1. Mensagem do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia [, foto à esquerda], com data de 30 de maio
Caro Amigo e Camarada.
Em primeiro lugar, espero que os Melech Mechaya em Estocolmo e Helsínquia tenham tido por parte do público a resposta merecida. As "críticas-musicais" de Estocolmo foram mais do que positivas.(Se fizeres o favor de enviar o e-mail do teu filho, poderei mandar-lhe algumas recordacöes escandinavas).
Em primeiro lugar, espero que os Melech Mechaya em Estocolmo e Helsínquia tenham tido por parte do público a resposta merecida. As "críticas-musicais" de Estocolmo foram mais do que positivas.(Se fizeres o favor de enviar o e-mail do teu filho, poderei mandar-lhe algumas recordacöes escandinavas).
Quanto à parte guineense do assunto, relacionada com a medicina tropical e de guerra....Tropas Especiais finlandesas, norueguesas e suecas, estão a realizar manobras dentro do Círculo Polar, depois de acentuado aumento da presença militar russa nesta imensa área.
Como por aqui não vive muita gente (o meu vizinho mais próximo está a 279 quilómetros da porta da minha casa!), dois jovens médicos militares suecos bateram-me à porta, curiosos por conversar com os "nativos".
À volta de uma fantástica aguardente velha de medronho, guardada para visitantes inesperados, acabámos por conversar sobre as guerras de África, a medicina tropical e a preparação específica dos jovens médicos que acompanhavam as nossas tropas.
Confesso ignorar dados concretos sobre o assunto, e ter talvez ideias muito erradas sobre ele. Terão surgido depois de conversa com médico, então colocado em Aldeia-Formosa (1969?), segundo a qual ele não estaria preparado para as doenças tropicais locais e iria, a título pessoal, comprar livros sobre o assunto aquando das férias em Portugal...
Para não dar informacäo errada aos visitantes, prometi informar-me o melhor possível e, com melhores respostas, enviar-lhes um e-mail. Por certo, de entre camaradas médicos (ou não) do Blogue, alguns terão respostas concretas sobre o assunto.
Um grande abraço do José Belo.
PS - Nova mensagem, com data de hoje, vinda da Tabanca da Lapónia:
Não desejando dar respostas fáceis, mas menos concretas (ou correctas), procurei ajuda junto dos amigos disponíveis, e para tal habilitados. Daí vos ter enviado um SOS. Entretanto foram por mim já recebidas respostas detalhadas sobre o assunto, pelo que não se torna necessário incomodar mais camaradas. Sempre ao vosso dispor. José Belo.
2. Comentário de L.G.:
Saudações da Tabanca Grande para a Tabanca da Lapónia!... Camarada lusolapão: Sobre os Melech Mechaya, grupo musical cá da nossa terra (e de que faz parte o nosso tabanqueiro João Graça), e das suas andanças por terras escandinavas, ainda não escrevi mais nada (nem tinha que escrever ) neste espaço... Tenho, no entanto, que te agradecer, publicamente, a tua generosa hospitalidade, de que foi objeto o meu filho e os demais membros da banda...
E,a propósito, quero deixar aqui registado o mail que me mandaste em 25 de maio último:
"Caro Amigo. Foi com muito orgulho nos nossos jovens que terminei, alta madrugada, o encontro com o teu filho e companheiros do grupo musical. Muito (e de muito) se falou. Creio ter conseguido dar-lhes uma ideia das realidades que aqui nos rodeiam,e também das perspectivas históricas que levaram ás mesmas. Vivendo totalmente afastado, já há quase quatro décadas, de Portugal, este contacto com as novas geracöes lusitanas foi uma experiência riquíssima. Um encontro, para mim, a registar. Um grande abraço. José Belo".
Quanto ao dossiê "Medicina Militar no Tempo da Guerra Colonial", confesso que não dei, por falta de tempo, a devida atenção ao teu pedido (que era urgente). Temos uma série Os nossos médicos, com mais de 80 referências ou marcadores... Temos, inscritos na Tabanca Grande, vários médicos que conheceram o TO da Guiné como jovens clínicos... Espero que eles possam (e queiram) escrever sobre este tema que me parece não ter ainda sido devidamente abordado e tratado no nosso blogue: afinal, que preparação (clínica) levavam para o teatro de operações ? Que sabiam eles de clínica geral, medicina interna, doenças infetocontagiosas, saúde pública, higiene e medicina tropical, emergência médica pré-hospitalar, politraumatalogia, saúde mental, estomatologia, oftalmologia, otorrino, dermatologia... só para falar de alguns especialidades relevantes num teatro de operações como o da Guiné ?
Receio bem que os jovens alferes milicianos médicos (em princípio, havia um por batalhão, ou seja, 1 para 600 militares, não contando com os cirurgiões e outros eventuais especialistas do HM 241, de Bissau) tenham ido muito mal preparados para a "guerra do ultramar". Muitos deles eram chamados às fileiras do exército, mal saíam das faculdades de medicina (Lisboa, Porto e Coimbra). Nessa época, ou pelo menos até 1971, não havia "carreiras médicas" (, uma figura criada com a reforma da saúde de 1971), nem verdadeiros internatos médicos.
Uma estimativa grosseira minha aponta para cerca de 1600 o número de médicos mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique, na base do rácio 1 médico / 600 militares (=1 batalhão = 4 companhias)... Estamos a pensar num total de 800 mil militares (metropolitanos) mobilizados para a "guerra do ultramar" entre 1961 e 1975... Temos ainda que contar com a dotação dos hospitais militares (por ex., HM 241, Bissau, cujo quadro de pessoal médico desconheço). Além disso, não podemos esquecer as missões civis: no meu tempo, o médico do batalhão de Bambadinca tinha ainda à sua responsabilidade uma população de 15 mil habitantes (, estimativa para o setor L1, sem contar com mais 5 a 6 mil almas no "mato", algumas das quais também vinham, nas calmas, ao nosso posto sanitário)...
Recorde-se, por outro lado, que a demografia médica estava então a passar por uma grande transformação, tanto quantitativa como qualitativa. Em 1960, o número de médicos era já de 7075. Dez anos depois, tinha crescido 15%: era de 8156 em 1970. Na década seguinte, no simples espaço de dez anos (1970-1980), irá ter um crescimento exponencial, chegando quase aos vinte mil (19327, em 1980), em grande parte como resultado da democratização e massificação do ensino universitário a partir do início da década de 1970, com a reforma Veiga Simão e com o 25 de abril. Hoje (2011) são 42796...
Em 1960 havia um médico para 1256 habitantes... Em 1970, o rácio era de 1/1064, em 1980 de 1/505... Hoje (2011) é de 1/247...
Quanto a especialidades médicas, só temos estatísticas a partir de... 1990! (Fonte: INE, e Pordata)
Enfim, conto que os nossos camaradas médicos aqui atabancados digam da sua justiça e experiência. Estou a pensar em nomes como Amaral Bernardo, José Pardete Ferreira, Mário Bravo, Manuel Valente Fernandes... que foram alferes milicianos médicos no TO da Guiné. Mas também noutros que se formaram depois, como o Ernestino Caniço, o Caria Martins, o Vitor Junqueira... E estou igualmente a pensar nos nossos outros camaradas que pertenciam aos serviços de saúde militar: furriéis enfermeiros, primeiros cabos auxiliares de enfermagem...
Sobre este assunto, queria ainda recordar que Portugal tem um nome ilustre que deu importantes contributos para o desenvolvimento da saúde pública, incluindo a saúde ambiental e militar: o beirão e estrangeirado Sanches Ribeiro, um dos grandes vultos intelectuais da nossa história!
[Imagem à esquerda: Ribeiro Sanches (Penamacor, 1699 - Paris, 1783)]
Português, nascido no seio de uma família de comerciantes cristãos-novos, é o nosso maior médico do séc. XVIII. Grande espírito do século das luzes, foi conselheiro de Marquês Pombal para a a reforma do ensino médico em Coimbra (1772). Médico do exército russo (1735) e do corpo de cadetes de S. Petersburgo, segundo médico da Corte (1740) e Conselheiro de Estado (1744) da Rússia, foi pioneiro saúde ambiental, da saúde pública e da saúde militar com o seu famoso Tratado da Conservação da Saúde dos Povos (1756). É autor de muitas outras obras. E o único português com uma entrada na célebre enciclopédia de D’Alembert e Diderot. Era especialista em doenças venéreas (eufemisticamente chamadas, na época, "males de amores"). Deixou a Rússia em 1847, fixando-se em Paris. Os príncipes russos vinham, de propósito, consultá-lo por causa dos "males de amores"...
E,a propósito, quero deixar aqui registado o mail que me mandaste em 25 de maio último:
"Caro Amigo. Foi com muito orgulho nos nossos jovens que terminei, alta madrugada, o encontro com o teu filho e companheiros do grupo musical. Muito (e de muito) se falou. Creio ter conseguido dar-lhes uma ideia das realidades que aqui nos rodeiam,e também das perspectivas históricas que levaram ás mesmas. Vivendo totalmente afastado, já há quase quatro décadas, de Portugal, este contacto com as novas geracöes lusitanas foi uma experiência riquíssima. Um encontro, para mim, a registar. Um grande abraço. José Belo".
Quanto ao dossiê "Medicina Militar no Tempo da Guerra Colonial", confesso que não dei, por falta de tempo, a devida atenção ao teu pedido (que era urgente). Temos uma série Os nossos médicos, com mais de 80 referências ou marcadores... Temos, inscritos na Tabanca Grande, vários médicos que conheceram o TO da Guiné como jovens clínicos... Espero que eles possam (e queiram) escrever sobre este tema que me parece não ter ainda sido devidamente abordado e tratado no nosso blogue: afinal, que preparação (clínica) levavam para o teatro de operações ? Que sabiam eles de clínica geral, medicina interna, doenças infetocontagiosas, saúde pública, higiene e medicina tropical, emergência médica pré-hospitalar, politraumatalogia, saúde mental, estomatologia, oftalmologia, otorrino, dermatologia... só para falar de alguns especialidades relevantes num teatro de operações como o da Guiné ?
Receio bem que os jovens alferes milicianos médicos (em princípio, havia um por batalhão, ou seja, 1 para 600 militares, não contando com os cirurgiões e outros eventuais especialistas do HM 241, de Bissau) tenham ido muito mal preparados para a "guerra do ultramar". Muitos deles eram chamados às fileiras do exército, mal saíam das faculdades de medicina (Lisboa, Porto e Coimbra). Nessa época, ou pelo menos até 1971, não havia "carreiras médicas" (, uma figura criada com a reforma da saúde de 1971), nem verdadeiros internatos médicos.
Uma estimativa grosseira minha aponta para cerca de 1600 o número de médicos mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique, na base do rácio 1 médico / 600 militares (=1 batalhão = 4 companhias)... Estamos a pensar num total de 800 mil militares (metropolitanos) mobilizados para a "guerra do ultramar" entre 1961 e 1975... Temos ainda que contar com a dotação dos hospitais militares (por ex., HM 241, Bissau, cujo quadro de pessoal médico desconheço). Além disso, não podemos esquecer as missões civis: no meu tempo, o médico do batalhão de Bambadinca tinha ainda à sua responsabilidade uma população de 15 mil habitantes (, estimativa para o setor L1, sem contar com mais 5 a 6 mil almas no "mato", algumas das quais também vinham, nas calmas, ao nosso posto sanitário)...
Recorde-se, por outro lado, que a demografia médica estava então a passar por uma grande transformação, tanto quantitativa como qualitativa. Em 1960, o número de médicos era já de 7075. Dez anos depois, tinha crescido 15%: era de 8156 em 1970. Na década seguinte, no simples espaço de dez anos (1970-1980), irá ter um crescimento exponencial, chegando quase aos vinte mil (19327, em 1980), em grande parte como resultado da democratização e massificação do ensino universitário a partir do início da década de 1970, com a reforma Veiga Simão e com o 25 de abril. Hoje (2011) são 42796...
Em 1960 havia um médico para 1256 habitantes... Em 1970, o rácio era de 1/1064, em 1980 de 1/505... Hoje (2011) é de 1/247...
Quanto a especialidades médicas, só temos estatísticas a partir de... 1990! (Fonte: INE, e Pordata)
Enfim, conto que os nossos camaradas médicos aqui atabancados digam da sua justiça e experiência. Estou a pensar em nomes como Amaral Bernardo, José Pardete Ferreira, Mário Bravo, Manuel Valente Fernandes... que foram alferes milicianos médicos no TO da Guiné. Mas também noutros que se formaram depois, como o Ernestino Caniço, o Caria Martins, o Vitor Junqueira... E estou igualmente a pensar nos nossos outros camaradas que pertenciam aos serviços de saúde militar: furriéis enfermeiros, primeiros cabos auxiliares de enfermagem...
Sobre este assunto, queria ainda recordar que Portugal tem um nome ilustre que deu importantes contributos para o desenvolvimento da saúde pública, incluindo a saúde ambiental e militar: o beirão e estrangeirado Sanches Ribeiro, um dos grandes vultos intelectuais da nossa história!
[Imagem à esquerda: Ribeiro Sanches (Penamacor, 1699 - Paris, 1783)]
Português, nascido no seio de uma família de comerciantes cristãos-novos, é o nosso maior médico do séc. XVIII. Grande espírito do século das luzes, foi conselheiro de Marquês Pombal para a a reforma do ensino médico em Coimbra (1772). Médico do exército russo (1735) e do corpo de cadetes de S. Petersburgo, segundo médico da Corte (1740) e Conselheiro de Estado (1744) da Rússia, foi pioneiro saúde ambiental, da saúde pública e da saúde militar com o seu famoso Tratado da Conservação da Saúde dos Povos (1756). É autor de muitas outras obras. E o único português com uma entrada na célebre enciclopédia de D’Alembert e Diderot. Era especialista em doenças venéreas (eufemisticamente chamadas, na época, "males de amores"). Deixou a Rússia em 1847, fixando-se em Paris. Os príncipes russos vinham, de propósito, consultá-lo por causa dos "males de amores"...
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Nota do editor: