sábado, 26 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12205: Bom ou mau tempo na bolanha (33): A sua boina (Tony Borié)

Trigésimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.




Pelas suas contas, e se o Comandante não “fala mentira”, o Cifra daqui a dois meses devia regressar a Portugal. Não andava contente nem triste, estava na expectativa, fazia contas, como iria ser a sua chegada, encontraria tudo na mesma, enfim a sua mente andava um pouco ocupada, mas não tanto que não reparasse na falta de recursos que os seus amigos e amigas, na tal aldeia com casas cobertas de colmo, que existia perto do aquartelamento, e que o Cifra visitava quase todos os dias em que estava livre das suas tarefas, pois tinham falta de tudo, pelo menos no parecer do Cifra.
Levava comida e pão do aquartelamento assim como rebuçados que comprava na loja do Libanês, mas não compreendia a alegria que alguns mostravam nas suas faces ao ver o Cifra de novo, pois viviam na mais profunda miséria, mas eles sentiam-se bem, nas suas casas térreas, com toda aquela falta de utensílios domésticos, com falta de água potável, pó e lixo em tudo o que fosse lugar, mas eles improvisavam quase tudo, e o Cifra nunca ouviu da sua boca uma lamúria que fosse a esse respeito.

Mesmo debaixo desta miséria, quando comiam, chamavam os cães magros e famintos, que por ali andavam, e repartiam o pouco que tinham, e o Cifra ao ver isto, por vezes comovia-se, e não sabia se era por lhe faltar pouco tempo para regressar a Portugal. Já sentia saudades destas pessoas que deviam ter muito bom coração. Havia uma criança que não largava o Cifra, vinha sempre ao seu encontro e agarrava-lhe a mão.
Queria algum carinho e rebuçados, pois logo lhe colocava a mão no bolso, o Cifra, às vezes embaraçado, não sabia como agir para se despedir dessa criança, os seus olhos falavam, eram humildes e diziam tudo o que lhe ia na alma, não necessitava de abrir a boca, aqueles olhos falavam todos os idiomas do mundo.

O Cifra veio embora e deixou umas botas de cabedal, e parte da sua farda, que já não estava em muito boas condições, e algum dinheiro a essa família, mas essa criança, não queria a roupa da farda, queria a boina com o emblema, e o Cifra deu-lha com um grande beijo, quase chorando, mas ela não chorou, tirou o dedo da boca, limpou o ranho do nariz, com as costas da mão, e riu-se, com um sorriso, que dispensava palavras, pois a sua alegria, também falava todos os idiomas do mundo!

Tony Borie, 2005

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12095: Bom ou mau tempo na bolanha (32): A importância da família na guerra (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P12204: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (3): Escola Prática de Cavalaria de Abrantes




1. Historial da Escola Prática de Cavalaria, localizada em Abrantes, trabalho de compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), integrado na sua série Historial das Escolas Práticas do Exército.





















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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12193: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (2): Escola Prática de Infantaria de Mafra

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12203: Convívios (543): Magnífica Tabanca da Linha: 5ª feira, 17 de outubro de 2013 (Parte III): Quando uma foto vale por mil palavras... (Luís Graça)







Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2017 > Diz o cartaz publicitário: "aniversários, batizados, casamentos, divórcios, choros, reconcialiações, debates,  encontros e desencontros, concerto e desconcertos, sempre tudo à medida e ao gosto do cliente" ...

Eu, que lá fui pela primeira vez (e vim de lá deliciado), tomei nota no meu caderninho, para memória futura:  "Às vezes pode não  ser fácil ser régulo deste regulado, mas que a Tabanca é Magnífica... é!"...

E tirei fotos. Eis aqui três "apanhados" (ou quatro, com a carrinha): o Comandante Jorge Rosales, o Secretário José Manuel Matos Diniz e o Sínico, o António Graça de Abreu,  que às vezes se pega com o Secretário (e viceversa) por questões de "lana caprina" (ou por "chinesices", sem ofensa aos nossos amigos chineses, que por sua vez não entendem as nossas "portuguesices")...

Se as imagens valem por mim palavras, eu vou tentar adivinhar o que é que Comandante está pensar (ou a tentar dizer-nos)... Parafraseando a célebre e genial canção  "Cálice" (escrita e originalmente interpretada pelos cantores brasileiros Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973, com o propósito de despistar a censura militar da época...), eu diria que as palavras que saem da boca do Comandante Jorge Rosales, só podem estas:

"Pai, afasta de mim este cálice!... ... Pai,  Pai, afasta de mim este cálice!.., Pai, afasta de mim este cálice!... De vinho tinto de sangue!"... 

Ao que o Durão do Zé Dinis (, agora graduado em coronel,) vai invectivando o Sínico, e retorquindo, a seguir à palavra "Cálice": ... Cale-se!... "Cálice"... Cale-se!...

Deixem-me dizer-vos que fiquei  feliz, por perceber,  depois da diplomática, hábel e sábia explicação que o Comandante teve a amabilidade de me dar, que os dois sempre foram, são e serão bons camaradas e melhor amigos, e que se divertem, de tempos a tempos, a mandarem um ao outro os seus remoques, que não passam afinal de deliciosos e inofensivos duelos de palavras!

Fotos: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados

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Nota do editor:


Vd. também:

20 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12174: Convívios (541): Magnífica Tabanca da Linha: 5ª feira, 17 de outubro de 2013 (Parte II): Texto do José Manuel Dinis; fotos do Miguel Pessoa

Guiné 63/74 - P12202: Agenda cultural (290): O nosso amigo e camarada de Beja, José Saúde, convida os camaradas da região de Lisboa para a sessão de apresentação do seu livro de memórias do Gabu (1973/74): Casa do Alentejo, sábado, 26, às 15h30... Há depois animação e convívio!





1.  José Romeiro Saúde, ou só  José Saúde,  ex-fur mil op esp/ranger, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74),  vai fazer o lançamento do seu livro (, já editado em 2012), na capital do reino, mas não faz a coisa por menos: (i) joga em casa, o sítio vai ser na Casa do Alentejo, pois claro, ali às Portas de Santo Antão; (ii) tem o editor do nosso blogue e prefaciador do livro a fazer as despesas da conversa; e (iii) traz,  nada mais nada menos,  do que 2 grupos musicais da sua terra natal, Vila Nova de São Bento, Serpa, Baixo Alentejo, para animar a malta!... E (iv) ainda nos convida para beber um copo!...

Digam lá se não é um convite irrecusável ? (LG)

 2. Reproduz-se aqui alguns excertos do convite que ele nos mandou e que já foi publicado há dias (*) [, foto à esquerda, o José Saúde, em Nova Lamego, 1973]

Camaradas



(...)  Revejo as agruras de uma guerra no seu auge e que se deparou, posteriormente, com o emblema da paz. Uma dualidade visionada de posições anteriormente opostas, mas que marcarão eternamente o nosso sentir no decisivo momento do adeus àquela terra que muito nos marcou. 

Os textos expostos neste volume, não longos mas sucintos, mostram o essencial de um olhar atento sobre o contexto de uma guerra cruel que não dava folgas e que se predispunha a autênticas incertezas num terreno que, para nós, se apresentava, a meu ver, diametralmente desigual, tendo em conta que o IN conhecia perfeitamente os terrenos que pisava e a razão da sua luta.

Fui ao fundo do baú do meu passado, e beneficiando de uma memória que teima em manter-se em absoluta atividade, soltei as amarras dos tabus e eis-me a mergulhar livremente no planalto da saudade, trazendo a público as mais diversificadas conjunturas por mim vividas em terras de Gabu.

(...)  Neste contexto, não desafio atos de bravura, cinjo-me, sim, a singelas dissertações que mexem com foros literalmente verídicos e que nos brindam com assuntos por nós vividos.

Adianto, porém, que não tranquei em exclusivo a minha caixa de Pandora com os problemas vividos em campos de batalha, mas lancei ecos noutras direções que trazem evidentes burburinhos sociais, costumes tribais, entre outras temáticas registadas que mexem, em particular, com a intimidade de jovens militares entregues então ao destino.


Camaradas, nas minhas memórias de Gabu relato, também, a forma como a hierarquia tribal impunha regras tacitamente herdadas dos seus antepassados. A ordem de partilha imposta pela tribo. A maneira hábil como uma população sabia viver encaixada com duas frentes de guerra. O sexo praticado ao longo da campanha. Os filhos do vento com a menina de Gabu [, foto à direita]. O djubi Alberto, meu companheiro. A festa tradicional nas tabancas indígenas com o fanado. As colunas. As noites no mato. O Natal de 1973. As lavadeiras. O batismo de fogo. Motes interessantes, entre muitos outros, para puxar pelas nossas memórias mesmo frágeis que elas porventura hoje se apresentem.

Nesta apresentação da obra que farei na Casa do Alentejo em Lisboa, no próximo dia 26 de outubro, sábado, a partir das 15h00, contarei com a presença de camaradas que comigo dividiram o conflito na Guiné e deixarei, obviamente, dicas para que todos, em conjunto, apreciarem e tirarem ilações contundentes, espero, de um pedaço das nossas vidas que marcaram, inquestionavelmente, os verdes anos da nossa juventude.

Luís Graça, autor do prefácio e fundador do nosso blogue, será o camarada que dissecará os ventos trazidos pelo livro GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74, numa tarde cultural onde os sons do Alentejo se farão ouvir.

Lisboa é uma região onde abundam antigos camaradas que percorreram os trilhos da Guiné. E é justamente a eles que dirijo o meu convite para uma profícua presença de gentes que continuam a navegar, tal como eu, no campo da saudade. (...)

José Saúde (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12181: Notas de leitura (527): "As Minhas Memórias de Gabu 1973/74", por José Saúde (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série > 24 de outubro de  2013 > Guiné 63/74 - P12196: Agenda Cultural (289): "Toda a China", livro de António Graça de Abreu, apresentado no passado dia 22 de Outubro no Museu do Oriente, em Lisboa (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P12201: FAP (77): Fotos do destacamento de Nova Lamego (Vitor Oliveira, ex-1º cabo melec, BA 12, Bissalanca, 1967/69)



Base Aérea da Ota > 1966 > Esta é recruta na Ota,  1ª de 66,  mas não me recordo da esquadrilha.



Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > s/d  [c. 1968] > Destacam,ametEu, com estas moças que penso eram  duma família que tinham uma loja em Nova Lamego,  salvo erro de apelido Caeiros.



Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > s/d  [c. 1968] > A montar um motor num T6G, não me lembro do nome de ninguém.




Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > s/d [c. 1968] > Esta é no hangar das DO 27 e dos T6. Só me lembro do Mendes.


1. Mensagem do Vitor Oliveira, com data de 22 do corrente, dirigida ao nosso blogue e ao blogue dos Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 1965/74, superiormente dirigido pelo nosso camarada e amigo, tabanqueiro da primeira hora, Victor Barata, a quem mando um abraço fraterno:



Camaradas Vitor e Luis:  como já me reformei, mas embora faça alguma coisa na firma onde sou sócio,  tenho mais tempo para contar as minhas histórias.

Hoje vou enviar algumas fotos para, se possível, alguém identificar a rapaziada.

Vitor Oliveira (Pichas)
1º Cabo Melec
[BA 12, Bissalanca, 1967/69]


2. Informação sobre o destacamento da FAP em Nova Lamego, recolhida no blogue Especialistas  da Base Aérea 12, Guiné 65/745



(i) No TO da Guiné havia uma única base da FAP, a Base Aérea nº 12 (BA 12), em Bissalanca, Bissau;

(ii) No interior havia vários aeróromos importantes, em geral nas sedes de batalhão (por ex., Bafatá, Cufar, Nova Lamego, Aldeia Formosa) mas também no arquipélago dos Bijagós (em Bubaque);

(iii) Na Guiné existiriam cerca de 60 locais onde aterravam DO 27 e Hélis, em outras, de menor número, os T6-G;  e ainda em três ou quatro, os Dakotas e NordAtlas (Cufar, Nova Lamego, Aldeia Formosa, Bubaque);

(iv) Em Nova Lamego era habitual o pessoal da FA fazer ai destacamentos de oito dias;

(v) A maioria das pistas na Guiné era gerida pelo próprio aquartelamento em que estava implantada; em alguns locais guardavam-se bidões de gasolina para reabastecimento dos DO-27 (e dos AL-III),

(vi) Segundo o Miguel Pessoa (, que é de 1972/74),  "a única pista em que tínhamos um destacamento permanente era Nova Lamego (um AL-III e um DO-27, com piloto e mecânico), mas não havia nenhuma estrutura de apoio às missões da Força Aérea a partir de e para Nova Lamego";

(vii) Outras pistas em que frequentemente se faziam destacamentos durante o dia (para apoio às acções das NT ) eram, por exemplo, Aldeia Formosa, Cufar, Teixeira Pinto, Bafatá, Farim; 

(viii) Para o Jorge Félix, no tempo em que  ele andou pela Guiné (1968/70), "Nova Lamego era o aeródromo maior; Aldeia Formosa seria o seguinte em comprimento; em ambos aterravam os T6 e lá abasteciam; os Dakota também  aterravam em ambos; os helis, como sabes eram reabastecidos em todos os aeródromos".

PS - O nº de pistas existentes no TO da Guiné seriam superiores ao total de aeronaves disponíveis... Sobre o número de aeronaves disponíveis (em 1971 e 1974, veja-se o quadro a seguir.


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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12158: FAP (76): A queda do T6G nº 1791 entre o Cheche e Madina de Boé, no dia 15/6/1968, foi originada por uma fuga de óleo. A aeronave era pilotada pelo alf mil pil Couto. No dia 16, lá estávamos nós, sob proteção dos páras, para o desmontar... Apanhei lá um cagaço... (Vitor Oliveira, ex-1º cabo melec, BA 12, Bissalanca, 1967/69)

Guiné 63/74 - P12200: Memória dos lugares (247): Fajonquito em Festa (1971) (Cherno Baldé)

1. Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, um dos nossos meninos de Fajonquito, com data de hoje, 25 de Outubro de 2013:

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal,

O amigo José Bebiano, ex-Furriel Mil. que fez a sua comissão em Fajonquito, enviou-me estas fotos que quero compartilhar com os amigos da Tabanca Grande.

Numa das fotos está o Cap Figueiredo (Carlos Borges de Figueiredo) morto em Fajonquito a poucos meses do fim da sua comissão por um ex-soldado Comando.

O ambiente de Fajonquito nos anos 70 é deveras inesquecível, devido ao largo horizonte de liberdade e relativo bem-estar social que se prefigurava, com abertura de escolas e muita abertura com a tropa.

Um abraço amigo,
Cherno Baldé



FAJONQUITO EM FESTA (1971)



Com a CART 2742 (1970-72) o ambiente entre a tropa e a população melhorou bastante, atingindo níveis nunca antes vistos. A foto de 1971 (amigavelmente enviada pelo ex- Furriel Mil. José Bebiano), mostra uma calorosa recepção de um grupo de artistas vindos da metrópole para animar a malta.

Ao meio e ao lado de uma das artistas pode-se ver o nosso saudoso Cap. Carlos Borges de Figueiredo. O rapazinho nas mãos do homem dos óculos escuros é o Carlitos, filho de um soldado Português que, mais tarde, iria à procura do pai, tendo aquele recusado o encontro à última da hora.

O ex-Furriel, José Bebiano, que era de rendição individual, tendo feito toda a sua comissão em Fajonquito poderia, eventualmente, identificar os soldados que acompanham o seu Comandante nesta foto.


PRINCESAS DE CANHAMINA 

Na foto vê-se a(s) mulher(es) de Nharó Baldé, ex-Alferes e comandante de um pelotão de Milícias na área de Sancorla/Fajonquito.

NOTA: Faleceu na noite do dia 19 Outubro, em Bissau, o nosso pai e tio, Sidi Baldé, que exercia a função honorifica de Régulo, o último dos príncipes de Sancorlã do período da guerra colonial, ex-Alferes e comandante de pelotão de milícias em Sare Uali e Sumbundo (área de Fajonquito).

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé

Comentário do editor:
Em nome dos editores e da tertúlia, apresento ao nosso amigo Cherno Baldé, assim como à sua família, o nosso pesar pela morte do seu tio Sidi Baldé, Régulo e Príncipe de Sancorlã, ex-Alferes, CMDT de Pelotão de Milícias.
Mais um camarada e amigo que lutou a nosso lado e que nos deixou no dia 19 de Outubro.
Paz à sua alma. Honremos a sua memória.
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12011: Memória dos lugares (246): Gabu / Nova Lamego, 1972/73 (Joaquim Cardoso)

Guiné 63/74 - P12199: Notas de leitura (528): "Os Roncos de Farim - 1966-1972", por Carlos Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Junho de 2013:

Queridos amigos,
Li num ápice o trabalho do nosso confrade Carlos Silva sobre “Os Roncos” de Farim, um grupo de combate lendário, conhecia algumas referências, nunca me fora dado perceber a sua importância durante a guerra da Guiné. Encontrou um organizador de gabarito, o alferes Filipe Ribeiro, tinha dois comandantes de secção no topo da bravura, Marcelino da Mata e Cherno Sissé.
Combateram em todos os metros quadros do subsector de Farim, estiveram presentes nas mais importantes operações que aqui se travaram, entre 1966 e 1972.
Com a independência da Guiné, houve fuzilamentos, gente em fuga, alguns vieram viver para Portugal. Cherno Sissé conheceu a humilhação e o vexame.
Estão aqui todos os ingredientes que permitiriam a um investigador escrever um assombroso livro de guerra, com a diferença dos personagens serem de carne e osso e ainda puderem testemunhar, mesmo com muita amargura.

Um abraço do
Mário


História do Pelotão “Os Roncos de Farim”, 1966/1972, por Carlos Silva

Beja Santos

Foi graças à Teresa Almeida, da Biblioteca da Liga dos Combatentes, que tive acesso a este documento surpreendente, uma obra desvelada do nosso confrade Carlos Silva.

Desconhecia inteiramente a existência de “Os Roncos” e os experientes e valorosos militares que estiveram na sua constituição. Formalmente, este grupo foi-se constituindo adstrito à CCAÇ 1585, e desde a primeira hora nele participaram ativamente o 1º cabo Marcelino da Mata, a comandar uma secção de milícias, e o 1º cabo Cherno Sissé, a comandar uma outra secção. Tal foi o seu desempenho, e havendo a proposta apresentada pelo 1º cabo Marcelino da Mara para comandar um grupo especial, acertou-se na constituição de um pelotão ficando como seu primeiro comandante o alferes miliciano Filipe José Ribeiro. O grupo entrou em funções em Dezembro de 1966, após ter participado numa operação com dois grupos de combate da CCAÇ 1585. No decurso de um assalto a uma casa de mato, Ribeiro, Marcelino e Cherno, e mais quatro valorosos elementos entraram determinados no objetivo, com sangue frio impressionante. Marcelino da Mata terá dito mais tarde ao comandante do BCAÇ 1887: “Encontrei o alferes para comandar o grupo, é maluco, até apanha os turras à mão…”. Assim se constituía um pelotão lendário. Juntaram-se as secções de Marcelino da Mata e de Cherno Sissé e foram selecionados outros soldados milícias. “Os Roncos” surgem como um grupo especial de tropa de choque que abriria o caminho às restantes. Os seus feitos, até à sua extinção (os seus elementos irão ser integrados mais tarde em companhias africanas e companhias de Comandos Africanos) foram extraordinários, em qualquer operação sabia-se de antemão que se podia contar com um naipe excecional de gente valorosa. Escrito à mão, no exemplar que consultei, aparece anotado pelo então alferes Filipe Ribeiro: “O grupo era constituído por 24 elementos, assim distribuídos: secção de Marcelino com 11 elementos, secção de Cherno Sissé com 11 elementos, o meu guarda-costas e eu, no total éramos 24. Acontece que em muitas operações o grupo não tinha mais que 15 ou 16 elementos. Éramos poucos mas eficazes”. É impressionante ver-se o nome destes homens e ler-se depois nas observações o rol de feridos e mortos.

A CCAÇ 1585 tinha a responsabilidade do subsector de Farim, fazia operações em locais como Sambuiá, Bricama, Biribão, Sano e Sulucó, entre outras. A partir de Dezembro de 1966, “Os Roncos” vão a todas, capturam armamento, entram em casas de mato, criam a lenda. Por exemplo, em Janeiro de 1967, na operação “Cajado” Ribeiro e a secção de Cherno confrontam-se com um grupo inimigo cinco a seis vezes superior. E Carlos Silva retira a seguinte nota: “6 granadas de morteiro que não chegaram a explodir ficaram espetadas no lodo da bolanha, em volta do alferes Ribeiro, porque, entretanto, teve de sair do abrigo junto a uma árvore e deslocar-se para as proximidades da bolanha. Tudo isto devido a ter de pedir via rádio à companhia de Cuntima uma maca para evacuar o ferido e munições. Pois ficaram lá quase duas horas debaixo de fogo intenso, sob um autêntico inferno. Não podiam retirar do local na medida em que aguardavam pelo regresso da secção do Marcelino, que entretanto já vinha no gosse-gosse para também dar apoio. Quando os reforços de Cuntima chegaram ao local de combate, disseram-lhe para se levantar com cuidado, agarrando-lhe pelos braços, pois tinha à sua volta seis granadas de morteiro 82…”.

Carlos Silva colige o historial mês a mês, sucesso a sucesso, vão-se averbando os louvores, de oficial a soldados, Ribeiro e os seus homens aparecem associados a outras forças. Em Outubro de 1967, depois da operação “Caju”, em que participaram “Os Roncos”, escreveu-se: “Foram três dias e três noites consecutivas em que as tropas estiveram constantemente em ação, batendo uma extensa zona, com a chuva a cair ininterruptamente, cumpriu-se a missão, apesar do sacrifício ter sido enorme”. Cherno Sissé e Malã Indjai foram agraciados com a Cruz de Guerra de 4ª Classe. Os louvores não param. Em Outubro desse ano a CCAÇ 1585 foi transferida para Quinhamel, o alferes Ribeiro deixou “Os Roncos”, foi rendido pelo alferes Morais Sarmento da CART 1691, que passou a comandar o pelotão. Em Dezembro, irá ter lugar a batalha de Cumbamori, tratou-se da operação “Chibata”, havia notícias da presença de Luís Cabral nesta localidade e base inimiga. Deslocaram-se três destacamentos. Assaltou-se Cumbamori, Luís Cabral teve tempo de fugir, infligiram-se muitas baixas, fizeram-se 5 prisioneiros e capturou-se material, caíram no dever 4 soldados dos “Roncos” e houve 17 feridos. Sobre esses acontecimentos Luís Cabral irá escrever o que viveu em “Crónica da Libertação”, págs. 315 a 230, fora a primeira vez em que ele estava presente num encontro entre as forças do PAIGC e as tropas portuguesas.

Em Junho de 1969, a Marcelino da Mata era-lhe conferido o grau de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre Espada, tinha sido já agraciado com duas cruzes de guerra, foi promovido por distinção a 1º sargento e graduado em alferes. Em Junho de 1970, igual honraria será conferida a Cherno Sissé.

Em Agosto de 1969, “Os Roncos” participaram numa operação em Faquina, onde será capturada uma elevada tonelagem de material. Cherno Sissé aguentou a pé-firme uma tempestade de fogo. José Pais, em “Histórias de Guerra – Índia, Angola e Guiné, Anos 1960”, editora Prefácio, 2002, refere-se ao malogrado Cherno Sissé, residente num bairro da lata da Cruz Vermelha, depois de ter sido espancado e de lhe terem vazado o único olho que lhe restava: “Lá fui à Boa-Hora e lá tentei explicar ao meritíssimo juiz o que é ter servido o Exército português 27 anos, o que é ter sido combatente operacional na Guiné durante 9 anos seguidos, o que é ser ex-combatente desprezado e o que representa para um homem destes a perda da dignidade pessoal face à vida. O meritíssimo aplicou-lhe três anos e meio. Visitei-o com o filho no hospital prisão de Caxias. Cherno Sissé, 1º sargento do Exército de Portugal na reforma, duas Cruzes de Guerra, duas vezes promovido por distinção, Cavaleiro da Torre Espada, passados dois anos de cadeia, saiu em liberdade condicional. Voltou para casa, de onde agora quase nunca sai. A casa de Cherno Sissé continua a ser porto de abrigo dos fugidos da Guiné e dos que têm fome. Lá vão pedir conselho ao Homem Grande da Catorze de Farim que a Pátria portuguesa usou e deitou fora”.

A história de “Os Roncos” deve a Carlos Silva ter sido passada a escrito. Em meu entender, entidades como a Liga dos Combatentes deviam propiciar um estudo aprofundado sobre estes vultos grandiosos que correm o risco de desaparecer e dar-se forma a este grupo excecional que praticamente caiu no esquecimento. Os valorosos soldados guineenses mereciam ver esmaltada a sua história coroada de valor, dedicação e lealdade. Para os portugueses lhes reconhecerem o mérito prodigioso e a dívida impagável.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12181: Notas de leitura (527): "As Minhas Memórias de Gabu 1973/74", por José Saúde (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Guiné 634/74 - P12198: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (24): Voando com o srgt mil pil Honório, no apoio a colunas logísticas para Beli e Madina do Boé (Vitor Oliveira, ex-1º cabo melec, BA 12, Bissalanca, 1967/69)




Guiné > Bissau > c. 1968 > "O T6G [Harvard] 1756 que caiu ao pé do colégio das freiras que ficava por de trás do hospital em Bissau. Da rapaziada so me lembro do Oliveira, de  t-shirt branca".


Foto (e legenda): © Vitor Oliveira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Mensagem do Vitor Oliveira, ex-1º cabo melec
 (BA 12, Bissalanca, 1967/69)  [, Foto à direita: é membro da nossa Tabanca Grande  desde 13/5/2009]:


Data: 22 de Outubro de 2013 às 15:20
Assunto: Voos com Honório

Camarada Luís,  posso dizer que 70% das dezenas e dezenas de horas de voo na Guiné foram com o meu grande amigo Honório que infelizmente já não está entre nós. (*)

Foram voos em DO27 e T6G, Nestes andávamos entre 2h30 e 3h30,  sobre as colunas que iam para Béli e Madina de Boé, Começávamos a sobrevoálas ao nascer dia até ao sol se pôr.  Ele, o Honório,  queria sempre companhia porque dava para ele descansar, Estás a ver o que era andar estas horas todas às voltas sobre as colunas!... Levávamos no mínimo duas garrafas de água Perrier. (**)

A protecção a essas colunas era feita por 6 T6G e sempre dois,  que se iam revezando.

Já agora quero dizer que,  além do meu amigo Honório,  havia mais pilotos com os quais voei e  que eu admirava:  Cap Sarmento, Alf Pavão (Açoriano) e Furriel Gomes.

Aqui vai [, foto em cima,] o T6G 1756 que caiu ao pé do colégio das freiras que ficava por de trás do hospital em Bissau. Da rapaziada so me lembro do Oliveira, de  t-shirt branca.

Sem mais um grande abraço.

Vitor Oliveira(Pichas)
1º Cabo Melec

[BA12, Bissalanca, 1967/69]

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Notas do editor:

(*) Dados biográficos:

(i) Honório Brito da Costa [Praia, Santiago, Cabo Verde, 28 de agosto de 1941; Praia, Santiago, Cabo Verde, (?]];

(ii) era filho de Honório Domingos da Costa [n. 1901; f. ?] e de Silvia Pinto de Brito [Santiago, 1914; Lisboa, 2004];

(iii) tem, pelo menos, uma filha, Tatiana Costa] [ Fonte: sítio GeneAll.,

(iv) entrou como actor, juntemente com o nosso camarada Leão Lopes, no filme "O Recado das Ilhas" (1989), de Ruy Duarte de Carvalho (Santarém, 1941;  Swakopmund, Namíbia, 2010)]

[São raras as fotos do Honório, srgt mil piloto da FAP, que na sua terra natal  também era conhecido por Honoriozinho. Sabemos que nasceu em 1941, na cidade da Praia, e já morreu, em data desconhecida., mas posterior a 1989. Depois de servir na FAP, na Guiné, onde terá feito duas comissões, regressou á sua terra. Foi piloto comercial nos TACV - Transportes Aéreos de Cabo Verde, onde terá chegado a comandante. Foto acima,  à direita, reproduzida com a devida vénia da página da família Barros Brito: Antepassados e parentes da família criada por Jorge e Garda Brito.]



Postes da série sobre (ou com referências a) o Honório:

13 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7121: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (22): Fotograma do Honório com o Cap Neto (Jorge Félix)

15 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6397: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (21): Fotogramas de um vídeo com o Honório (Jorge Félix)

4 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5935: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (20): O Honório e o 2º Sarg que dizia que se aguentava (Vítor Oliveira)

22 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6210: Os gloriosos malucos das máquinas voadoras (21): Meu tenente, eu e o Tomás Camará não vamos com o Honório! (Amadu Djaló)

28 de fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5912: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (19): O Honório e o major que lhe chamou maluco (Vítor Oliveira)

19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5840: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (18): Mais uma história do Grande Honório (Vítor Oliveira)

29 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5559: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (17): Mais uma história do Sargento Pilav Honório (Rogério Cardoso)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4396: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (16): Uma história do Honório (Vítor Oliveira)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3604: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (15): Eu, o Duarte, o Coelho, o Nico... mais o Jubilé do Honório (Jorge Félix)

6 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)



26 de Setembro de 2008 Guiné 63/74 - P3245: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (4): Honório, o cow-boy dos ares (José Nunes)