segunda-feira, 11 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15963: In Memoriam (251): José Moreira (1943-2016), ex-fur mil, CCAÇ 1565 (Jumbembem e Canjambari, 1966/68), um grande ser solidário, um grande ser humano, cofundador e líder da ONGD "Memórias e gentes" (, com sede em Coimbra)... Recordamos a sua pessoa, os seus valores e a sua obra, através de uma entrevista de há 5 anos


Sítio da ONGD "Memórias e Gentes", com sede em Coimbra. 


Coimbra > Sítio "Memórias e Gentes" > 13 de dezembro de 2012 > José Morera recebe o prémio de sócio honorário da assocaição, das mãos de Fernando Ferreira.


Coimbra > MEG - Memórias e Gentes > 20 de dezembro de 2012 >  José Morera agradece prémio de sócio honorário da associação que ele ajudou a criar, crescer e a dinamizar.


Logo da associação "Memórias e Gentes" > Esta ONGD foi fundada em 2007 e tem sede em Coimbra. Principais projetos: I. Guiné-Bissau: (i) Projecto Varela; (ii) Projecto Bindoro; (iii) Projecto Albinos; II. Moçambique: (iv) Projecto Gorongosa. Ver aqui página no Facebook.


ONGD  "Memórias e Gentes" >   Projecto Albinos (Guiné-Bissau)... Fonte: ONGD "Memórias e Gentes", página no Facebook.


1. O José Moreira, nascido em Taveiro, Coimbra, em 8 de junho de 1943, foi, juntamente com o algarvio de Alagoa, o  António Camilo, fur mil da CCAÇ 1565 (Bissau, Jumbembém, Canjambari, Bissau, 1966/68). E, tal como o Camilo, era um grande ser solidário.   Foi um dos fundadores da  Associação Humanitária Memórias e Gentes, e seguramente o seu grande líder. Fez mais de uma dúzia de expedições à Guiné-Bissau. 

No dia da sua morte, transcrevemos aqui um entrevista que ele deu ao sítio da CAD - Associação Coimbra Basquete.  Vamos lembrá-lo, como ele merece, e dar a conhecer o seu exemplo de grande ser humano, camarada e amigo da Guiné. Acabámos de falar com o seu genro (pelo nº de telemóvel 96 402 8040, que era o telemóvel pessoal do Zé Moreira), que nos confirmou a triste notícia: o Zé Moreira morreu hoje, ao fim de dois anos de luta tenaz contra uma neoplasia. O funeral é amanhã. Era membro da nossa Tabanca Grande. O seu nome passa a figurar na lista daqueles de nós que da lei da morte já se libertaram. As nossas condolências à família. LG

PS - Na sua página pessoal do Facebook, há camaradas a deixar mensagens de pesar, como esta do Álvaro [Manuel Oliveira] Basto, nosso grã-tabanqueiro:

"Zé, soube ha pouco com tristeza que partiste para a tua última expedição humanitária. Obrigado pelo que me ensinaste e pela amizade franca com que sempre me trataste. Vais deixar dentro de mim um vazio que nunca poderá ser preenchido. Fica bem lá na tua nova tabanca onde quer que estejas. À família o meu mais profundo pesar."



2. Com a devida vénia ao sítio, na Net, da CAD - Associação Coimbra Basquete, o novo Clube de Basquetebol da Cidade de Coimbra, nascido em  14 de julho de 2010.


Entrevista, em 28/12/2011,  a José Moreira em Campanha de solidariedade - Associação "Memorias e Gentes" (Reproduzida com a devida vénia)

 Entrevista a José Moreira,  presidente da associação “Memórias e Gentes”


P- A associação denomina-se Memórias e Gentes. Pode nos falar um pouco sobre esse projecto, quando foi criado e com que objetivos?

R- Antes de lhe responder e para se perceber, tenho de falar de mim:

Sou um combatente da “Guerra Colonial” na década de 60, concretamente em 1966, 1967 e 1968, tendo cumprido o serviço militar obrigatório na antiga província ultramarina da Guiné-Bissau, hoje país independente.

Terminada a vida militar, volvidos 33 anos, voltei à Guiné por terra em 2001, para reviver os locais por onde andei e apagar um pouco do chamado “stress pós traumático”. Do que vi, no regresso, trouxe na minha mala a vontade de voltar para levar coisas àquela gente que pouco ou nada tem, e foi o que aconteceu no ano seguinte e, ininterruptamente, até agora. 

Desde então, fui convidando os amigos e de ano para ano a caravana foi engrossando. Paralelamente, por mar, começamos a enviar um contentor com os mais diversos bens, distribuídos por nós nas aldeias do interior. Passado 6 anos, como o Grupo já tinha um capital de credibilidade e experiência, constituímo-nos em Associação, continuando como até aqui, a desenvolver acções de apoio humanitário, sem filiação partidária, sindical ou religiosa.

Face aos factos apontados, o nome escolhido “Memórias e Gentes” resulta da lembrança do passado (memórias) e, sensibilizados com o conhecimento das mais diversas carências, juntos, não nos poupamos a esforços em levar um pouco de esperança àquele povo que, mesmo sujeitos a uma situação de extrema pobreza, nos fascina com o seu calor humano, os laços culturais e a amizade que prevalece (gentes).

P- Quais as ações que já dinamizaram? Que feed back tem do trabalho realizado? A ajuda foi pontual ou continua a haver contribuições e intercâmbios?

R- Das acções desenvolvidas ao longo destes 9 anos com maior destaque, tem sido no apoio ao sistema educativo, pois a língua oficial é o português, de seguida o apetrechamento dos Centros de Saúde do interior com equipamento hospitalar e, por fim, roupa, calçado, alimentação duradoura para as Instituições credíveis e identificadas por nós. Do que levamos, fica de lado para distribuirmos pessoalmente, os brinquedos, algum material didáctico, as “bic´s” (que fazem a diferença) e os “chupa-chupas” para, em troca, receber sorrisos daquelas crianças das aldeias mais recônditas.

Do trabalho realizado, temos já o reconhecimento e registo como ONGD pelo Estado Português, tendo-se adquirido automaticamente a natureza de pessoa colectiva de UTILIDADE PÚBLICA.

Em termos de ajudas oficiais, temos submetido alguns projectos sérios e credíveis, mas em vão!

Somente a destacar um pequeno subsídio à expedição/2010 pela Câmara Municipal de Coimbra e a ajuda, com material didáctico, do ex-Governo Civil de Coimbra.

A destacar também, e isso sim, o papel preponderante que os cidadãos comuns e os responsáveis de algumas empresas desempenham, na dinâmica e motivação destas missões de ajuda humanitária.

De referir, ainda, que estas viagens são a expensas de cada expedicionário.



O José Moreira já estava doente, em tratamento oncológico, há 2 anos... Não sabemos se ainda participou da XIII Expedição  Humanitária, que partiu de Coimbra em 3 de abril de 2014, com destino à Guiné-Bissau. Imagem: página pessoal do José Moreira no Facebook.

P- Este ano está a apoiar uma creche em Varela, na Guiné-Bissau. Pode-nos falar um pouco porque surgiu essa iniciativa? Muitos nos perguntam porquê Guiné e não Portugal ou outro país qualquer?

R- Com as nossas incursões ao interior, durante todos estes anos, chegamos há 3 anos a Varela que fica a norte daquele país, muito perto da fronteira com o Senegal. Na altura, foi-nos transmitido o porquê da existência brutal de índice de mortalidade infantil, que passo a explicar: Varela fica junto ao mar, a actividade dos homens é a pesca artesanal, as mulheres, em terra, fazem grandes fogueiras para, em “panelões”,  cozerem o peixe e posterior seca ao sol. Dito isto, tudo parece pacífico, mas não é! As mães, na referida labuta, trazem permanentemente consigo e às costas as crianças de tenra idade, inalando os fumos e ainda por cima debaixo de um sol tórrido. 

Foi assim, que nos propusemos em apoiar uma Creche que, no primeiro ano, colocamos aquelas crianças à sombrinha, água engarrafada (de cá) e alimentação e vigiadas por duas senhoras. Nos anos subsequentes, tudo temos levado, desde pratos colheres, copos, mobiliário, caminhas, roupas, rolos de pano para fazerem batas, etc.. 

Entretanto, abrimos um furo com água potável, temos levado materiais para a construção da nova Creche, tubagem, material sanitário, lavatórios e acessórios, como rede de vedação, gerador e bomba submersível. Entretanto admitimos 3 formadoras para ensinarem as coisas mais básicas e ensinar-lhes a falar e a escrever o português. Esperemos que colhamos frutos brevemente!

Na próxima expedição, com saída de Coimbra a 23 de Fevereiro próximo [2011], vamos montar uma torre em ferro, para suportar os depósitos de água. Em relação ao potente gerador que já lá temos para a iluminação e tomadas, como para accionar a bomba de água, estamos a ponderar em vendê-lo e montar um painel “foto voltaico” (energia solar), dado que os custos de manutenção são muito mais reduzidos, só que, com esta alteração, necessitamos de mais 3.000 €, valor que ainda não realizamos.

Em relação ao porquê Guiné e não outros países, cumpre-nos informar que estamos a trabalhar em parceria com algumas Instituições da cidade de Coimbra e Lojas Sociais, nomeadamente, a de Taveiro. Pelo terramoto no Haiti enviamos 3 paletes de medicamentos e na mesma altura, outros tantos para Moçambique, em colaboração com a Associação Saúde em Português de Coimbra.

Portanto, como solidários que somos, estamos atentos, muito embora esta Associação esteja talhada a realizar expedições a África por terra. Aqui, queremos realçar a participação dos mais jovens, que trouxeram uma mais-valia, quer na dinâmica de recolha de bens, quer na participação activa das expedições, certamente devido à parte lúdica da viagem, nomeadamente, a travessia do deserto, conhecerem outras gentes, outras culturas, como a demonstração do seu espírito solidário, pois também se sentem incomodados nas diferenças de dois mundos que nos são tão próximos.


O Alfaiate de Jumbembem:  na Expedição Coimbra-Bissau da MEG, um velho alfaiate disse-nos que precisava de uma máquina de costura para voltar a trabalhar, porque a sua Singer estava morta fazia já muitas chuvas. Há dias realizou-se o Convívio Anual da Companhia de Caçadores 1565 que esteve em Junbembem nos anos de 1966-1968. Dirigentes da MEG [Memórias e Gentes] mostraram fotografias do nosso encontro. E hoje cabe-nos falar de solidariedade e velhas amizades:
- O Alfaiate terá uma nova máquina de costura (nova e Singer!) oferecida pela D. Fernanda, esposa do ex-Furriel Leite (Porto);
- O Alfaiate terá agulhas e carrinhos de linhas (para mais dez anos) oferecidos pelo Polery, ele também ex-militar da CCaç. 1565 (Vizela);
- O dirigente da MEG e ex-furriel José Moreira está encarregado de entregar em mão ao Alfaiate de Jumbembem estes seus novos pertences. Obrigado!

Foto (e legenda): Página do Facebook da ONGD "Memórias e Gentes" > MEG - Memórias e Gentes > 19 de junho de 2013

P- O Projeto Bom Dia Bom Dia é uma ideia muito terna e parece nos muito fácil de concretizar. Tem tido uma boa aceitação? Como reagem os meninos apadrinhados ao saberem que alguém “muito longe” se preocupa com eles?

R- A sua pergunta é pertinente e muito actual! Aquando da nossa estada em Março passado, alguém se lembrou de tirarmos fotos à criançada e medir a altura, só não foram pesados por falta de balança. Daí a ideia do apadrinhamento e um meio de realizar fundos, ajudando-nos na alimentação e educação das cerca de 80 crianças. Devo dizer que tem sido um êxito, Temos já 54 crianças apadrinhadas que, entre madrinhas e padrinhos, estão envolvidas 71 pessoas de norte a sul de Portugal, da Áustria, da Suíça e de Inglaterra. Na próxima viagem, só dos padrinhos, vamos levar muito perto dos 2.000 € e lembranças para os afilhados. Isto é lindo, BEM-HAJAM a todos!

Muito embora as crianças já tenham conhecimento desta iniciativa, quando chegarmos, queremos vincar junto das mães, da responsável pela creche e das formadoras, que nós portugueses, somos efectivamente solidários e empenhados que sejam mais felizes e fundamentalmente de boa saúde.

P- O CAD Associação Coimbra Basquete fez uma campanha entre os seus atletas e amigos e angariou bastantes e diversificados bens. Como podem as pessoas assegurar se de que as suas ofertas irão chegar ao destino certo?

R- Antes de mais, queremos agradecer ao CAD Associação Coimbra Basquete pela campanha em curso. Dos bens angariados, só queremos saber qual o destino a dar-lhes na Guiné, se inteiramente para a Creche e(ou) para outras Instituições, e a “Memórias e Gentes” pessoa colectiva de direito privado sem fins lucrativos, já com um capital de credibilidade naquele país, garantirá a entrega dos bens no destino a indicar pelo CAD.

P- Congratulamo-nos pela sua dedicação e empenho numa causa tão nobre e com o dinamismo que lhe imprime. Agradecemos-lhe ter nos dado a possibilidade de alertar os nossos jovens/atletas para estes problemas sociais que farão parte da sua formação enquanto pessoa. Qual a mensagem que lhes quer deixar?

R- Que pratiquem o desporto com lealdade. Que na sua formação saibam distinguir o bem do mal. Que gostaria de os levar a conhecer o outro mundo. Que partilhassem com os meninos e meninas da mesma idade, com aquilo de que já não necessitam, pois seria um tónico milagroso contra a indiferença que parece estar a disseminar-se assustadoramente pelo mundo, e assim, nascerão novos sorrisos, novas esperanças para aqueles que pouco ou nada tem e o mundo ficará diferente…menos indiferente!

Um muito obrigada
Pelo CAD Coimbra Basquete
Margarida Teresa Figueiredo
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15962: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (1): Violações da fronteira e assaltos no chão felupe, em julho de 1961: S. Domingos (a 18, 21 e 24), Ingoré (a 21), Susana (a 24) e Varela (a 25)

1. Mensagem de ontem, do nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, Nuno Rubim, que por razões de saúde tem estado, desde há muito, afastado das nossas lides bloguísticas

[Nuno Rubim, cor art ref, historiador, especialista em história da artilharia]

Luís:

Mando mais uns extractos dos Perintreps iniciais do CTIG que claramente mostram que:

(i)  a guerra se iniciou em 1961; 

(ii)  embora o IN não fosse ainda o PAIGC.

Como sabes, tenho TODOS os Perintreps digitalizados.

Um dia ainda espero falar contigo sobre as “divergências” que notei entre alguns relatos expostos no blogue e o respectivo teor transcrito nos documentos oficiais ...

Abraço
Nuno Rubim


2. O que dizem os Perintreps (1) (Nuno Rubim): violações da fronteira e assaltos no chão felupe, em julho de 1961: S. Domingos (a 18, 21 e  24), Ingoré (a 21). Varela (a 25) e Suzana (a 24)

[Cortesia de Nuno Rubim. Perintrep é abreviatura do inglês "Periodic Intelligence Report"]





Guiné 63/74 - P15961: In Memoriam (250): Faleceu hoje o nosso camarada José Moreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 1565, inspirador, fundador, presidente e líder da Associação Humanitária Memórias e Gentes

JOSÉ MOREIRA

Através do contacto telefónico, hoje pela manhã, o Xico Allen fez chegar ao Blogue a triste notícia do falecimento do nosso camarada José Moreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 1565, inspirador, fundador, presidente e líder da Associação Humanitária Memórias e Gentes. Técnico Oficial de Contas, reformado, morava em Coimbra.

O dia e hora do funeral deste nosso camarada será indicada logo que saibamos.

Da actividade do nosso amigo, e grande amigo da Guiné-Bissau, José Moreira, e da Associação Humanitária Memórias e Gentes, sediada em Coimbra, ficam algumas imagens e links que falam mais que as palavras que aqui possamos deixar:




Guiné-Bissau > Março de 2008 > O José Moreira, inspirador, fundador, presidente e líder da Associação Humanitária Memórias e Gentes, em acção (é o primeiro à esquerda, em primeiro plano, logo na primeira foto, de cima). Aparece a seguir, em mais duas fotos. Técnico Oficial de Contas, reformado, mora em Coimbra. Foi Fur Mil da CCAÇ 1565 (1966/68).

Vd. postes de:

9 de novembro de 2008 Guiné 63/74 - P3428: Ser solidário (24): Em marcha a expedição de ajuda humanitária de 2009 (José Moreira / Pepito / Carlos Silva / Xico Allen)
e
16 de fevereiro de 2009 Guiné 63/74 - P3900: Expedição Humanitária 2009 (1): Já se fez à estrada a expedição da Humanitarius, com o J. Almeida, o A. Camilo e outros

Guiné 63/74 - P3901: Expedição Humanitária 2009 (2): Mensagem do José Moreira, de Coimbra, para o Pepito (AD - Bissau), em Lisboa (Paulo Santiago)

17 de fevereiro de 2009 Guiné 63/74 - P3906: Expedição Humanitária 2009 (4): 25 toneladas de ajuda, 897 caixotes, 22 expedicionários... E obrigado, povo meu (José Moreira)

22 de fevereiro de 2009 Guiné 63/74 - P3924: Expedição Humanitária 2009 (5): Ei-los que partem, do Largo da Portagem, Coimbra... a caminho de Bissau (José Moreira)

7 de novembro de 2009 Guiné 63/74 – P5231: Expedição Humanitária 2009 (7): Diário de Bordo: de 20 a 26 de Fevereiro (José Moreira, Memórias e Gentes)
e
22 de abril de 2010 Guiné 63/74 - P6214: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (13): Força, Luís e Camaradas, porque o Blogue é um momento único e inigualável no mundo (Pepito)

À família enlutada, os sentidos pêsames da tertúlia do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné pela perda do seu ente querido.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15897: In Memoriam (249): "No Dia da Minha Morte"... A história de amor que o António da Silva Batista (1950-2016) gostaria que eu vos contasse no dia da sua morte... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)

Guiné 63/74 - P15960: Nota de leitura (828): “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961-1974”, por John P. Cann, Academia da Marinha 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Este distinto investigador norte-americano tem uma observação muito peculiar sobre os trâmites da nossa guerra colonial, é rigoroso nos factos e atrativo pelo seu olhar refrescado.
Temos agora a Marinha e vemos como a partir de 1961 esta arma passou a prever a sua intervenção com barcos apropriados, com o armamento mais adequado, em 1962, quando já é patente a subversão no Sul chegam os fuzileiros no DFE n.º 2. John P. Cann escreve as grandes divergências que se instalaram entre o Exército e a Marinha, acabando por diminuir as duas.
Trata-se de uma obra de referência que a Academia da Marinha reeditou o ano passado.

Um abraço do
Mário


A Marinha na Guiné, 1961-1974

Beja Santos

A obra intitula-se “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961-1974”, por John P. Cann. Entre 1987 e 1992, John P. Cann foi oficial da Marinha no Estado-Maior do Comando da NATO, na Área Ibero-Atlântica, em Oeiras. Fascinou-se pelo estudo da nossa guerra colonial. Começou por escrever “Contrassubversão em África. O modo português de fazer a guerra". Com a Marinha em África, John P. Cann ocupa-se da componente naval, como esta se antecipou ao conflito, como se preparou e travou esta luta nos rios de África. Este livro foi inicialmente editado pela Prefácio, em 2009, uma edição com erros clamorosos, em boa hora a Academia da Marinha o reeditou em 2014. Vejamos no essencial como ele contextualiza o desempenho da Marinha e o seu comportamento na Guiné.

Considera que a Armada cumpriu exatamente o que tinha originalmente planeado alcançar e é elegante na crítica: “As falhas na sua utilização poderão ser atribuídas ao primado do Exército e à falta de compreensão por parte dos seus chefes sobre o modo como uma Marinha fluvial poderia ser utilizada como maior eficácia num ambiente de contrassubversão".

Estamos agora na Guiné e o capítulo intitula-se “Um sinistro e tórrido trecho de pântano e selva”. A Guiné foi o mais importante teatro de operações para a Marinha, cerca de 80% de toda a carga e pessoal movimentava-se por mar ou via fluvial. O transporte através dos rios e braços do mar era também importante para o PAIGC, daí a premência de policiamento do tráfego fluvial pela Marinha. Em termos estratégicos, procurava-se a combinação de lanchas de fiscalização e desembarque e a operacionalidade dos fuzileiros. John P. Cann renova a sua apreciação de que a Marinha correspondeu ao desafio “mas foi em parte inibida por uma diferença não resolvida na aproximação ao objetivo com o Exército”.

E explica a questão de fundo: “Desde o início da guerra que havia um debate sobre a melhor estratégia militar a ser empregue na Guiné, havia diferenças significativas no pensamento do Exército e da Armada. Esta era a favor de um conceito estratégico de estrangulamento do inimigo, exercendo-se estrito controlo sobre as diferentes vias fluviais a partir de uma posição central”. Tratava-se obviamente de uma estratégia que tinha limites de exploração, não era aplicável nas áreas despovoadas e periféricas.
O autor faz o reparo de que permanece um enigma porque é que o PAIGC nunca se posicionou para tornar a vida nos rios e rias um inferno para as nossas tropas.

Nos primeiros anos de guerra, cerca de 60% do transporte no rio era assegurado por uma frota comercial de 60 embarcações. Era vital que essa linha de abastecimento fosse protegida. A Marinha entra de facto no cenário da Guiné em Maio de 1961 com a chegada de duas LFP. Em Junho de 1962, chega a hora dos fuzileiros, o DFE n.º 2 chega a Bissau a bordo de dois aviões militares. Em Outubro de 1962, a situação na Guiné deteriorou-se progressivamente, o PAIGC procurou isolar o Sul. A primeira experiência de confronto teve lugar em Dezembro de 1962 aquando do reconhecimento de Cachil, na ilha de Caiar. Foi a primeira experiência de operação conjunta entre o Exército e a Marinha da Guiné.

Os fuzileiros até ao final da governação de Schulz entraram em operações conjuntas, mas gozando sempre um estatuto de autonomia. A utilização e o controlo de fuzileiros mudaram com a chegada de Spínola.

O autor tece considerações sobre o armamento e a resistência dos navios que operavam nas rias e rios e explica como houve necessidade de os robustecer protegendo-os no casco e na superestrutura para serem resistentes aos projéteis do inimigo. Refere as quatro rotas principais da Marinha a partir de Bissau: de Bissau para Farim ou para o rio Cacheu; de Bissau para Bissum, no rio Armada; de Bissau para Catió; e de Bissau para Bedanda. Estranho é a inexistência de referências à proteção que a Marinha dava ao Geba, designadamente o acompanhamento que as lanchas faziam das embarcações civis no Geba estreito, no início da guerra, o PAIGC mostrou-se operativo em dois pontos fulcrais: à entrada do Geba estreito: perto do Xime, em Ponta Varela, o local tinha a propriedade, na correnteza, de fazer aproximar as embarcações da margem, os RPG2 e RPG7 eram francamente demolidores; e na outra margem, no Cuor, em Mato de Cão, daí a fiscalização e patrulhamento da área até Novembro de 1969, altura em que o porto do Xime entrou em pleno funcionamento.

Falando de operações, John P. Cann destaca as façanhas de Alpoim Calvão na região Sul e a operação Tridente. E reserva uma referência especial à operação Via Láctea, que se desenrolou em Junho de 1968, em que capturaram dez toneladas de armas e munições. Spínola, logo que chegou, interrompeu este tipo de ações e implementou uma linha operacional distinta da anterior. Mesmo de forma muito polida, John P. Cann faz sentir de que houve um claro desentendimento entre o Exército e a Marinha que subtraiu as potencialidades a esta última. Em dado momento, Spínola desloca fuzileiros para Ganturé, a missão era suster a passagem de guerrilheiros no Cacheu. E os fuzileiros ficaram na posição de viver em destacamento, vivendo mesmo as consequências de todas as flagelações a que estavam sujeitas as unidades do Exército, e policiando o rio.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15955: Nota de leitura (827): "Eusébio - O romance biográfico", de Sónia Louro (Lisboa, Editora Saída de Emergência, 2016)

Guiné 63/74 - P15959: Parabéns a você (1063): Jorge Félix, ex-Alf Mil PilAv Alouett III da BA 12 (Guiné, 1968/70); Jorge Picado, ex-Cap Mil CMDT das CCAÇ 2589 e CART 2732 - CAOP 1 (Guiné, 1970/72) e Manuel Marinho, ex-1.º Cabo At Inf do BCAÇ 4512 (1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Abril de 2016 Guiné 63/74 - P15952: Parabéns a você (1061): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Guiné, 1967/68) e Miguel Pessoa, Coronel PilAv Ref, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Guiné, 1972/74)

domingo, 10 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15958: Blogpoesia (443): "Quando no céu...", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Em mensagem do dia 8 de Abril de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este de sua autoria:


Quando no céu...
tudo esgaça e parece desabar,

Eis que, duma simples nesga,
um mar de sol irrompe
e tudo sorri, de calor e luz.

Refulgem de branco os cumes mais altos,
se vestem verdes as encostas,
florescem as pradarias,
e os rebanhos famintos
correm das suas cercas,
montanhas acima.

De novo a passarada, em cardumes extensos,
percorre os céus,
cantando alegres.

Em grandes baforadas,
as chaminés dos lares
expelem toda a fumarada
que fazia arder os olhos.

Se ouvem os sinos,
tilintando as horas,
agora, de esperança.

Hossana! 
A tormenta negra passou, enfim...


ouvindo Finlândia de Sibelius

Bar Caracol, arredores de Mafra,
8 de Março de 2016
8h45m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Notas do editor

Foto: Com a devida vénia a MYGUIDE

Último poste da série de 2 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15927: Blogpoesia (442): "Castelo da Pena", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P15957: Atlanticando-me (Tony Borié) (12): Um mau dia

Décimo segundo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Um mau dia

Sem te fazer um “Ultra-Som” e um “MRI” a essa perna, não te posso curar. Pode por aí haver um qualquer tumor ou até cancer, vais fazer esses testes, quero ver o resultado depois falamos de novo. - E “virou-me as costas”, saindo do consultório, com cara de amargura, tal como quando entrou. Ficámos desolados, possivelmente antes tinha consultado outro paciente que mostrava todos esses sintomas.

Todos os dias nem sempre é o melhor dia, mas quando isso acontece, temos que ter o poder de transformar tudo ao nosso redor, é nossa responsabilidade livrar-nos do mau humor, passando para outros horizontes, ver as coisas de outra maneira, uma maneira mais agradável.

Tudo tinha começado uns dias antes, nas nossas habituais “caminhadas”, tínhamos sentido uma “dorzita”, ao fundo da perna, quase onde começa o pé, parecia quase nada, mas chegados a casa começou a aumentar o volume tanto nas dores corporais, como na dimensão da perna. Porra, temos que ir ver o “fdp do doutor” e, foi o que fizemos.

Tudo isto companheiros, acontece porque já não somos jovens. Na nossa juventude, quantas vezes, caminhamos, algumas descalços, por vales, pequenas montanhas, calcando mato e “tojos”, lama, areia, terra batida, riachos, mais tarde, savanas e bolanhas lá na Guiné e, sempre sem qualquer dor, se nos arranhávamos, esfregava-se com álcool, ou mesmo aguardente, amarrava-se um qualquer “trapo”, continuando a nossa rotina, hoje é diferente, o doutor não faz nada sem os tais “testes”, pois não quer assumir responsabilidade de qualquer “azar” nas suas decisões.


Continuando com o mau humor que por vezes, pelo menos na nossa idade, nos visita e nos tortura, temos que resistir, temos que mandar “esse dia cão”, para longe, temos que ir buscar forças, a tal força de combatente e, pensar em outras coisas, iniciar um fluxo de energia positiva, cantar, ligar a música de que gostamos, às vezes bem alto de maneira que nos entre “na pele”, dançar em pijama, ter um romance de juventude no pensamento, convidar o “mau humor” para que dance connosco, perguntar-lhe se quer ter uma festa de pijama, dizer-lhe que por mais que nos queira atormentar, só nos dará força, até para dançar.

Passámos as duas últimas semanas com algumas dores e algum constrangimento, não nos podendo deslocar para outras paragens, mas também foi agradável, sentados, ver as fotos antigas, onde aparecem familiares ou amigos que podemos lembrar dizendo: "Oh meu Deus, não me lembro. Quando fizemos isto?”. Depois no pensamento, começamos histórias grandiosas, mesmo dizendo, "deixa-me ver, este “gajo” era fodi.., fazia coisas do caral.. ". Hoje, já andamos melhor, cremos mesmo que está a passar, mas no futuro vamos ter cuidado, embora pensando que as nossas pernas são o melhor meio de transporte com que o “criador “ nos contemplou, pois podem levar-nos a lugares que qualquer outro meio de transporte nunca conseguirá.

Tony Borie. Abril de 2016.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15878: Atlanticando-me (Tony Borié) (11): Simplesmente, um ovo

Guiné 63/74 - P15956: Dando a mão à palmatória (29): Corrigindo o nome do comandante do BCAÇ 4612/74, ten cor Américo (e não António) da Costa Varino, um dos nossos oficiais superiores presentes na cerimónia de entrega do quartel de Mansoa ao PAIGC, em 9 de setembro de 1974



Guiné > Mansoa > 9 de setembro de 1974 > Cerimónia da transição da soberania nacional, aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao PAIGC, e troca de cumprimentos entre o Comandante do BCAÇ 4612/74, ten cor  Américo da Costa Varino e os comandantes do PAIGC presentes na cerimónia.

Guiné > Região do Óio > Mansoa >  9 de setembro de 1974 > Da esquerda para a direita: (i) comandante do BCAÇ 4612/74, ten cor Américo da Costa Varino;  (ii)  comissário político do PAIGC; (iii) 2º  comandante do batalhão, major Ramos de Campos;  e  (iv) o representante do CEME/CTIG, o major Fonseca Cabrinha.

Fotos do álbum do nosso coeditor Eduardo José Magalhães Ribeiro,  ex-fur mil op esp/ ranger,  CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974.

Fotos (e legendas): © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados.


  1. Mensagem do nosso leitor Pedro Oliveira Varino:

Data: 15 de março de 2016 às 00:22

Assunto: Correcção de nome


Exmos. Srs.

Após leitura do vosso blogue  que retrata parte da nossa História, infelizmente pouco divulgada, agradecia a correcção do nome do meu avô,  comandante Américo da Costa Varino, que procedeu à cerimónia de transição de soberania da Guiné no ano de 1974.

No vosso blogue, nomeadamente no poste P9335, de 26 de fevereiro de 2012,  encontra-se erradamente como "António C. Varino".

Muito agradecido e com os melhores cumprimentos,

Pedro Varino
(a pedido do coronel inf ref Américo da Costa Varino) [ex-comandante do BCAÇ 4612/74, Mansoa, 1974]

2. Mensagem emitida pelo nosso editor, na volta do correiro:

Pedro, obrigado, um alfabravo (abraço), de camarada para camarada, do editor Luís Graça para o seu avô... Já corrigimos a "gralha", de que pedimos desculpa, com conhecimento ao autor do poste (*), o Luís Vaz Gonçalves. E não só nesse, como também nos postes P7404 e P7388 (**), do nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro... Américoo da Costa Varino era na altura tenente coronel, comandante do BCAÇ 4612/74. Não é um erro de palmatória, mas é um erro factual, de que pedimos desculpa. No nosso blogue, prezamos a verdade e o rigor.

Diga ao seu avô que este espaço também é dele, é de todos os camaradas, ex-combatentes, que passaram pelo TO da Guiné, entre 1961 e 1974. 

Saudações. Luís Graça.

3. Comentário do nosso amigo e grã-tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, autor do poste P

Caro Pedro Varino:

Antes demais, peço-lhe para apresentar as minhas desculpas ao senhor seu avô, sr coronel Américo da Costa Varino pelo erro no meu artigo. 

Gostava também de lhe agradecer o seu pedido de correção, que já foi realizado pelos Editores do Blog. Assim o artigo "Retirada Final, os últimos militares portugueses a abandonar o TO da Guiné" (*), ficou mais fiel à nossa história relativa a este capítulo da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC. 

Aproveito para lhe enviar os meus melhores cumprimentos para o sr. coronel Américo da Costa Varino, que com certeza conheceu bem o meu falecido pai, coronel CEM Henrique Gonçalves Vaz.

Cumprimentos, Luís Gonçalves Vaz

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Guiné 63/74 - P15955: Nota de leitura (827): "Eusébio - O romance biográfico", de Sónia Louro (Lisboa, Editora Saída de Emergência, 2016)


1. Mensagem de Margarida Damião, diretora de comunicalção da editora Saída de Emergência:

Data: 1 de abril de 2016 às 15:04
Assunto: Eusébio - O romance biográfico

Boa tarde!

A figura de Eusébio desperta admiração em todo o mundo.

Para homenagear a sua vida e carreira, Sónia Louro escreveu um romance biográfico (nas livrarias a 15 de Abril) que retrata não só uma história de vitórias e glória mas também derrotas dolorosas, um joelho destroçado que nem seis cirurgias salvaram e o medo do dia em que irá pisar o relvado pela última vez.

Se quiser falar com a autora e descobrir mais sobre a vida deste grande homem, contacte-me.  Obrigada!

SINOPSE


Vindo do bairro pobre do Mafalala, em Moçambique, Eusébio aterrou em Lisboa numa noite fria de Dezembro de 1960. O seu sonho era jogar no Benfica, mas a disputa entre os encarnados e o Sporting quase o impediram de jogar em Portugal. Quando finalmente o fez, a sua velocidade, técnica e remate imparável mudaram o futebol português para sempre.

Mas a história de Eusébio não é apenas uma história de vitórias e glória. Para além dos mais de 800 golos, Botas de Ouro, Bolas de Prata, campeonatos e título de melhor do mundo, há a história de um menino assustado que apenas queria jogar futebol. E algumas derrotas dolorosas, um joelho destroçado que nem seis cirurgias salvaram e o medo do dia em que irá pisar o relvado pela última vez.

Sónia Louro, com a mesma mestria com que nos contou a vida de Aristides de Sousa Mendes ou Fernando Pessoa, relata-nos agora a vida do homem que, durante os anos cinzentos do Estado Novo, conseguiu, com o seu talento, fazer dos portugueses um povo orgulhoso.


SÓNIA LOURO

Nasceu em 1976 em França. Desde cedo apaixonada pelas Ciências e pela Literatura, acabou por optar academicamente pela primeira, mas nunca abandonou a sua outra paixão. 

Licenciou-se em Biologia Marinha, mas não perdeu de vista a Literatura, à qual veio depois aliar um outro interesse: a História. Fruto desse casamento, já publicou entre nós A Vida Secreta de Dom Sebastião, O Cônsul Desobediente, A Verdadeira Peregrinação, Amália – O Romance da Sua Vida, Fernando Pessoa – O Romance.

Sofisticada e minuciosa, além de apaixonada pelas obras que escreve, Sónia Louro traz-nos agora Eusébio, uma obra que fazia falta no panorama literário português.


Margarida Damião
Dir. de Comunicação
margarida@ed.saidadeemergencia.com
tel. 96 344 19 79


Rua Adelino Mendes, 152, 
Quinta do Choupal, 2765-082 S. Pedro do Estoril, Portugal
Tel: +351 214 583 770 / www.sde.pt


2. Comentário do editor:

Não sei qual o mérito do livro. Não  o li. Mas é um livro sobre o "nosso Eusébio", o Eusébio que é (ou foi)  um dos "mitos" da nossa geração de combatentes da guerra colonial,

Não falamos de futebol, política e religião no nosso blogue. Ou não devemos falar, de acordo com o nosso "livro de estilo". Mas o  Eusébio está hoje acima do futebol e sobretudo  acima das "paixões" clubísticas. Daí a razão de ser deste poste que é mais promocional do que de "nota de leitura" ou de "recensão bibliográfica". (Essa fica para quem a quiser fazer, depois de compar e ler o livro). (*)

Como escrevemos na altura da sua morte, o Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014)  é um ídolo da nossa geração, e  uma imagem de marca de Portugal. Ainda o é, infelizmente não temos muitas "marcas" ou "ícones" como o Eusébio...  Daí a singela  homenagem, que foi feita  entrão,  no blogue da Tabanca Grande  (**),  a um  dos grandes desportistas de todos os tempos, o primeiro futebolista português e africano, por exemplo,  a ganhar a Bola de Ouro (1965), prestigiado galardão criada pelo jornal desportivo France Football.  

Alguém lhe chamou o primeiro herói negro português... Filho de pai branco, angolano, e de mãe, negra, moçambicana, Eusébio entrou no Olimpo, espaço etéreo, mitológico, só reservado aos deuses e aos heróis. Em termos simbólicos e físicos, pelo menos quisemos pô-lo no nosso Panteão Nacional, logo um ano depois da sua morte.

Embora eu não seja muito dado às emoções futebolísticas, muito menos clubísticas, e  tenha sempre alguma relutância em alinhar no fácil (e muitas vezes hipócrita) unanimismo que a morte das figuras públicas desencadeia em Portugal, com os meios de comunicação social (e em particular a TV) a explorar, sem pudor e até à exaustão, as emoções dos vivos, achei que foi justa a homenagem que os portugueses fizeram ao "pantera negra" na altura da sua despedida da "terra da alegria"...

Sim,  foi bonita a homenagem de despedida que os portugueses lhe fizeram... Independentemente da origem, da cor da pele, da geração, do clube, do credo religioso, da opção político-ideológica, dos ódios de estimação, dos preconceitos de cada um. 

Também achei, na altura, que estávamos a fazer, de algum modo, a catarse de muitas das nossas perdas, nestes últimos anos ou até décadas, a começar pela perda de entes queridos, de amigos, de valores, de memórias, de líderes, de figuras de referência, e até de lugares do mundo que os portugueses ajudaram a pôr no mapa, desde Quinhentos...(Num desses lugares, Moçambique, nascera Eusébio).

No mínimo, espero que o livro da Sónia Louro nos ajude a perceber melhor o homem, o jogador de futebol, o português e o moçambicano que foi o nosso Eusénio. LG

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 8 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P15951: Notas de leitura (826): “A Guerra na Picada, Moçambique 1970”, por Rodrigues Soares, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. postes de:

5 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12547: (In)citações (59): Homenagem a Eusébio da Silva Ferreira, o "pantera negra" (Lourenço Marques, 1942 - Lisboa, 2014)



19 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.

sábado, 9 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15954: Inquérito 'on line' (53): XI Encontro Nacional da Tabanca Grande: num total de 63 respondentes, 31 (49 %) já se increveram, 23 (36,5%) dizem que infelizmente não podem ir por razões de saúde, monetárias ou outras... E o prazo de inscrição termina domingo, 10, às 12h


Poilão de Maqué. 2006. Foto de Paulo Salgado
INQUÉRITO: XI ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE, 16/4/2016: EU VOU...


1. Eu vou e já me inscrevi  > 31 (49,2%)


2. Eu vou mas ainda não me inscrevi  > 2 (3,2%)


3. Ainda não sei se posso ir  > 3 (4,8%)


4. Infelizmente não posso ir por razões de saúde  > 6 (9,5%)


5. Infelizmente não posso ir por razões monetárias  > 1 (1,6%)


6. Infelizmente não posso ir por outras razões >16 (25,4%)

7. Não estou interessado em ir  > 4 (6,3%)

Total= 63 (100,0%)

Votos apurados: 63

Sondagem fechada, 4ª feira, dia 6, às 7h07

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15953: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - VIII Parte: VI - Por Terras de Portugal: (ii) Elvas...

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por  Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.


Continuação da publicação do cap. VI - Por Terras de  Portugal. Depois de Tavira (CISMI), o Vagabundo é colocado em Elvas (BC 8), antes de passar por Oeiras e partir para o TO da Guiné.

Texto e foto: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.

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Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > VI - Por Terras de Portugal: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras...
> Elvas (pp. 29-30)

por Mário Vicente [, foto  à esquerda, março de 2016, Oitavos, Guincho, Cascais]

Oh Elvas! Oh Elvas! Badajoz à vista!.

Velha praça cer­cada de belas e antiquíssimas muralhas, sua segunda terra,  aqui veio parar (recordar Vagabundo. Voltou a casa de seus tios, voltou a casa de seus segundos pais,
vivendo)

Torna a subir ao fortim da Srª. da Conceição. Entra na capela e contemplativo, olha para a imagem da Santa e vê quão diferente se tornou, desde os tempos de estudante quando por ali passava. É gratificante por vezes ficarmos assim sós e repensar tudo o que se passou regredindo, ou sonhando tentando na futurologia adivinhar o amanhã.

Como antigamente, sobe às ameias, por sobre as muralhas da Cisterna e do Jardim das Laranjeiras, revê as eiras onde tantas vezes jogou futebol. Espraiando a vista pela cidade, fica tempos deliciando-se com os píncaros das igrejas e as pontas do forte de Santa Luzia em cujas grutas com Picolo, Orelhas de Camurça e outros, caçavam morcegos.

Alongando mais a vista pela planí­cie, extasiava-se vislumbrando lá longe o fio de prata do Guadiana. Desce pela muralha, pára na velha Cisterna que resistente, continua a dar de beber à cidade. Revê a fonte ao fundo da rua dos Cavaleiros e o recanto onde tantas vezes jogou ao berlinde com Picolo. Vê a porta velha e os degraus da casa do Tio Pinga, e tem saudades dos seus tremoços. Enquanto desce até ao jardim das Laranjeiras, vai recordando os pregões típicos:
–  "Queijo assente Requeijão! Oh queijo assente", "Água da Plata, água fresquinha", "Quem qué boiinhas, há bolo fesquinho", "Caramelo americano!... arvelhana torradinha… chora minino chora qui o Rodas si vai embora".

Relembra outros tempos de infância, e tantas figuras típicas desta sua segunda terra. Zé da Lorca, o Tio Pinga, Isidro, Alcides e a sua galinha debaixo do braço, o Ica do Monte, o tio Rodas, o Matias à frente da Banda 14 de Janeiro, lançando fo­guetes em tardes de Pendões, a Sali Pompa na garagem do Painho, levantando as saias para a estudantada dar um tostão, e outros tantos mais, pessoas simples, desta maravilhosa cidade.

Que saudades!... Pontapeando as pedrinhas que encontrava, dava a volta até entrar novamente lá em cima nas Portas da Esquina e aí, então, admirava a magnificência do Aqueduto da Amoreira feito a custas do povo, pagando o selo real de imposto durante três gerações.

Demoradamente olhava!... por detrás do horizonte, sentia a sua terra e as terras do lado do norte. Endurecido resis­tia, mas no coração tinha um "bypass" não na veia mas de gra­vação: Tânia.


Elvas > Março de 2014 >  Antiga Sé Catedral
 e praça da República. Foto de LG.
No fosso das velhas muralhas, tendo como fundo o belo Forte da Graça, os recrutas são ensinados, de uma forma humana e preparados para a guerra. Não é necessário tratá-los como animais. Há sã convivência e respeito mútuo. O pelotão tem como instrutores João Bar, Vagabundo e João Uva, que formam o trio "Locos". O pessoal pode rir quando a "égua" Luz aparece na muralha e João Bar alerta o cabo Monforte. Este raspa as botas da tropa na terra transformando-as em cascos e relincha como um garanhão com cio, enquanto a "égua" Luz se desmancha toda e bamboleia o traseiro.

O Tlinta e Tlês é aplaudido, quando se baba todo como um chibo, ao perder a virgindade com vinte anos. O trio paga todas as despesas da festa, e o Tlinta e Tlês quer mais! Faça-se a sua vontade, e a malta bate palmas e dá vivas ao herói nas casas próximo do Castelo.
– Nandinha! Sempre atenciosa e fogosa, foram tão simpáticas as noites e os momentos na tua casa. Nunca pensei que o João Uva ganhasse a aposta.

O trio não pára, de mota ou carro. Nos arredores da própria cidade, não há poiso certo. Os três são adorados pelos soldados básicos, na maioria do Baixo Alentejo. Não conseguem dar resposta aos convites para festins e patuscadas. Derivado dos transportes e ligações para as suas terras, toda a gente vai de fim-de-semana, com ou sem dispensa assinada, não interessa pois o código de honra é que manda. Segunda-Feira de manhã todos têm de estar presentes na chamada do pequeno-almoço. Não houve uma única falta em dezenas de homens! Felizes ficavam João Bar, Uva e Vagabundo.

Retorna a terras do norte mas clandestinamente. Fala sobre Tânia, mas mantêm-se firme. Os "Locos" mantêm-se unidos e convivem com as professoras de terras do Norte. Voltam os convívios com as miúdas da sua EICE - Escola Industrial e Comercial de Elvas. Os três entram nas brincadeiras. Há uma professora que se vê atrapalhada com as armadilhas, mas tudo na sã convivência. A professora cai no ardil montado pelo trio. As bonecas para a Mariazinha, pederasta, soldado lerdo das ideias e com a mania que era mulher, eram executadas na pró­pria aula da Formação Feminina com conhecimento da professora.

No Luso colégio das freiras, Vagabundo arranja uma "girl friend".
– Fomos loucos,  não fomos, Tuxa? Mas com a ajuda da Gény foram tempos agradáveis!

Tinha de resistir aos ventos que sopravam dos lados do Norte, que tomavam o coração tão fraco, tão fraco, que a luz da candeia de ténue chama de resistência, várias vezes tremeu e o enfarte do miocárdio esteve eminente.
– Atenção cabo miliciano Vagabundo, tem uma chamada telefónica!
– Atenção cabo miliciano João Uva, tem uma chamada telefónica!
– Atenção alferes miliciano João Bar, tem uma chamada telefónica!

Os microfones do BC 8 ecoavam pelo quartel. Os sargentos Correeiro e Serralheiro, nas suas oficinas comentavam:
– Lá estão eles outra vez! Passam mais tempo ao telefone do que a dar instrução. Juntou-se ali uma trempe e peras! Não param na “canastra”. E depois o capitão ainda lhes dá apoio!... Deram volta aos soldados, mas pelo menos aqui anda tudo cer­tinho. Vá lá a gente entender estas coisas?!...

Loucuras de Vagabundo, sã amizade:
– Cély, foste simplesmente impecável, obrigado pela canção com o nome de Vagabundo. Foste recordada nos dias tristes de solidão e guerra.
– Teresinha da Praia, porquê?! Deliciosos tempos de gandulo, maravilhosos já de Vagabundo, fiquei em dívida para contigo por aquele lenço perdido no Circo.
– Tuxa! criança das loucuras! As contas dos bilhetes do cinema ficaram certas? Perdi-te a pista nas areias da Costa da Caparica. Fizeste bem em teres efectuado a substituição logo a seguir. A vida de Vagabundo também não valia muito.

Bons momentos, mas que iam cavando mais fundo a fossa em que o militar se afundava. A vida não pára e mais uma instrução básica, agora com o con­terrâneo e amigo Zé Luís, do Rossio de Cima como aspirante miliciano a comandar o pelotão. Belos tempos!...

Este cabo miliciano tem boa pele para se lhe tirar, por­tanto o melhor é mandá-lo para Lamego para as Operações Especiais. Vai dar um bom Ranger. Segue as pegadas de João Uva que já tinha partido.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15950: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - VII Parte: VI - Por Terras de Portugal: (i) Tavira...

Guiné 63/74 - P15952: Parabéns a você (1062): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Guiné, 1967/68) e Miguel Pessoa, Coronel PilAv Ref, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Guiné, 1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P15949: Parabéns a você (1060): José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil Art da CART 566 (Guiné, 1963/65)

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15951: Notas de leitura (826): “A Guerra na Picada, Moçambique 1970”, por Rodrigues Soares, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Este livro de um furriel sapador a viver em Nangololo, no Planalto dos Macondes tem várias surpresas: gera uma atmosfera asfixiante com o relato destes picadores que "pescam" minas anticarro e minas antipessoais em quantidades astronómicas, não sei se houve outro teatro de operações com tanta mina semeada; ele irá passar férias com a família, a viver não muito longe de Quelimane, e apercebeu-se que aquela guerra do Cabo Delgado chegava completamente filtrada, indolor, às populações civis; e quando regressa de férias vai substituir um colega morto, e finda a história, ficamos de boca aberta sem perceber o que aconteceu para o autor se ter desenvencilhado de que o lia tão atentamente.
São mesmo coisas desta literatura memorial, o autor cansa-se e manda-nos às malvas...
Adeus, até ao meu regresso!

Um abraço do
Mário


Parece que todas as minas do mundo se juntaram no Cabo Delgado (2)

Beja Santos

Não escondo que entrei um pouco contrafeito nesta leitura, tem um arranque muito parecido a tantíssimo outros livros de guerra: os preparativos, a família, o namoro e os amigos, as andanças pelos quartéis até partir para África. Mas quando o Furriel Sapador Rodrigues Soares, do BART 2901, chega a Mocímboa, o relato ganha vibração, as minas tomam conta do autor e do leitor. Daqui até ao reencontro da família, em Moçambique, as minas preponderam no altar da guerra. Os picadores têm medo, chegam a chorar, o exército não preparara profissionais para andar na picada. E picar até à exaustão também requer um espírito de equipa e uma certa forma de destreza, como o autor testemunha:
“Logo que comecei a manobrar o ancinho, percebi que aquele manejo precisava de força física e eu não a tinha de sobra: mal bastava para me aguentar a mim e à espingarda que transportava comigo. Para além disso não conseguia manter-me vigilante ao rodar da picada e esquecer o que acontecia à minha volta. O facto de ter que avançar com atenção ao chão que penteava, bulia comigo. Temia, a qualquer momento, que caíssemos numa emboscada e eu com a arma às costas”. E lá vão naquele para arranca desgastante com os homens do ancinho a esforçarem-se. Os reabastecimentos decorrem nesta atmosfera infernal. E há as capinagens, o trabalho nunca falta.

Temos aqui um relato de um furriel sapador do Planalto dos Macondes. A vida no aquartelamento de Nangololo espelha a vida que qualquer quartel, as tensões da espera, os ruídos medonhos que emergem da mata, os trovões que parecem saídas de morteiro ou de obus, a vida dentro dos abrigos. É na picada que o autor modela com maior perícia as descrições enervantes que cabem no melhor thriller, mesmo quando se socorre de uma prosa acalmada:
“Uma coluna saída de Mueda para reabastecer o batalhão. O pelotão que partiu de Miteda para a ir buscar ao posto 14, a meio caminho entre Mueda e Miteda, sofreu uma emboscada e neutralizou um fornilho onde descobriu uma bomba de avião lançada pela Força Aérea. No que dizia respeito à plantação de minas, aquela pecada disputava a supremacia com a zona do Chindorilho, no percurso que ligava Mueda a Sagal.
No dia seguinte, o pelotão de sapadores foi incumbido de ir buscar o grupo a meio caminho entre Nangololo e Miteda.
Seriam seis horas da manhã quando abandonámos o aquartelamento e entrámos na picada formando duas filas indianas. Os ancinhos e as picas marcavam a passada, pareciam estandartes. Na cauda do grupo, preocupava-me o que se passava na frente do pelotão: era importante que tudo corresse bem.
De vez em quando lançávamos uma granada de morteiro na esperança de obter resposta do grupo proveniente de Miteda. Mas não havia sinal de vida. Ao final da manhã chegaram-nos ecos do ribombar de rebentamentos, sinal que o grupo de Miteda estaria ainda distante de nós”.

Foi logo à espera, regressaram extenuados e desiludidos, tanto esforço para nada. De manhã regressaram, caía uma chuva diluviana. E surgiram as minas, depois da descida de um morro:
“Manhosamente colocada na berma do charco, a mina parecia esperar a sua presa, uns metros à nossa frente. Aquela era mesmo uma mina, uma PMD 6 com duzentos gramas de explosivo dentro de uma caixa de madeira. Estávamos perto do local onde sofrêramos as primeiras baixas. Dei uns passos em frente e mirei atentamente a berma do charco. Temi a aproximação: aquela mina podia estar rodeada da sua corte”. Com prudência, irá fazê-la explodir. São as minas, a tensão permanente na picada, que captam o leitor. As minas são o avassalador sinal da morte nestas colunas de reabastecimento. E as descrições a certa altura tornam o macabro plausível: “Até ao posto 14, os homens detetaram e neutralizaram duas minas anticarro e quatro antipessoais, reforçadas. Entre os postos 14 e 15, foram desativadas dez minas anticarro e duas antipessoais”.
O planalto parecia uma sementeira de morte, ouvem-se os gritos dos sinistrados, barafusta-se com o rádio que não trabalha e a demora nas evacuações pode significar a morte do ferido.

Os meses vão passando até que um dia o nosso autor vai de férias, vai se encontrar com a sua família em Moçambique, vai de Nangololo até Porto Amélia, depois Nampula, escalando Nacala, parece uma viagem interminável, e chega a Mutuali, tem os pais e o irmão Manuel à espera. É um reencontro muito difícil, terá acarretado desilusões. O furriel sapador vai-se apercebendo que os civis se esquivam a falar da guerra: “Mal informados, liam e ouviam dizer que o inimigo se resumia a um bando de bandoleiros, coisa pouca, apesar da guerra todos os dias produzir as suas vítimas, durar há seis anos, movimentar milhares e milhares de homens". Em Moçambique, os brancos apresentavam em relação ao negro uma postura de superioridade. Percebia-se isso, embora os colonos portugueses fossem tolerantes e demonstrassem uma maneira singular de cativar os nativos, coisas com que os seus vizinhos da África do Sul não se preocupavam. Um sábado, depois de jantar, o pai fez questão de o levar a arejar as ideias, terá considerado que ele necessitava de mulher, o que irá acontecer. Recebe uma carta de Nangololo dando-lhe tristes notícias. E regressa via Nampula. Estivera ausente 48 dias, vai encontrar Nangololo em estado febril, com bulldozers a movimentarem-se desventrando a mata, aumentando o comprimento da pista, chegaram mais peças de artilharia. Confirmam-lhe a morte de um querido amigo, o Coutinho, ia numa Panhard, acionou uma mina anticarro, morreu assado entre a picada Miteda-Nangololo. E é no quartel que lhe comunicam que iria substituir o falecido Coutinho até chegar um substituto.

E abruptamente, este relato que se encaminha para as 500 páginas suspende-se, o leitor não compreende o que se passou, porque se põe termo a esta guerra na picada, mesmo que o autor diga na nota final que optara por relatar os acontecimentos tal qual decorreram. É coisa intrigante mas não é incomum, não são poucos os livros de memórias que se suspendem quando é suposto haver muito mais para dizer. Há mesmo autores que escrevem um livro sobre um ano da comissão e anos depois surge outro livro respeitante ao segundo ano da comissão, sem se dar uma explicação ao leitor. Enfim, ínvios são os caminhos da literatura de guerra…
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Nota do editor

Poste anterior de 7 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15948: Notas de leitura (825): "A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães", de Jorge Sales Golias (a lançar na 5ª feira, dia 14, em Lisboa): pré-publicação de um excerto por cortesia do autor: A perda da supremacia aérea – Março de 1973

Guiné 63/74 - P15950: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - VII Parte: VI - Por Terras de Portugal: (i) Tavira...

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascais, 2000). E tem prefácio do nosso camarada António Graça de Abreu:

(...) "No seu livro Pami na Dondo (2005) a partir de uma história verídica Mário
Vicente ficciona as agruras, desventuras e algumas alegrias de uma jovem guerrilheira do PAIGC, capturada pelas tropas portuguesas em meados das décadas de sessenta. Pami na Dondo, o nome da guerrilheira, acabaria por gradualmente se inserir no seio da população africana na aldeia controlada pelos portugueses e por ter um relacionamento singular e extremado com alguns militares estacionados no pequeno mas importante aquartelamento de Cufar.

"O outro título saído da inteligência e da pena de Mário Vicente é Putos, Gandulos e Guerra (2000). Reformulou, aumentou e melhorou esse texto e publica-o agora como Do Alentejo à Guiné, Putos, Gandulos e Guerra.

"Com laivos e tintas biográficas, este livro fala-nos de um menino nado e criado na aldeia de Vila Fernando, no Alentejo profundo, Calças de Palanco – este o original nome do puto – que será o gandulo e o homem na esteira e por dentro da guerra na Guiné. Eram as malhas que o então estertor do Império entretecia. Na preparação como militar, o rapaz faz o curso de sargentos milicianos em Tavira e depois conclui a especialidade de Ranger em Lamego. A aprendizagem para a guerra é impiedosa e dura. Mas necessária, em África o conflito agudiza-se." (...)

A pré-publicação desta versão, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.  Neste cap VI,  ele, o Vagabundo, revisita as terras de Portugal por onde passou, na tropa, antes de ser mobilizado para o TO da Guiné: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras... Recorde-se,  por outro lado, que o nosso Vagabundo é natural de Vila Fernando, Elvas. A Colónia a que ele se refere no texto a Colónia Correcional de Vila Fernando (instituição de internamento de jovens delinquentes que ali funcionou entre 1895 e 20079. Era também uma herdade agrícola com mais de mil hectares de suiperfície (em 1967). No período de 1955 a 1976 foi seu diretor o engº Manuel Joaquim da Silva Rente.


Texto e foto: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados



Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra

VI - Por Terras de Portugal: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras... 

Tavira (pp. 27-28)

por Mário Vicente [, foto atual à direita]

Tavira!... Oh!... doce Tavira! Terra linda!... Montes cobertos de amendoeiras, de figueiras e alfarrobeiras, com os teus belos vales enfeitados de laranjais, és mesmo um encanto!... Apenas um senão te rouba a encantadora beleza, terra de lindas capelas e igrejas: o nauseabundo cheiro expelido pelos esgotos do teu belo e sinuoso rio Gilão, quando a maré vazante os deixa a descoberto.

A tua bela ilha de fina areia branca, afagada por salgadas ondas transparentes, onde nas dunas se espreguiçam lindas mulheres de tez escura, sangue mourisco e olhos amendoados, como moiras encantadas que de quando em vez se transformam em sedutoras sereias, deixando presos incautos marinheiros, melhor dizendo militares, atirados para a escola do CISMI, onde se perde a vergo­nha e se aprende a vivência no "Canil da Vida". Terra de loucuras e de prazer.

Chegou aqui criança, menino de coro virgem para a safadice! Daqui saiu sem vergonha e malandro, perfeitamente enquadrado com a vida militar, como Vagabundo. Confirmando, em pouco tempo, aquilo que o professor da Colónia lhe tinha aconselhado:
– Rapaz,  olha e tem calma! Nem bom cavalo, nem bom soldado!... Se és bom cavalo, todos te querem montar. Se és bom soldado, todos te querem mandar.

Verdade matematicamente confirmada: dois mais dois, igual a quatro. A arte de como aprender a roubar foi facílima! Primeira revista à companhia de instrução. O protector de boca, da Mauser, tinha-se misteriosamente evaporado: foi ao ar. Para além de o pagar e comprar outro na Feira da Ladra, levou um corte de fim-de-semana. Nunca mais voltou a acontecer. Como os gatos, um olho aberto outro fechado o militar aprendeu a caçar. Protector de boca sempre no bolso, só na hora da revista apare­cia na espingarda. Mas, mesmo assim numa ida aos balneários quase em cima da revista, ficou pela segunda vez sem o famige­rado protector. Meus amigos, paciência, outro terá de arder!... Vagabundo roubou o que mais a jeito estava e na revista, a sua arma estava completa. Resultado: tudo mais fácil, limpo, sem grande trabalho e nada dispendioso!...

Aprendeu nas salinas a mergulhar na lama! Desgraçados do cabo Baidalo, do Churro, e outros, já homens de certa idade, cabos aprovados que para singrarem na Guarda [Nacional] Republicana ou no Exército tinham de tirar a especiali­dade, assim eram integrados no Curso, juntos àquela malandragem toda. Coitados, já não tinham idade para entrar naquilo!
– O quê?
– Os gajos não querem? Malta a eles!

Incitava o Suiças, acabadinho de sair do tirocínio em Mafra. A malta lançava-se sobre os desgraçados como alcateia de lobos sobre a presa, e eram obrigados pela matula a chafurdarem tam­bém na lama das salinas.

Na Atalaia muitas coisas aprendeu para além da ordem unida e armamento. Aprendeu vendo! Como se destrói um ho­mem,  despersonalizando-o e  transformando-o em farrapo. O tripeiro Pintainho com fobia das alturas, ser obrigado a subir ao muro alto, mão direita erguendo os restos de velha vassoura transformada em facho, lágrimas de raiva contida rolando pela face ser obrigado a gritar:
– Eu sou o Maior, eu sou o Melhor!

Degradante!... Vergonhoso, não só por ver um miúdo homem bom, sincero e honesto ser obrigado a descer tão fundo, anulação completa da sensibilidade humana!
– Não!

Com o ex-seminarista Clemente, frequentou nos primeiros tempos as belas igrejas de Tavira aos domingos. Entretanto, viu o Doutor,  vindo do Instituto de Reeducação (onde esteve internado) metido nisto, fazendo leituras na missa misturado com a alta sociedade da terra. Achou demais para tal figurão e infelizmente acertou. Pouco tempo depois falou com o Doutor  pelas grades da prisão e verificou que estaria com graves problemas. Só que ali já não seria a transferência para Leiria, mas sim o Forte da Graça em Elvas, ou outro presídio militar, o que seria bem mais complica­do. Vagabundo teve pena do Doutor.

Na sua metamorfose constante, Vagabundo transforma-se em abutre. Monte Gordo! Marie Luise! Filha de mãe france­sa e de pai emigrante português. Treinou um pouco o francês e não só. Momentos de loucura! A menina de Lyon, em férias e o militar Vagabundo, rolaram nas areias finas da praia e mergulharam nas quentes águas do Atlântico,  influenciadas pelo Mediterrâneo. A sensibilidade de Marie Luise transformou Vagabundo,  aprendeu comme il faut doucement. L´étalon! Pourquoi être mâle latin!? [, O garanhão ! Porquê ser macho latino ?!].

Em pouco tempo as reservas que tinha levado, evapora­ram-se. Houve que mandar um SOS para os velhotes, solicitando papel. Neste espaço de pede e recebe, é apanhado por um fim-de-semana, completamente limpo. Com Abledu, saiu dando umas voltinhas pelos cafés junto ao jardim e um saltinho ao outro lado do Gilão, para visitar uns familiares do camarada e amigo elvense. Sábado à noite regressa sem dispensa de fim de semana e de recolher à sua caserna.

Conversa com Clemente, vai aos balneários e vê uma banca de batota montada. Lá estavam os amigos madeirenses doidos pelo jogo. Completamente limpo, volta para o beliche, e tenta cravar o ex-seminarista. Este adivinha do que se trata. Nega e dá-lhe um sermão. Insiste! Bondoso, Clemente acede e passa-lhe cinco “croas”. Vai direito aos balneários e troca a massa para durar mais tempo. Atira cinquenta centavos para um montinho. O banqueiro vira as cartas, debaixo dos cinquenta centavos estava um rei. Negoceia a banca por vinte paus. Já dá para fazer umas jogadas e passar o tempo. Agora arrisca cinco coroas e perde três vezes seguidas, mais cinco coroas e novo rei. Aqui faz bluff, cem paus pela banca ou fica banqueiro. Jogo de alto risco. Ele sabe que não tem dinheiro no bolso para suportar a banca. Arrisca mas pode dar bronca e pancadaria. Fica banqueiro e as coisas começam a correr bem. Vai ganhando e perdendo a banca. Meia noite, já à luz da vela, levanta-se e diz que para ele termina. Conta o dinheiro. Tem no bolso mil quatrocentos e cinquenta escudos, mais uns trocados. Vai-se deitar. Acorda Clemente e dá-lhe um rolo de cinco notas de vinte.
– Toma lá as cinco “croas”. Amanhã vamos almoçar a Vila Real, O.K.?

Tavira, o antigo CISMI. Fevereiro de 2014. Foto de LG
Universidade Aberta, vai aprendendo a sobreviver, no mundo cão. Razão tinha Niotetos (in "Pássaro fora da Gaiola"):
– Eu não devo nada ao cabrão do meu pai! Se sou o que sou, foi porque estudei. O gajo limitou-se a fazer-me numa noite de gozo.

Aula de táctica, mesmo com o estômago vazio, Vagabundo sentiu vómitos e uma forte dor no estômago. As entranhas embrulharam-se-lhe todas. Nunca tinha ouvido tal. Seria possível um indivíduo falar assim do próprio pai? Mais!... passeando com a mulher pela rua, virava-se para trás e, directamente para a malta, dizia:
– É boa, não é!? Mas é minha!

Assim, com estes professores, ia sendo formado um futuro furriel miliciano do Exército Português, em África. Quando em Dezembro de 1963 o já cabo miliciano Va­gabundo recebeu a guia de marcha para se apresentar no Bata­lhão de Caçadores n.º 8 em Elvas, onde tinha sido colocado, não ficava com muitas saudades do CISMI, antes pelo contrário criou uma certa alergia ao próprio Algarve.

 (Continua)
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