanca fula, para gáudio dos djubis que não escondiam o seu fascínio  pelas fardas e o armamento dos seus irmâos mais velhos, e pelas viaturas em que eram transportados...

Álbum do Arlindo Roda, ex-fur mil at inf, 3º gr comb, CCAÇ 12 (1969/71). Edição e legendagem: L.G.


Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (escritor e historiógrafo da guerra colonial), encaminhada para o nosso Blogue por Mário Beja Santos:

Meus caros amigos
Junto vos envio um texto sobre tropas locais e africanização da guerra que é a adptação para publicação em livro do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra do texto que serviu de base a uma comunicação num seminário sobre a guerra colonial seus segredos.
Tem alguns números novos e alguns enquadramentos que julgo originais a propósito das tropas locais e do seu papel na guerra e no seu destino no pós-guerra...
Um abraço
Carlos Matos Gomes


A africanização na guerra colonial e as suas sequelas 
“Tropas Locais – Os vilões nos ventos da História”

Carlos de Matos Gomes

A administração colonial e o papel dos agentes locais 

O colonialismo português, tal como o francês e o inglês (também o alemão, enquanto durou) exerceram o seu domínio nos territórios que dividiram entre si na Conferência de Berlim (1884-1885) interpondo agentes locais entre os administradores europeus e os povos. As estruturas de contacto incluíam as autoridades tradicionais mais ou menos controladas para garantirem a fidelidade aos poderes coloniais, os elementos assimilados, que funcionavam nos níveis mais baixos da administração e das forças de segurança e forças de segurança, tanto de polícia como militares.

Quanto aos aparelhos militares, existia uma tradição de participação de africanos no exército colonial português desde a segunda metade do século dezanove, para apoiar a penetração no interior de África. O Exército colonial estava então organizado em unidades de primeira linha, constituídas por contingentes expedicionários enviados de Lisboa e por deportados e por tropas de segunda linha, com soldados recrutados localmente, mulatos e negros assimilados. Em tempo de conflitos, eram constituídas forças nativas sob o comando de chefes locais fiéis, que assumiram várias designações, entre elas a de “empacaceiros” (um termo que, curiosamente, seria recuperado durante a guerra colonial para designar as tropas regulares – “a tropa pacaça”). Estas tropas são a longínqua origem das forças africanas e alguns autores julgam que as “campanhas de pacificação” do início do século XX de Angola e de Moçambique não teriam sido possíveis sem estas tropas auxiliares, que atingiram elevadas percentagens de forças combatentes (90% em Angola), como também julgamos que a guerra colonial o não teria sido, pelo menos nos últimos anos.

A regulamentação do recrutamento destas tropas, feita em 1904, estipulava que este devia ser realizado através dos régulos. O que significou o envolvimento das autoridades locais, desde muito cedo, no processo de criação de tropas locais. Em Moçambique o recrutamento militar seguiu, aliás, os mesmos procedimentos do recrutamento para as minas do Transvaal, realizado com forte envolvimento das autoridades tradicionais. Em Moçambique, durante a guerra contra os alemães (IGG) foram incorporados 25.000 moçambicanos como soldados para combaterem no norte, o que representava 44% dos efectivos portugueses e o recrutamento a partir daí passou a ser um acto comum e regulamentado, fazendo as forças do Exército nas colónias parte do aparelho colonial e pertencendo a sua administração ao Ministério das Colónias. Após a II Guerra Mundial, durante os anos 50, ocorreu a reestruturação das forças armadas portuguesas, passando todas elas a depender do Ministério da Defesa. No Exército foram criadas as Regiões Militares de Angola e de Moçambique, os Comandos Territoriais Independentes. Na Armada, os Comandos Navais, e na Força Aérea, as Regiões e Zonas Aéreas. Foram criadas, ou reorganizadas as unidades africanas, que passaram a integrar o dispositivo militar português. Foram ainda criados pelo Exército centros de instrução de tropas em Angola (Nova Lisboa/Huambo); Moçambique (Boane) e Guiné (Bolama). Ver Quadro 2. Em 1961, ano do inicio da guerra colonial o Exército dispunha em África de unidades locais organizadas nos mesmos moldes das unidades europeias.


A africanização das forças portuguesas na guerra

A africanização das forças portuguesas começou, como vimos, muito cedo e muito antes do início da guerra colonial e processou-se seguindo o modelo das outras potências coloniais. A necessidade do recrutamento local tem a ver com razões de quantidade e de qualidade.

No caso português, as razões de quantidade são as que resultaram das crescentes dificuldades financeiras de Portugal em suportar as despesas da guerra (as tropas recrutadas localmente eram mais baratas, pois não necessitavam de ser transportadas para os Teatros de Operações e ganhavam menos) e porque supriam o défice de recrutamento metropolitano, que chegara em 1973 aos limites da sua capacidade. Em 1973, 6% da força de trabalho português estava empenhada na guerra e Portugal era o país com maior percentagem da população a cumprir obrigações militares, depois de Israel.

As razões de qualidade para a utilização de africanos como força de combate de primeira linha são as que resultam do facto do soldado africano, além de ser mais barato, se adaptar melhor do que o europeu ao terreno, se inserir nas culturas locais e avaliar por isso melhor o «estado de espírito das populações», ser mais produtivo na recolha de informações, resistir melhor às doenças tropicais. Tinha, por fim, uma vantagem política de grande importância a nível psicológico, porque a sua morte ou ferimento exercia menos impacto na opinião pública metropolitana.

Apesar destas vantagens, o processo de africanização não foi de aceitação generalizada entre a hierarquia política e militar portuguesa. Os setores mais conservadores viam nos africanos potenciais terroristas, antes de qualquer outra coisa, opuseram-se ou procuraram limitá-lo e os comandantes militares encararam o processo de africanização das forças armadas cada um segundo a sua perspetiva de emprego no respetivo teatro de operações, sem unidade de doutrina.

Convém no entanto dizer que a questão da africanização, mais do que uma questão de quantidade de homens e unidades, foi uma questão de qualidade dessas tropas e, acima de tudo da qualidade dos papéis políticos que elas desempenhavam ou estava previsto virem a desempenhar, como veremos.


Os papéis das forças e a sua organização 

A africanização das forças portuguesas assentou em três tipos de unidades:
- unidades regulares do Exército - companhias e batalhões de caçadores (infantaria), grupos de artilharia e de cavalaria; unidades de serviços, recrutadas localmente, que faziam parte do dispositivo das regiões militares de Angola e de Moçambique e comando territorial independente da Guiné.
- unidades especiais – unidades de características ofensivas e com elevada capacidade de combate, umas eram orgânicas das forças armadas, no caso do Exército, companhias e batalhões de comandos recrutados localmente; na Marinha, destacamentos de fuzileiros especiais da Guiné; outras dependiam dos governos locais, como foram o caso dos GE, dos GEP; ou de outras instituições, que não as forças armadas, caso dos Flechas da PIDE/DGS, e até forças oriundas de territórios estrangeiros, como os catangueses dos «Fiéis» e os zambianos dos «Leais». (Designaremos estas, de forma geral, por “forças especiais africanas” para facilidade e comodidade de comunicação.)
- unidades de milícias – pequenas unidades de base local, étnica/tribal, normalmente com funções de autodefesa e segurança próxima.

Estes três tipos de forças desempenharam papéis muito diferentes na guerra e sofreram tratamento diferente das novas autoridades no pós-independência. As unidades regulares faziam parte de uma tradição de serviço militar estabelecida desde o inicio da colonização e, apesar do seu incremento durante a guerra, não sofreram um impacto maior do que aquele que é produzido em situações normais de conflito. As unidades de milícia, implantadas nas regiões de origem dos seus elementos, também integravam as estruturas administrativas e não motivaram reações de violência que tivessem excedido as disputas locais.

A grande questão da violência originada pela africanização centrou-se nas “forças especiais africanas”, fossem as forças especiais orgânicas das forças armadas, comandos e fuzileiros; fossem as forças especiais constituídas no universo da administração civil, GE, GEP e «Flechas». Isto porque foi nestas que assentou a especificidade da africanização da guerra nos três teatros de operações. Essa especificidade teve a ver com a sua organização e comando, com as suas missões ofensivas, mas sobretudo com o papel político que lhes estava destinado desempenharem numa fase futura da situação colonial.

Quanto à sua organização e comando, os dois aspectos mais distintivos destas forças são a intensidade do empenhamento dos quadros europeus com as tropas africanas; e a promoção aos postos mais elevados de comando operacional de quadros africanos com base no seu mérito. O empenhamento e envolvimento de quadros portugueses europeus no comando de unidades africanas (único na história militar das potências europeias em guerras coloniais, em que europeus comandaram unidades em combate onde todos os efectivos eram africanos, em acções de alta perigosidade e em situações extremas de isolamento, incluindo o combate em territórios estrangeiros) e a promoção de militares africanos aos postos mais elevados na hierarquia das unidades operacionais tinha o óbvio significado de identificação dos quadros africanos com a política colonial portuguesa, que lhes reservava um futuro lugar de relevo.

A grande questão que estas unidades de “forças especiais africanas” levantaram e que motivaram a reação dos novos poderes instalados após as independências, foi a de elas terem conjugado a sua capacidade operacional tanto através do espírito de corpo e do respeito por valores essencialmente militares, inerentes ao profissionalismo militar como, e isso era inaceitável nas condições em que os novos dirigentes chegaram ao poder, através da identificação politico/ideológico dos seus quadros e tropas, com uma possível solução de tipo que seria considerado neocolonial. Será por este motivo que os novos poderes orientarão a sua atenção e em muitos casos a sua violência, contra estas tropas e os seus membros.

Por fim, a amplitude da africanização das forças portuguesas, atingiu proporções únicas nos conflitos coloniais. (Quadro 1)

Quadro 1 – Relação de Efetivos Metropolitanos e de Recrutamento Local


Legenda:
Ex (M) = Exército (Metrópole); Ex (RL) = Exército (Recrutamento Local); GE = (Grupos Especiais); TE = (Tropas Especiais)
Recrutamento Local – Inclui efetivos das Forças Armadas recrutados localmente e forças auxiliares locais.

Em resumo, dos cerca de 170 mil homens nos três teatros de operações, cerca de 83 mil eram de recrutamento local, o que representa aproximadamente 48%, uma percentagem que, se forem tomados em consideração os efetivos da OPVDC (Organização Provincial de Voluntários de Defesa Civil) existentes em Angola e Moçambique e as Guardas Rurais, deverá ficar muito próximo dos 50%.


As forças especiais africanas 

A dimensão destas forças e a sua tipologia foram diferentes nos três teatros, embora dentro dos mesmos princípios de emprego. Elas tomaram nomes muito variados, tantos que, à falta de designação, chegaram a ser constituídos os Grupos Muito Especiais em Moçambique. Assim e por teatro de operações, temos como forças principais (Ver Quadro 2):

Quadro 2 - Unidades de Recrutamento local



Angola

Grupos Especiais (GE) - Criados em Angola em 1968, como primeiro modelo de unidade operacional africana autónoma de base local, dependente das forças armadas. Beneficiavam de treino militar equivalente ao das tropas especiais de tipo comando. Organizados como grupos de combate e estacionados junto às companhias do exército regular, sob as ordens das quais atuavam. Constituíram uma evolução do conceito de milícias de auto-defesa, passando a ser forças de intervenção auto-organizadas e autónomas.

 Os GE angolanos foram o modelo mais popular no conceito militar colonial de tropas auxiliares, tendo chegado aos cerca de 3 000 homens, distribuídos por todo o território, sobretudo no norte e no leste.

Flechas – Criados pela PIDE/DGS, a partir de antigos guerrilheiros e de elementos das tribos Khoisan (Bosquímanos) do sul de Angola. No final da guerra ultrapassavam os 2 500 homens. Apesar da grande autonomia de emprego, dependiam operacionalmente das forças armadas.

Tropas Especiais (TE) – Surgiram em 1966, em Cabinda, quando Alexandre Tati desertou da FNLA. Os seus efectivos rondavam os 1.200 homens e atuaram especialmente contra o MPLA, em Cabinda e no norte de Angola.

Fiéis - Forças originárias do Catanga. A estratégia de criação e accionamento de tropas auxiliares autónomas foi levada ao limite, em Angola, com a criação de forças originárias em grupos dissidentes de países vizinhos, nomeadamente o Zaire e a Zâmbia. Em 1967, aproveitando a entrada no leste de Angola de grupos de gendarmes catangueses antigos apoiantes de Moisés Tchombé, que as autoridades portuguesas acolheram como refugiados políticos, foi criada, através de uma operação denominada «Fidelidade», uma força militar africana de cerca de 2 500 homens, que foi utilizada na luta contra o MPLA em troca da promessa de um futuro apoio português à luta pela “libertação” do Zaire.

Leais - Numa acção em tudo idêntica e contemporânea da dos Fiéis, embora com menores proporções, as autoridades portuguesas montaram a «Operação Colt» para formar uma força auxiliar à base de refugiados zambianos do African National Congress (ANC), que se opunham ao regime de Kenneth Kaunda. Com o nome de código de Leais, esta força actuou no leste e no sul de Angola.

Além destas forças especiais as forças armadas portuguesas dispunham em Angola de unidades de comandos, do Exército, instruídos localmente e que incluíam uma elevada percentagem de elementos recrutados no território, incluindo oficiais e sargentos.


Guiné 

Milícias – A partir das milícias de autodefesa, foi desenvolvido pelo estado-maior do general Spínola o conceito de grupos de intervenção de milícias (companhias e pelotões), já não ligados meramente à autodefesa das “tabancas”, mas operando como força étnica de intervenção, enquadrada pelo Comando Geral de Milícias, que dispunha de um centro de instrução próprio.

As forças armadas dispunham, como forças especiais, de um Batalhão de Comandos Africanos (Exército), com três companhias de comandos e de dois Destacamentos de Fuzileiros Especiais Africanos (Armada).


Moçambique

Grupos Especiais (GE) – Criados em 1970, para integrarem a operação «Nó Górdio» como forças de recrutamento local, com base étnica, semelhantes aos GE de Angola. Posteriormente foram criados os Grupos Especiais Paraquedistas (GEP), de recrutamento nacional, com sede no Dondo/Beira e que actuaram especialmente na zona de Tete.

Além destes GE e GEP, existiram ainda grupos de milícias dependentes dos governos de distrito, com funções de autodefesa, de pesquisa de informações e de patrulhamento. O mais conhecido foi o grupo de milícias do Niassa, comandado por um caçador europeu, Daniel Roxo.

Além destas forças especiais, as forças armadas dispunham em Moçambique de um Batalhão de Comandos (Exército), que passou a formar companhias de comandos de recrutamento local a partir de 1970, em Montepuez.


Conceitos de africanização nos Teatros de Operações 

A análise da africanização da guerra, em especial das tropas especiais africanas, permite verificar as diferenças estruturais que, a partir de 1970, se abrem na direcção da guerra, que até então era unitária. Os objectivos da africanização – dada a personalidade dos seus comandantes-chefe - são claramente diferentes em cada um dos teatros de operações e correspondem a projetos políticos muito distintos.

Na Guiné, Spínola procurou, a partir das experiências de milícias e explorando distinções étnicas, criar um exército africano «nacional» à imagem do exército português, estruturado em companhias agrupadas em batalhões, tendo em vista provavelmente uma futura federação de Estados de língua portuguesa. A africanização da guerra na Guiné estava ao serviço do projecto político de Spínola de uma comunidade de países e de uma federação de Estados.

Em Angola, a africanização teve como objectivo aumentar a capacidade operacional das forças portuguesas e a sua autonomia de forma a criar condições políticas e militares para atrair um dos movimentos – a UNITA – e elementos dos outros. Os Flechas serão o conceito mais específico deste tipo de tropas. A africanização tinha como objectivo político a atração de guerrilheiros e dirigentes nacionalistas, especialmente no Leste e Sudeste do território.

Finalmente, em Moçambique, apesar da grande percentagem de recrutamento local, a formação de tropas africanas autónomas não só foi mais tardia, como estas foram integradas na manobra convencional de Kaúlza de Arriaga, sem explorar todas as suas especificidades de conhecimento do terreno e de ligação às populações. Esta situação explica-se pelos conceitos táticos de Kaúlza de Arriaga, mais inclinado para a manobra clássica e por outro pela difícil relação entre as forças armadas, as autoridades civis e a PIDE/DGS, que levaram o general a resistir até ao limite à formação de «Flechas», o que só veio a acontecer por determinação de Lisboa e já no final do seu mandato.

No final da guerra, os três teatros de operações apresentavam realidades distintas, embora em todos eles fosse generalizada a utilização de forças de recrutamento local. Na Guiné prevalecia um quadro com tendência a evoluir para um conflito opondo um exército africano semelhante ao português às forças do PAIGC, portanto com nítidos contornos de conflito civil, em que a componente de forças armadas europeias seria utilizada como reserva. Em Moçambique, apesar das resistências, houve uma evolução lenta mas consistente de unidades africanas, que em 1973 tinham um papel de principal força de combate na zona de Tete, asseguravam a estabilidade na zona do Niassa e funcionavam como força supletiva na zona de Cabo Delgado. Não tinham contudo, nenhum papel político, a não ser aquele que o engenheiro Jorge Jardim para elas estabelecesse. Os GEP seriam a sua força de manobra.

Finalmente em Angola, as forças africanas foram particularmente importantes no Leste, onde se conjugaram com as forças especiais das forças armadas, comandos, paraquedistas e com as forças sul-africanas. Sem elas, em especial sem os «Flechas» e alguns GE, as forças portuguesas não teriam conseguido os sucessos operacionais que obtiveram nessa frente. Em comum, os três teatros de operações, apresentavam uma realidade onde o avanço das forças de guerrilheiros dos movimentos de libertação deparava com a oposição de dezenas de milhares de «militares locais» acionados pelas autoridades coloniais. Em 1974, quando ocorreu o 25 de Abril, a tendência da africanização das forças ia no sentido de transformar a guerra colonial em três conflitos internos nos três teatros de operações.

(Continua)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10445: Em busca de... (205): Manuel Moreira de Castro encontrou o camarada Santos, do BENG 447, ao fim de 44 anos

1. Mensagem da nossa amiga Arminda Castro, filha do nosso camarada Manuel Moreira de Castro (ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Bula, BinarMansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), com data de 25 de Setembro de 2012: 

Sr. Carlos Vinhal,
No passado dia 09 de Agosto fiz um apelo no blogue (P10244*) para tentar descobrir um camarada amigo do meu pai, o Santos, quero agora informá-lo que o desejo dele foi concretizado no dia 02 de Setembro, pois com muita determinação tudo se consegue!

Consegui convencê-lo a ir comigo ao Santuário de Sta. Alexandrina em Balazar, e ai perguntamos a uma lojista informações sobre esse senhor, que logo nos indicou uma pessoa com essas características e então resolvemos tentar ver se seria a mesma pessoa. E sim!! Era quem o meu pai procurava.

No início como seria de esperar o tal senhor estava muito reticente pois não se lembrava do meu pai, mas aos poucos foi-se recordando e ficou muito contente pelo agradecimento do meu pai. Trocaram vários acontecimentos daquela época e por fim um forte abraço que ficará para sempre na memória de cada um.

Foi muito gratificante para mim, ver o meu pai feliz, pois era um desejo que ele tinha já há muito tempo, de reencontrá-lo e poder agradecer aquele gesto demonstrado naquele dia.

Despeço-me, mas não sem antes agradecer ao Sr. Carlos Vinhal, pela sua prontificação em tentar ajudar-me a encontrar o amigo do meu pai, dando-me assim o contacto do seu amigo Lima Ferreira.
O meu sincero obrigado.

Cumprimentos,
Arminda Castro


2. Recordemos então pretensão desta nossa miga:

[...] Fevereiro de 1968, chega a Bula e nessa altura, como era habitual, os que já lá estavam por vezes faziam perguntas aos novatos ”periquitos” e num desses convívios houve um camarada que lhe perguntou de que localidade ele era, e ele respondeu que era de uma freguesia do concelho de Santo Tirso (Covelas), e esse camarada de apelido Santos, também disse que era de relativamente perto ou seja da freguesia de Balazar, concelho de Vila do Conde.
Num certo dia, estando o meu pai pronto para ir almoçar, esse senhor de apelido Santos antecipa-se e traz para o meu pai uma enorme posta de bacalhau com grão-de-bico e batatas cozidas e diz-lhe:
- Isto é para ti!



Meu pai (na foto à esquerda) ficou surpreendido, e que ainda hoje não sabe como ele conseguiu, mas desse dia ele nunca mais se esqueceu. Entretanto passados 15 dias o meu pai foi destacado para outro sítio, Binar, durante mais um mês, a seguir para Bissorã na companhia de intervenção mais 15 dias, depois Mansoa, Cutia e Mansabá, e ao fim de sensivelmente 14 meses regressou a Bissau com destino a Nova Lamego, perdendo assim o contacto com ele.

Este senhor do qual o meu pai apenas sabe o apelido, na altura andava com uma máquina da Engenharia, talvez andasse a trabalhar em alguma estrada ou construção de algo.


Ele gostaria muito de saber o paradeiro dele, sei que é muito difícil talvez até quase impossível mas eu quero tentar descobrir este senhor, para isso peço a sua ajuda. Será possível saber as companhias de Engenharia que estavam destacadas nessa altura? Ele já lá estava algum tempo (Bula)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10244: Em busca de... (198): O nosso camarada Manuel Castro Moreira, ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, procura camaradas da CCAÇ 2316 e do BENG 447

Vd. último poste da série de 20 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10410: Em busca de... (204): Camaradas do 15.º Pel Art.ª (Guileje, 1972/73) (Luís Paiva)

Guiné 63/74 - P10444: Blogpoesia (303): Madrinha de guerra (Ricardo Almeida, o poeta da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)


1. Do nosso grã tabanqueiro e poeta Ricardo Almeida, [ ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]

Madrinha de guerra
 

Ao regressar de Lamel,
de mais uma noite por lá passada,
fui à tabanca e comprei mel

para fazer a limonada.

Depois para espairecer
lembrei-me em escrever
alguns aerogramas,
fazendo expresso pedido
aos carteiros dessas terras
para onde foram expedidos,

E penso fintar a Pide,
com este título expedito:

à primeira moça que encontrar
o desconhecido,
um coração triste no mato,
o desiludido.

Não sei quantos passariam
porque só um mereceu resposta,
duma moça de Tondela,
mui guapa e muito bela,
que me escreve regularmente
como madrinha de guerra.

E aquela prosa tão bela
foi comida e foi bebida
p'ra alimentar minha vida
que considerava perdida
daquela moça singela.

Os dias iam passando
e agora mais dolorosos,
entre o tempo que medeia
a chegada dos aerogramas.

E assim ia pensando
ter alguém por companhia
que mesmo na sua ausência
vislumbrava sua aparência.
De lindos e nobres sentimentos
que ela me incutia,
e nalguns ásperos momentos
recorria à sua leitura.

E, desafiando o destino,
eu voltei a ser menino
nos braços daquela moça,
dando-me o aconchego então perdido,
o seu amor e o seu carinho
que o meu coração ainda preserva!

Agora era uma luta tremenda
que travava em três frentes,
sem tiros nem emboscadas,
de outras noites passadas
à espera dos aerogramas.
E a sua presença constante
com aquele sorriso sincero
saindo para o corredor
para limpar lágrimas de dor
porque eu, vê-la chorar,
não quero.

Mas outra batalha me espera,
e penso que mais prolongada
que todas as outras que encerro,
é não saber distinguir
e não saber definir
o seu amor verdadeiro.

Ao dizer isto uma lágrima
vem afagar o meu rosto
por tanta saudade sentir
daquela madrinha de guerra.

Iniciado no HM241 em Bissau
e concluido no sanatório do Caramulo.
Como hoje me encontro vivo, exponho os meus sentimentos à época neles passados.

Com um grande abraço fraternal
Marques de Almeida

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10433: Blogpoesia (302): Viva Portugal: poema de Felismina Mealha (ou Costa); voz de Fernando Reis Costa

Guiné 63/74 - P10443: Tabanca Grande (362): Vasco Pires, ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael, 1970/72)

Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.  
Foto © do Cor Morais da Silva, com a devida vénia.

 
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires* (ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª, Gadamael, 1970/72), com data de 21 de Setembro de 2012:

Caro Luís Graça,
Em primeiro lugar, saudo mais uma vez, você e toda sua equipe de editores, pelo modo sereno como moderam, (uso moderar, no sentido de "moderar um grupo"), matéria tão delicada cheia de emoções extremadas, como a do blog.

Como disse, fiquei mui honrado com os seus convites para integrar essa "Grande Tabanca", disse também em e-mail anterior, que atualmente estou no interior do Brasil, e os meus pertences estão em São Paulo, alguns deles empacotados; inclusive, já pedi a um parente para tentar localizar as minha fotos da Guiné, embora não saiba qual o estado de conservação se encontram atualmente, assim que tiver esses documentos solicitarei o meu ingresso formal.

Tendo feito já algumas intervenções, me acho na obrigação de mandar uma foto atual, usada para o documento mais recente que tirei, fica a seu critério publicá-la ou não.

Cordiais saudações
Vasco Pires


2. Vamos recordar o que nos disse o nosso camarada e tertuliano Vasco Pires, em Fevereiro deste ano no Poste 9461, respondendo ao convite de Luís Graça para fazer parte da Tabanca Grande:

Prezado Luís Graça: 
Fico muito grato pela cordial acolhida, bem como pelo convite. 
Sou um desses milhões da multicentenária diáspora Lusitana.  Em 1972 saí de Portugal, e por aí ando até esta data. 

Há talvez um ano, tive o primeiro contacto com o blog; quero te parabenizar como a toda a equipe pelo extraordinário trabalho, bem como pelo alto nível da edição do blog, em assuntos tão polémicos e carregados de emoção, com décadas de distância. 

Cordiais saudações 
Vasco Pires


3. Comentário de CV:

Caro camarada Vasco Pires
Bem-vindo à tertúlia, da qual já fazes, praticamente, parte desde o princípio deste ano.
Publicada que está a tua foto recente, podias dar mais pormenores da tua vida militar, a começar por Mafra, passando por Vendas Novas e acabando em Gadamael. Podes dar-nos as datas mais importantes do teu trajecto, e com vaga, falar das tuas memórias e experiências.
Matéria não falta, tenhas tu alguma disponibilidade para nos enviar os teus textos e fotos, se as recuperares, para que passem a constar do espólio do nosso Blogue. Julgo que sabes que não é possível a publicação de postes directamente pela tertúlia, pelo que tudo que tenha por destino o Blogue deverá ser enviado para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, e para um dos co-editores, o Eduardo Magalhães ou eu (Carlos Vinhal), cujos endereços encontrarás no lado esquerdo da nossa página.

Recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores, e os votos de que a tua vida pela América do Sul, mais propriamente no Brasil, corra pelo melhor.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de

8 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9461: Camaradas da diáspora (10): Vasco Pires, ex-comandante do 23º Pel Art (Gadamael, 1970/72): saiu de Portugal em 1972

10 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9469: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (51): Dois amigos, Paulo Santiago, aguedense, e Vasco Pires, anadiense​, reencontra​m-se, no blogue, ao fim de 50 anos!

29 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9829: Tabanca Grande: oito anos a blogar (16): Parabéns (Vasco Pires, no interior do Brasil; ex-cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72)
e
17 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9918: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (53): Acácio Conde, ex-combatente em Angola, encontra no nosso Blogue os amigos Manuel Reis, Paulo Santiago e Vasco Pires

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10396: Tabanca Grande (361): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Guiné 63/74 - P10442: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (2): Funeral fula em Guileje (ou melhor, funeral muçulmano, segundo o nosso amigo Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) >  Sequência fotográfica de um "funeral fula em Guileje" (é a única legenda que possuímos) >  Foto nº 5 > s/legenda:  o cortejo funerário encaminha-se para a mata; á esquerda, é visível um troço de arame farpado do aquartelamento e tabanca; o fotógrafo acompanhou a cerimónia desde a saída da tabanca até ao local, na mata, onde se realizou o enterro; não parece haver qualquer escolta militar.


 Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 6 > s/ legenda: percebe-se pela foto que o morto, presumivelmente civil, do sexo masculino,, é transportado numa maca (possivelmente cedida pela NT), e vem coberto com um lençol ou um pano branco.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 7 > s/ legenda: os familiares e amigos, só homens, quer civis quer militares, descalços, fazem um círculo à volta da sepultura, e possivelmente rezam em voz alta  uma primeira oração.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 8 > s/ legenda: a inumação do cadáver, envolto em panos... e que parece ser depois encimado por uma esteira.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 9 > s/ legenda: os participantes assistem,  sentados, à descida do corpo à terra.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 10 > s/ legenda: a descida do corpo à terra.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 11 > s/ legenda: possivelmente a oração de despedida à volta da sepultura, vísível pelo montículo de terra. 

[Peço ao nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé, fula e muçulmano, para corrigir e/ou completar estas legendas que a visualização das fotos me foi sugerindo...No TO da Guiné, no tempo em que lá estuve (1969/71)  só fui, que me lembre, a um funeral numa aldeia fula, o de um dos nosso soldados, morto em 7 de setembro  de 1969. LG]

Fotos: © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados.


1. Explicação sobre o funeral de rito muçulmano na Guiné-Bissau, dada aqui em comentário a este poste pelo nosso amigo Cherno Baldé:


Caro Luís Graca,

As legendas estão corretíssimas, mas no intitulado, eu prefereria que fosse "funeral muçulmano" porque é disto que se trata, pois o ritual é o mesmo entre os muçulmanos de todas as origens e as pequenas diferenças que se podem notar resultam de condições concretas dos meios de cada comunidade.

O Armindo Batata dá-nos nestas imagens a impressão de um observador atento ao que se passa ao redor, no obstante, escapou-lhe a parte da oração fúnebre (conjunta) que é feita na morança, antes de partir para a sua última morada onde participam todos, homens e mulheres.

Torna-se quase impossível identificar o(a) morto(a) a partir das imagens (se é civil ou militar, homem ou mulher), mas a padiola [, maca,] é militar e deve pertencer aos serviços sanitários do quartel que, neste caso substitui a função tradicional da esteira fabricada com fibras de colmo que deveria servir para enrolar e transportar o defunto ao local do enterro.

A praxe muçulmana manda que o cemitério esteja situado fora da aldeia e a proteção da sepultura suficientemente sólida para evitar que as hienas e jagudis façam das suas.

O funeral muçulmano caracteriza-se pela sua simplicidade, rapidez e equidade, cada uma delas com o seu lote de vantagens e inconveniências, dependendo do ponto de vista de quem observa ou analisa. Todavia, uma coisa é certa, são cada vez mais as comunidades africanas que aderem, nomeadamente na Guiné-Bissau, provavelmente para diminuir o fardo dos custos (sociais e econoómicos) ligados aàs tumultuosas e repetitivas cerimónias de culto aos mortos em tempos de crise generalizada.

Aceitem esta contribuição de um leigo e muçulmano pela cultura.

Um grande abraço para ti e aos restantes editores,
Cherno Baldé

PS - Queria acrescentar que as três características ou princípios acima enunciados impedem que o morto seja enterrado dentro de uma urna, salvo casos excepcionais, o mais provável é ser retirado do caixão e enterrado na maior simplicidade possível.

Voltando a atualidade, é isto que explica o facto de os chamados fundamentalistas destruirem os mausoléus no norte de Mali (Tombouctu). São contradições de difícil solução dentro da própria religião que, ainda, não têm uma solução pacífica.

O cemitério do alto de S. João, [em Lisboa,]  está melhor urbanizado e apetrechado que muitas cidades
do terceiro mundo. Cherno


2. Recorde-se aqui, mais uma vez,  a lista das 11 unidades que passaram por Guileje, entre fevereiro de 1964 e maio de 1973 (Fonte: Carlos Schwarz/Nuno Rubim, 2006)

  1. CCAÇ 495 (Fev 1964 / jan 1965);
  2. CCAÇ 726 (Out 1964 / .jul 1966) (contactos: Teco e cor art ref Nuno Rubim);
  3. CAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966);
  4. CCAÇ 1477 (Dez 1966 / jul 1967) (contacto: Cap Rino);
  5. CART 1613 (Jun 1967 / mai 1968) (contacto: Cap José Neto, já falecido, em 2007);
  6. CCAÇ 2316 (Mai 1968 / jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos);
  7. CART 2410 (Jun 1969 / mar 1970) > Os Dráculas (contacto: Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51, jan 1969  / jan 1970);
  8. CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio);
  9. CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: cor inf ref Jorge Parracho);
  10. CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (açorianos) (contacto: Amaro Munhoz Samúdio):
  11. CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho).
Observ. - Receio que o nosso camarada e amigo Nuno Rubim, talvez o maior estudioso do dossiê Guileje/Gadamael, se tenha enganado na designação da 1ª companhia que terá passado por Guileje, com início em fevereiro de 1964... Ele refere a CCAÇ 495, quando provavelmente se queria referir á CART 495 ...
Não tenho a certeza da existência da CCAÇ 495... A CART 495, mobilizada pelo RAL 1, partiu para o TO da Guiné em 17/7/1963 e regressou a 24/8/1965. Teve como comandante o cap art Ângelo Rafael Leiria Pires. Esteve em Aldeia Formosa e Nhraca, possivelmente com um pelotão destacado em Guileje. Da mesma época, era a CART 494, comandada pelo cap art Alexandre da Costa Coutinho e Lima, tendo estado em Ganjola, Gadamael e Bissau. Talvez o Coutinho e Lima nos possa tirar esta dúvida. Quanto ao Nuno Rubim, não tenho tido notícias dele há muitos, muitos meses!
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10435 Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (1): População de Guileje

Guiné 63/74 - P10441: Parabéns a você (474): Luís Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749 (Guiné, 1970/72)

Para aceder aos postes do nosso camarada Luís Borrega, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10414: Parabéns a você (473): Maria Teresa Almeida (Liga dos Combatentes); Coutinho e Lima, Coronel Art.ª Ref (Guiné, 1963/65 - 1968/70 e 1972/74) e Raul Albino, ex-Alf Mil (Guiné, 1968/70)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10440: Ser solidário (137): Benjamim Durães, presidente da direção do núcleo de Setúbal da Liga dos Combatentes, sugere a trasladação das ossadas do cor inf Costa Campos para o talhão dos combatentes de Sesimbra ou de Setúbal


1. Recorde-se aqui o apelo feito há dias pelo nosso camarada Carlos Jorge Pereira [,membro da nossa Tabanca Grande, de quem infelizmente ainda não temos nenhuma foto]

(...)  No passado mês de Agosto, fui mais uma vez visitar o nosso antigo Comandante, [do COP 3,] Sr. Coronel de Infantaria Carlos Alberto Wahon Costa Campos,  que se encontra sepultado em Sesimbra.


Fez este ano, em 8 de Agosto, seis anos que o mesmo faleceu e a sua sepultura abandonada desde essa data.Dentro de um ano os seus restos mortais irão ser levantados e, caso não sejam reclamados pelos familiares, serão transferidos para uma vala comum.

Por essa razão, apelo a um ou dois antigos colaboradores e amigos do nosso Comandante e amigo que se juntem a mim, para falarmos com a família e, caso não mostrem interesse, sermos nós a tratar e a pagar uma sepultura condigna e perpétua. Para o efeito devem contactar-me para delinearmos a estratégia.

Carlos Jorge Pereira
Ex- Fur Mil IOI
Bigene- Guidaje 72-74
carlosjmpereira@hotmail.com (...)



2. O nosso camarada Mário Fitas, por sua vez, escreveu o seguinte, em comentário ao poste P10408 [, Recorde-se que o ex-fur mil o esp Mário Fitas pertenceu à CCAÇ 763, Cufar, 1965/67, onde teve como comandante o cap inf Costa Campos, o célebre "leão de Cufar"):

Caro Carlos Pereira,

Um abraço,  camarada. Como tu também eu me sinto envergonhado pela situação em que se encontra sepultado o Coronel Costa Campos, comandante da CCAÇ 763 em Cufar, anos de 1965/66.

A situação é muito complicada e estou mais ou menos dentro de toda a situação. O Coronel Costa Campos não foi sepultado no talhão da Liga dos Combatentes de Sesimbra porque,  sendo sócio da Liga, pagava as suas quotas em Lisboa pelo que não teria direito à utilização do respectivo talhão.

Carlos Pereira, entrarei em contacto contigo e falaremos melhor sobre o assunto, dado ser melindroso.

Não tenho dúvidas sobre o empenhamento de todos os componentes da CCAÇ 763 se disponibilizarão para resolução deste problema, aos quais irei de imediato dar conhecimento.

Um abraço, Mário Fitas


3. O nosso camarada e amigo Benjamim Durães, ex-fur mil op esp, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e que é o presidente da direção do núcleo de Setúbal da Liga dos Comnbatente, telefefonou-me há dias com uma proposta de solução para o problema das ossadas do cor inf Costa Campos. No dia 24 do corrente, mandei-lhe o seguinte email, com conhecimento ao Carlos Pereira (e que reencaminho também para o Mário Fitas): 

(...) Benjamim: Entra aqui em contacto com o Carlos Pereira (ou viceversa... Não tenho o telefone do Carlos. Pelo que percebi, na nossa conversa ao telefone, tens uma solução para as ossadas do cor Costa Campos, que poderiam ser trasladadas para o talhão dos combatentes em Sesimbra ou em Setúbal,. Fica aqui o teu telemóvel para o Carlos te contactar: 939 393 315. (..:)

4. Nesse mesmo dia, o Carlos Pereira contactou-nos, também por email, a mim e ao Benjamim:

Caros Amigos: Vou possivelmente na 5ª feira a Sesimbra tentar falar com a esposa do Nosso Amigo Cor Costa Campos para saber quais as suas intenções. Caso me autorize aser eu a tratar do assunto, contactarei todos os interessados para delinearmos a estratégia.

Um abraço, C Jorge Pereira


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Guiné 63/74 - P10439: Agenda cultural (217): RTP1, 28 de setembro, 6ª feira, 22h45 > Programa Portugueses pelo Mundo ... Episódio 8/25: Bissau... Uma oportunidade para redescobrir a cidade e rever amigos como a Isabel Levy Ribeiro, nossa grã-tabanqueira, formadora da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, mulher grande da Tabanca de São Martinho do Porto...

 1.  Através do Luís Sousa fomos alertados para a emissão de depois de amanhã, dia 28, às 22h45, na RTP1, do episódio nº 8 (de um total de 25) do popular Programa Portugueses pelo Mundo... Este episódio é filmado em Bissau e outras partes da Guiné-Bissau, como São Domingos, Varela, Cussilinta, Bafatá... 

E mais: descobrimos, pela leitura da sinopse do programa, que o primeiro português que vai servir de guia à (re)descoberta da atual cidade de Bissau é, nem mais nem menos, que a nossa querida amiga Isabel Levy Ribeiro, casada com o nosso querido amigo Pepito, dois dos nossos grã-tabanqueiros (que vivem na Guiné-Bissau, desde 1975; ou melhor, a Isabel, portuguesa,  em 1975 foi viver e trabalhar na terra do marido,  guineense).
Aqui vai informação mais detalhada sobre o programa [, Foto à direita: um postal ilustrado da marginal de Bissau, na época colonial, da coleção de Agostinho Gaspar].

Sinopse do programa (RTP1 > Programação do dia 28/9/2012 > Portugueses pelo Mundo > Bissau > Episódio 8 de 25)


Viajamos até Bissau, capital da Guiné-Bissau. Uma cidade que nos invade os sentidos com as suas cores fortes e cheiros de iguarias que são, ao mesmo tempo, tão conhecidas e tão exóticas. Passeamos nos bairros que, mesmo pobres, estão sempre cheios de risos e música e relaxamos em praias paradisíacas. É assim Bissau, uma cidade simples e simultaneamente tão cheia de vida.



"Bem-vindos a Bissau!"

(i) Isabel Levy, 60 Anos, formadora ONG [AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede no bairro do Quelelé, Bissau], natural de Luanda.   


[, Isabel Levy Ribeiro: foto à esquerda, com a Maria Alice Carneiro, em Bissau, 29 de fevereiro de 2008; uma magnífica anfitriã; foto de L.G.]

Isabel apresenta-se durante um passeio pelo bairro de Quelelé. No mercado central, situado num local provisório depois de um incêndio que destruiu o anterior, ficamos a perceber que a nossa convidada é uma pessoa querida dos locais que a conhecem e tratam pelo nome.

Vamos com a Isabel até São Domingos, a uma escola onde está a ser desenvolvido um projeto de educação ambiental ao qual Isabel dá apoio e visitamos ainda um local de extração de sal solar, um processo que facilitou muito a tarefa das mulheres que lá trabalham. O dia termina num restaurante típico, onde Isabel vai jantar em família e nos conta os projetos futuros.


(ii) Afonso Bértolo, 28 Anos, técnico de cooperação, natural de Lisboa.

É na associação em que trabalha que conhecemos o Afonso e ficamos a saber a aventura que o levou até à Guiné-Bissau. Uma das componentes do trabalho de Afonso passa pela rádio e aproveitamos o facto de ser um dos convidados especiais de um programa para espreitar o funcionamento da rádio comunitária de Quelelé [, apoiada pela AD - Acção para o Desenvolviomento]...

Acabado o trabalho, seguimos para Cusselinta, um local lindo com piscinas naturais onde é possível relaxar e refrescar [, foto de Cusselinta acima, à direita, em 3 de março de 2008; foto de L.G.]. 

A noite acaba num bar da moda entre colegas e, como não podia deixar de ser, muita música.

(iii) Ana Melo, 27 anos, coordenadora OIM Guiné-Bissau, natural de Coimbra.

É na Praça da Independência que encontramos a Ana pela primeira vez e aproveitamos o local para ficar a saber um pouco das características do povo guineense muito relacionadas com a sua história.

Seguimos para o mercado do Bandim, o mercado mais movimentado e labiríntico da cidade, onde Ana vai comprar uns panos e partimos depois para Bafatá que foi a segunda cidade na época colonial mas que parece agora uma cidade fantasma.

 [, À esquerda:  foto do Rio Geba, em Bafatá, 15 de dezembro de 2009; foto de João Graça].

De volta a Bissau, despedimo-nos da Ana no bairro do Bandim a ver uma agrupamento chamado "Netos do Bandim" que mistura musica, dança e teatro e que já tem reconhecimento internacional.

(iv)  Miguel Pinto, 34 Anos, empresário de restauração, natural de Lisboa.

No cais do Pigiguiti encontramos o Miguel a fazer algumas compras para o restaurante que explora em família. As ostras aí compradas vão fazer parte de um almoço entre amigos, onde Miguel se delicia com muitas outras iguarias típicas. 


O fim da tarde é passado em Varela, uma praia paradisíaca onde Miguel recarrega energias para regressar ao trabalho, o que vai acontecer ao jantar, no restaurante de família, onde a fusão entre a cultura guineense e portuguesa é perfeita.

Portugueses Pelo Mundo
2.  Informação adicional sobre o programa (Fonte: RTP)

"Portugueses pelo Mundo é um programa que faz um cruzamento entre o documentário e o programa de viagens turístico.Cada programa corresponde a uma cidade no Mundo e cada uma dessas cidades é “apresentada” pelas histórias de portugueses residentes. Assim, consoante as personalidades, estilos de vida, hábitos, carreiras profissionais e até estratos sociais de cada entrevistado, a cidade é apresentada de uma forma mais humana, intensa e diversificada. Desta forma, sem perder de vista o entretenimento, fomentamos a integração entre culturas e indivíduos, mostrando as diferenças culturais, sempre numa óptica de curiosidade e tolerância pelas diversidades de cada um dos povos e suas culturas".


(...).Segundo informação do respetivo sítio,  este programa também é emitido pela RTP Internacional e pela RTP África.  Não sabemos, no entanto, em que data é que será emitido o episódio nº 8 (Bissau) na RTPi e na RTP África.
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10437: Agenda cultural (216): Apresentação do livro "Crónicas dos (Des)Feitos da Guiné", de Francisco Henriques da Silva, dia 3 de Outubro de 2012, pelas 18 horas na Sociedade Histórica da Independência de Portugal

Guiné 63/74 - P10438: Do Ninho D'Águia até África (12): O Madragoa (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (12)

O Madragoa

O Madragoa era um militar com quem todos simpatizavam. Nasceu na capital de Portugal, no bairro da Madragoa, e falava com um sotaque que todos tentavam imitar. Ao falar, quase que cantava, e mexia os lábios duma maneira que o tornava único. Sabia boxe, e ao caminhar, com um jeito gingão, balançando o corpo, cigarro “três vintes” na boca, sempre tinha uma maneira diferente de saudar os militares por quem passava. E os militares que por ele passavam, já diziam, tentando imitá-lo:
- Tásss booom, hó pááá.

Ele ria-se, e dizia, debaixo dum sorriso matreiro:
- Touuu porreiroooo, embora aqui não haja “garinas”, tááá.

“Garinas”, creio que era garotas. Bem, mas vamos à história.

Para os lados do norte, na região do Oio, para lá do rio Cacheu, depois de intensa floresta e de um pequeno rio afluente, que não era mais do que a continuação de alguns pântanos, havia uma aldeia considerada ponto estratégico, devido à sua localização. Ao norte da aldeia, por alguma extensão, não havia rios ou pântanos, era perto da fronteira com outro país africano, era uma área com um excelente potencial, para um futuro corredor de abastecimento das bases dos guerrilheiros, que entretanto se instalavam, com alguma agressividade, construindo “casas mato”, que era como disignavam as suas pequenas bases, na região do Oio.

O comando a que o Cifra pertencia, depois de trocar mensagem atrás de mensagem, durante bastante tempo, com o comando do território na capital da província, informando de que havia notícias de infiltração e passagem de guerrilheiros, assim como material de guerra, na área, ao fim de algum tempo recebe autorização para dessa aldeia fazer um posto avançado. E o Cifra, pensava:
- Quem serão os desgraçados dos militares que para lá vão ser mandados?

O comando, passado mais ou menos uma semana depois de receber autorização, destacou para essa área, primeiro, parte de uma companhia de infantaria que tinha chegado há pouco à província, portanto com pouca experiência no conflito, mas reforçada com uma secção de alguns militares de um pelotão de morteiros, já com alguma experiência em combate.

Para ajudar na instalação destes militares, colaborou a Armada com duas lanchas de patrulha dos rios e pântanos, que os transportou, assim como algum equipamento militar.

Depois de os militares se instalarem um pouco distantes da referida aldeia, num local onde o terreno era seco, que ficava um pouco ao norte mas quase encostados ao tal afluente de rio, que não era mais do que um pântano, que já aqui falámos, que quando a maré subia aumentava o volume do seu caudal, formando uma extenção de água que se estendia para sul, por bastante distância, e onde entenderam que era o lugar ideal, construiram um pequeno acampamento com paredes feitas com sacos de terra e cobertas com alguns troncos de palmeiras e folhas de zinco, onde por sua vez, também colocavam sacos de terra, para mais protecção; alguns abrigos, abertos no chão onde o terreno era mais seco, também cobertos com troncos de palmeiras, folhas de zinco e sacos de terra. Enfim, de pouco a pouco, construiram uma pequena fortaleza, onde se instalaram.

O único meio de transporte que tinham para se deslocar, e ter contacto, com qualquer unidade militar avançada na zona, era uma pequena lancha com motor fora de bordo, com capacidade para no máximo cinco pessoas, atravessarem o rio e pântanos, e virem de encontro a essa mesma unidade, que previamente avisada pelo serviço de transmissões, os esperavam em terra firme.

Era assim que eram abastecidos, semanalmente de alguns víveres e géneros de primeira necessidade, assim como o correio. Estavam praticamente isolados. A maior parte dos militares, para passarem o tempo, aprendiam algumas habilidades. Por exemplo, com uma simples bola de futebol, davam umas centenas de toques, sem deixarem a bola tocar no chão. Outros, depois de algum treino, bebiam líquidos com a boca aberta. Corriam, dando saltos mortais, como nos jogos olímpicos. Com a G3 davam tiros, com a arma no ombro, para trás, acertando no alvo com a ajuda de um espelho. Quase todos deixavam crescer a barba e grandes bigodes, competiam entre si, a ver qual apresentava o maior bigode.

Passado uns meses, alguns militares começaram a adoecer. A principal causa era uma espécie de paludismo. Febre, tonturas, vomitar, cor amarelada da pele do corpo, e logo lhe diziam:
- “Estás apanhado”.

Eles queriam água limpa, pura, para beber, mas não havia. Era a dos bidons que se tirava do rio, turva, e depois assentava no fundo, ao fim de umas horas, que se fervia alguma, outra não. Nessa altura, começou a funcionar o meio de transporte de emergência, que era o helicóptero, e começou a evacuá-los. Vinham dois e três de cada vez. Iam para o hospital da capital da província.

Como até aquela data não fora detectada qualquer presença, vestígios ou possível movimento de guerrilheiros na área, pelo menos não havia reportes nesse sentido, pelas forças militares que lá se encontravam, pois se os guerrilheiros se movimentassem na zona, não era durante o dia, mas sim de noite, e de noite, não havia patrulhas, e também não iam atacar a pequena fortaleza, pois com essa atitude iam denunciar a sua movimentação na referida zona, e com toda a certeza que depois disso acontecer, os militares iriam ser reforçados, iriam dificultar toda a sua movimentação, mas continuando com a narração, o comando, decide fazer regressar quase todos os militares.

No seu lugar, deslocou para lá, duas secções de combate, uma duma companhia de infantaria e outra dum pelotão de morteiros, de mais ou menos sete ou oito homens, cada uma, que seriam rendidos todas as semanas.

Aqui, começou a trabalhar o tráfico de influências.

Das secções de combate nomeadas, uns não queriam ir, davam baixa de doentes, outros queriam ir, porque era pura liberdade nessa semana. Levavam vinho, comida, ninguém lhes dava ordens, dormiam quando queriam, não tinham que sair, quase todos os dias, a bater as zonas nas matas próximas do aquartelamento. Enfim, o costume, nestas situações. Havia os que davam dez maços de cigarros, para não irem, e os que davam quinze, para irem no lugar de outros.

Já lá vão quase dois meses, não houve situação de perigo, a zona, afinal era sossegada, a semana passa rápido, já iam com muito mais prevenção, e não adoeciam como os primeiros. A população local, era mais ou menos conhecida, já havia alguns que iam duas vezes por mês, e tinham lá namorada, como era o caso do Madragoa.

(A história de acção, que se segue, o Cifra teve conhecimento pelos relatórios que lhe passavam pelas mãos, de informadores que os militares tinham em diversas zonas da província, pois muitas vezes era por essas informações que os militares movimentavam tropas no terreno)

Por volta das duas horas da manhã, uma coluna a pé, possivelmente vinda da fronteira com outro país, segue em fila indiana. Esta coluna é composta por guerrilheiros e transportadores de material de guerra. Na frente vão nove guerrilheiros, fardados, de metralhadora pronta a disparar e catana à cinta. O primeiro vai distanciado do segundo, aproximadamente vinte metros, o segundo do terceiro, mais ou menos dez metros, os restantes sete, mais ou menos dois metros uns dos outros. Seguem-se vinte e sete mulheres guerrilheiras, com a mesma distância, de aproximadamente os mesmos dois metros, umas das outras, transportando à cabeça, alguns pesados fardos, outras cestos e caixas de material de guerra, seguidas por outros nove guerrilheiros, fardados, de metralhadora pronta a disparar, e de catana à cinta, com a mesma distância de dois metros um do outro, excepto os dois últimos, que mantinham a coreografia do primeiro e do segundo.

O Madragoa, que já dormia com a namorada na palhota da aldeia, que ficava um pouco retirada do acampamento, ouvindo um pequeno barulho que lhe parecia passos constantes, vem cá fora espreitar.

Escuta, avança uns passos com curiosidade. Não viu mais nada. Foi golpeado, no lado esquerdo, pelo golpe de forte catanada que lhe atingiu o coração. Levou mais uns tantos golpes, mas deverá de ter morrido ao primeiro golpe.

Nesse momento, mais dois militares dormiam nas palhotas da aldeia, que regressaram ao acampamento, pela madrugada, com sempre faziam, sem suspeitarem de nada.

Ninguém sabe se foi a curiosidade do Madragoa que o matou, o que é certo é que pela manhã, a namorada tinha desaparecido da aldeia.

O Comando, quando recebeu o reporte da morte do Madragoa, mencionava que ele ia dormir com a sua namorada sem o comandante da secção ter conhecimento, pois ia para a aldeia, pela calada da noite, e regressava ao acampamento pela madrugada, pelo menos era esta a versão do reporte oficial. Nunca foi mencionado nada a respeito dos outros dois, que deviam ter aprendido a lição com o exemplo do companheiro morto à catanada. E era natural que o comandante da secção não soubesse, ou se sabia, colaborava, pois era natural entre companheiros facilitar a vida uns aos outros.

Mais tarde, pela rádio de uma emissora, que todos diziam, funcionava num país vizinho, que, com o seu programa patriótico, insentivava os naturais à luta e desmoralizava as tropas de Portugal, descreveu toda a história, dizendo entre outras coisas que: Mais uma mulher patriótica e corajosa, que depois de matar o invasor militar que a raptou, libertou-se, e com a ajuda dos nossos corajosos combatentes, que não dormem, para abastecer as nossas bases, e que estão sempre vigilantes nesta luta de libertação..., esta mulher patriótica, juntou-se, vindo reforçar o nosso movimento, blá, blá, blá.

Propaganda. Só Deus sabia.

O Cifra, ao ter conhecimento da morte do Madragoa, com quem confraternizava, e com quem algumas vezes treinava boxe, e sempre lhe dizia:
- Olha-me nos olhos. Os olhos é que comandam os meus movimentos.

Sim os seus olhos ficaram gravados para sempre na sua memória. O Cifra sofria, chorava sem lágrimas, perante todo este cenário, de morte e de guerra, em que estava envolvido, sem ter dado um passo, para que ela existisse.

E nas suas meditações, algumas vezes falava alto, dizendo: Por que razão me tiraram do meu vale do Ninho d’Aguia, onde ouvia todas as manhãs o meu comboio das seis e meia, o berrar das minhas ovelhas pedindo mais erva, da minha família, da minha represa no lameiro, do meu rio e da companhia das minhas amigas, que pelo menos mostravam que gostavam de mim.

E continuava, virando a cara para o céu: Se é que existe alguma divindade aí em cima, a que nós terrestres chamamos Deus, por favor liberta-me e tira-me deste sofrimento.
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Nota de CV:

Vd último poste da série de 22 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10419: Do Ninho D'Águia até África (11): Zarco, o combatente (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10437: Agenda cultural (216): Apresentação do livro "Crónicas dos (Des)Feitos da Guiné", de Francisco Henriques da Silva, dia 3 de Outubro de 2012, pelas 18 horas na Sociedade Histórica da Independência de Portugal

APRESENTAÇÃO DO LIVRO "CRÓNICAS DOS (DES)FEITOS DA GUINÉ"
SOCIEDADE HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL 
LARGO DE SÃO DOMINGOS, N.º 11 - LISBOA 
3 DE OUTUBRO, 4.ª FEIRA, PELAS 18H00


A Edições Almedina e o autor convidam V. Exa. para a apresentação do livro “Crónicas dos (Des)Feitos da Guiné”, de Francisco Henriques da Silva.

O evento contará com a presença do autor Francisco Henriques da Silva e o livro será apresentado pelo Professor Doutor Armando Marques Guedes e pelo Dr. Mário Beja Santos.

O autor combateu na Guiné (1968-1970), onde foi depois embaixador (1997-1999) num momento de extrema convulsão, durante a guerra civil. O país conheceu a ocupação de forças estrangeiras, populações em fuga e Bissau transformada em carreira de tiro, sujeita ao fogo cruzado das forças leais ao presidente e respectivos aliados que se confrontavam com a Junta Militar do brigadeiro Mané, seu antigo companheiro de armas, que encabeçava um vasto movimento insurrecional. Tratou-se de um conflito truculento e dramático que cavou divisões que continuam a fraturar a sociedade local.
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Notas de CV:

Francisco Henriques da Silva foi Alf Mil na CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 que esteve em , Mansabá e Olossato, nos anos de 1968 a 1970, e embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999.

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10434: Agenda cultural (215): 8.º Ciclo "Fim do Império: Olhares Sobre a Guiné" (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P10436: Notas de leitura (411): "Rumo a Fulacunda", de Rui Alexandrino Ferreira (Belarmino Sardinha)

1. Mensagem do nosso camarada Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 21 de Setembro de 2012:

Luís e Carlos,

Junto envio a minha opinião sobre o que li e achei que devia partilhar com o blogue, do livro Rumo a Fulacunda do Rui Alexandrino Ferreira.
Se entenderem que devem publicar, força.

Um abraço,
BS

Começo por dizer que não conheço pessoalmente o Rui Ferreira*, melhor dito, ainda não o conheço, espero em breve poder ultrapassar essa situação e poder dar-lhe um abraço, agradecer-lhe e trocar com ele algumas palavras, até porque a minha curiosidade, depois de ter lido este livro, leva-me a procurar saber a verdadeira razão que o levou a enveredar pela carreira militar, mesmo dizendo ele não se ter adaptado à vida civil.

Há muito que procurava encontrar este livro e confesso, nem no círculo de amigos o consegui. Contrariado, por dar a entender o que não era, vi-me forçado, perdi a vergonha e escrevi-lhe dando-lhe conhecimento do meu interesse e dos intentos frustrados na aquisição do livro. O Rui Ferreira, assim quer que o trate, de pronto respondeu e disse-me estar o livro esgotado, ter apenas alguns exemplares, mas mostrou-se logo disponível para o enviar gratuitamente por correio e assim fez.

Passemos então ao livro.

Começa a narrativa contando como foi parar ao serviço militar na Metrópole (na altura), diga-se já que o Rui é nascido em Angola, Sá da Bandeira, como cadete e depois aspirante a oficial miliciano que se vai remetendo a dar instrução a novos recrutas até ao dia em que a sorte lhe reserva o prémio de ser eleito a ocupar um lugar numa das frentes da batalha de então, a Guiné.

Mas não se pense que o autor descura pormenores. Conta-nos como são distribuídas as condecorações e os louvores e como eram atribuídas as antigas colónias aos militares, como a política se fazia e ainda hoje se faz sentir. Cuidado e minucioso, não deixa para mão alheia e lembra o passado e o presente, quer dizer, o antes e o após 25 de Abril de 1974.

Sem rodeios ou “papas na língua” não omite e critica severamente a incompetência e o comportamento de responsáveis e decisores da vida ou morte dos seus subordinados, sem se esquecer de enaltecer aqueles que para ele o merecem.

É neste contexto que nos relata a sua mobilização para a Guiné, a ele, nascido e criado em Angola, onde esperava poder regressar e dar o seu contributo como militar, pois tendo-se oferecido nunca foi aceite o seu pedido.

Após o desembarque, descreve-nos como vê ou era o movimento da cidade de Bissau, dependente dos militares e por força destes o Hospital Militar, o seu pessoal, dedicando-lhe palavras de apreço e reconhecimento, o seu verdadeiro e essencial papel nas vida de todo o militar que teve a infelicidade de ter que por lá passar (infelicidade termo da minha responsabilidade, por entender que, por muito bem tratado, o necessitar-se foi uma infelicidade).

Na continuação da sua viagem por terras da Guiné, conta-nos como foi parar a Fulacunda e o que diziam. Descreve-nos o que se via antes e depois de aterrar. Fala-nos da sua aceitação num grupo desfalcado pela perda do seu comandante e os laços que envolviam e fortaleciam as ligações do grupo e o quanto eram/são importantes e necessárias.

Uma vez mais não se escusa a confrontos e emite a sua opinião sobre aqueles com quem conviveu e partilhou missões e decisões ou a falta destas.

Sem fazer a sua defesa ou estimular esse tipo de procedimentos, descreve de forma soberba sentimentos e formas de sentir, estar e até proceder, perfeitamente desumanas, só possíveis em determinadas alturas e perante situações vividas (chegadas ao conhecimento de quem não as viveu, ou que, sem escrúpulos ou por outros interesses utilizam a exceção para denegrirem tudo o que lá se fez ou aconteceu ao longo de treze anos de guerrilha. Nota da minha responsabilidade), após a morte de um furriel que tentava desativar e levantar uma mina.

Aproveitando as narrativas sobre o desenrolar da sua atividade operacional, não esquece e individualmente dedica uma palavra de apreço, gratidão ou de simples amizade a todos que fizeram parte do seu grupo de combate.

Relembra-nos com era o sol e o calor, a humidade e as baixas temperaturas noturnas, os mosquitos, a transpiração, o mato e o seu emaranhado de árvores e vegetação, as trombas de água e os seus relâmpagos, dignos de filmagem para qualquer espetáculo, enfim, descreve tudo por que muitos foram obrigados a passar e viver durante 24 meses, meses que pareciam não ter fim.

Sendo estas notas escritas de acordo com a narrativa do Rui no decorrer do livro, tomo a liberdade de aqui com ele concordar inteiramente sobre o que diz acerca dos militares em convalescença e lembrar que já nessa época, da sua primeira comissão, era arrepiante o depósito de indisponíveis, de feridos e estropiados que passavam ou eram deixados na Rua Artilharia 1, em Lisboa, e que devia fazer envergonhar qualquer ser humano, mas assim continuou mesmo depois de 25 de Abril de 1974 até há poucos anos…

Aquando das suas férias, faz-nos uma descrição minuciosa da sua terra, Angola, mais propriamente de Sá da Bandeira, onde nasceu e viveu até à vida militar, uma vez que não conseguiu ali fazer a sua comissão como oficial miliciano cujo destino foi a Guiné.

Já para o final conta-nos umas histórias que servem para nos distraírem e aliviarem a pressão com que estas obras nos carregam, na procura de uma melhor disposição para de novo regressarmos à Guiné a sabermos como foi o final da sua comissão.

Com a mesma frontalidade com que nos brinda ao longo das páginas do seu livro, dá-nos a sua opinião sobre o 25 de Abril de 1974 e sobre alguns dos envolvidos, bem como o que achou da forma como foi feita a descolonização e as pessoas que ocuparam os lugares de responsabilidade na condução dos povos tornados independentes.

Assim conclui a leitura de Rumo a Fulacunda. Entendo-o como uma autobiografia da sua primeira comissão na Guiné, com algumas variantes sobre a sua origem e recordações, mas onde nunca ficam esquecidos o coletivo e menos ainda a amizade estabelecida por força das circunstâncias, laços de amizade que são, segundo o autor, mantidos até hoje.

Em condições tão adversas como a guerra, onde impera a necessidade de unir esforços, acontecia, por vezes, com alguns, lembrarem-se disso apenas e só enquanto metidos no mesmo inferno, imediatamente a separação de classes se fazia serenados os ânimos. Parece não ser o que se passou com o Rui, agraciado pelos militares do seu próprio grupo, distinção a que ele dá o máximo valor, muito embora tenha recebido muitas medalhas e louvores ao longo da sua carreira que, não menos importantes e até mais sonantes, relega para segundo plano.

Resta-me agradecer ao Rui Ferreira ter-me proporcionado a leitura do seu livro e dar-me a oportunidade de dizer-me seu amigo, depois de o conhecer um pouco melhor através da sua escrita.

Um abraço,
BS
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Notas de CV:

(*) Rui Alexandrino Ferreira foi Alf Mil Inf.ª na CCAÇ 1420, Fulacunda, nos anos de 1965 a 1967 e Cap Mil Inf.ª na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, nos anos de 1970 a 1972. 

"Rumo a Fulacunda" de Rui Alexandrino Ferreira, foi editado por Palimage Editores

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10431: Notas de leitura (410): "A Viagem de Tangomau", de Mário Beja Santos, ou um livro de afectos e de plena reconciliação (Armor Pires Mota)