segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17839: O poemário de Mário Vitorino Gaspar: Ler poesia faz bem ao cérebro e a minha proposta de leitura para hoje é... (1): Filomena Mealha, nossa amiga e grã-tabanqueira Felismina Costa (Parte I)


Lourinhã >  9 de outubro de 2017 > 8h40 > O nascer do sol, visto da minha janela com a torre sineira da igreja matriz do séc. XVI; pelo meio...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Felismina Maria Costa Mealha,  nascida na freguesia de Santa Luzia, concelho de Ourique, Baixo Alentejo,  a 23 de dezembro de 1948...

A Felimina Costa tem cerca de 70 referências no nosso blogue e honra.nos, com a sua presença sob o poilão da Tabanca Grande, desde 16/7/2010... Além de poeta ou poetisa, é uma das raras madrinhas de guerra que contamos nesta já vasta comunidade virtual de amigos/as e camaradas da Guiné (*).


1. O nosso amigo e camarada Mário Gaspar (, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), laminador de diamantes reformado, cofundador e antigo dirigente da Associação APOIAR, mandou-nos a seguinte mensagem em 6 de setembro último:

Caras Amigas e Caros Amigos

Cada dia acrescentamos um pouco de conhecimento. Temos que admitir que somos meros aprendizes da vida. Há que guardar espaço para armazenar no cérebro o que iremos aprender, no dia seguinte. Os cérebros das pessoas mais velhas, são lentos só porque elas sabem muito.

Não esqueçam, leiam Poesia.


O Mário Gaspar mandou-nos também excertos da imprensa em que se refere os resultados de um novo estudo da Alemanha, comparando as habilidades de memória de pessoas mais velhas com "discos rígidos completos: eles não perdem o poder cognitivo ao longo do tempo", simplemente "eles funcionam mais devagar por causa de uma quantidade crescente de informações."

"O cérebro humano trabalha mais devagar na velhice, mas apenas porque nós armazenamos mais informações ao longo do tempo", disse o investigador principal, Dr. Michael Ramscar.

A equipe de pesquisadores da Universidade de Tübingen, na Alemanha, usou computadores para replicar diferentes estágios do recall de memória de um adulto. Os modelos de computador foram alimentados com pequenas quantidades de informações por dia (bem como jovens adultos), mas à medida que os dispositivos reuniam mais informações, suas performances refletiam as pessoas mais velhas, de acordo com o estudo, publicado na revista "Topics in Cognitive Ciência.

"Esqueça de esquecer", disse o investigador Peter Hendrix ao The Independent. "Se quisesse que o computador se pareça com um adulto mais velho, tive que manter todas as palavras aprendidas na memória e deixá-las competir pela atenção". (...)

Noutro recorte de imprensa que o Mário Gaspar nos mandou, lê-se: "Ler Poesia é mais Útil para o Cérebro Que Livros de Autoajuda, Dizem Cientistas"

Resumo:  ler poesia pode ser mais eficaz em tratamentos psicológicos do que livros de autoajuda, segundo um estudo da Universidade de Liverpool. Ler autores clássicos, como Shakespeare, Camões, Fernando Pessoa ou T.S. Eliot, estimula a mente.

Os resultados da pesquisa, antecipados pelo jornal britânico “Daily Telegraph”, mostram que a atividade do cérebro “dispara” quando o leitor encontra palavras incomuns ou frases com uma estrutura semântica complexa, mas não reage quando esse mesmo conteúdo se expressa com fórmulas de uso cotidiano.

 Os especialistas descobriram que a poesia “é mais útil que os livros de autoajuda”, já que afecta o lado direito do cérebro, onde são armazenadas as lembranças autobiográficas, e ajuda a refletir sobre eles e entendê-los desde outra perspectiva. “A poesia não é só uma questão de estilo. A descrição profunda de experiências acrescenta elementos emocionais e biográficos ao conhecimento cognitivo que já possuímos de nossas lembranças”....

(O Mário Gaspar não cita as fontes...)


2. Então vamos ao poeta cuja leitura o Mário Gaspar nos propõe, em mensagem de 5 do corrente,  e que vai começar a alimentar esta nova série....  

Trata-se de uma mulher, Felismina Maria Costa Mealha,  nascida na freguesia de Santa Luzia, concelho de Ourique, Baixo Alentejo,  a 23 de dezembro de 1948. (Vd. foto acima).

Filha e neta de pequenos agricultores, o Alentejo está-lhe na alma. Escreveu na “XIX Antologia de Poesia da Associação Portuguesa de Poetas, 2015":

“E lembro as Primaveras encantadas, que desenhavam os meus livros de poemas, com cores das flores das macieiras, que em tons de branco e rosa me cercavam, e cantavam canções à minha beira”.

Conheço esta Portuguesa que é Poeta, diz o Mário Vitorino Gaspar [, responsável pela seleção de poemas da Felismina Mealha]... E nós também!...

Nota do editor - Felimina Costa tem cerca de 70 referências no nosso blogue e honra.nos, com a sua presença sob o poilão da Tabanca Grande, desde 16/7/2010... Além de poeta, é uma das raras madrinhas de guerra que contamos nesta já vasta comunidade virtual de amigos/as e camaradas da Guiné (*)... Vive na Grande Lisboa desde 1970.

No sítio "Confrades da Poesia", pode ainda ler-se a respeito de Felismina Mealha:

(...) "O gosto pela poesia vem-lhe desde o berço e foi a sua maior herança! Deu-lha a mãe, que a embalou com palavras de infinita ternura, que semeou em terra fértil.

Uma pedra, uma cor, uma flor, um fruto, uma semente germinando, uma ave, o sol escaldante da planície alentejana, as noites magníficas de verão, o cantar dos grilos e das cigarras… a paz do seu chão, transportam-na à dimensão, sem dimensão, que faz com que as palavras se transformem e tomem a forma do que a inspira." (...)

Fica aqui também o desafio ao Mário Gaspar para ir alimentando esta sua nova série... Confesso que não combinei nada com ele, nem ele comigo,  mas ele tem-nos mandado mais poemas, de outros poetas, que eu vou selecionar e publicar (acauteladas as questões de direitos de autor...). O Mário não é poeta mas gosta de ler (e de dar a ler) poesia. Obrigado a ambos, à poetisa e ao seu leitor e admirador. (LG)


3. Três poemas de Felismina Mealha

Quem Somos?

Somos robôs?
Não!
Somos o choro, o riso, a voz
que enche a casa, a escada, a rua,
os transportes, as fábricas,
os escritórios, os campos!

Somos a voz que crítica.
A força que edifica.
Somos o corpo curvado
sobre a pá e o arado
pedindo à terra resposta.

Somos o atento motorista.
O homem que vai ao leme.
O médico.
O malabarista.
O poeta enlouquecido.
O escritor de romances.
Alfaiates, cartomantes.
Peças soltas, indefinidas!

Somos juízes, dentistas…
Julgamos quem desconhecemos
porque assim o entendemos …

Somos tempo de chegada!
Somos tempo de partida!
Somos múltiplos personagens
num só corpo e numa só voz.

Conservamos, destruímos,
refazemos, construímos.
Somos o eu, que se identifica sob um nome,
ser andante e petulante
que nada sabe da vida!

Somos seres que se constroem
sobre manuais que herdamos
todos os dias da vida!

Somos memórias, ideias
coisas bonitas e feias…
Somos Paz e somos Guerra!
Somos a ciência viva
que procura sem descanso
a razão por que nasceu…

Que faço aqui? Digo eu!
E tu procuras a resposta
que insipidamente chega.
Que não satisfaz, não chega!

Quero mais!
Quero que tu me convenças.
Que desmistifiques minhas crenças.
Que esclareças minhas dúvidas.
Quero saber porque vim,
porque vivo e estou aqui 

À tua espera… e porquê?


R
egisto

Enfeitei com rosas multicolores
a minha velha casa!
Com rosas multicolores
de todos os jardins desta Primavera!

Pus na mesa, a toalha de linho e renda,
que acompanha digna, todas as nossas reuniões,
e sobre ela, o serviço de jantar, que a embeleza.

Nos pratos, pus o amor e a alegria,
que servi transbordantes aos meus convivas,
que me ajudaram a colher as rosas,
a pôr a toalha,
e, sobre ela, o serviço de jantar,
onde despejo sabores e cheiros
do velho clã que idolatro,
de quem herdei a capacidade de olhar as rosas,
de aspirar o perfume,
e do repartir por todos aqueles de que me rodeio!

Sei que as rosas que hoje vos ofereço,
voltarão a florir por várias gerações
com todo o seu perfume
e todas as suas cores…
E outras mesas e outras toalhas, voltarão a pôr-se…
Por mãos tão minhas, como se eu fosse,
presença ali…
Como sou hoje!...


H
ino à Terra

Ainda um dia vamos voltar para o Alentejo…
Meu Amor!
O infindável espaço da planície…espera-nos!
Vamos voltar a semear as searas.
Criar os rebanhos.
Olhar o horizonte sem muros
e plantar muitas árvores…
Que na Primavera… abrirão em flor…

Queres ir, meu amor?


Vamos voltar a amanhar as quintas,
plantar roseiras de armar,
fazer jardins junto às noras,
sentir o cheiro da terra molhada,
aspirar o cheiro das laranjeiras floridas…
Esquecer as horas!..

Queres ir, meu amor?

Vamo-nos sentar nos tanques, olhar a água,
observar as aves, escutar as fontes.
Vamos ver o sol nascer, qual bola vermelha
a elevar-se.
Vamos assistir aos ocasos do Rei
pintando o poente, sempre diferente,
em telas tão lindas
que mais belas não sei.

Queres ir, meu amor?

Vamos esperar a noite, que vem devagar,
cansada do dia, de tanto esperar…
Noites de luar, pejadas de estrelas,
brilhantes, douradas…noites de encantar!
Vamo-nos calar…
Que os grilos e as cigarras
já se ouvem cantar
e durante a noite não se vão calar.

Vem, meu amor, vamo-nos amar!
Sem que ninguém veja…

As searas crescem, na terra vicejam
e o tempo a passar
faz com que amadureçam,
e os grãos dourados
são de novo a semente para continuar…

Vem… meu amor, a terra é um hino,
que quero cantar!...


[Seleção: MG. Revisão / fixação de texto: LG]
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17838: Notas de leitura (1002): “A Última Viúva de África”, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Carlos Vale Ferraz é autor de uma das obras-primas da literatura de guerra, "Nó Cego". Ao longo dos anos tem dividido a sua atividade literária pela ficção e pela historiografia contemporânea. O seu novo romance leva-nos até às sanguinárias guerras do Congo, pós-independência, a articulação nos grupos catangueses e mercenários de muitas origens com o que se passava no Leste de Angola.

A enigmática Madame X é uma minhota que chegou ao Congo nos anos 1950 e que vai avisando Luanda e os serviços de informação portugueses do que se está a passar, Miguel Barros é o português que viverá toda a trama deste período tumultuoso e que mais tarde deixará uma gravação que funciona como o fio de Ariadne no labirinto dos acontecimentos, um desfecho espantoso de um mausoléu de Madame X num templo algures no Alto Minho - dali partiu alguém para viver os dramas do império e ali regressou como último parágrafo da descolonização.

Um belo romance, sem margem para dúvida.

Um abraço do
Mário


A Última Viúva de África, por Carlos Vale Ferraz

Beja Santos

Para além de investigador de História Contemporânea de Portugal, Carlos Vale Ferraz é nome cimeiro da literatura da guerra colonial, não se pode fazer o seu estudo sem indagar esse extraordinário romance que é "Nó Cego" (primeira edição em 1983). Tem escrito diversos romances e agora volta a averbar a guerra colonial à sua ficção. “A Última Viúva de África”, Porto Editora, 2017, tem como trama a antiga colónia belga do Congo, a guerra de Angola, Madame X, uma portuguesa oriunda do Minho que trabalhava como informadora e conhecida por Kisimbi, a “mãe” pelos mercenários que combatiam em prol da secessão do Catanga, é esse o tempo pretérito porque mais próximo temos a sugestão de um filme passado no Alto Minho em torno do mausoléu que o filho multimilenário de Madame X procura erigir junto do velho templo, mas os antagonismos a tal propósito são enormes. O fio condutor vai do presente ao passado e uma gravação vai vertebrando o historial de guerras sangrentas, crimes abomináveis, cenários de loucura em que intervêm os Flechas, os mercenários do batalhão Leopardo, alguns descendentes desses protagonistas que o romancista vai progressivamente pondo em cena.

Logo a jornalista Lívia Catarino, “uma jovem magra, com movimentos felinos. Os cabelos pelos ombros, frisados, e o rosto seco, sem qualquer pintura. O tipo de mulher suburbana que tanto pode estar encostada a uma parede, na rua, à espera de clientes, como a trepar a um monumento para tirar a fotografia ao corpo despedaçado de um bombista”. Inicia-se uma viagem até Vilar, no concelho de Vieira, é aí que se pretende construir o mausoléu, por aí se faria um filme, é o propósito do produtor de cinema Miguel Barros que confia nos talentos do realizador Herberto Popovic. Fernando Oliveira, o filho de Madame X, entra em cena, conversa com Miguel Barros, que conheceu a mãe no Congo. Os protagonistas sucedem-se: Inácia Luz, Fabiola, a filha de um nome lendário do comandante do batalhão Leopardo, Jean Scrame. É um jogo de espelhos, as imagens revertem-se, vai-se ao fundo do passado e é então que uma bobine revela o que Miguel Barros tem para contar sobre todo esse processo descolonizador que meteu chacinas, torcionários, que foi palco iluminado da Guerra Fria. Porque Miguel Barros é uma dada imagem de um português que após diferentes deceções profissionais pega numa máquina fotográfica e aterra no Congo. Chegado a Leopoldville, conhece no hotel La Regina esta Madame X enquanto se ouvem tiros por toda a cidade. “Há três meses que Alice enviava mensagens para Luanda, dirigidas ao governador-geral, ao diretor da PIDE, aos administradores dos postos do lado de lá da fronteira, a informá-los de que o caos em que o Congo mergulhara se espalharia como um enxame de abelhas sobre Angola”. O romancista torna a vida mais fácil ao leitor apresentando-nos Holden Roberto, os acontecimentos angolanos de 1961, os combates no Norte de Angola e os mercenários, os catangueses, Tshombé e o Catanga. É um romance de conflitos, pigmentado de horrores e de combates cruentos, como num filme tipo Apocalypse Now. Entre os mercenários há até um português chamado Rodrigues que muitos anos mais tarde será visto como segurança num centro comercial. Os mercenários foram muitíssimos úteis numa dada fase da guerra, incómodos quando Mobutu se tornou o senhor absoluto do Congo. Em Vila Teixeira de Sousa, Miguel Barros conversa com um inspetor da PIDE Albano Martins e apercebe-se que houvera um aproveitamento tribal para formar os Flechas. Miguel Barros presenceia todos estes incêndios, a deposição de Lumumba, a bestialidade dos Muleles que praticavam a política da terra queimada.

Há momentos aterradores, como os massacres de Stanleyville, a prosa de Carlos Vale Ferraz é primorosa, é um mundo em convulsão onde os Simbas executam, rasgam corpos a seu belo prazer. Não é esquecido Che Guevara, que por aqui andou e se amargurou, apercebendo-se que tantos os revolucionários congoleses como os angolanos não possuíam nem estratégia nem inserção nas massas populares. Toda esta confidência de Miguel Barros a Inácia Luz dá circunstância ao leitor para acompanhar do princípio ao fim o caos congolês até à chegada do despotismo de Mobutu. Assistiremos ao conflito angolano como guerra civil, à partida de Madame X, dos mercenários, dos homens da PIDE. Num novo vaivém dos jogos de espelhos vamos conhecer melhor o drama desses protagonistas e dos seus familiares, e então voltamos a um Portugal quase atual em que Fernando Oliveira conseguiu o que quis para ter um mausoléu em honra de Madame X.

É um romance muito belo, onde se mesclam fugas permanentes, dissimulações, segredos guardados até ao limite, cenários de hecatombe, mitos africanos, a amargura pelos paraísos perdidos e, subliminarmente, a queixa inerente à incompetência dos políticos que não souberam encontrar respostas para obstar todo aquele atoleiro africano que deixou feridas abertas até ao presente. E não é por acaso que a última viúva de África veio finalmente descansar num dado ponto do Minho, de onde partira, para fugir à fome, aí pelos anos 1950 do século passado.

Carlos Vale Ferraz voltou a África com uma prosa intensa que incendeia o drama congolês e o pesadelo angolano, estruturou com enorme talento uma figuração entre o passado e o presente, entre a sobrevivência no tumulto dos acontecimentos e a pesada crítica aos europeus que também falharam o encontro com a História.
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Nota do editor CV:

Último poste da série de 6 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17828: Notas de leitura (1001): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17837: Parabéns a você (1324): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 2868 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17832: Parabéns a você (1323): Luís Mourato Oliveira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

domingo, 8 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17836: Blogpoesia (532): "Oração ao mar..."; "Levitação das pedras" e "Através das frestas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Pôr-do-sol em Leça da Palmeira
Foto: Carlos Vinhal

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Oração ao mar…

À minha frente um mar imenso.
Sopram forte os ventos agrestes.
Há perigo no mar ao longe.
Se cobriu de negro o horizonte.
Ameaçando tempestade.
Foi-se embora de repente a bonança azul.
Soltam-se as amarras deste barco leve.
À deriva, ficará para sempre.
Chova abundante a clemência do céu.
Se apazigue de vez, este mar em fúria.
Volte a ser uma seara verde.
Que a emoção suave inunde o mundo exangue.
Floresça a esperança. Retorne a paz.

Ouvindo San Francisco na voz de Scott Mckenzie
Berlim, 7 de Outubro de 2017
8h18m
Jlmg

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Levitação das pedras

Se calem as armas deste mundo em chamas.
Sequem as fontes do reino do mal.
Chovam dos céus rios de paz.
... Se escancarem as janelas e portas
Aos ventos do bem.
Subam oferendas carregadas de oiro.
Sejam o tributo da vitória final.
Semeie-se abraços pelos montes e vales.
Regue-se as mesas de canadas de vinho.
Se calem os obuses e levitem as pedras.
Que este mundo perdido se volte para Deus que é o seu porto seguro…

Ouvindo o tema da “Missão”
Berlim, 7 de Outubro de 2017
18h11m
Jlmg

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Através das frestas...

Através das frestas das janelas
Chegam arrufos de sopros lindos.
Vêm envoltos numa envolta pura e reluzente,
De linho puro e de arminho.
Me inundam toda a alma.
Me regalam de lindos sonhos
E vontade de sonhar.
Aquecem todo o meu ser dum calor brando e inebriante.
Dão-me o ser e o viver.
Se entranham bem fundo e se espalham nas minhas veias,
Como onda suave dum mar sereno.
Vibram sonoras as minhas cordas,
Entoam hinos.
Me enlevam num encanto puro,
Pelo esplendor do céu, até às alturas maviosas dum mar estrelado.

Ouvindo Aranguês em instrumentos de sopro
Berlim, 3 de Outubro de 2017
8h8m
Jlmg
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Nota do editor CV:

Último poste da série de 1 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17812: Blogpoesia (531): "Primavera de letras"; "Homens amados" e "Festejar a vida...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17835: Manuscrito(s) (Luís Graça) (125): Em homenagem ao Gomes Freira de Andrade, mártir da Pátria




Ó pra cima, ó pra baixo, na colina de Santana


Em honra de Gomes Freire de Andrade
e dos demais mártires da Pátria de todos os tempos (*)




por Luís Graça


Pela colina de Santana acima,
lá vamos nós, ó malta,
atrás da banda, em bando,
sonâmbulos, funâmbulos, a quatro patas,
dando vivas à liberdade!

Sete colinas tem a cidade onde cabem todos,
ou quase todos,
os poucos, afinal, que não naufragaram
nas praias dos sete mares.

Vamos amnésicos, e já protésicos,
velhos gaiteiros, pândegos,
infantes e artilheiros,
com muito mundo e poucas vidas,
mal sabendo que, no alto da colina,
boas são as vistas das novas avenidas,
e melhores os ares.

Este país é como a lesma,
agora, ó pra cima,
é o povo, canhestro, quem mais manda,
mas se é outra a banda e novo o maestro,
a música é sempre a mesma, fandanga.

Quer mude ou não o clima, todos querem ficar por cima!
Valha-nos, ao menos, Deus
que ao rei e ao borracho vai pondo a mão por baixo.

E quem não salta, ó malta,
vai no elevador do Lavra, 
é a ralé das vilas e pátios,
a caminho das manufaturas reais,
e alguns, de baraço ao pescoço,
degredados para Angola, Timor ou Guiné.

Se fores senhor com privilégio, valido ou por valer,
ou até doutor em leis e cânones,
não tens nada que saber, segue fora dos carris,
apanha o cortejo régio, 

colina de Santana abaixo até ao Terreiro do Paço.

Bem formosas e melhor seguras
nas suas reais patas vão as açafatas 

da Rainha Catarina, que foi de Inglaterra,
senhora de etiqueta e de berço,
que sabe pôr os pontos nos ii.
No palácio da Bemposta,  meninas,
as leis podem, ser duras mas são leis,
depois do chá e do chichi, o terço
que todas vós rezareis.

Ladinas e engraçadas, essas açafatas,
à noite escapam-se, encapuçadas,
para a sétima colina.
É a movida, qual má vida ?!
Já que não temos os doces prazeres terrenos de Versalhes,
joguemos, ao menos, o jogo do gato e do rato, 
com o pescoço no fio de aço da guilhotina.

Cortesão não é criado, mas criatura,
nunca mostra má catadura,
vai respeitoso, na procissão do Senhor dos Passos,
cabisbaixo, devidamente ataviado, ordeiro,
e nunca é o primeiro a ladrar como um vulgar cãocidadão.
E muito menos dá a palavra à canalha 

que desce o Lavra, alvoraçada, 
a caminho do Rossio onde o poder pode estar por um fio.

Continuará a ir de liteira o nobre
e de chinela no pé o baixo clero,
e, aos dois enchendo a barriga, o pobre, 

o coitado, o proletário,
regista, veemente e fero, o poeta panfletário.

Com tanto palácio, convento e hospital em redor,
não sei o que nos move, senhor físico-mor
do reino de Portugal, dos Algarves
e de além-mar em África…

Não me atrevo a perguntar ao cardeal,
que é o santo inquisidor-mor,
porque aos grandes deste mundo não calam fundo
as perguntas que não têm fácil resposta.

Num país de alarves,

e de brandos costumes, dizem os estranjeiros de fora, 
não quero dizer asneira,
mas, citando o grande pregador António Vieira,
direi que, primeiro, a caridade, depois a esperança,
que é sempre a última a morrer,
e por fim a fé, ou a fezada,
que é irmã da sorte que protege os audazes.

Mas mais do que as três virtudes teologais
é a força da forca e o terror de morte
que nos fazem correr,
a todos nós, simples mortais…
E, no último minuto, a piedade
que a corda do carrasco de el-rei faz suster.

Somos um povo piedoso, meu irmão,
mas finge que olhas, discreto,
para a ostentação dos ricos,
sem a sombra do pecado da inveja dos pobres.

Em Lisboa, que tem arte barroca e forca em cada esquina,
não sigas pelo cume da airosa colina,
foge da Carlota Joaquina,
enfia-te pela viela escura, mal cheirosa e  porca
sem que ninguém te veja.

Esta é a nossa terra, Pátria amada, camarada,
diz a letra do fado do Velho do Restelo,
quem vai à guerra perde o couro e o cabelo.

E logo mais à frente a tabuleta
com a verdade que dói  

e ao mesmo tempo reconforta:
Gomes Freire, de traidor a herói,
hoje enforcado, amanhã condecorado,
que é doce e honroso morrer pela Pátria!

O rei, ou o regente, esse já ninguém o leva a sério,
não será imperador do Brasil,
acabou de perder a coroa e o império,
no casino do Estoril.
De roleta em roleta, o país vai para o maneta,
cobre-se de ervas e de silêncio de cemitério
o campo dos mártires da Pátria.


A gente aqui no bem bom do sobe e desce
e a economia que não cresce, 

ameaça o FMI no Telejornal.
Mas vamos indo, menos mal, 

vendendo aos turistas Portugal,
só não temos é tempo para nada,
e, quando o tivermos, é para morrer.

E o cruzeiro, amor, que queríamos fazer
aos fiordes da Noruega ?
Deixa lá, querido, há-de vir a retoma e o aumento da reforma,
antes de eu ficar velha, surda, muda e cega…

Pela colina de Santana abaixo
lá vamos nós, sonâmbulos, funâmbulos,
a toque de caixa, pró Aljube,

onde nos tratam da saúde…
Deixem lá, camaradas de armas, veteranos,
que daqui a cinquenta anos
já não estaremos cá,
mas haverá de novo festa na urbe,
e os cravos, as rosas e os jasmins
voltarão a florir nos jardins.

Lisboa, Festival Todos 2016,
Colina de Santana, 10/9/2016.
Versão revista hoje.

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Guiné 61/74 - P17834: Agenda cultural (590): Bicentenário da morte do general Gomes Freire de Andrade (1757-1817): eventos (António J. Pereira da Costa, cor art ref)





1. Cartaz que nos chegou por mão (neste caso, por email...) do nosso camarada António J. Pereira da Costa (*). 

Este ano comemora-se o bicentenário da morte de um grande patriota, cidadão e militar, Gomes Freira de Andrade, um dos "mártires da Pátria", nascido em Viena (27 de janeiro de 1757, e enforcado no forte de São Julião da Barra, Oeiras, em 18 de outubro de 1817. 

Além do tenente general Gomes Freire de Andrade (enforcado no forte de São Julião da Barra, contrariamente ao seu pedido para ser fuzilado), foram executados no local que é hoje o "Campo dos Mártires da Pátria, o coronel Manuel Monteiro de Carvalho, os majores José Campelo de Miranda e José da Fonseca Neves e mais oito oficiais do Exército.

Mandava então em Portugal, um inglês, William Beresford  (1768-1854), em nome do regente,  futuro rei Dom João VI, que estava no Brasil desde 1807, sendo o  Rio de Janeiro a capital do império...  Três anos depoiss da execução de Gomes Freire de Andrade e dos outros "mártires da Pátria", triunfa a revolução liberal em Portugal.


2. Património Cultural > Campo dos Mártires da Pátria, também denominado «Campo Santana», incluindo as suas vizinhanças de interesse histórico, artístico ou pitoresco

Em inícios do século XVI, o Campo Mártires da Pátria era conhecido como Campo do Curral, uma vez que era nes e espaço aberto, situado num dos pontos altos da cidade, que se efectuava o abate de gado para abastecer a cidade de Lisboa. Com a construção de uma ermida nesse planalto, a área passou a denominar-se Campo de Santana, em alusão à padroeira do pequeno templo.

Rodeado por palacetes e dominado pelo edifício da antiga Escola Médico-Cirúrgica, o campo foi sendo utilizado para diversos fins, nomeadamente a partir do início do século XIX, em que a cidade se estendia para lá da Baixa. 

Em 1831, era inaugurada no extremo do planalto uma praça de touros em madeira, demolida em 1891. Entre 1835 e 1882, o campo de Santana albergou também a Feira da Ladra da cidade, que posteriormente se instalaria no Campo de Santa Clara. 

Somente em 1880, o espaço passou a designar-se como Campo dos Mártires da Pátria, em homenagem ao General Gomes Freire de Andrade e seus companheiros, conjurados que tentaram derrubar o governo do Marechal Beresford, tendo sido enforcados neste local em 1817. 

Em 1895, quatro anos depois de ter sido demolida a praça de touros, o planalto de Santana foi transformado num jardim, que se estende num hexágono irregular, entre o Largo do Mitelo e o Torel. Num dos extremos da praça, frente à antigo Escola Médico-Cirúrgica, foi edificado em 1907 um monumento com a estátua do Dr. Sousa Martins, da autoria de Costa Mota (tio).
Catarina Oliveira

Guiné 61/74 - P17833: Inquérito 'on line' (127): Num total de 64 respondentes, mais de um 1/3 diz que não há (ou não sabe se há) um monumento aos combatentes do ultramar no concelho onde mora...



Lourinhã > Atalaia > Parque dos Moinhos > 16 de junho de 2013 > Inauguração do monumento aos combatentes do ultramar > Vista parcial do monumento... O concelho da Lourinhã tem pelo menos 5 monumentos do género: Atalaia, Lourinhã, Xambujeira/Serra do Salvo, Moledo, Ribamar.


 Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"NO CONCELHO ONDE MORO, HÁ MONUMENTO AOS COMBATENTES DO ULTRAMAR"...


Total de votos apurados=64




1. Sim  > 41 (64,1%)


2. Não  > 15 (23,4%)

3. Não sei / nâo tenho a certeza > 8 (12,5%)


Total > 64 (100,0%)

O inquérito fechou ontem, sábado, dia 7, até às 20h43.

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Guiné 61/74 - P17832: Parabéns a você (1323): Luís Mourato Oliveira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17830: Parabéns a você (1322): Jorge Rosales, ex-Alf MIl Inf da 1.ª CCAÇ (Guiné, 1964/66)

sábado, 7 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17831: Historiografia da presença portuguesa em África (97): A Exposição do V Centenário do Descobrimento da Guiné (Mário Beja Santos)


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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,

Encontrei na revista Panorama, edição do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo (anteriormente Secretariado da Propaganda Nacional) n.º 30, 1946, uma notícia referente à exposição que teve patente no Palácio da Independência, em Junho e Julho desse ano.
As comemorações em Portugal não se cingiram a esta exposição: os CTT fizeram uma edição alusiva, selos muitos belos, houve conferências na Sociedade de Geografia de Lisboa, a Agência Geral das Colónias editou obras; na Guiné houve igualmente comemorações que se refletiram num número especial do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

Um abraço do
Mário


A Exposição do V Centenário do Descobrimento da Guiné

Beja Santos

A vasculhar entre montes de revistas trazidas por um vendedor à Feira da Ladra, adquiri um exemplar da revista Panorama n.º 30 de 1946 onde o jornalista Eduardo Freitas da Costa fazia o relato da exposição comemorativa que estivera patente ao público em Junho e Julho de 1946 nas salas do Palácio da Independência, uma iniciativa do Ministério das Colónias em que o executor foi a Sociedade de Geografia de Lisboa. Diz Freitas da Costa que lhe coube a honra de auxiliar nessa execução os pintores Manuel Lapa e Jorge Matos Chaves.

Houve, por parte dos autores do projeto e seus realizadores, a preocupação de mostrar a “epopeia da Guiné Portuguesa”: o que nos levou a África, como encontrámos a Guiné, como a conservamos; a preparação, o descobrimento, a colonização, a ocupação militar, os litígios em que andamos envolvidos, os valores atuais da nossa colónia e as suas magníficas possibilidades. O fotógrafo Horácio Novais contribuiu com o seu trabalho no Roteiro da Exposição.

O visitante tinha uma antecâmara onde estavam expostos pitorescos exemplares da arte indígena da Guiné, sucedia-se uma sala onde se procurava dar resposta às razões do descobrimento da Guiné; na sala seguinte evocava-se a fixação no território, as múltiplas viagens e as explorações nas terras descobertas, as feitorias e a fixação simbolizada no forte de S. Jorge da Mina. Na sala seguinte a evocação dos litígios e lutas que rodearam o nosso domínio da Guiné durante o período filipino, e depois a sentença do presidente Grant quanto à questão de Bolama.

Nas duas últimas salas dava-se a ideia do que era então o território da Guiné, a sua população, fauna e flora, valores económicos e as suas maravilhosas possibilidades futuras. No termo da exposição via-se a seguinte legenda: “500 anos de mistérios, de aventuras, de lutas. 500 anos de suor e sangue português. 500 anos de sofrimento e alegrias – ao serviço do Império!”.



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Nota do editor

Último poste da série de 5 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17825: Historiografia da presença portuguesa em África (96): primeira relação de nomes geográficos da Guiné Portuguesa, em 1948, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues (Parte II)

Guiné 61/74 - P17830: Parabéns a você (1322): Jorge Rosales, ex-Alf MIl Inf da 1.ª CCAÇ (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17821: Parabéns a você (1321): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 (Guiné, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Apont AP da CART 3732 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17829: Agenda cultural (589): Congresso Internacional, dedicado a Gomes Freire de Andrade, na Academia Militar (Campus Amadora), nos dias 11 e 12 de Outubro de 2017, com a uma intervenção a cargo do Cor Art.ª Ref António J. Pereira da Costa

CONGRESSO INTERNACIONAL

ACADEMIA MILITAR (CAMPUS AMADORA)

DIAS 11 E 12 DE OUTUBRO

GOMES FREIRE DE ANDRADE: O HOMEM E O SEU TEMPO

COM PARTICIPAÇÃO DO COR ART REF ANTÓNIO JOSÉ PEREIRA DA COSTA,  MEMBRO DA NOSSA TABANCA GRANDE


Clicar nas imagens para ampliar


OBS: - O nosso camarada António José Pereira da Costa fará a sua intervenção na segunda sessão do dia 12, entre as 11h30 e as 12h45. Entrada livre. Os amigos e camaradas da Guiné serão bem vindos. 
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17826: Agenda cultural (588): "Os Negros", de Jean Genet... Teatro Municipal de São Luiz, Lisboa, de hoje até 15 de outubro... Sinopse: "Os negros. Treze atores negros. Uma peça escrita por um branco. Para um público de brancos. Mas afinal o que é ser negro? O que é ser negro quando não se vive num país negro ? E antes de tudo, qual é a cor de um negro?"...

Guiné 61/74 - P17828: Notas de leitura (1001): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Primitivo Palácio do Governador, 
Imagem retirada do blogue Rio dos Bons Sinais, com a devida vénia

Terceira recensão dos relatórios que o Banco Nacional Ultramarino (BNU), da então Guiné Portuguesa, enviava periodicamente para Lisboa, e que Mário Beja Santos descobriu por acaso nos arquivos da Caixa Geral de Depósitos, onde, além dos relatórios de contas, se fazia menção às ocorrências de ordem social e política naquele território ultramarino.

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1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Levo alguns meses a folhear estes documentos, filtrados das diferentes pastas que tenho andado a consultar no arquivo histórico do BNU, e ainda estamos no princípio da narrativa, mas dá perfeitamente para perceber que estamos perante uma documentação desassombrada, por vezes com comentários cruéis e apreciações políticas destemidas, seguramente eram estas as apreciações que o BNU pretendia receber em Lisboa, para tomar decisões afinadas com a realidade da colónia.
Pasma como tem sido possível andar a levantar estes pedaços da História da Guiné sem conhecer tão inusitados e densos comentários de cronistas anónimos, que escondiam discretamente estas informações no final do seus relatórios técnicos, semestrais ou anuais.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (3)

Beja Santos

No seu relevante trabalho de investigação com o título “a Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, o investigador Armando Tavares da Silva levanta questões que ajudam a compreender o teor das verberações dos diferentes gerentes do BNU em Bolama. A páginas 617, refere as concessões nos Bijagós. Terá sido o caso de uma companhia inglesa que se instalara em Bolama com o fim de explorar a indústria do óleo de coco e não era claro quem teria feito a concessão do terreno e em que condições. Em Janeiro de 1913 o jornal A Capital informava que tinham sido ordenadas superiormente todas as facilidades para aquelas descargas e que essa companhia estava negociando, sem licença, álcool, tabaco e coconote, comprava aos indígenas a preços superiores ao dos mercados de Bolama e Bissau. O governador veio desmentir dizendo que a companhia não possuía plantações e o empresário, o Sr. Hawkins, tinha tirado licença idêntica aos nacionais e estrangeiros para permuta com os indígenas. O assunto não ficou por aqui. A 28 de Janeiro de 1913 o ministro telegrafa para o comandante militar de Bissau informando que o súbito inglês Isaac Thomas Hawkins tinha requerido um total de 21.395 hectares em várias ilhas dos Bijagós. Questão nada pacífica como é evidente, será levada a debate na Câmara dos Deputados. Antónia Silva Gouveia, que exercia funções de deputado e tinha interesses no comércio da Guiné, reclama junto do ministro contra estas concessões que considera contrárias aos interesses da província. O melodrama teve continuidade. Perceba-se como os Bijagós viviam com humilhação esta discriminatória repartição de terrenos.

Em 1917, o ano em que abriu a agência do BNU em Bissau, será o ponto de partida para guerras de afirmação entre Bolama e Bissau. Não propriamente logo em 1917, a agência de Bissau vai funcionar num andar arrendado, com mobiliário emprestado. O seu horário de serviço era das oito ao meio dia e das duas às quatro, fechando ao sábado à tarde, em Outubro de 1918 dilatará o seu horário de funcionamento. Agência em casa arrendada num estado arruinado, era feita de adobe. Em Setembro de 1918 será autorizada a compra do terreno e a construção do edifício da agência. O gerente de Bissau insistia na solução de se fazerem as obras na época seca de 1918-1919, dá preços de salários, de pintores e serventes, de materiais a cal de casca de ostra, sugere a construção de armazéns, vai sempre dizendo que se vive em condições deploráveis, em quartos térreos e imundos.

Nesse mesmo ano de 1917, em Julho, o gerente de Bolama informa Lisboa sobre a guerra nos Bijagós. Começa por dizer o seguinte:
“Já regressou das operações militares no arquipélago dos Bijagós o Estado-Maior da coluna organizado pelo governo da Guiné, sob o comando do Chefe de Estado-Maior, Major Ivo Ferreira, que tinha ido para aquele arquipélago a fim de bater o gentio da ilha de Canhambaque e outras. Segundo nos informou aquele oficial, a ilha de Bubaque onde existe a concessão Hawkins e a sede da Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, está pacificada; a ilha de Canhambaque está batida mas não pacificada. Ficaram nesta ilha forças militares das companhias de guerra para, sobre o comando de dois oficiais subalternos, montarem e guarnecerem dois postos militares para efetivar a ocupação. O gentio da ilha, fazendo a guerra a seu modo infligiu nas forças fiéis algumas perdas”.
Em Agosto, presta novas informações:
“Em aditamento temos a informar Vossas Excelências que o governador da Província tendo reconhecido que se não devem pôr entraves nas ilhas cujos habitantes estão aparentemente submissos, determinou em portaria que o estado de guerra se limitasse só às ilhas de Canhambaque e João Vieira e ilhéus em redor das citadas ilhas, em virtude dos seus habitantes se encontrarem em estado de rebelião armada.
Aproveitamos a oportunidade para transcrever parte de uma carta reservada da agência de Bissau, datada de 2 de Julho, referindo-se ao Sr. Isaac Thomas Hawkins, que, diga-se de passagem, não tem as simpatias pessoais do nosso gerente em Bissau: ‘Para o fim de anotar o cadastro deste senhor, devemos dizer que confidencialmente soubemos que à reclamação apresentada por ele ao vice-cônsul inglês desta província dizendo, na mira de alguma indemnização, que a coluna de operações em Bubaque o prejudicava no seu intenso negócio, o cônsul em Bathurst lhe respondeu que ele devia acatar as leis portuguesas e que não lhe tolerava que ele pretendesse imiscuir-se nas medidas que o governador da província entendesse tomar’. É positivamente resposta de um homem que tem cabal conhecimento de Hawkins, que por algum tempo esteve na Serra Leoa, de onde aprece ter vindo par aqui”.
Em Outubro presta o seguinte esclarecimento a Lisboa:
“Continua a rebelião armada do gentio da ilha de Canhambaque, tendo o governador sido recebido a tiro numa recente visita que ali fez".

 Imagem retirada do blogue Rio dos Bons Sinais, com a devida vénia

No relatório da filial de Bolama partilhando os anos de 1917 e 1918, temos um novo documento surpreendente pela forma e conteúdo, não destoa pela franqueza de documentos anteriores e posteriores, tem uma enorme carga política:
“Nada há a acrescentar ao que se tem dito se não o que tudo aqui continua na mesma apatia, no mesmo desleixo, na mesma inconsciência de sempre. Saiu o governador Ivo Ferreira que nada produziu de útil, entrou o governador Josué de Oliveira Duque que é boa pessoa mas o que deseja é que o deixem ganhar os seus vencimentos sem grandes incómodos; este governador não tem a confiança do secretário de Estado das Colónias, vindo para aqui por imposição do Presidente da República de quem é amigo pessoal e como prémio de consolação por se ver o governador central obrigado a tirar-lhe o comando da Guarda Nacional Republicana em Lisboa.
Aqui é manejado por Oliveira e Castro; tendo anunciado durante a viagem e à chegada que o seu primeiro ato seria fazer recolher a Lisboa o referido Oliveira e Castro, dias depois telegrafa para Lisboa a pedir a sua conservação aqui como diretor da fazenda (…) A Carta Orgânica foi em parte suspensa; desorganizaram-se serviços que nos termos dela se tinham organizado. No Boletim Oficial aparece uma portaria censurando o diretor interino dos correios e telégrafos por ter demonstrado por várias vezes incompetência para o exercício do cargo, mas este funcionário continua a teste de tão importantes serviços que de notável só têm as irregularidades, o desleixo e a indiscrição. O serviço de saúde está numa lástima; tudo falta, remédios, desinfetantes, aparelhos e instrumentos, etc. À data em que escrevemos, a vida em Bolama está por assim dizer paralisada; a população aterrada com a grande quantidade de óbitos que ultimamente tem havido não só devido à época mas porque também desde a última estadia aqui dos vapores vindos de Lisboa a epidemia da gripe infeciosa deu entrada na província e por ela alastrou com grande rapidez, causando, principalmente em Bolama grandes estragos na população, tanto europeia como indígena”.

Para tudo complicar, até a gripe espanhola eclodira na Guiné. Se este relatório é firme e desassombrado, as informações sobre a colónia que acompanham a documentação do relatório de 1919, terão o poder de nos surpreender, aqueles gerentes do BNU pareciam falar de igual para igual e deixam o leitor desnorteado pela severidade com que julgam os decisores e os militares.
Como veremos a seguir.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 29 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17807: Notas de leitura (999): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17815: Notas de leitura (1000): “A França contra África”, por Mongo Beti; Editorial Caminho, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17827: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (6): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)


1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.

AS MINHAS MEMÓRIAS, REVIVIDAS COM A VISITA QUE EFECTUEI À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017

AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (6)

5º DIA: DIA 03 DE ABRIL DE 2017 - BISSAU, SAFIM, BULA, BINAR E BISSORÃ

BULA

Mais uma noite bem dormida, mais um pequeno-almoço ingerido e eis-nos de novo na estrada para cumprir o programa planeado para o 4.º dia da nossa estadia por terras africanas da Guiné-Bissau.

Tal como acontecera nos dois dias anteriores, saímos do Aparthotel, cerca das 08,00 horas da manhã, dirigindo-nos para norte em direcção de Safim, percorrendo 13 quilómetros de uma via muito movimentada, mas com o piso com pouco asfalto e muitos buracos.

Ultrapassámos depois o Rio Mansoa, cuja passagem vencemos utilizando a Ponte Amílcar Cabral, que ali foi construída no ano de 2007, seguindo depois em direcção a Bula, onde havíamos previamente decidido fazer a primeira paragem.

A vila de Bula, tal como muitos outros locais da Guiné, está, em minha opinião, bastante pior do que a conheci nos anos de 1973/1974, realidade que se compreenderá pelo regresso a Portugal dos militares portugueses, que constituíam o Batalhão 8320/72, alguns com famílias, e que davam movimento e proporcionavam algum rendimento e bem-estar às populações locais, em áreas tão distintas como a frequência de pequenos restaurantes, cafés e bares e até de algumas pequenas lojas que, por todo o lado existiam, ou até do recurso às lavadeiras locais, que faziam o tratamento das roupas desses militares.

Tal como o pudemos confirmar não só aqui, mas também noutras localidades guineenses que visitámos, as instalações dos antigos quartéis das tropas portuguesas estão completamente abandonadas e muitas delas destruídas, dando péssimo aspecto a quem visita estas terras. Creio que os responsáveis guineenses não souberam rentabilizar os apoios financeiros que receberam de instituições internacionais, já que, pelo menos, poderiam tê-los aproveitado para o desenvolvimento de actividades escolares, ou para instalação de pequenas unidades de saúde, ou até para a construção de pequenas indústrias ligadas aos produtos que produzem. O único dado positivo que ali vimos, foi a existência, junto à entrada do antigo quartel, de uma pequena unidade da PSP, mas que, segundo verificámos, não reúne mínimas condições de funcionalidade, face à ausência de equipamentos e de viaturas de apoio, para rentabilizar a sua actividade.

Das instalações do antigo quartel, apenas visualizámos vestígios das paredes onde funcionava a Messe dos Oficiais, ruínas de uma das casernas dos soldados, um palco e um écran, ambos em cimento e ainda em estado razoável de conservação e locais onde se projectavam, naquela época, alguns filmes e ainda o que resta da antiga Capela do aquartelamento.

Outro pormenor que me chamou a atenção foi a inexistência de toda a vedação que rodeava e defendia as instalações do antigo quartel.

Dirigimo-nos depois à Escola do EB 23 de Janeiro, um estabelecimento de ensino com vários pavilhões e cuja propriedade era de foro privado, onde fomos recebidos pelo Director dessa Escola e por alguns dos seus professores que, nesse dia, ali se encontravam a dar aulas.

O objectivo da nossa paragem, era o de não só verificar o estado das salas de aula e as condições em que as crianças locais tinham as aulas visando um futuro apoio, mas também para ali deixar diverso material escolar, a fim de ser distribuído e utilizado pelos alunos daquela escola, tendo também sido distribuídas algumas guloseimas e duas bolas de futebol, para a prática desportiva.

De salientar que, ao contrário das escolas do ensino público que encontrámos noutros locais, casos de Binar e Bissorã, onde os alunos já estavam a gozar de férias da Páscoa, nas privadas, como era o caso desta em Bula, essas férias só se iniciavam no fim-de-semana que se seguia.

Antes de seguirmos para Binar, tivemos oportunidade de dar um pequeno passeio a pé e depois de jeep, pelas duas principais ruas de Bula, confirmando a ideia que já tínhamos sobre a vila, tendo-nos apenas chamado a atenção, pela positiva, a existência de uma feira de rua que, iniciada logo a norte do antigo quartel, se alonga pela rotunda que conduz a Binar e a S. Vicente e por mais umas dezenas de metros, na estrada que segue para Binar e locais onde se vendia um pouco de tudo.

Apesar de algum desencanto, mesmo assim gostei de ver e sentir Bula, localidade em cujo quartel participei em diversas reuniões e local onde, interinamente comandei, nos finais de 1973, a 1.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/72, que aguardava a chegada de Portugal de um novo Capitão Miliciano para ocupar esse lugar.


Foto 51 - Rio Mansoa (Guiné-Bissau): Ponte Amílcar Cabral, sobre o Rio Mansoa, entre as cidades Bissau e Bula e que tem o comprimento de 785 metros e a largura de 11,40 metros


Foto 52 - Bula (Guiné-Bissau): Entrada principal do quartel de Bula, obtida na década de 80, mas que actualmente se encontra com os edifícios totalmente degradado


Foto 53 - Bula (Guiné-Bissau): Entrada da Escola EB 23 de Janeiro, onde eu próprio, o Isidro e o motorista Fernando, temos a simpática companhia de 8 alunos daquela escola, onde entregámos diverso material escolar.



Fotos 54 e 55 - Bula (Guiné-Bissau): Duas fotos, recordando a nossa visita a uma sala de aulas de uma escola de Bula, onde entregámos material escolar e desportivo e onde aparecem os colegas, Ferreira, Rebola, Isidro e Azevedo. Na nossa companhia estão, a professora dessa sala e o director da escola. Repare-se na data escrita no quadro


Foto 56 - Bula (Guiné-Bissau): Os colegas Ferreira e Isidro, distribuindo objectos de apoio escolar, na escola local


Foto 57 - Bula (Guiné-Bissau): Foto do exterior da escola de Bula, que visitamos e onde deixámos material escolar


Foto 58 - Bula (Guiné-Bissau): O João Rebola e o Azevedo, no interior do antigo quartel, acompanhados por dois agentes do posto da PSP, instalado à entrada

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BINAR

Percorridos cerca de 10 quilómetros por uma estrada bem asfaltada e com muitas retas, chegámos a Binar, onde no período de 1973 e 1974, se sediou o aquartelamento da Companhia de Caçadores 17 (CCAÇ 17), constituída por 23 homens do Continente Português (1 Capitão, 4 Alferes, 1 Sargento, 9 furriéis, 5 cabos e 3 praças e mais 144 elementos africanos (5 furriéis, 11 cabos e mais 128 soldados, que comandei, como Capitão Miliciano, durante cerca de oito meses.
Ao chegarmos ao cruzamento da localidade, virámos para norte, para cerca de 500 metros depois, chegarmos ao local onde existiu o antigo aquartelamento, tendo de imediato sentido um arrepio ao ver o local onde estive instalado e em zona onde também existiam habitações da administração e tabancas da população local.

Começando por falar da vedação das nossas antigas instalações, referiria que da mesma, na altura constituída por duas redes de arame farpado paralelas e separadas cerca de uns 15 metros uma da outra, com entrada/saída nos topos norte e sul, nem sinais dela agora existem.

Mal estacionámos no local onde era a parada do antigo aquartelamento, senti logo uma profunda emoção ao ver ainda de pé e em estado de boa conservação, uma antiga capelinha, encostada a um enorme poilão, que continha no seu interior um pequeno oratório, onde estava colocada uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, capelinha essa que havia sido construída pela Companhia de Militares Portugueses que nos antecedeu e da qual não me recordo a sua identificação.

Essa capelinha, creio que foi construída como agradecimento a Nossa Senhora pelo facto de quase no topo dessa árvores e bem lá em cima, ainda se poder ver uma granada de RPG, que havia sido disparada por tropas do PAIGC e que lá ficou espetada, sem explodir.

Verifiquei, também com natural espanto, que ainda existiam as paredes do edifício de pedra e cimento, propriedade da administração local, onde eu e mais três dos quatro Alferes, dormíamos a maior parte das noites que lá passámos e da qual tirei, para memória futura, algumas fotos que abaixo reproduzo, acrescentando desde já que, em duas das suas paredes, cresceram duas árvores, que atingem algum porte, uma das quais se vê por cima da janela maior, local onde era o meu quarto.

Por razões estratégicas, de segurança e de comando, um dos quatro Alferes, de forma rotativa, dormia num abrigo subterrâneo, que ficava localizado cerca de 30/40 metros para nascente do nosso edifício.
Embora a tal não fosse obrigado, por razões de boa camaradagem, também algumas vezes entrei nesse sistema de rotação de dormir no abrigo, onde porém, as condições eram um pouco piores que na casa que nos tinha sido cedida.

Quanto aos nove Furriéis continentais, que dormiam num outro edifício, também propriedade da Administração e situada a uns 20 metros para norte do abrigo e aos cinco guineenses que dormiam nas suas tabancas, havia idêntica rotação, ficando no abrigo três por noite, com o Sargento, também, por razões de camaradagem, a entrar periodicamente nessa rotação.

Além destes graduados, dormiam também no mesmo abrigo, em noites também rotativas, cerca de 30 elementos que constituíam cada um dos quatro pelotões da Companhia de Caçadores 17 (CCAÇ 17).
Tinha que ser, e assim se fazia, cumprindo as ordens e as normas de segurança de todo o pessoal da Companhia em que estávamos todos os 167 homens integrados.

Além dos edifícios já referidos, existia ainda no interior da zona vedada, o edifício onde habitava o Administrador de Binar, o edifício da Secretaria da Administração e ainda um outro edifício designado celeiro e que servia de local de recolha dos produtos agrícolas produzidos na região (arroz, mancarra, caju, manga e creio que peixe e marisco) e que eram controlados pela Administração e ainda um grupo energético que enviava para um depósito elevado, a água que retirava de um furo existente no terreno, com algumas dezenas de metros de profundidade.

Como curiosidade, o facto de os habitantes desta pequena aldeia guineense, que não deveria ultrapassar as 500 pessoas, pertenciam às quatro seguintes etnias: Balantas, Fulas, Manjacos e Mancanhos, cada uma delas com o seu Chefe de Tabanca, mas todas subordinadas ao Chefe dos Chefes, que de nome António Quade, era Balanta e era o mais velho dos quatro.

Procurámos manter sempre um bom relacionamento com todos eles, mas havendo o cuidado e a atenção de, qualquer assunto importante, passar previamente pelo Chefe dos Chefes.

Antes de nos retirarmos e tal como noutras localidades, onde outros colegas prestaram o seu serviço militar, também aqui entregámos na Missão Católica de Binar, roupas e material diverso, deixando na Escola de Ensino Básico Unificado de Binar material escolar e uma bola de futebol.

Outra curiosidade, para mim muito emotiva desta minha passagem por Binar, relaciona-se com a agradável surpresa de ao falar com o responsável da Missão Católica, que nas fotos aparece com uma t-shirt vestida, lhe ter perguntado se ainda por ali viviam pessoas dos já longínquos anos de 1973/1974, ficando surpreendido quando ele me disse que um tio dele, já vivia ali nessa época, que ainda era vivo, e que residia ali próximo.

Logo se prontificou a ir chamá-lo, o que fez de imediato, ficando eu a aguardar com alguma expectiva a sua chegada, mas aproveitando esse tempo para irmos à Escola local entregar a um dos professores que lá se encontrava e que se vê numa das fotos seguintes, algum material escolar que tínhamos levado, para lá deixar.

A certa altura vejo chegar, montado numa bicicleta, um homem já idoso que, ao ver-me, logo atirou a bicicleta para o chão e que veio direito a mim para me dar um abraço e chamando-me Capitão, o que para mim foi um espanto total, pois nem sequer me deu tempo para pensar se eu o conhecia, ou não, confirmando-me logo de seguida, que era neto de António Quade, o tal Chefe dos Chefes de Tabanca, a quem atrás já me referi.

Ainda que naquela altura ele tivesse cerca de 20 anos, acabei com mais calma por o reconhecer, já que naquela altura ele acompanhava muitas vezes o avô, mas ele reconheceu-me primeiro a mim, o que me encheu de natural alegria, como é fácil supor.

Prontificou-se a mostrar-me como se encontra a actual Binar e fiz-lhe a vontade, acompanhando-o numa pequena volta pelo meio de algumas tabancas, durante cerca de 15/20 minutos, pormenor muito importante para mim e satisfação plena para ele, que o levou a chorar agarrado a mim quando nos despedimos, atitude que também me emocionou, porque tal como nos aconteceu noutros locais, ele ao despedir-se de mim dizia em voz alta e comovente: Não nos abandonem… Voltem para cá outra vez…

Seguem-se algumas belas e para mim cativantes imagens que me recordam com alguma saudade a minha passagem por terras guineenses de Binar, que muito gostei de rever.


Foto 59 - Binar (Guiné-Bissau): Uma pequena capela construída encostada a um poilão, que felizmente ainda se encontra de pé, e em cujo interior se encontrava exposta uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima, que já lá não está. Fui aqui Comandante, como Capitão Miliciano, da então CCAÇ 17, que era constituída por 23 militares do Continente e por 144 militares da Guiné. Na frente da capela, situava-se a parada do nosso quartel.


Foto 60 - Binar (Guiné-Bissau): O belo “palácio”, onde eu e mais 3 alferes da CCAÇ 17 dormíamos. Repare-se no actual requinte de 2 árvores invadindo as paredes do edifício. A abertura larga do lado direito do edifício, era o meu quarto, mas afirmo que não fui eu que plantei a árvore que lá se vê. A porta de entrada era a que se vê à esquerda


Foto 61 - Binar (Guiné-Bissau): Ainda com o edifício onde dormia, em fundo, aqui deixo com esta imagem, um memorial aos militares da CCAÇ 17 e outras companhias anteriores, que passaram por Binar e que por aqui faleceram, em defesa da Pátria Lusitana. Paz à sua alma


Foto 62 - Guiné-Bissau: Estrada Bula / Binar, mapa onde também aparece a povoação de Pete, local no qual comandei temporariamente, a 1.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/72, sediado em Bula, em conjunto com a da CCAÇ, 17, em Binar, até à chegada de um novo Capitão, ido do Continente. No mapa vê-se, a noroeste de Binar, a base do Choquemone, que o PAIG, ali mantinha

Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Foto 63 - Guiné-Bissau: Outro mapa, onde se vê a localização geográfica de Bissau, de Binar, de Encheia, de Mansoa e ainda de Porto Gole, com o curso do Rio Geba a ladear, a sul, estas terras guineenses
Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Foto 64 - Binar (Guiné-Bissau): Edifício da antiga administração da pequena vila, com cujo responsável mantive as mais cordiais relações institucionais, quer de amizade quer de colaboração


Foto 65 - Binar (Guiné-Bissau): Foto da Escola de Ensino Básico Unificado, onde entreguei diverso material escolar e uma bola de futebol


Foto 66 - Binar (Guiné-Bissau): Foto junto a um poço de água da localidade, onde da esquerda para a direita aparecem os colegas, Vitorino, eu próprio, Monteiro, Isidro e Ferreira. Ao nosso lado, um professor da escola de Binar


Foto 67 - Binar (Guiné-Bissau): No mesmo local da foto anterior, saio eu da imagem e entra com uma “t-shirt” verde, um bisneto do Chefe dos Chefes das Tabancas de Binar, que atrás refiro e responsável pela Missão Católica de Binar.

Fotos: © A. Acílio Azevedo

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17820: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (5): 4.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Có, Pelundo, Canchungo, Bachile e Cacheu (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)