domingo, 24 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 18 de Março de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

12 - PSICO-SOCIAL

Turismo de guerra foi o que fiz por quase todo o Norte da Guiné, particularmente na zona do Oio e pelas matas que rodeavam Morés, que acabei por não visitar, dado que me mandaram regressar à Metrópole. Poderiam ter tido a hombridade de perguntar: "Queres ir ou ficar?"

Demais a mais até porque só ainda ali estava há 20 meses e agora já me tornara um verdadeiro profissional especialista na arte do atacas ou te defendes.

Teria assim oportunidade de visitar tal local, onde constava existirem grandes árvores queimadas por cima, por via dos T6, que de quando em vez largavam por ali, umas bombitas inofensivas e que apenas serviam para acordar quem ali procurava refúgio depois de ter aterrorizado e fugido das nossa tropas, para além de também destruírem as casas dos passarinhos que ali nidificavam.

O motivo por me não quererem mais, julgo dever-se ao facto de pensarem que eu era açoriano.
Dizia-se que onde estes estavam, acabava a guerra, sendo vulgar ouvirem-se os gritos do inimigo:
- Fujam, fujam, não embosquem esses gajos... são dos Açores.

Passeei por Mansabá, Manhau, Bissorã, Pelundo, Jolmete, K3 e QG com visitas de pacificação acidentais, por Teixeira Pinto, Cacheu, Bula, Binar, Mansoa e Quinhamel.

Conheci tanta gente boa, de várias etnias, com quem partilhei, solidariedade, ajuda, estima ao próximo, amor à próxima, respeito e consideração, "coisas" que eu já tivera recebido e que por isso mesmo sabia agora praticar.

Equipamento básico para um bom desempenho de turismo de guerra

Nascera eu, em 1942, época da II Grande Guerra e jovenzito conheci "a maldita" (vulgo fome), mas cedo nos ensinaram a dar a volta.

Faltando o melhor, sempre haviam umas frutas que comprávamos sem falar com os donos... uma túberas que colhíamos nos pinhais... uns coelhitos bravos que caíam nos "ferros" e que assávamos em brasas de lume... uns peixinhos do rio que tadínhos, invadiam o interior das garrafas a que havíamos cortado o fundo para que entrassem e que depois como não conseguiam sair, devorávamos quais jaquinzinhos fossem... uns ovos que sacávamos dos ninhos... uns pardalitos que levavam com uma pedra arredondada e disparada pelas nossas fisgas... enfim, não faltando o engenho, lá nos íamos amanhando.

Relembro também a Intendência. Era uma loja para onde íamos fazer turnos de duas horas e a partir das sete da tarde até às nove da manhã do dia seguinte, hora a que então começavam a distribuir senhas que davam direito aos pobres poderem adquirir, ou um quilo de arroz... d'açucar... farinha... pão.
Mas do que eu mais gostava, (a partir de 1946 e seguintes) era de quando a minha avó, me mandava comprar cinco tostões de capilé, para adoçar um "café" que ela fazia com boletas (da azinheira) e grão rebuscado.
Tudo torrado, esmagado e fervido, constituía o meu pequeno almoço, antes da escola.

E gostava de ir, porque para lá levava um púcaro de esmalte até à taberna do senhor Firme e com ele deveria regressar com, pretensamente o equivalente aos 50 centavos antes referidos, lá dentro, só que como eu ia sorvendo umas pinguitas, chegado que era, só lá restavam três tostões.

No fundo, sempre eram cem os metros entre a tasca e a nossa moradia de soalho de terra (o que nos obrigava a limpar os pés quando entrávamos na rua). Ali vivíamos sete pessoas em vinte metros quadrados e quartos separados com mantas. A luz era a do candeeiro a petróleo ou das velas. O telhado deixava passar a chuva para alguidares de barro.

Alonguei-me, dispersei-me?

Quis apenas que compreendessem que ser solidário implica algumas vezes, que nos debrucemos pelo que passámos e pelo que nos fizeram, o que não quer dizer, que tais dificuldades sejam condição para praticar o bem, mas como se costuma dizer "quem sabe da poda é o podador".

Recebi mais do que dei, senão reparem, neste tão comovente convite:
- "Nôsso Furié" deixa que si for minino seja Veríssimo?

Vinha tal pedido, da esposa grávida, dum dos meus camaradas, soldado futa-fula.
Pensei recusar... vi que triste seria para aquela moçoila e acedi vaidoso e foi assim que lá ficou em Farim um... minino de apelido, Veríssimo.

(continua)
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11269: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (29): 30.º episódio: Memórias avulsas (11): O porquê do abandono do K3

Guiné 63/74 - P11305: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (42): Desporto no COA - Outras modalidades

1. Em mensagem do dia 25 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

42 - Desporto no COA

Outras modalidades

Há poucas semanas, vários ex-alunos recordaram e transmitiram o de que se lembravam sobre o desporto no COA, citando os nomes mais representativos no futebol, basquetebol e voleibol; mas praticaram-se ainda outras modalidades.

Recordo que na sala por cima do velho laboratório do Dr. Vide - mais tarde era da Dª Maria? Odete - foram colocadas umas mesas de pingue-pongue, creio que emprestadas pelos bombeiros, e ali foram disputados uns tantos jogos. Era a mesma sala onde o Zé Alberto nos presenteou com a exibição de um vídeo muito bem elaborado aquando do almoço de 2012.
Não recordo o nome de nenhum jogador dessa modalidade mas talvez alguém se lembre.

A partir daqueles jogos, no salão de estudo, fazíamos uma “réplica” do ténis de mesa; a carteira dupla dos alunos internos tinha um tampo horizontal e servia de mesa, um livro ou um caderno servia de raqueta; a bola era normal.

Além dos desportos citados praticou-se também, e em larga escala, um outro desporto característico do Norte do país – joga-se também no sul, mas não com a mesma intensidade. Exige dura preparação física, muita concentração e também boa memória, inteligência acima da média; é um desporto de equipa (2 de cada lado) e exige, também treino assíduo. Refiro-me, claro, à “sueca”.

Iniciei-me neste duro desporto no COA. No meu 2º ano, noite após norte, jogávamos na camarata, à luz da vela, até alta madrugada; não recordo se alguma noite fizemos uma “directa” mas, certamente andámos lá perto. Logo que o velho Correia (não é ofensa) se deitava “armávamos a tenda” no canto da camarata, à entrada à esquerda; prendíamos um lençol na janela, na parede e no bloco de cacifos, servindo de quebra-luz; acendíamos uma vela e iniciávamos a jogatina. A nossa camarata ficava ao fundo do corredor, à direita, frente à do prefeito.

Jogávamos a dinheiro vivo! – Ai de mim se o meu pai soubesse! Não me recordo quanto se perdia em cada partida; ganhava quem completasse quatro vitórias.

Recordo que uma noite eu perdi 1$60 (o Valdemar Coutinho conta que só perdi 1$20); o que interessa é que perdi! Na noite seguinte, triste que nem um peru em véspera de Natal, transmiti aos restantes jogadores que desistia de jogar porque, na noite anterior, havia perdido quase uma fortuna.

Lembro que estávamos no início dos anos 50, do século XX e nessa altura o dinheiro não abundava nas nossas magras algibeiras.

Outro membro da minha equipa, o Valdemar Coutinho, e os adversários, ficaram desolados, furibundos; insistiram que eu voltasse à lide. Mantive a minha posição em não jogar. Eles conferenciaram e apresentaram-me a seguinte proposta:
- Nós devolvemos-te o dinheiro que perdeste e tu vens ”trabalhar” connosco. Certo?

Perante tanta insistência e tendo em conta que recuperava o meu dinheiro, dei o dito pelo não dito e voltei às lides. Pode depreender-se que a malta… já estava viciada, ou para lá caminhava.

Os meus adversários arrependeram-se profundamente da sua atitude pois, naquela noite, a “vaca” andava à solta e estava do meu lado. Ganhei, nessa noite 2 ou 3$00; quase ficava rico naquela madrugada.

O Valdemar e eu jogávamos sempre juntos; éramos companheiros inseparáveis… na sueca e não só.

Quando frequentava o 3º ano, entraram no COA vários alunos provenientes da região de Espinho/Vila da Feira; entre eles veio o Hec Sá Rosas (acompanhado pelo irmão mais novo, o “Rositas”) e o Pais Loureiro; estes dois frequentavam o 5º ano. Tomaram conhecimento da nossa nomeada na batota e decidiram desfiar-nos para uma “suecada”; de bom grado aceitámos o repto. Era uma situação nova e complicada para nós; eles eram mais velhos e jogavam juntos (equipe entrosada e batida) havia uns tempos. Medo não tínhamos! E como dizem lá na santa terrinha: - quem nasce bom… é sempre bom.

Iniciado o jogo, logo verificámos que havia equilíbrio de forças. Pouco depois, após a distribuição das cartas, olhei para o meu jogo e só “via duques”; não tinha na mão qualquer carta de valor; apercebi-me que o meu companheiro – sinalética própria da batota – estava também na penúria. Nisto, o Américo, que até tinha bom jogo, cometeu um erro crasso que foi a nossa salvação. Num inglês macarrónico, dando às palavras um tom profundamente gutural, perguntou ao Rosas:
- How many “trunfs” have you?
- I have four! - Replicou o Sá Rosas
- I have six! - Foi a resposta concludente do Américo

Como eu frequentava o 3 ano e portanto já sabia umas tretas de Inglês, coloquei “as cartas na mesa”, alegando:
- Tu perguntaste ao teu companheiro quantos trunfos ele tinha; ele respondeu que tinha 4 e tu acrescentaste que tinhas 6. Isso até é verdade pois nós não temos nenhum. A sueca foi inventada por quatro mudos! Vocês falaram… perderam o jogo! Vitória nossa!

Nos jogos seguintes a “sorte” passou definitivamente para o nosso lado e ganhámos por larga margem. Escreveu-se direito... por linhas tortas. Mas a sorte não era tudo!

Algum tempo depois o Sá Rosas (mano velho) apercebeu-se que o Valdemar e eu éramos companheiros inseparáveis, perguntou:
- Vocês são irmãos? É que nunca vos vi um longe do outro!

Eu respondi:
- Nós somos apenas “meio-irmãos”!

Perante a sua estupefação eu esclareci:
- Somos meio-irmãos porque o meu pai namorou com a mãe dele e o pai dele namorou com a minha mãe; entretanto mudaram de campo; eis a razão porque somos apenas meio-irmãos.

A nossa dupla desfez-se já lá vão uns bons anos!

Na Guiné, nos intervalos da Guerra, joguei bastante, com outro parceiro, claro! Para não haver confusão de galões e divisas, eu jogava com um dos meus furriéis e a outra dupla era também formada por um alferes e um furriel; o prémio era uma cerveja para cada um; uma cerveja “à melhor de três”. Para quem não está familiarizado com a linguagem, eu troco por miúdos: a equipa que ganhasse duas partidas seguidas ou alternadas, recebia duas cervejas, uma para cada jogador.
Acontece que eu não bebia cerveja. Quando perdia pagava ao “cantineiro”; se ganhava ficava crédito da minha conta-corrente. O cantineiro controlava.

Quem bebia o que eu ganhava, eram os meus soldados que não recebiam o suficiente para beber uma cerveja por dia. Para que não haja dúvidas, é bom esclarecer que cada um de nós recebia apenas 1/3 do salário; 2/3 ficavam cá. Mas mesmo assim era uma miséria!

O Valdemar, ainda hoje, é um acérrimo”suequista”. Todos os sábados e domingos, ele desloca-se (1Km) até à taberna do irmão (Mário) e ali passa uma tarde/noite bem passada à volta de uma mesa com as cartas na mão. Ali, a sueca é rainha! Não há por lá um café onde se não pratique este desporto, extremamente exigente, física e intelectualmente. Só não sabe isto quem não joga!

Saudações colegiais!
Fevereiro 2013
BT
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11268: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (41): O Chissóia e tantos outros que fomos obrigados a abandonar

Guiné 63/74 - P11304: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (5): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes IX / X): Buba, fevereiro / maio 1969



Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O José Teixeira com o chefe da tabanca e a sua lindíssima filha. "Um feliz reencontro. Regresso às origens em 2005. Encontro com um Português da Guiné, antigo paraquedista,  que tem uma linda história para ser contada, pelo que sofreu e como consegui iludir o PAIGC para sobreviver à chacina de antigos combatentes portugueses".

Foto (e legenda): © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):


[ Foto à direita: José Teixeira, em Farosadjuma, Cantanhez, Região de Tombali, 2001]


Buba, 20 de Fevereiro de 1968

Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada [, em 28 de janeiro de 1969,]  e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.

A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada...

Buba foi atacada no dia 9 às 22.15 h. Valeu-se como sempre da surpresa e causou-nos um bom susto. Feridos graves só houve um embora houvesse muitos feridos ligeiros, pés cortados, unhas arrancadas, cabeças partidas, tal foi a confusão que se instalou nas duas Companhias operacionais, nos Comandos e nos Fuzileiros que aqui estão aquartelados.

 Voltaram novamente a 14 pelas 5 horas da matina. Desta vez era para arrasar Buba se quisessem, ou então foram nabos, o que não me parece.

Treze canhões sem recuo chineses, 4 morteiros, LGFog, armas pesadas e ligeiras e sobretudo a uma hora que ninguém contava. Meteram bastante chocolate cá dentro mas só feriram um soldado. A Tabanca foi bastante atingida. Nove casas foram destruídas pelo fogo e com a precipitação da fuga para os abrigos ficou abandonada na Tabanca uma criancinha que morreu queimada.


Uma granada,
Vinda não sei de onde,
Lançada não sei por que,
Rebentou...
E aquela criança,
Que brincava além,
A morte, a levou...

Na areia brincava...
E sua mãe,
Que seus paninhos lavava,
Estremeceu.
Num triste pressentimento
Seu olhar volveu...

Um grito ! ( desmaiou)
No preciso momento
Que seu filho morreu...



Tive muito que fazer na Enfermaria. Um dos feridos da população mais graves foi a mãe da menina que morreu. Tinha o corpo cheio de estilhaços, felizmente não foi atingida nos orgãos vitais e deve recuperar.



Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > "A minha antiga caserna"...

Foto: © José Teixeira (2005): Todos os direitos reservados



O seu sofrimento interior impressionou-me. É seu hábito dormir com a criança amarrada às costas para poder levá-la para o abrigo subterrâneo quando o IN ataca. Como já era de manhã desamarrou-a pouco antes do ataque se dar. Quando ouviu o fogo correu para o abrigo e só nessa altura é que se apercebeu que a bebé estava a dormir na tabanca. Saíu a correr, mas foi atirada ao chão pelo rebentamento da granada de canhão que caiu em cima da sua casa e lhe matou a menina.


Samba Sabali, 9 de Março de 1968


Depois de uns dias em Buba, segui para Nhala onde estive quatro dias e fixei-me em Samba Sabali, em tendas de campanha.

Ontem saí para o mato a dar protecção ao pessoal de Engenharia que está a abrir uma passagem de ligação à estrada nova. Dentro de dias volto para Buba e espero que se acabe para mim a protecção aos homens de Engenharia que estão a construir a estrada.


Buba, 18 de Março de 1968

Segundo me informaram na Secretaria da Companhia, o Comandante não autorizou a minha ida de férias à Metrópole. A Companhia está com muitas baixas por feridos e doenças pelo que as licenças foram cortadas. Custa-me imenso esta situação. Depois de um ano de guerra estou saturado, os nervos não obedecem e o cansaço é grande, e que saudades ...

Como a minha Companhia está saturada e com muitas baixas, talvez mude para uma zona melhor a curto prazo. É esta a minha esperança.


Buba, 26 de Março de 1969


Mais uma grande aventura na Guiné. A maior até hoje. Integrei um Pelotão que partiu de manhã para um patrulhamento e emboscámos ao fim da tarde num sítio propício para descansar um pouco, longe do lugar onde devíamos estar emboscados, ou seja, perto da Bolanha dos Passarinhos, local de passagem do IN e por tal razão perigoso.




Guiné > Carta de Xitole (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Buba, Nhala e Samba Sabali.  

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné



Anoitecia, quando o IN atacou a Companhia que nos foi substituir a Samba Sábali e com tal fúria que provocou nuns escassos minutos um morto e nove feridos graves. Como não havia condições para o héli aterrar, quer por o local não se propiciar, quer por ser noite e perigoso e porque o estado dos feridos era grave, foi necessário ir buscá-los para Buba.

A bolanha dos Passarinhos, local onde devíamos estar emboscados, fica entre Buba e Samba Sabali e o Comandante, convencido que estávamos perto, solicitou via rádio que fossemos reconhecer o terreno e montar segurança às viaturas que iam recolher os feridos. Como estávamos longe e porque os camaradas precisavam de apoio partimos a correr pela estrada fora sem nos preocuparmos com a segurança.

Que medo, andar de noite pela mata cerrada, em zona de contacto com o IN, com este por perto, com colegas a pedir socorro. Emboscámos a montar segurança na Bolanha e as viaturas passaram, sem perigo. Sentimos movimentos atrás de nós, supomos que era o IN, a tentar ocupar o local para atacar a coluna no regresso, mas deve-nos ter pressentido e retirou. Ainda ouvimos alguns tiros perto, mas como não reagimos, tudo se manteve calmo e eu no regresso apanhei uma viatura que trazia três feridos a quem dei apoio.

Eu tinha abandonado Samba Sabali dois dias antes. O Enfermeiro que me substituiu foi ocupar o lugar que eu deveria ocupar na defesa do acampamento. Teve azar. Uma bala perfurou-lhe a cabeça e não resistiu aos ferimentos. Um outro foi para a Metrópole inutilizado.

No dia 14 houve um ataque a Buba. Um estilhaço de granada alojou-se no pericárdio de um colega meu, que também não resistiu aos ferimentos.


Buba, 10 de Abril de 1969

Há coisas na guerra que parecem impossíveis. Os Comandos saíram de Buba, andaram cerca de 15 Km em patrulhamento e depararam de frente com o IN. Meteram-se rapidamente na mata, deixaram que o bigrupo IN se aproximasse e atacaram, provocando 11 mortos, apreendendo 21 armas e ficando apenas com dois feridos ligeiros.

Pedida a evacuação, marcham para o regresso a Buba e caem num campo de minas, tendo rebentado uma bailarina que rouba a vida a um furriel. Foi cortado pela cintura. Outra arranca um pé de um soldado. Sai-se de uma, para se cair noutra...


Buba, 19 de Abril de 1969

Pela primeira vez, num ano de guerra com diversos casos graves e mortais, vi camaradas meus serem varados por balas de armas manejadas por companheiros só porque já não se ouve a voz da razão.




Guiné > Buba > Maio de 1969 > Entrada principal da povoação e do aquartelamento

Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados


Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia [CCAÇ 2381] e um Comando Africano, quando tomavam banho, originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece estar tudo louco.

Um Comando branco defendeu o Africano e alguns Fuzos intrometeram-se. A coisa azedou e surgiu uma cena de pancadaria de que resultou, algumas cabeças partidas e olhos negros. Aparece uma G 3 a vomitar uma rajada e quatro meros espectadores ficam gravemente feridos. Uma perna desfeita, um braço cortado e o mais grave veio a falecer com uma bala na cabeça. Foi este o resultado de uma simples discussão.

Eu estava de saída para o mato e mal vi os feridos. Pela primeira vez na minha vida de guerra, chorei. Lágrimas de raiva ... e de sangue.


Buba, 21 de Abril de 1969

Mais um encontro com o IN para o meu palmarés. Pelas 21 h do dia 19 e quando tomava um cafezinho, os nossos amigos apareceram por Buba e lá de longe enviaram-nos 45 canhoadas, utilizando cinco canhões e três morteiros. Acertaram numa tabanca e mataram um civil. Outra granada de grande potência e perfurante rebentou na parede da caserna a dois metros da minha cama, onde felizmente não estava. Dois colegas que se meteram debaixo da cama ainda sentiram, embora ligeiramente, os efeitos da sua estúpida decisão. Uma outra caíu na Enfermaria, no sítio onde costumo escrever à noite para a Metrópole. Um colega meu, enfermeiro de outra Companhia, estava nesse lugar quando rebentou o ataque.

No dia seguinte fomos fazer o reconhecimento e pude verificar a excelente pontaria dos nossos homens. Meteram uma granada do 81 a dois metros de um dos canhões provocando pelo menos feridos graves e notava-se que muitas outras granadas cairam perto.

Hoje fui ao médico. Apareceu-me um hematoma num testículo que parece ser um hidrocelo. É natural que tenha de baixar ao Hospital para ser operado.

Buba, 5 de Maio 1969


Outro domingo inesquecível. Foi o Miguel como poderia ter sido outro. Pisou uma antipessoal e ficou sem o pé esquerdo e com a perna toda esfacelada.

Saíram de madrugada, com destio a Nhala, levar mantimentos. Depois da curva do Vilaça detectaram três minas A/P. Os nossos homens puseram-se em posição de defesa e o Sapador preparou-se para as levantar, quando o Miguel se decide avançar um pouco e pisa uma terceira que estava dissimulada junto a um tronco de palmeira. O IN que estava emboscado no local a assistir ao levantamento abriu fogo de imediato, mas nada mais aconteceu de grave.

Rapidamente assistido pelo Catarino debaixo de fogo, o Miguel foi transportado em seguida para Buba, de onde o heli o levou até Bissau, enquanto a coluna seguia o seu destino, detectando-se mais duas minas e uma armadilha de tropeçar e um cemitério (em cenário) com pedidos para voltarmos para a Metrópole, deixando o povo da Guiné gerir o seu destino e ameaças de morte em que o falso cemitério era o exemplo do que nos esperava se continuássemos a fazer guerra. A CCAÇ 2317 ficou no local a levantar um campo de 38 minas antipessoais.


Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Depósito de água e antigas casernas da tropa...

 Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados


No dia sete contava partir para a Metrópole em gozo de férias, pois tinha arranjado maneira de ludibriar o Comandante com a ajuda do Alferes Barbosa e também não era a minha vez de sair, pois tinha regressado no dia anterior à noite de uma patrulha de um dia, pela área onde se deu a emboscada.

Como o Catarino ia ficar sozinho no Destacamento, ofereci-me para fazer esta coluna. Preparei-me, mas à última da hora lembrei-me que "voluntário na tropa, só para comer ". Pedi desculpa ao Catarino e ele teve de avançar, compreendendo como sempre a minha posição.

Uma hora depois da sua partida sentimos o chocolate a cair e pensei: Escapei de boa! Acompanhámos via rádio a situação e pouco depois chega a viatura com o ferido que assisti, até chegar o heli.

A situação do Miguel e a sua reacção chocou-me muito. Parece que não tinha dores, apesar de estar sem um pé e garrotado abaixo do joelho. Só gritava agarrado à fotografia da namorada:
– Já não posso casar – pegou numa estampa de Nossa Senhora e disse:
–  Nem Tu me salvaste.

No regresso da coluna os colegas contaram que quando se detectaram as minas, houve ordem, como de costume para se baixarem e ficarem em posição de fogo. O Miguel levantou-se e disse que ia ver o que se passava, começando a caminhar em cima do tronco de palmeira. Quando chegou ao topo e pôs o pé em terra, tinha a mina à sua espera. Um descuido que ficou caro.

O Catarino portou-se como um herói, secundado pelo Valente, pois arrancaram debaixo de fogo para junto do Miguel, correndo o risco duplo de serem atingidos pelas balas inimigas ou por alguma mina que pudesse lá estar. Foram encontradas no local 41 minas.

Disseram os meus colegas que o IN formou., com terra, campas de mortos, no local da armadilha para os intimidar com frases do género Branco vai para a tua terra.

(Continua)

Guiné 63/74 - P11303: Parabéns a você (550): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11291: Parabéns a você (549): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense da CCS/BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

sábado, 23 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11302: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (9): INGORÉ... ou os inusitados caminhos da memória

1. Em mensagem do dia 20 de Março de 2013, o nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), dá-nos conta dos resultados da investigação que lhe deu a certeza de não ter passado os seus últimos tempo de comissão em S. Domingos, como pensava, mas em Ingoré.
Colaboraram nesta pesquisa os camaradas Delfim Rodrigues e Carlos Nóvoa.

Caro Carlos,
Encerrando o assunto "SÃO DOMINGOS?"...

Em primeiro lugar quero agradecer a tua ajuda nesta busca, para encontrar o local dos últimos meses da minha comissão.

No P10525, fiz um resumo desses três meses, e sempre que via as os fotos desse tempo, o nome que vinha à minha memória era SÃO DOMINGOS, contudo, li mais tarde neste blogue, que São Dominngos não era sede de Batalhão.

No P11262 coloquei a dúvida, apesar de ser São Domingos o nome que assomava à minha memória. No dia em que publicaste a minha dúvida, coincidentemente, foi publicado o Convívio do BCAV 3846; o camarada Delfim Rodrigues, organizador do Convívio a quem recorreste, não pôde ajudar na confirmação de que os oficiais da foto eram desse BCAV, pois a sua CCAV esteve estacionada em Suzana e Varela. Forneceu o e-mail do Carlos Nóvoa, que tinha servido na sede do BCAV, e que levou a foto para o almoço em Estremoz.

E realmente o Mundo é Pequeno ...e a nossa Tabanca é Grande..

O Major Sampaio, presente no almoço, se identificou e a quase todos os Oficiais da foto.

Na foto, a partir da esquerda: Capitão Saraiva, Comandante da CCAV 3364 (a Companhia do Carlos Nóvoa) e presente no almoço; Major Sampaio, Oficial de Operações; Major (Tenente-Coronel?) Mateus; com barba, Alf Mil Ribeiro da CCAV 3364; de frente, Alf Mil de Transmissões Almeida; com o copo na mão, Alf Mil Agostinho Miranda; o Oficial de óculos não foi identificado; Alf Mil Vasco Pires; o último à direita é o Tenente Nobre da CCS; de costas, Alf Mil Teixeira (?) da CCAV 3364.

Sim, os últimos meses da minha comissão foram em INGORÉ, todavia, essa palavra continua "adormecida' no meu inconsciente... Vai saber...!!!

Forte abraço
Vasco Pires
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11262: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (8): Terei estado no "bem-bom de São Domingos"?

Guiné 63/74 - P11301: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (12): As mulheres, as mães...também aqui elas são, na maioria das vezes, o garante do sustento da família



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 10 de dezembro de 2009 > Mulheres...

Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XII) (*) [, Foto à direita, em Catesse, janeiro de 2012, crédito fotográfico: Pepito]

8 de Março de 2012

Hoje é o dia Internacional da Mulher que também aqui é comemorado. Parece que esta tarde haverá um jogo de futebol entre solteiras e casadas e as casadas querem que eu também vá jogar à bola! Aleguei que sou divorciada e que como tal não posso jogar mas elas não estão convencidas! Se calhar vou mesmo ter de dar uns pontapés na bola! Veremos.

As mulheres, as mães ….. também aqui elas são na maioria das vezes o garante do sustento da família. A Alice tinha-me dito que aqui elas é que trabalhavam e que os homens não faziam nada. Antes de vir perguntei ao Pepito e ele disse-me que os homens trabalham no duro na época das chuvas, altura em que fazem a cultura do arroz e que por isso teria dificuldade em dizer quem trabalha mais. Bem, a minha amostra é muito reduzida mas a Duturna, efetiva da AD, sustenta com o seu salário umas 9 pessoas, pelo menos. Claro que a neta e as sobrinhas netas vêm ajudá-la com muita frequência no trabalho. O marido, o sr. Manuel, que é mais novo do que eu, já não cultiva arroz porque os filhos foram para Bissau. Disse-me que talvez este ano cultive um pouco. 

A Mariama, que é contratada da AD durante a época seca, sustenta umas 12 pessoas. O marido é agricultor mas como os filhos não o ajudam cultiva pouco. Os dois filhos já homens fazem uns biscatos e vão ganhando uns trocos para eles. A Elisa, sobrinha da Mariama, que vive com eles, é negociante mas o que ganha é para si. É a Mariama que tem de pôr todos os dias o arroz e o peixe para as refeições, é a Mariama que tem de fazer o batizado do neto que nasceu. O seu filho mais novo, o Gassimo, que é um menino de bom coração que vai fazer 15 anos mas é miudinho, ajuda a mãe e anda quase sempre atrás dela. Costumo até brincar com ele dizendo-lhe que me parece um cabrito. Os cabritos balem “Mé, Mé” e o Gassimo “Né, né” (mãe em fula). A Pónu, contratada da AD durante a época seca, é viúva, tem 3 filhas e um filho, estão 2 em Bissau com a mãe dela, e ainda a enteada. Além de trabalhar aqui tem um pequeno negócio na tabanca. 

A Fatumata, que tem aqui um trabalho temporário, só 2 vezes por semana, é separada – deixou o marido na Guiné-Conacri por ele ter 4 mulheres. Diz que quer ser mulher única de um homem. Tem umas quantas filhas. Não sei o que faz mais para sustentar a família. Como diz o Abubacar, aqui, em média, uma pessoa trabalha para sustentar 10! E a maioria pensa se amanhã tem arroz para a família comer. Se tem, o depois de amanhã logo se vê. 

Enfim, apesar de mesmo estas mulheres se mostrarem cansadas rapidamente no trabalho do dia-a-dia, não sei se por estarem mal alimentadas, se por estarem efetivamente cansadas ou se porque o trabalho é um mal necessário, a verdade é que ainda assim são elas que se preocupam com a alimentação diária das grandes famílias e é por elas que uma filha chama na hora do parto. Por tudo isso, bem hajam as mulheres de todo o mundo.

Ainda nada escrevi sobre as minhas rotinas diárias, que são um pouco variáveis. Nunca me levanto depois das 7 horas e são muitos os dias em que me levanto às 6 ou antes. É quando acordo. Se me levanto antes das 7 e tenho bateria no computador venho escrever estas linhas. É bom levantar-me cedo pois são quase só as horas em que consigo estar sozinha e ter tempo até para pensar. Tomo o meu 1º pequeno-almoço, fruta e café, às vezes vou aqui ao lado comprar pão ao Mumini, às vezes faço algum pequeno trabalho doméstico, lavo-me, visto-me, faço a cama, como pão com queijo ou manteiga e bebo mais café e às 9 horas gosto de estar na rua e de ir ter com as mulheres e com o suposto jardineiro para ver quais os trabalhos do dia. 

Levo logo o bidão para pôr água a aquecer ao sol e a minha lanterna solar para carregar e às vezes o carregador solar de pilhas que as minhas colegas me ofereceram. As manhãs têm sido até agora quase sempre passadas nos alojamentos que foram sujeitos a grandes limpezas. Agora, que entrámos na fase de manutenção do que foi limpo, ando a ver como convencer o Sambajuma, guarda de dia e suposto jardineiro, a tratar melhor dos canteiros. Anteontem andei com ele a limpar 2 canteiros.

Se o Pepito visse ia zangar-se comigo pois diz-me que às tantas eles dizem “ela que faça”! Penso que o Pepito tem toda a razão mas se eu conseguisse dar a volta ao Sambajuma pela afetividade seria bom para nós e para ele. É “torrão”,  o Sambajuma! Era pescador de rede mas por causa dos copos perdeu tudo. Tem uns 60 e tal anos o que para aqui é muito e parece de facto um velho mas eu sei que ele ainda tem força pois quando vamos à pesca bem o vejo remar e nesses dias não se cansa. Andamos todo o dia na piroga e ele, como eu, não se cansa de estar à pesca mesmo quando não apanhamos nada! Vamos e voltamos a pé com as tralhas e se eu não estou pronta às 9 horas ele fica na maior inquietação. Ser guarda é fácil pois está sentado à sombra da mangueira todo o dia mas jardineiro … ih … dá “canseira”! O canteiro que ele limpou ontem não está devidamente limpo e eu disse-lhe mas … ainda não vi resultados! 

Falamos em francês porque ele cresceu no Senegal e comigo é muito educado e gentil. Ele vê mal, tenho a prova disso quando vamos à pesca, está muito desdentado mas tem uma mulher jovem e bonita e uma filha com uns 7 anos. Tem outras filhas adultas, de outros casamentos, mas as outras mulheres morreram. Mas o safado não se preocupa em alimentar a família! Há dias apareceu uma menina ao pé de nós a falar com ele. Disse-me que era a filha a pedir dinheiro para ir comprar arroz. Ele disse-lhe que não tinha e como a pequena não arredasse pé correu com ela e disse que fosse pedir à mãe dela! 

O Abubacar disse-me que já o mandou embora do trabalho 2 ou 3 vezes mas …. não tem coragem de tirar a este velho os únicos tostões que ele aqui ganha. Outro dia, na reunião que fizemos com todo o pessoal, à segunda vez que o Abubacar o chamou à atenção para aquilo que deve fazer melhor, ele não esteve com meias medidas – abandonou a reunião, e foi-se embora a dizer para o Abubacar “Tu ne me amais pas, tu ne me amais pas”! Mas nos dias em que o Pepito cá esteve não ficou sentado debaixo da mangueira. Ficou na Casa Redonda conforme o Abubacar lhe tinha dito que devia fazer. 

Quando o Pepito cá está cumprem horários e fazem de conta que andam direitinhos. O Pepito vai-se embora e volta tudo ao que é costume. Ele devia aparecer aqui de surpresa! Bem, o melhor trabalhador é o Lama que é guarda noturno e faz também alguns trabalhos de jardinagem, de limpeza de árvores, etc.. É muito, muito gentil, humilde, tudo o que se lhe diz acata e faz bem feito. A Mariama também é boa trabalhadora. Ao princípio dizia-me, quando queria que ela limpasse, por exemplo, pingos de tinta, “não sai”! E eu respondia “sai, sai, Mariama!” E lá ia eu com um esfregão de arame molhado mostrar-lhe que saía. Agora já limpa razoavelmente bem embora às vezes ainda se esqueça de limpar algumas coisas. É boa mulher, a Mariama! Escolhi-a para vir aqui a casa fazer a limpeza semanal, ao acaso, e tive sorte.

Estava a escrever sobre as minhas rotinas e acabei a escrever sobre as pessoas com quem trabalho. Voltarei à minha intenção inicial na próxima vez que aqui me sentar. São horas de me pôr a mexer!

(Continua)

Observ. de LG: Abubacar Serra, eng agr, é o o director do PIC (Programa Integrado de Cubucaré). Desenvolve actividades na área da promoção da fruticultura e horticultura, aproveitamento agrícola dos pequenos vales interiores, gestão comunitária dos recursos florestais e formação de viveiristas. Também faz consultorias no âmbito da fauna selvagem.  (Fonte: AD -Acção para o Desenvolvimento < Equipa)

________________

Nota do editor:

Último poste da série > 17 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11266: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (11): Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças

Guiné 63/74 - P11300: Ser solidário (145): Relatório sobre as iniciativas da Tabanca Pequena ONGD na Guiné-Bissau (José Teixeira / AD)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira, um dos principais animadores da Tabanca Pequena ONGD, com data de 14 de Março de 2013:

Amigos editores.
A TABANCA PEQUENA vai a pouco e pouco ajudando os nossos amigos da Guiné-Bissau.
Recebemos da AD – Acção para o Desenvolvimento elementos novos que nos permitem ajuizar de alguns dos resultados conseguidos.
O sonho continua.
Pedimos para colocarem no blogue de todos nós se entender de algum interesse

Abraço fraterno do
Zé Teixeira




Elalab > Maternidade

Elalab > Sala pós-parto

Elalab > Barco

 Cautchinké > Poço

Cautchinké > Fontenário

Ingoré > Jardim-Escola Flor de Arroz

Ingoré > Jardim-Escola Flor de Arroz

Djufunco > Poço

Djufunco > Poço

Medjo > Poço

Medjo > Poço

Amindara > Poço

Amindara > Fontenário

Farim do Cantanhez > Poço

Farim do Cantanhez > Fontenário

Medicamentos enviados para o Hospital da Cumura
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 22 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P11294: Ser solidário (144): A Tabanca Pequena ONGD (Matosinhos), em parceria com a AD, apoia a educação para a higiene oral das crianças da Guiné-Bissau (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P11299: Do Ninho D'Águia até África (60): O regresso a Portugal (Tony Borié)


1. Sexagésimo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 60



Era manhã, a maré estava a encher, cheirava um pouco a maresia e os barcos baloiçavam no cais de embarque. A ordem era todo o pessoal estar preparado, pois iam começar a embarcar, mas seguindo uma certa ordem, e como os do Comando do Cifra eram poucos, foi dos primeiros a embarcar. Quando o Cifra, com o saco ao ombro e a malita nas mãos, passava por algumas unidades, ao passar pela unidade onde estava o Curvas, alto e refilão, logo ouviu este dizer, alto e bom som:
- Os malandros são sempre os primeiros, tinha que ser!


No barco, o Cifra bebeu cerveja com o Setúbal e na primeira noite dormiu no convés, e só se lembra de acordar e ver umas luzes ao longe, pois já se encontrava no alto mar, de regresso a Portugal. De ver o Trinta e Seis a querer segurar o Curvas, alto e refilão, pois este agarrava pela camisa o empregado que estava encarregue do local onde vendiam cerveja e outros licores no barco, dizendo:
- Quero mais cerveja, filho da p...! Não vês esta medalha cruz guerra? Vou enfiá-la onde tu sabes e vou atirar-te ao mar, lá isso vou!


E mais tarde, o Trinta e Seis contou ao Cifra, rindo-se, um episódio que também fazia os outros rirem-se, que era o momento em que determinado coronel entregou as insígnias da campanha da Guiné ao Curvas, alto e refilão, e vendo-lhe a medalha cruz de guerra no peito, colocou-se na posição de sentido e fez-lhe a respectiva continência. E o Curvas, alto e refilão, dizia:
- Aqui até os coronéis me “batem a pala”, e lá em Portugal, vou carregar a caixa de engraxar sapatos, cheio de fome, sem ter onde dormir, desprezado por todos, eu até podia continuar, sendo um militar ou um polícia, mas não sei receber ordens, está dentro de mim, é mais forte do que eu!


No barco “Uíge”, o Cifra, dormia no terceiro piso, no porão, com camas improvisadas em madeira, parecidas com as que se usavam no aquartelamento de chão vermelho e arame farpado. Para usar o quarto de banho, tinham que subir as escadas, quase até ao convés. Muitos não o faziam e urinavam pelos cantos. Passados uns dias de alto mar, com o calor, era impossível descer uma dúzia de degraus para o porão. O cheiro pestilento era insuportável, por mais que lavassem e desinfectassem. Quase todos os militares dormiam no convés, a céu aberto.


No último dia de viagem, o Cifra despediu-se de todos os seus amigos, deu-lhes o seu endereço em Portugal, daquele grupo de amigos mais íntimos, no qual se incluía o Curvas, alto e refilão, o Setúbal, o Mister Hóstia, o Marafado, o Trinta e Seis e o furriel miliciano, porque o Pastilhas, o Arroz com Pão, e o sargento da messe vieram mais cedo umas semanas, talvez um mês, o Cifra não se recorda, todos queriam levar o Curvas, alto e refilão, para junto de si, para as suas aldeias, mas ele não queria ir com ninguém, excepto com o Trinta e Seis, e disse abraçado ao Cifra:
- Eu não tenho endereço em Portugal, para já vou com o Trinta e Seis, para a sua aldeia, que ele não me deixa ir para mais nenhum lado, e como sabes só recebo ordens dele. Veremos o que ele me arranja, depois, andarei por aí, tal como fazia antes, qualquer dia bato-te à porta.

Pela manhã, com quase todos os militares no convés do barco, começaram a ver umas nuvens ao longe. Passado um tempo, já não eram nuvens, mas sim terra. Era Portugal.


Entraram no rio Tejo, viram de perto o Forte do Bugio, foto em baixo, Cascais, Estoril, a ponte sobre o Tejo, já em fase de acabamento, e começaram a atracar no cais da Alfândega. Todos gritavam, faziam sinais, mostravam cartazes, tais como, “estou aqui, mãe”, “sou eu, o Zé”, “olá Évora, o Manel chegou”, “Isabel, anda pró meu colo”, “Pai, já cheguei”, e um que o Cifra se recorda, e era um pouco arrojado para a época, dizia assim: “P’ras Caldas, vou já, e em força”!


Todos queriam um lugar na borda do barco. O Cifra, empoleirado numa escada de corda e madeira, viu os primos de Lisboa, lá ao fundo, ela de lenço preto, amarrado à cabeça e ele com uns grandes óculos escuros e de bigode.

Sim eram eles.

Acenou, gesticulou com os braços, chamou por eles, com toda a força dos seus pulmões, fez tudo o que lhe era possível, mas nada, não o viam. Só em terra, já com o saco do exército às costas e a mala de papelão e fibra nos cantos, amarrada com uma corda, é que o Cifra correu para os primos de Lisboa, que estavam lá, banhados em lágrimas, pensando que o To d’Agar não tinha regressado a Portugal.

Ainda no cais da Alfândega, o comandante veio cumprimentar e despedir-se de todos os militares que faziam parte da sua unidade militar. Ao cumprimentar o Cifra, parou, olhou-o nos olhos e disse:
- És um bom homem, gostava de continuar a ter-te sobre o meu comando, desejo-te as maiores felicidades pela tua vida fora. Enquanto for vivo e necessitares de mim para alguma coisa, que entendas que posso ser útil, por favor contacta-me. Adeus, oh Cifra.

Depois de ouvir estas palavras, o Cifra abraçou-o e não pode conter uma lágrima.
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11277: Do Ninho D'Águia até África (59): A saída de Mansoa com destino ao cais de embarque (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11298: Historiografia da presença portuguesa em África (45): Evolução do estatuto político-administrativo da Guiné, desde 1890 até à independência (José Gouveia, ex-fur mil, CART 1525, Os Falcões, Bissorã, 1966/67)


([Reproduzido com a devida vénia de Dicionário de História de Portugal, coordenação de Joel Serrão, vol. III. Porto: Livraria Figueirinhas, reedição de 1981, p. 180].


1. Com a devida vénia, e devidamente adaptado reproduzimos aqui um texto, interessante, didático, informativo,  sobre a organização político-administrativa da Guiné, desde 1890 até à independência, texto esse disponível, em formato pdf,  na página da CART 1525, Os Falcões  (Bissorã, 1966/67). O documento é da autoria do nosso camarada José Gouveia, madeirense, ex-fur mil, e hoje advogado, fazendo parte de um livro, de mais de 200 páginas,  sobre a Guiné, em pré-lançamento no sítio da CART 1525. Já aqui fizemos referência, em tempos, ao livro ("Guiné-Bissau, de colónia a independente") e ao autor.  Aproveitamos o ensejo para convidar o José Gouveia a integrar a nossa Tabanca Grande, e para mandar  um grande abraço ao Rogério Freire que criou e mantém, com outros camaradas,  o sitio, na Net, da CART 1525, e que é nosso grã-tabanqueiro da primeira hora (, ou seja, da I Série do nosso blogue).

Estatuto político-administrativo da Guiné
por José Gouveia [adaptado]

 Em 1879 a Guiné separa-se de  Cabo Verde. ´

Em 1890,  passa a ter a categoria de Província.O Governador é escolhido pelo Governo de Portugal. O poder autárquico limita-se aos municípios mais importantes (Bolama, Cacheu e Bissau).

Em 1892, passa a designar-se Distrito Militar Autónomo, com maior concentração de poderes no Governador, na sequência da derrota portuguesa face aos Papéis. Apenas Bolama manteve o estatuto de concelho, embora uma Junta Municipal venha substituir a Câmara, e os respectivos membros passem  a ser nomeados pelo governador. Bissau, Cacheu, Geba e Buba tornam-se comandos militares (1).

Em 1895, a Guiné regressa à categoria de Província por um decreto de 18 de Abril. Mantém-se em vigor o estatuto jurídico de 1892. Cabe ao governador João Augusto de Oliveira Muzanty (1906-1909) [, contra-almirante, em 1934, e chefe do Estado Maior Naval, entre 1934 e 1937, tendo nascido em 1872 e morrido em 1937] reorganizar a administração da colónia, mantendo, não obstante, a posição dos militares. Bolama continua concelho, enquanto Cacheu, Farim, Geba/Bafatá, Cacine, Buba e Bissau passam a residências, sedes de destacamento, cujos comandantes assumem as funções militares e civis (2).

Em 1910, a residência de Buba divide cada um dos seus quatro regulados (Bolola, Contabane, Cumbijã  e Corubal) em chefados, para maior facilidade no cumprimento  de ordens e para reduzir a isenção no pagamento do imposto de palhota (3) aos chefes as povoações.

Anteriormente as isenções excediam as 200 palhotas. Com esta  nova medida exceptua-se do encargo apenas 25 dirigentes indígenas. Algumas dessas residências abrangiam extensas áreas de terreno nem sempre fácil de transpor. Em Dezembro de 1910, Bissau volta a ter comissão municipal nomeada pelo governador, a qual se mantém  em funções até à eleição de 1918 (4).

Em 1912, em plena Repúblcia,  dá-se uma nova reorganização pelo decreto de 7 de Setembro. A Guiné fica dividida em sete circunscrições civis: Bolama, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Buba e Cacine.

Por razões de maior eficiência e falta de disponibilidade dos administradores de Bissau e Bolama, pelo decreto nº 2742, de 7 de Novembro de 1916, há nova reorganização: dois concelhos (Bolama e Bissau) e nove circunscrições civis (Geba, Farim, Cacheu, Buba, Cacine, Bijagós, Brames, Costa de Baixo e Balantas)

Em 1917, a Carta Orgânica mantém a divisão anterior, continuando a reconhecer a autoridade dos régulos e chefes de povoação como delegados dos administradores. Cada um dos concelhos passa a ter uma Câmara Municipal com cinco vereadores eleitos. Cada circunscrição civil conta com comissões municipais, constituídas pelo respectivo administrador e por dois vogais eleitos.

Em 1921 e 1922 já existiam, para além de dois concelhos (Bissau e Bolama), 14 circunscrições:  Domingos, Cacheu, Farim, Costa de Baixo (Canchungo), Brames (Bula), Papéis (Bór), Bissorã, Mansoa, Bafatá, Oco-Babú, Buba, Quinará, Bijagós e Cacine. [Observação: Vê-se que neste período de 1917 a 1922, Geba perdeu importância em detrimento de Bafatá].

Em 1927, já em plena Ditadura Militar, pelo diploma nº 329, de 3 de Setembro, as circunscrições são  reduzidas para sete,  na sequência da  maior facilidade de comunicações, bem como da pacificação da Guiné. Essas circunscrições são: Cacheu, Canchungo, Farim, Mansoa, Bafatá, Buba e Bubaque.

Não obstante algum tempo depois terem sido restabelecidas as circunscrições civis de Bissau e de Gabú Sara e o comando militar de Canhabaque, só em 1928 surge alteração mais pronunciada, justificada quer pela necessária compressão de despesas, quer pela procura de maior qualidade de organização, impedindo a continuação da fragmentação do poder. Desta forma, a Guiné passou a contar com quatro intendências (Bolama, Bissau, Bafatá e Cacheu), subdivididas em doze residências. Localmente há ainda outros órgãos de poder, como por exemplo o juiz do povo (5).

Nos anos cinquenta do Século XX, os principais centros populacionais eram Bissau (capital e sede do Governo), Bafatá, Bolama, Cacheu e Farim. Cada centro com cerca de 5 mil  habitantes.

O Estatuto Político-Administrativo da Província da Guiné, de 1963, vem entretanto introduzir  uma nova reestruturação administrativa. Na sequência da Lei nº 2.048, de 11 de Junho de 1951, que introduz alterações à Constituição da República Portuguesa, inclusivamente na parte relacionada com as colónias que passam a chamar-se províncias, bem como da Lei nº 2.119, de 24 de Junho de 1963, que aprova a Lei Orgânica do Ultramar, é revisto e aprovado o novo Estatuto da Guiné.

Pelo Decreto nº 45.372, de 22 de Novembro de 1963, assinado por Américo Deus Rodrigues Thomaz (Presidente da República), António de Oliveira Salazar (Presidente do Conselho) e António Augusto Peixoto Correia (Ministro do Ultramar), é aprovado o Estatuto Político- Administrativo da Guiné, para entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 1964.

 A província da Guiné abrange os territórios indicados na Convenção luso-francesa de 12 de Maio de 1886 e delimitados por troca de notas diplomáticas em 29 de Outubro e 4 de Novembro de 1904 e 6 e 12 de Julho de 1906, tendo Bissau como capital (, tinha sido Bolama, até 1943). Tem órgãos de governo próprios, constituídos pelo (i) Governador (o mais alto representante do Governo da Nação Portuguesa), (ii) o Conselho Legislativo e (iii) o Conselho de Governo.

O Governador tem funções executivas mas também legislativas em certas casos, a saber: a) no intervalo das sessões do Conselho Legislativo; b) durante o funcionamento efectivo do Conselho Legislativo, em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva do mesmo Conselho; c) e quando o Conselho Legislativo haja sido dissolvido.

O Conselho Legislativo é constituído por 11 vogais, eleitos para um mandato de 4 anos, tendo como Presidente o Governador. Tem competência legislativa e outras como autorizar o Governador a contrair empréstimos, nos termos da Lei Orgânica do Ultramar.

Também fazem parte do Conselho Legislativo, como vogais natos, o Secretário-geral, o delegado do procurador da República da comarca da capital da província e o chefe da Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade.

As condições para ser eleito para o Conselho Legislativo são as seguintes: a) ser cidadão português originário; b) ser maior; c) saber ler e escrever português; d) reesidir na província há mais de três anos; e) não ser funcionário do Estado ou dos corpos administrativos em efectividade de serviço, salvo se exercer funções docentes.

Os 11 vogais são eleitos da seguinte forma, num único círculo eleitoral: a) três, por sufrágio directo dos cidadãos inscritos nos cadernos gerais de recenseamento eleitoral; b) sois,  são-no   pelos contribuintes, pessoas singulares, recenseados com um mínimo de contribuições directas de 1.000$00; c) dois, eleitos pelos corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, legalmente reconhecidas; d) três, pelas autoridades das regedorias, de entre elas próprias; e) um é  eleito pelos organismos representativos dos interesses morais e culturais.

O Conselho do Governo funciona junto do Governador, que preside. Colabora com o governador nas suas funções, nomeadamente na função legislativa. É constituído por:  (i) secretário-geral; (ii) comandante-chefe das forças armadas, quando o houver, ou, na sua falta ou quando o comandante-chefe for o governador, pelo mais graduado ou antigo dos comandantes dos três ramos das força armadas;  (iii) delegado do procurador da República da comarca da capital da província; (iv) chefe da repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade; e (v) três vogais do Conselho Legislativo por este eleitos na primeira sessão ordinária de cada legislatura, um dos quais deverá ser sempre um representante das regedorias.

Os serviços públicos de administração provincial compreendem:

a) A Repartição de Gabinete;
b) As repartições provinciais de serviços;
c) Os serviços autónomos;
d) As divisões de serviços integrados em serviços nacionais;
e) Os outros serviços dotados de organização especial.

Quanto a repartições provinciais, há as seguintes repartições provinciais de serviços:

a) Administração civil;
b) Agricultura e florestas;
c) Alfândegas;
d) Economia e estatística Geral;
e) Educação;
f) Fazenda e Contabilidade;
g) Geográficos e Cadastrais;
h) Marinha;
i) Obras Públicas, Portos e Transportes;
j) Saúde e Assistência;
l) Veterinária.

No que respeita à Administração Local, a  Guiné divide-se em Concelhos que se formam, de freguesias. Onde não for possível criar freguesias existem postos administrativos (por ex., Bambadinca). E nas regiões que não tenham atingido o necessário desenvolvimento económico e social, poderão, transitoriamente, os concelhos ser substituídos por circunscrições administrativas, que se formam  de postos administrativos, salvo nas localidades onde seja  possível a criação de freguesias. Os postos administrativos podem dividir-se em regedorias e estas em grupos de povoações. O concelho de Bissau pode ser dividido em bairros.

Concelhos e Circunscrições

O estatuto de 1963 vem criar os seguintes concelhos, tendo a câmara municipal como corpo administrativo:

a) Bissau;
b) Bissorã;
c) Bolama;
d) Bafatá;
e) Catió;
f) Gabu;
g) Mansoa;
h) Farim;
i) Cacheu.

São criadas, além disso, as seguintes circunscrições:

a) Bijagós;
b) Fulacunda;
c) S. Domingos

Compete ao Governo da província criar ou suprimir bairros, freguesias e postos administrativos e fixar as respectivas designações, áreas e sedes. As designações deverão, sempre que possível, basear-se na tradição histórica ou nas consagradas pelos usos e costumes.

A Guiné tem um Boletim Oficial onde são  publicados os diplomas legais que, se nada estipularem, entram em vigor: (i) cinco dias depois, no concelho de Bissau; ou (ii) quinze dias depois, no restante território da província.





As atuais oito regiões da Guiné-Bissau (Mapa: Cortesia da Wikpédia)



Divisão Administrativa após a independência

Após a independência, a Guiné- Bissau institui a divisão administrativa constituída por um Setor Autónomo de Bissau (capital Bissau) e oito regiões:

Bafatá (capital Bafatá) [6 setores: Bafatá, Bambadinca, Contubuel, Galomaro/Cossé, Ganadu e Xitole];

Biombo (capital Quinhamel) [3 setores: Prabis, Quinhamel e Safim];

Bolama/Bijagós (capital Bolama)[ 4 setores: Bolama, Bubaque, Caravela e Uno];

Cacheu (capital Cacheu) [ 7 setores: Bigene, Bula, Cacheu, Caio, Calequisse, Canchungo e São Domingos];

Gabu (capital Gabu) [5 setores: Boé, Gabú, Pirada, Piche e Sonaco];

Oio (capital Farim) {5 setores: Bissorã, Farim, Mansabá, Mansoa e Nhacra];

Quinara (capital Quinara) [4 setores: Buba, Empada, Fulacunda e Tite];

Tombali (capital Catió) [5 setores: Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine (Cacine)].

Entre 1970 e 1975, o principal centro continuava a ser Bissau, capital da Província, que reune funções de comércio e administração, sendo servida pelo porto mais movimentado, por onde se faz o comércio externo.

[Texto de José Gouveia, adapt. por L.G.]
______________

Notas do autor, José Gouveia:

(1)  «Nova História da Expansão Portuguesa»,  direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques.  O Império Africano 1890-1930, coordenação de A.H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, 2001, p.154.

(2) Idem, pág. 155.

(3) «Imposto de palhota»: contribuição predial aplicada pela propriedade das vivendas, baseadas nas casas de colmo que serviam de habitação [moranças].

(4) "Nova História da Expansão Portuguesa», direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques. O Império Africano 1890-1930,  coordenação de A.H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, 2001, p.157.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11297: (Ex)citações (215): O ataque a Guileje (Maio de 1973) e o livro "Alpoim Calvão - Honra e Dever" (Coutinho e Lima)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > Foto aérea de 1972 do aquartelamento e tabanca de Guileje, tirada no sentido oeste-leste. 
Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel na situação de Reforma (*), com data de 19 de Março de 2013:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Junto envio, em anexo, um texto sobre uma referência ao ataque a Guileje (MAI 73), no livro ALPOIM CALVÃO.
Tal referência, conforme pode verificar, pela minha resposta, é perfeitamente desajustada ao que se passou. Solicito que, se possivel, seja o referido texto publicado, no nosso blogue, para conhecimento de todos, especialmente dos "Piratas de Guileje" que dele fazem parte.

Quanto ao próximo encontro da nossa Tabanca Grande, ainda não me inscrevi porque, neste momento, não sei se poderei estar presente. Logo que tenha certezas, agirei em conformidade.

Apresentando desde já os meus agradecimentos, envio um abraço amigo.
Coutinho e Lima


O ATAQUE A GUILEJE (MAI 73) E O LIVRO

ALPOIM CALVÃO - HONRA E DEVER

Na página 311 do livro ALPOIM CALVÂO – HONRA E DEVER, pode ler-se:
“Por outro lado, numa grande investida, o PAIGC cerca Guidage, a Norte, e Guileje, na fronteira com Conakry. A primeira resiste valorosamente e, pelo esforço conjunto de forças de terra, mar e ar, é libertada do estrangulamento a que se encontrava submetida; no sul, numa Guileje mal defendida por uma companhia novata naquele teatro de operações, vê-se sujeita a uma acção de comando pusilânime, indecisa e fraca, que vai permitir aos seus defensores entrar em pânico e abandonar vergonhosamente o quartel, deixando para trás importante documentação e toda a sua artilharia. Os militares da guarnição refugiaram-se então nos quartéis vizinhos, perante a incredulidade do inimigo que demorou muitas horas até se aperceber que estava a cercar uma instalação militar deserta."

Perante isto, enviei um mail, à Editora do livro, do seguinte teor:
“Solicito o endereço electrónico do/s Autores do livro ALPOIM CALVÃO – HONRA E DEVER. Este pedido destina-se a poder confrontar o/s referidos Autores, relativamente a uma referência a Guileje, constante na pág. 311 do livro. 
Sendo eu, na altura, Comandante do Comando Operacional nº. 5,com sede em Guileje,...”

Este mail não foi, respondido pela destinatária, o que significa que a Editora e/ou os Autores, não estão interessados no contraditório a que tenho direito.

Os Autores do livro são os Senhores:
. Rui Hortelão
. Luís Sanches de Bâena
. Abel Melo e Sousa

O primeiro ainda não tinha nascido, quando decorreram os acontecimentos relatados (1973), porque nasceu em 1976; os outros dois eram fuzileiros, prestando serviço em unidades de fuzileiros especiais na Guiné (72/74), e, por isso, tiveram conhecimento dos factos na Guiné; por essa razão, não se compreende a intenção com que escreveram a alusão a Guileje, nos termos em que foi feita.

Posto isto, vamos aos factos:

“...uma Guileje mal defendida por uma companhia novata naquele teatro de operações...” 

Não tive nenhuma responsabilidade pelo facto de Guileje ser defendida (mal, na opinião dos Autores); quando fui nomeado, em 8 JAN 73, Comandante do Comando Operacional nº.5 (COP 5), pelo Sr. General António de Spínola, Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, este disse-me que não pedisse reforços e que fizesse a manobra de meios que entendesse.
Por isso, uma das primeiras medidas que tomei, quando cheguei a Guileje (22 JAN 73), foi reforçar a guarnição com:
. 1 Grupo de Combate da Companhia de Cacine;
. Pelotão de Reconhecimento Fox (incompleto), vindo de Gadamael;
. Pelotão de Milícia, que estava em Gadamael.

Portanto, a defesa de Guileje, que importava reforçar, foi por mim determinada, com os meios que estavam sob o meu Comando.

“...vê-se sujeita a uma acção de comando pusilânime, indecisa e fraca...” 

Não reconheço competência aos Autores para qualificar a minha acção de Comando, não só porque não me conhecem, mas também porque demonstraram não ter conhecimento das condições, extremamente adversas, que ocorreram em Guileje.

“...que vai permitir aos seus defensores entrar em pânico e abandonar vergonhosamente o quartel...” 

Não obstante a guarnição de Guileje ter sido submetida a 37 flagelações em 80 horas (1ª. em 18 MAI73, às 20 horas e a última em 22 MAI, às 4 horas), os seus defensores não entraram em pânico, aguardando pacientemente (não havia alternativa), até ao meu regresso. Isto porque eu tinha partido, no dia 19 MAI de manhã, para Cacine, via terrestre e fluvial, comandando a evacuação dos feridos e de um morto, resultantes da emboscada do Inimigo (IN) em 18 MAI de manhã, aos elementos das Nossas Tropas (NT) que montavam a segurança para permitir a realização de mais uma coluna de reabastecimento de Gadamael. Devo referir que, não obstante a afirmação do Sr. General Spínola, em 11 MAI 73, em Guileje (onde se deslocou de helicóptero), de que, embora o aparecimento dos mísseis terra ar do IN, tivessem imposto restrições à actuação da Força Aérea, em situações de emergência, as evacuações seriam feitas a partir do aquartelamento, tal não se verificou e, passadas 4 horas, após a emboscada, um ferido (cabo metropolitano), faleceu, por não ter sido evacuado.

Quando regressei a Guileje, ao fim da tarde do dia 21 MAI, perante a situação que encontrei, decidi efectuar a RETIRADA dos militares, incluindo o pelotão de milícia e toda a população, num total de cerca de 600 pessoas, ao raiar do dia seguinte (22 MAI).

Os factores que me levaram a tomar a decisão de retirar, foram os seguintes:
. a forte pressão do IN, que tudo indicava se iria intensificar;
. não atribuição de reforços, pedidos por mensagem e, pessoalmente em Bissau, no dia 20 à tarde, (quando a Força Aérea me transportou de Cacine), ao Sr. General Spínola;
. não evacuação de feridos;
. escassez de munições, especialmente de Artilharia e Morteiros e a impossibilidade do seu reabastecimento;
. falta de água no aquartelamento; o reabastecimento era feito a cerca de 4 quilómetros, na direcção de Mejo, zona onde se encontrava, desde essa tarde (21 MAI), o 3º. Corpo de Exército do IN;
. defesa da população (constante na MISSÃO do COP 5), que não podia garantir;
. destruição do Centro de Comunicações, resultante da flagelação dessa tarde (das 14 às 16 horas), a maior de todas;
. desconhecimento da data em que chegaria a Guileje o novo Comandante do COP5, Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão, nomeado pelo Sr, General Spínola para me substituir, passando eu a 2º. Comandante; mesmo quando o novo Comandante chegasse e este pedisse reforços, que a mim me foram negados, estes só estariam em Gadamael, na melhor das hipóteses, passados 2/3 dias, espaço de tempo que as NT não estavam em condições de aguentar, sem entrar em colapso;
. previsão da situação a curto prazo; dada a agressividade, frequência e intensidade do IN, reforçado com mais um Corpo de Exército, era previsível que o IN completasse o cerco ao quartel e provocasse um número considerável de feridos e mortos, bem como aprisionasse os restantes elementos das NT e população;
. existência de um morto; se houvesse mais mortos ou feridos, não seria viável a retirada, pela impossibilidade de os transportar em coluna apeada;
. efeito de surpresa; se esperasse, um só dia que fosse, o IN completaria o cerco, impedindo a nossa saída.

Por estes factores, considerei a posição insustentável e decidi (não abandono vergonhoso), mas uma retirada, operação prevista nos regulamentos militares.

“...deixando para trás importante documentação e toda a sua artilharia...” 

Relativamente à documentação, foi toda destruída pelo fogo e as cinzas deitadas numa fossa profunda, existente no quartel. A Artilharia, bem como as viaturas e todo o restante material foi deixado no aquartelamento, por impossibilidade de ser levado na retirada, que foi feita a corta mato, por um trilho utilizado apenas pela população. Como não podia deixar de ser, quer as peças de Artilharia, quer os morteiros, armamento pesado e as viaturas foram inutilizadas.

“...perante a incredubilidade do inimigo que demorou muitas horas até se aperceber que estava a cercar uma instalação militar deserta.” 

O IN só entrou em Guileje no dia 25 MAI (tínhamos saído em 22 MAI), isto é, 3 dias depois, o que demonstrou a surpresa que para ele foi a retirada.

Não tenho qualquer dúvida que, se Guileje tivesse sido oportunamente reforçado, como foi Guidage, também teria “resistido valorosamente”, como afirmaram os Autores.

Felizmente vivemos num País em que a EXPRESSÃO é LIVRE.
Ao fazerem a referência a Guileje, nos termos em que foi feita, os Autores demonstraram que não tinham conhecimento dos factos, tal qual ocorreram. Parece lícito concluir que, neste caso concreto, a ASNEIRA também foi LIVRE.

Coronel Alexandre Coutinho e Lima
Ex- Comandante do COP 5, em Guileje
____________

Notas do editor:

(*) Coutinho e Lima, na sua primeira comissão de serviço na Guiné, foi Comandante da CART 494, que esteve aquartelada em Gadamael (Dez 63/Mai 65); na segunda, entre 1968 e 1970, foi Adjunto da Repartição de Operações do Comando-Chefe das FA da Guiné e a terceira, iniciou-a em Setembro de 1972, tendo sido nomeado por Spínola comandante do COP 5, com sede em Guileje, em Janeiro de 1973.

Vd. postes de:

4 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10895: Notas de leitura (446): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (1) (Mário Beja Santos)
e
7 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10906: Notas de leitura (447): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 15 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11259: (Ex)citações (214): Ainda a Operação "Aquiles Primeiro" (Manuel Carvalho)