sexta-feira, 13 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18843: (De) Caras (112): O João Rocha (1944-2018), em Bissau e em Brá, nos primeiros tempos do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Fernando Calado)


Foto nº 1 > Guiné > Brá > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > O João Rocha e o Fernando Calado, sentados no jipe do comandante.


Foto nº 1 A > Guiné > Brá > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Detalhe: o João Rocha e o Fernando Calado, sentados no jipe do comandante.


Foto nº 2 > Guiné > Bissau > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Um grupo de oficiais milicianos, na Av da República (vendo-se ao fundo a Praça do Império e o Palácio do Governador), no dia seguinte ao desembarque (29 de julho de 1968). O João Rocha é o primeiro a contar da esquerda para a direita, o Fernando Calado o 4.º e o Ismael Augusto o 5º.


Foto nº 2 A > Guiné > Bissau > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Detalhe: à esquerda, o João Rocha. Av da República, 30 de julho de 1968.



Foto nº 2 B > > Guiné > Bissau > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Detalhe: os primeiros à esquerda, o Fernando Calado e o Ismael Augusto. Av da República, 30 de julho de 1968.

Fotos (e legendas): © Fernando Calado (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Fernando Calado, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande, camarada de quarto do Ismael Augusto e do João Rocha, acaba de nos mandar dois fotos com o  João, que acaba de deixar a "terra da alegria"...

Caro Luís,

Junto 2 fotos com as seguintes referências:

1ª. Estou eu e o Rocha em Brá encostados ao jipe do comandante [ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos]

2º. A primeira saída no dia a seguir à chegada a Bissau [, que ocorreu a 29 de julho de 1968]. São visíveis o Ismael, eu próprio e o Rocha (o 1º à esquerda com a camisola escura).

Um grande abraço,


2. Comentário de LG:

Falámos ao telefone.  A meu pedido, o Fernando mandou-me estas fotos, O Fernando soube, com surpresa da morte do amigo e camarada João Rocha (ª). Disse-me que partilharam juntos o quarto em Bambadinca, mais o Ismael Augusto ( alf mil, cmdt do pelotão de manutenção), até o João ir de férias, talvez por volta de abril de 1969. "Foi seguramente antes do ataque ao quartel, em 28 de maio de 1969", assegura o Fernando.

O João foi a Moçambique, de férias, ver a família, e atrasou-se no regresso, por razões que não sabemos. Foi punido disciplinarmente. Confirma-se assim a versão do António Pimentel, ex-al mil Pel Rec Imnfo, CCS/BCAǪ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70) (*). Ele acabou por baixar ao HM 241, em Bissau, nunca mais tendo voltado  a Bambadinca nem sido substituído.  

O Ismael e o Fernando ficaram os dois no quarto até ao resto da comissão. O Fernando lembra-se bem do João e das suas gargalhadas. Era um camarada que irradiava simpatia. Encontraram-se depois em vários convívios do pessoal de Bambadinca (1968/71). Tem ideia de ele ter trabalhado na TAP, não sabe ao certo se como piloto ou comissário de bordo. 

Recorde-se que o BCAÇ 2852 desembarcou em Bissau em 29 de julho de 1968. O Comando e a CCS instalaram-se em Brá,  ficando como  reserva do Comando-Chefe. Fizeram patrulhamentos, recenseamentos de população, ação psicossocial, construiram tabancas, etc. As companhias operacionais deixaram de pertencer ao comando do batalhão, sendo  colocadas em Binar (CCAÇ 2404), Mansoa (CCAÇ 2405) e Olossato (CCAÇ 2406). 

Em outubro de 1968 a CCS/BCAÇ 2852 vai tomar conta do setor L1 (Bambadinca). Foi aí que eu conheci, em julho de 1969, o Ismael e o Fernando.

Um dos homens do Pel Rec Info  era o ex-furriel miliciano Pinto dos Santos, organizador de um dos primeiros convívios do pessoal de Bambadinca (1968/71)  realizado em 29 de maio de 1999,  em Resende, na sua quinta.

Bolas, Fernando e Ismael, como éramos "putos" (a avaliar hoje pelas nossas caras...). E no entanto tínhamos já, sobre os ombros,  o pesado fardo de fazer, conduzir ou alimentar uma guerra!... (**)

__________________

Guiné 61/74 - P18842: In Memoriam (318): José Augusto Rocha (1938-2018), ex-alf mil, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65... Um camarada cuja tribuna só podia ser "político-ideológica"...


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 > Abrigo "Cova do Comando" da CCAÇ 557 no Cachil. Alguém chamou a esta subunidade, que também participou na Op Tridente (jan/mar 1964), "a esquálida e esgroviada Companhia de Caçadores 557". Por detrás desta foto estão cinquenta e cinco dias a ração de combate, cerca sessenta dias sem mudar de roupa nem tomar banho, e com água racionada para beber

Legenda: a começar da esquerda para a direita o 1.º Cabo Enfermeiro Leiria; 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Robalo Dias; Dr. Rogério Leitão, que já partiu; atrás o 1.º Cabo Enfermeiro António Salvador, e por último, de quico, a sair do buraco, eu, Soldado de Transmissões José Colaço. mAs barbas com cerca de 90 dias. Os cabelos já tinham levado um corte para melhor se aguentar o calor. Aquela "divisória" entre o 1.º Cabo Dias e dr. Rogério, é uma cobra que durante a noite se lembrou de nos assaltar o abrigo e que só de manhã com a luz do dia foi detectada a um canto da cova. Foi condenada à morte pela catana de um milícia.

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mandou-me o José Colaço um email, ontem, às 13h32,  a dizer telegraficamemte o seguinte:

"Morreu o Dr. José Augusto Rocha, ex- alferes miliciano e 2º comandante da companhia de CCAÇ 557, 1963/65."

Os jornais de hoje trouxeram de imediato a triste notícia (Público, Expresso, Diário de Notícias...).

O título do Expresso, digital, na secção Sociedade, dizia, às 13h28:

"Morreu José Augusto Rocha, um dos advogados que defenderam presos políticos". [De entre os inúmeros presos públicos que defendeu, conta-se o nome da Diana Andringa, membro da nossa Tabanca Grande.]

E acrescenta-se:

"Defendeu presos políticos no tempo em que ir a Tribunal Plenário era um risco que exigia coragem e vontade de ser solidário. Licenciou-se na Faculdade de Direito de Coimbra onde viveu a Crise Académica de 1962. O Senado da Universidade expulsou-o por ter organizado um encontro de estudantes contra as ordens do ministro da Educação. Partiu esta madrugada, aos 79 anos."

Em dezembro passado, o presidente da República tinha-o condecorado com a Ordem da Liberdade no Grau de Grande Oficial. Nasceu em Viseu, em 1938. Morreu antes de completar os 80m anos. Vai ser  cremado hoje, sexta-feira, dia 13, no Cemitério dos Olivais, às 17h.

Mais algumas notas biográficas sobre este nosso camarada:

(i) foi director da Associação Académica de Coimbra, em 1962;

(ii) foi expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na sequência da crise académica de 62;

(iii) esteve preso no Forte de Caxias; liberto sem culpa formada, ao fim de 4 meses;

(iv) cumpriu o serviço militar e foi mobilizado para a Guiné, como alferes miliciano (CCAÇ 557, 1963/65);

(v) termina a licenciatura em direito, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois de ter regressado do TO da Guiné, em novembro de 1965:

(vi) inscreve-se  na Ordem dos Advogados, em 13 de agosto de 1968;


 2. Blogue "Caminhos da Memória" > Segunda feira, 19 de outubro de 2009 >   Memória breve da história da Guiné > Um texto de José Augusto Rocha

 [Excertos, com a devida vénia...] (*)

A 25 de Novembro de 1963, embarquei no cargueiro «Ana Mafalda» (...), adaptado à pressa para transportar outra e nova carga – homens soldados – rumo à guerra colonial da Guiné. (...)

Nos anos sessenta, a ordem de incorporação e a ida para a guerra colonial estava indisfarçavelmente ligada à repressão política e à PIDE. Esta articulação era particularmente visível em relação ao movimento estudantil e em especial aos seus dirigentes. As medidas de repressão do aparelho do Estado, ao nível das forças armadas, eram várias e diversificadas e iam desde a incorporação em estabelecimentos militares disciplinares de correcção, como o de Penamacor, onde foi internado, por exemplo, o Hélder Costa e o João Morais, até incorporações antecipadas e transferências arbitrárias de quartéis, de acordo com estritas ordens da polícia política (PIDE).

No meu caso, libertado do Forte de Caxias, em Julho de 1963, fui incorporado logo em Setembro, para minha total surpresa, no Regimento de Lanceiros 2, conhecido como o quartel da polícia militar, unidade de confiança do regime político do Estado Novo. Vim a encontrar aí outro dirigente associativo, da Associação dos Estudantes da Faculdade de Letras, o João Paulo Monteiro, filho do exilado político Adolfo Casais Monteiro. A surpresa de imediato foi esclarecida. O treino militar do 1º ciclo, naquele Regimento, era muito duro e de verdadeiro castigo e, logo que terminou, ambos fomos transferidos para a Escola Prática de Infantaria de Mafra, por despacho do então Ministro da Defesa Nacional, General Mário Silva.

Cumpre assinalar que ambos gozávamos de forte simpatia entre os cadetes instruendos e mesmo dos Alferes instrutores do Quadro. Fui chamado ao Comando e aí o Capitão Semedo (irmão do actor de teatro, Artur Semedo) fez questão em dizer que a convocatória queria expressar o seu profundo desacordo pela transferência, mas que ela era exterior ao Regimento e provinda de ordens do poder político. Terminada a instrução em Mafra, fui colocado, como Alferes Miliciano, no Quartel de Caçadores 5, em Lisboa. Esta unidade militar era a unidade da confiança política do governo e comandada pelo Major Portugal, conhecido elemento da Legião Portuguesa. Tal como tinha acontecido no Regimento de Lanceiros 2, cedo gozei de grande simpatia junto dos Alferes Milicianos e do próprio Capitão da Companhia, Capitão Vieitas. Por força disso, fui escolhido pelos oficiais milicianos para integrar a mesa do Comando no dia oficial da Unidade e para em nome deles fazer o discurso oficial.

Não tardou que novo despacho do mesmo General Mário Silva ordenasse a minha transferência para Évora, para a Companhia de Caçadores de Infantaria 557 [CCAÇ 557], rumo à Guiné, sendo que a Companhia donde fui transferido embarcou para um lugar relativamente calmo, a cidade da Beira, em Moçambique.

Esta transferência foi muito controversa, com oposição, por escrito, do próprio Comandante da Companhia. Sincero ou não, por sua vez, o Major Portugal chamou-me ao Comando onde manifestou o apreço que os oficiais tinham por mim e sugeriu que apresentasse uma exposição escrita, que ele a remeteria às autoridades superiores. Recusei e lá fui para a Guiné, no «Ana Mafalda».

Cheguei à Guiné em 3/12/63 e, logo em 14 de Janeiro de 64, a Companhia 557, comandada pelo Capitão João Luis Ares e de que eu era o segundo comandante, por ser o Alferes Miliciano mais classificado, foi integrada na maior operação de toda a guerra colonial, a Operação Tridente, destinada a libertar a Ilha do Como, onde o PAIGC tinha a sua bandeira hasteada, simbolizando a primeira região libertada da Guiné Bissau.

Fui, então, transitoriamente retirado da Companhia e fiquei em Bissau como elo de ligação, para o envio de alimentos e o mais necessário à sua sobrevivência.

Em Bissau, acabei por formar uma espécie de tertúlia no «Café Bento» – à data, frequentado também pelo hoje Major Tomé e pelo advogado Orlando Curto – com o cirurgião do Hospital Militar de Bissau, António Almeida Henriques, que conhecia de Viseu, donde ambos éramos naturais, e o reanimador daquela equipa cirúrgica, António Rosa Araújo, que mais tarde, muitos anos depois, viria a defender, como advogado, no conhecido processo judicial «caso dos hemofílicos», também conhecido por «processo do sangue contaminado».

Estes dois oficiais médicos não escondiam a sua discordância com a guerra colonial (...).

Existe informação vária sobre as batalhas e forças militares que integraram a Operação Tridente, mas nenhuma sobre a CCÇ 557, de que eu era, como referi, o segundo Comandante. A Operação Tridente, assim chamada por integrar os três ramos das forças armadas portuguesa, implicou efectivos na ordem de 1200 homens, aviões, fragatas e lanchas de desembarque. Na rigorosa descrição feita pelo oficial do exército da república da Guiné Bissau, Queba Sambu, a ilha do Como tem uma superfície de 210 kms quadrados, 166 dos quais são lodo das marés, sendo constituída por um litoral de tarrafe, lamaçais que, na maré baixa,  chegam a atingir quatro kms entre a terra firme e os canais, de fluxo e refluxo marítimos. Seguindo-se ao tarrafe, estendem-se as bolanhas (arrozais) com alguns palmares, sendo o centro da ilha de matagal. Nas bolanhas, de largos canais de irrigação, o nevoeiro só permite uma visibilidade de três a cinco metros.

Foi nesta ilha que, no dia 14 de Janeiro de 1964, desembarcaram os 145 soldados e oficiais da CCAÇ 557, numa operação muito arriscada em que os soldados foram salvos de asfixia e atolamento completo no lodo, por cordas lançadas pelas lanchas de desembarque. O médico da Companhia, de nome [Rogério] Leitão – aliás um bom fotógrafo – tirou fotografias do acontecimento, mas o rolo acabaria por ser confiscado e perdeu-se esse testemunho documental.

A operação terminou de forma dramática para as populações da ilha, tendo sido destruídas e queimadas as tabancas (aldeias indígenas) aí existentes, e abatidas centena e meia de vacas e tudo o mais que constituía a forma de viver daquelas populações, como máquinas de costura, camas, roupas, etc…

As tropas regressaram a Bissau e foi deixada na mata do Cachil a CCAÇ 557, num aquartelamento feito à pressa com troncos de palmeiras na vertical e em tudo parecido a um aquartelamento índio. Sem água potável, sem alimentação e expostos à malária e a severas condições de carência e sofrimento, estes homens,  totalmente isolados e comendo meses a fio só rações, dependiam do mundo exterior de uma barcaça que, de vez em quando, ia ao centro de Comando situado na povoação de Catió. Encurralados naquele curto espaço de mata, lamaçais e bolanhas, estes homens viveram uma verdadeira odisseia de isolamento e condições infra-humanas de sobrevivência, acossados por acções de ataques ao quartel e flagelações das forças do PAIGC, entretanto regressadas à Ilha, após a retirada das tropas da Operação Tridente para Bissau.

 (...) Quando o capitão da Companhia foi de férias, vim de Bissau para o quartel de Cachil, para assumir as funções de comando, tomando contacto com homens destruídos psicológica e humanamente por condições tão duras de sobrevivência e onde situações de saúde física e mental se agravavam, dia a dia, à espera do dia redentor de uma substituição por outros efectivos.

Vivia-se este ambiente, quando um dia apareceram, lá no céu, dois aviões [F 86] [no original, Fiats lapso do autor], que, para surpresa nossa, começaram a picar sobre o quartel e a metralhar toda aquela zona, nomeadamente junto ao improvisado cais do rio, onde estacionava a barcaça de ligação a Catió.

Em desespero, ordenei que fossem lançados para o ar very-lights e um grupo avançasse com a bandeira nacional, para mostrar que éramos tropa amiga, ao mesmo tempo que por via rádio comunicava com o Comando de Catió, para que o engano fosse desfeito. Os aviões desapareceram no horizonte e ninguém ficou ferido. Na minha vida já tive dois acidentes graves de viação, mas aviões a jacto a picar sobre a minha cabeça, é acontecimento digno da linguagem própria de uma crónica de Fernão Lopes, quando no cerco a Lisboa, dizia: «era coisa espantosa de ver…».

Junto ao cais, entretanto, ficaram os destroços dos garrafões de vinho, grades de cerveja e rações de combate, que tinham sido abastecidos naquele dia à companhia!!!… O médico da companhia tirou fotografias do ataque, que infelizmente não disponho para ilustrar esta minha memória.

Fui a Bissau e protestei junto do Comando e encontrei-me com os aviadores que me informaram que tinham acabado de chegar à Guiné e faziam uma operação de reconhecimento, pensando que se tratava de forças inimigas… Que eu saiba, só houve dois enganos em ataques da aviação: este e um outro sobre os fuzileiros navais, de que resultaram, tanto quanto me lembro, dois mortos.

Acabámos por ser rendidos por outra Companhia e enviados para a zona da vila de Bafatá, donde regressei a Portugal a 24 de Novembro de 1965, para terminar o curso de Direito, que a minha expulsão da Universidade de Coimbra e de todas as escolas nacionais, por dois anos, tinha impedido de concluir.(...)


3. O José Augusto Rocha e o nosso blogue:
O alf mil Rocha, em Bissau, 1964...
A única foto que o Zé Coleço
tem deke...


(i) Comentário do nosso editor Luís Graça:

(...) Conheci, pessoalmente, o  José Augusto Rocha em 15 de outubro de 2009 (**).  Foi-me apresentado pela Diana Andringa, na estreia, no Doclisboa 2009, do seu filme Dundo, Memória Colonial.

Tivémos um conversa cordial, mas  dise-me logo que não era homem de blogues nem pretendia "alimentar" o nosso banco de memórias...  De resto não gostava de falar da Guiné e da guerra, a não ser no contexto das suas memórias políticas que estava a (ou tencionava) elaborar.. Falou-me do texto que estava a escrever (e de que reproduzimos uma parte substancial), para o blogue "Caminhos da Memória", uma promessa que tinha feito, "a título excepcional"... Um dos autores que alimentava esse blogue era justamente a Diana Andringa.

Falou-me por alto da Op Tridente, e de vários nomes do seu tempo:  Cavaleiro Ferreira, Barão da Cunha, Saraiva...  Fiquei a saber, por outro lado, que, na altura, em 1962, aquando da crise académica, e quando foi ele expulso de todas escolas do país, tinha a frequência do 5º ano do curso de licenciatura em direito... Só depois de regressar da Guiné, em finais de 1965, é que pôde completar o curso.

(ii) O José Colaço, nosso grã-tabanqueiro, ex-sold  trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) acrescentou o seguinte a respeito do nosso camarada José Augusto Rocha:

(...) O ex-alferes miliciano Rocha era o meu comandante de pelotão, o 4º,  ou seja,  o pelotão de armas pesadas. Ele era também o 2º comandante da companhia.

Guardo dele, durante a nossa estada na guerra da Guiné, bem como de todos os oficiais e sargentos e restantes camaradas, as melhores recordações. Mas, para este ambiente funcionar como uma máquina bem oleada, houve, e ainda há, um homem que, além de militar com a sua patente de capitão, via no seu subordinado, no homem que estava à sua frente, outro ser humano como ele... Este homem dá pelo nome de João da Costa Martins Ares, hoje coronel reformado.

O Rocha possivelmente não te contou esta passagem: no início da nossa comissão é recebida uma mensagem dos serviços da PIDE com o seguinte teor, mais ou menos: que  o capitão deunciasse o dia a dia do alferes Rocha pois ele era elemento a ser vigiado na sua conduta diária. As palavras não eram exactamente estas mas o sentido era vigiar o Rocha e informar os serviços da PIDE.

O capitão toma a seguinte resolução: chama o alferes Rocha, tem uma conversa séria de homem para homem, mostra-lhe a mensagem; o Rocha, por sua vez, conta-lhe todo o seu passado politico de oposicionista ao governo de Salazar, mas dá um voto de confiança ao capitão, o qual poderá contar com ele e, mais, que nunca seria atraiçoado.

Deste modo, o capitão conseguiu mais um amigo para levar a bom porto aquela nau durante vinte e três meses. (...) (**)

(iii)  Mensagem de email do José Augusto Rocha para o nosso editor Luís Graça, com data de 22/10/2009 :

(...) Sensibiliza-me o que diz sobre o depoimento que fiz para os Caminhos da Memória, mas permita-me que lhe diga que o seu depoimento sobre a guerra colonial é uma reflexão corajosa e muito lúcida. Se o termo não fosse controverso, acrescentaria: bela!

Bem, agora sim, estive a ler tudo o que consta do seu blogue, que se reveste de importância decisiva para a história da guerra colonial... ainda por fazer, ou não totalmente feita.

E a leitura que fiz, deu-me conhecimento de que, afinal, havia mesmo já alguém (o José Colaço) que tinha escrito sobre o Como e CCaç 557, ao invés do que digo no meu depoimento… Só me admiro que ele [não] fale do engano da avi(ação, até porque penso que foi ele que enviou o meu pedido de socorro para o Comando de Catió! ...) (***)

 (iv) Três dias antes, a 19 de outubro de 2009, o José Augusto Rocha tinha esclarecido, sem qualquer margem para dúvidas, qual era a sua posição face ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande,  razão por que não faria sentido eu vir agora decidir,  a título póstumo, sentá-lo à sombra do nosso poilão... Seria trair a sua confiança, desrespeitar a sua vonatde e fazer batota, violando as nossas próprias regras do jogo... O José Augusto Rocha nunca faria nem fará parte do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. 

(...) Quanto ao seu blogue, tenho as maiores dificuldades em nele colaborar. Tenho alguma radicalidade quanto a estas coisas da guerra colonial e sempre entendi que os encontros e confraternizações, a propósito dela, tendem a contar só meia memória, a memória boa, vista do lado de cá… Embora não pretenda julgar quem quer que seja, penso que compreender o passado implica um juízo de valor sobre o certo e o errado e, muitas vezes, nessas manifestações de convívio não é possível esconder a nossa discordância em relação ao que se ouve e isso cria um ambiente pouco propício ao encontro. Fui duas vezes a coisas dessas e jurei não mais ir! 

(...) Por estas e por outras, quanto à guerra colonial, vou ficar-me pela “curta memória da guerra colonial das Guiné”, a publicar nos Caminhos da Memória, dando, quanto a este capítulo, por encerrado o meu dever de memória (...) (***)

(v) O último email que troquei com ele, nestes últimos 3 anos, em 8 de maio de 2015, e em que já nos tratávamos por tu, tirou-me as derradeiras ilusões sobre a possibilidade de ele vir um dia aceitar o nosso convite para se juntar ao nosso blogue, enquanto coletivo de ex-combatentes da guerra da Guiné. A sua posição sobre a guerra colonial era firme, coerente e definitiva, aos 76 anos, e só tive que respeitá-la... Tenho hoje pena de, não obstante a nossa  troca de emails, nunca termos podido, em tempo útil, ou seja, em vida, sentarmo-nos, à mesa para  uma conversa mais franca, "tête-à-tête", olhos nos olhos, sobre a nossa experiência enquanto combatentes e as nossas posições político-ideológicas face à guerra colonial:

(...) Quanto ao mais, tudo é mais difícil e diria mesmo impossível. A minha posição em relação à guerra colonial, a única que  entendo  possível, urgente e inadiável, é a sua denúncia activa, nela tendo um grau de responsabilidade incontornável, todos quantos assistiram e até participaram nos massacres( e depois até foram condecorados por esses feitos em nome da Pátria) de todo um povo cujo único crime foi existir. Ainda hoje vivo memórias horrorizadas de tudo que vi e presenciei e me foi narrado. Daí que pense que blogues como os "Camaradas da Guiné”, usando uma expressão de Roland Barthes,  “ tendem em instituir-se como exteriores à História” e “é lá onde a História é recusada que ela mais claramente age”. Daí que a minha tribuna só possa ser política e ideológica, o que, como é evidente, não cabe no âmbito neutro e apolítico do teu blogue. Mas será que, bem vistas as coisas, existem blogues apolíticos a falar de acontecimentos de uma guerra, mesmo a propósito de camaradagem entre os seus autores e actores? Conversa longa que não cabe neste escrito. Não estaremos perante uma operação mitológica?

Espero que compreendas e não leves a mal esta minha posição, mas as minhas memórias da Guiné são políticas e como tal estão a ser escritas e delas darei justo testemunho cívico e republicano. (...)

Não, não lhe levei a mal... Sei ver, ouvir, ler, parar, escutar... Ou penso que sei... Mas confesso que nunca lhe respondi, por falta de oportunidade ou talvez por laxismo, lassidão, cansaço... E hoje, que ele morreu, eu tenho pena de não ter feito um esforço adicional, não para o convencer, mas pelo menos, para clarificar  a missão (talvez impossível) do nosso blogue e sua íntrínseca ambiguidade.  É possível fazer pontes, tentando concilitar o que é inconciliável ? Às vezes também tenho dúvidas... Mas há 14 anos que o tentamos, recusando as posições radicais...

Aqui fica, entretanto, a posição, intelectualmente honesta, do nosso camarada José Augusto Rocha  (1938.2018) cuja memória eu faço questão de honrar. Porque a função do blogue não é julgar, muito menos a discriminar os camaradas que combateram na Guiné... E o José Augusto Rocha foi um combatente e um camarada...

Para a sua família e amigos mais  íntimos, incluindo os seus camaradas de companhia. e nossos grã-tabanqueiros José Colaço e Francisco Santos, endereçamos os nossos votos de pesar e de solidariedade na dor. (ªªª)
 _______________


Guiné 61/74 - P18841: Notas de leitura (1083): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (43) (Mário Beja Santos)

Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque, imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Finda a pesquisa no acervo dos relatórios de Bolama e Bissau, entre 1917 e 1972, era obrigatório um mergulho num número infindável de pastas catalogadas com uma enorme variedade de assuntos, desde execuções hipotecárias até à compra de mobiliário.
Esta introdução socorre-se da fórmula de tratamento em que da sede de Lisboa se trata a gerência por V. Senhorias e Bolama e Bissau dirigem-se ao governo do BNU por V. Exas.
Documentação aliciante, diga-se de passagem, figuras gradas do antigo regime como Francisco Vieira Machado, Teófilo Duarte, Castro Fernandes ou Marcelo Caetano despacham sobre esta impressionante variedade de assuntos que lhes chegam às mãos.
Por nada existir entre 1903 e 1917, começamos no auge da guerra com histórias de politiquice, intriga e a magna questão da exportação das sementes oleaginosas.
É longo o caminho que temos pela frente.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (43)

Beja Santos

Introdução 
De V. Senhorias para V. Exas.

O acervo documental de peças dispersas referentes a correspondência trocada fundamentalmente pelas filiais de Bolama e Bissau com o governo do BNU em Lisboa é muito mais de que a história de uma instituição de que se desconhece uma boa parte da sua história. Talvez valha a pena começar pelas lacunas da multivariada documentação.

A primeira agência terá começado a funcionar em Bolama em 1903. Bolama era capital, ali funcionavam os serviços do governo enquanto em Bissau cresciam os negócios. Não dispomos de qualquer espólio útil entre esta data e 1917, momento em que surge a filial de Bissau. Gradualmente, irá crescendo a tensão entre estes dois polos bancários, e pelo que nos é possível ler nos relatórios de execução Bolama e as suas gentes lutaram denodadamente para que não houvesse mudança de capital, o que veio ocorrer em 1941, nessa altura Bolama já vivia em ambiente fantasmático, era uma sombra do passado, e passado houvera como ainda hoje se pode ver dos vestígios do seu património arquitetónico.

Da documentação pública sobre esta matéria, da responsabilidade da Caixa Geral de Depósitos (que acolheu todo o arquivo do BNU) consta que foi em 1902 que entrou em funções a agência em Bolama, com apenas dois empregados e o gerente. Não encontrei documentação comprovativa, mas é facto que por portaria de 24 de Janeiro de 1903, Júdice Biker, Governador da Guiné, determinou que fossem recebidas com moeda as notas do Banco na Província. A função emissora do BNU procurava pôr fim ao caos existente pelas diversas espécies de moedas em circulação.

Só encontrei dois documentos referentes a 1911, com datas de Setembro e Outubro, e que se prendem com contas e valores do tesouro e encargos do banco com o Estado, por natureza inconclusivos para qualquer análise. A partir de 1917 há com frequente regularidade relatórios de execução, falta o de 1932, extinguem-se em 1941. Os relatórios de Bissau também têm lacunas: não existem entre 1928 e 1930, falta o de 1938, casos há em que há mapas anexos aos relatórios mas faltam relatórios, isso acontece logo no pós-guerra; e temos falta de relatórios respeitantes a 1973, 1974 e 1975, pelo menos, encontra-se documentação avulsa sobre este período e aquando do período da independência.

Vejamos a importância atribuível a esta documentação partir de 1917, já que, com o detalhe possível, em capítulo próprio, se procura uma interpretação para os sucessivos olhares dos gerentes de Bolama e Bissau entre o período da I Guerra Mundial e a independência.

Logo em 1917 o gerente dá-se ao cuidado de prestar informações de caráter sociopolítico e económico que não têm tratamento ou que claramente se distinguem ao que vem mencionado nos relatórios de execução.

Em Agosto, a propósito da guerra nos Bijagós, informa-se Lisboa do que o governador limitara o estado de guerra às ilhas de Canhabaque e João Vieira, em virtude dos seus habitantes se encontrarem em estado de rebelião armada. Houvera igualmente uma carta reservada da agência de Bissau em que era explicitamente referido Isaac Thomas Hawkins que pedia indemnização pelo facto da coluna de operações estacionada em Bubaque lhe estar a prejudicar os negócios, tendo o cônsul geral de Inglaterra em Bathurst (Gâmbia) informado o cidadão britânico que devia sujeitar-se às leis portuguesas e que não era tolerável que ele pretendesse imiscuir-se nas decisões do governador. Era em Bubaque que estava estabelecida a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, o senhor Hawkins era um conhecido exportador de coconote.

O leitor deverá estar preparado para encontrar nesta correspondência minudências, atos insólitos, agravos e desagravos políticos de toda a ordem, o papel do gerente era estar a toda a hora a transmitir em Lisboa chegadas e partidas de personalidades, analisar a praça e seguramente que dispunha de relações que lhe permitiam uma linguagem franca e desassombrada. Minudências como a de informar a gerência do BNU em que o antigo Governador Coronel Agostinho Coelho decidira que o gerente de Bolama, bem como o guarda-livros deveriam ser professores numa escola central a funcionar em Bolama, sugeria-se a revogação de uma cláusula do contrato entre o BNU e o governo português.

Documento hilariante, uma velha guerra entre um contundente gerente de Bissau e um médico avençado, acusado de bebedolas

Respondendo a uma carta de Lisboa, acerca de uma queixa apresentada quanto a um comportamento do gerente de Bissau, este responde:

“É infundada a queixa recebida por V. Exas., pois não é verdade que tivéssemos assinado telegrama algum pedindo a conservação do Coronel Coelho como o governador da Província, e depois de recebida a carta de V. Exas. averiguámos que o promotor desse telegrama foi o senhor Carlos Costa Carvalho, gerente da casa Salomão Pereira Neves & Companhia. Apenas assinámos com todo o comércio nacional e estrangeiro um telegrama para o ministro das colónias pedindo que o produto da venda dos terrenos de Bissau fosse aplicado em benefícios de Bissau e fizemo-lo por tal pedido não ter o carácter político.
Sobre a transferência de sede da Província para Bissau, como o Coronel Coelho era dessa opinião e ele fosse nosso amigo, dispensando-nos atenções que não dispensava a outros, visitando-nos várias vezes em casa e escolhendo-nos de preferência para sua companhia nos passeios de tarde, desse também lugar a que viessem a supor que nós patrocinávamos ou defendíamos a opinião do governador. Em Bolama rebentou esta semana um grande escândalo entre o inspector e subinspector da Fazenda que diariamente se visitavam, por o primeiro ter enviado à esposa do segundo uma carta obscena, dando motivo a um conflito em que ambos ficaram de cabeças partidas. Em Bissau não quisemos relações e vivemos isolados”.

Imagem retirada da revista “Mundo Português”, da Agência Geral das Colónias

O gerente de Bolama esforça-se por aclarar as competências de cada uma das agências, e não esconde azedume e a eletricidade que vai no ar:

“Devemos dizer a V. Exas que existem em Bissau várias casas comerciais tendo em Bolama sucursais que fazem importantes negócios, principalmente de mancarra que aqui armazenam, visto o mercado deste produto ser mais importante nesta cidade do que em Bissau; a pretexto da gerências dessas casas estar em Bissau nada aproveitará a agência de Bolama com as suas operações.
A gerência da agência de Bissau, não recuando diante de nenhum expediente na mira de açambarcar as operações da Província, tem recorrido a um sistema pouco correcto tendente a conseguir o seu fim e em vez de se considerar uma dependência do nosso banco procede de forma a só poder ser considerada um concorrente da agência de Bolama.
Não temos a intenção de vir fazer acusações e muito menos de perturbar a harmonia que deve existir entre as dependências.
A inimizade pessoal da gerência da agência de Bissau contra o gerente da firma Visconde de Thiène, George Teston, forçou esta a não querer fazer transacções com aquela agência; como este cliente nos dá bons lucros, a agência de Bissau tem usado expedientes impróprios para que as operações daquela casa não se façam em Bolama. O senhor Teston seguiu para Paris a fim de se entender com o senhor de Thiène e tenciona passar por Lisboa a fim de expor o assunto a V. Exas., para o que nos pediu uma carta de apresentação que lhe demos”.

O relatório da agência em Bissau, neste ano de 1917 dá-nos notícias curiosas, a moeda de prata desaparecera praticamente da situação em Bissau, era referido que os indígenas tinham muita prata enterrada, e devido à falta de prata aumentara a circulação das notas emitidas pelo BNU, havendo indígenas que já recebiam e guardavam notas de pequeno tipo, principalmente de um escudo, o que até então não sucedia e comenta:
“Se o indígena pudesse pelas cores distinguir o valor das notas maior ainda seria a circulação. O pior de tudo é que nem notas pequenas temos em cofre e pedia-as à agência de Bolama, mas ela também não as tem".
Começava então a ganhar forma a estrutura dos relatórios, com itens reservados à situação da agricultura e aos valores da produção, ao estado das indústrias locais, às vias de comunicação com o interior, ao estado da telegrafa sem fios, aos serviços públicos, o movimento dos portos, importações e exportações e admitia-se a eventualidade de vir para a Guiné o banco colonial.

Assunto de peso, no auge da guerra, eram as sementes oleaginosas, o gerente de Bissau reagia desta maneira:
“Tem-se ressentido muito a Província com a proibição da saída das oleaginosas para o estrangeiro.
Já por várias vezes e sem resultado tem o comércio da Guiné tentando obter do governo a suspensão dessa iníqua proibição, pois que se a razão dela é a necessidade de oleaginosas na metrópole o certo é que nem o governo facilita meios de transporte nem os industriais da metrópole diligenciam obtê-los.
Enfim, o que se vê é que nem o governo nem os industriais têm procurado resolver a questão e quem sofre é a província em geral, é o seu comércio exportador, o de importação que está subordinado à exportação, e é o indígena, que não tem quem lhe compre os produtos e deixa de intensificar as respectivas culturas.
Fomos procurados pelos principais comerciantes nacionais e estrangeiros de Bissau que solicitaram o nosso concurso junto do governo para boa e rápida solução do problema”.

E ainda nesse mês de Outubro o gerente de Bissau insistia com a sede, nos seguintes termos:
“Por telegrama expedido daí sabemos que o governo pensa em proibir novamente a exportação destas sementes oleaginosas, das colónias para o estrangeiro.
Tal medida será a morte desta Província porque o mercado de Lisboa, não comportando a produção que regula por 8 mil toneladas de coconote e 14 mil toneladas de mancarra, fará baixar as cotações por falta de concorrência, sofrendo com isso as receitas da alfândega.
Rogamos a V. Exas. a fineza de nos telegrafarem se o governo vier a proibir a exportação para o estrangeiro, a fim de podermos a tempo tomar as medidas que em tal caso é conveniente. Se o governo respeitar na lei contratos já feitos, é favor igualmente avisarem-nos”.

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 6 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18816: Notas de leitura (1081): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18829: Notas de leitura (1082): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18840: Parabéns a você (1470): António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72) e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658 (Guiné, 1970/71)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18837: Parabéns a você (1469): António Dâmaso, Sargento-Mor Paraquedista Ref, das CCP 122 e 123 (BCP 12 / Guiné)

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18839: In Memoriam (317): João [Alfredo Teixeira da] Rocha (Ilha de Moçambique, 1944 - Porto, 2018), nosso grã-tabanqueiro n.º 775, a titulo póstumo (Luís Graça / Jaime Machado / Carlos Silva / Tabanca de Matosinhos / António Pimentel)



Matosinhos > Restaurante Casa Teresa > 9 de Abril de 2008 > Reunião habitual, às 4ªs feiras, da Tertúlia de Matosinhos (ou Tabanca Pequena de Matosinhos)... Da esquerda para a direita: (i) de pé, A. Marques Lopes, João Rocha (1944-2018), Eduardo Reis, José Teixeira, Armindo; na primeira fila, Jorge Félix, Xico Allen e Silvério Lobo... À entrada da Casa Teresa, o António Pimentel.

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 2008 > Um encontro emocionado: o João Rocha (ex-alf mil, Pel Rec Inf / CCS / BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70) com a sua antiga lavadeira. (*)

Fotos: © Xico Allen / José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagens de alguns camaradas que conheceram (ou privaram com) o João Rocha (1944-2018) e cujo testemunho vem reforçar a proposta que o nosso editor Luís Graça fez para que ele, a título póstumo, passa integrar a nossa Tabanca Grande, sob o nº 745 (***)



(i) Luís Graça, editor

Já não apanhei o João Rocha, quando cheguei a Bambadinca, em 18 de julho de 1969... Ficámos (a CCAÇ 2590/CCAÇ 12) adidos ao BCAÇ 2852, a cuja CCS ele pertencia: era o cmdt do Pel Rec Info, que tinha pelo menos dois furriéis milicianos, o António Gonçalves Pereira e  e o Fernando Jorge  da C. Oliveira, mais 10 praças (cinco cabos e cinco soldados).

O João saiu por motivo de doença, mas já não me lembro se chegou a ser substituído... (Consultada a história da unidade, vejo que não houve ninguém que viesse substituir o comandante do Pel Rec Info, da CCS/BCAÇ 2852, um dos furriéis deve ter assumido essa função).

Acho que só vi uma vez, na Tabanca de Matosinhos ou na Tabanca dos Melros, já não posso confirmar. Nunca veio aos nossos Encontros Anuais, da Tabanca Grande. O Jaime Machado diz que ele esteve na Ortigosa, no III Encontro Nacional, em 2008, com ele e o António Pimentel... Eu não posso de momento confirmar, sem acesso às lista de inscritos... Do Jaime temos fotos... O Carlos Silva, por sua vez, diz que o conheceu  no Simpósio Internacional de Guileje, em março de 2008, onde também eu estive, mas não me lembro dele.

O João nem sequer fazia parte da Tabanca Grande. Há, no entanto, vários postes com fotos e referências ao seu nome. Por estas e outras razões, gostava que ele fosse lembrado como "um dos nossos", como gã-tabanqueiro.

Ficam aqui testemunhos dos camaradas que lhe foram mais próximos ou que com ele conviveram António Pimentel, Fernando Gouveia...) ou que fizeram parte do seu batalhão, ou estiveram com ele  em Bambadinca, como é o caso do Jaime Machado, Fernando Calado, Ismael Augusto...).
À família enlutada, envio os votos de pesar e de solidariedade na dor. Quanto ao João, ficará connosco, sob o nosso poilão,  no lugar nº 775. (***)



(ii) Jaime Machado (ex-Alf Mil Cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70)

Caro Luís:

Fui uma vez a um almoço da malta de Bambadinca [, 1968/71] com o João e o Pimentel, 14º convívio, em Torres Novas, em 31 de maio de 2008, onde se comemorou os 40 anos da partida do BCAÇ 2852 para o TO da Guiné]. [fotos à esquerda  e abaixo, à direita]

Estive com ele algumas vezes nos almoços do Milho Rei, na Tabanca de Matosinhos

Gostava muito das gargalhadas dele. Fomos bons amigos.

A notícia da morte surpreendeu-me no Algarve e deixou-me triste. Claro que é o destino de todos nós mas não merecia ir já.

Tenho pena de não poder estar amanhã [, dia 10,] para o ultimo abraço.


(iii) Carlos Silva Carlos Silva, jurista, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71), membro da Direcção da ONGD Ajuda Amiga

Grande amigo, o João, conheci-o na Guiné durante o Simpósio de Guiledge realizado em 2008. Encontramo-nos algumas vezes em convívios das tabancas. O João, pela sua simpatia, não deixa ninguém indiferente.
Paz à sua alma. Condolências à família enlutada.


(iv) Tabanca de Matosinhos (página do Facebook)

(...) O camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70), traz-nos a triste notícia de mais um camarada que nos deixa.

Agora foi o João Alfredo Teixeira da Rocha, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 que esteve sediado em Bambadinca entre 1968 e 1970.

Era natural da Ilha de Moçambique. Enquanto a saúde o permitiu era um "ferrinho" à quarta-feira nos almoços da Tabanca de Matosinhos.

Um camarada que "transpirava" alegria e boa disposição.  Amigo do seu amigo, de sorriso fácil e grandes gargalhadas. Cativava quem com ele se cruzava.

Em 2008 voltou à Guiné para reviver bons e maus momentos e teve uma surpresa que o deixou em lágrimas. Ficou profundamente comovido quando uma velha senhora se dirigiu a ele e lhe disse categoricamente: Tu és o Alfero João Rocha e logo se abraçou ao João. As fotografias que se juntam espelham bem esse momento.

O seu corpo está em Câmara Ardente na Igreja do Foco, à Boavista, de onde sairá hoje, dia 9, pelas 16 horas, o seu funeral.

Fica em paz, querido João.

Em nome da Tabanca de Matosinhos os mais sentidos pêsames à família enlutada.

(...) Registo com mágoa o desaparecimento do querido João Rocha que nos acompanhou quase desde o nascimento da Tabanca em 2005 e que partiu para a eternidade recentemente. Um homem com H  que deixou a Tabanca mais pobre. De uma alegria contagiante que cativada com os as suas anedotas curtas, mas atempadas. Profundo amigo do seu amigo, profundo nas suas intervenções - um amigo como poucos.
Descansa em paz João. Nós hoje [, no almoço de 4ª feira. dia 11,] falámos de ti com carinho e estivemos em silêncio por ti durante um minuto. (...)


(v) António Pimentel [ex-Alf Mil, Pel Rec Inf, BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70)]

Bom dia Luís!

É com grande desgosto que venho aqui dar o meu testemunho sobre o João, que acompanhei ontem [, dia 10,]  na última viagem.

João Alfredo Teixeira da Rocha, nasceu na Ilha de Moçambique,  em 27 de Março de 1944. Os pais eram de Ílhavo.

Frequentou a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. No dia 11 de Abril de 1967 apresentou-se em Mafra para frequentar o COM. Depois do primeiro ciclo foi escolhido para a especialidade de Reconhecimento e Informações, tal como eu e o Fernando Gouveia. Terminado o curso, fomos colocados no RI6, como Asp. Of. Mil.

Nesses meses demos instrução geral a soldados que estavam a tirar a especialidade de condutores. Em Dezembro de 1967 fomos mobilizados para a Guiné e escolhidos para frequentar o curso de Operações Especiais, no CIOE, em Lamego, onde formamos uma parelha. Fomos para Lamego sem vontade nenhuma...

Em Abril de 1968 regressamos ao RI 6 para darmos a nossa especialidade, Reconhecimento e Informações a soldados, mas não os que iriam connosco para a Guiné, como seria lógico.

Em Julho fomos colocados nos Batalhões, eu no BCaç 2851 e o João no BCaç 2852, e partimos para a Guiné no Uíge. O meu Batalhão foi para  Mansabá e o João para Bambadinca.

A dada altura [, em 1969,]  o João foi passar as férias a Moçambique e chegou atrasado ao Batalhão. Apanhou uma "porrada " que o impediria de ir de férias, outra vez. Não aceitou isso bem, ficou bastante perturbado e deu baixa à psiquiatria do HM 241, em Bissau, onde o fui encontrar irreconhecível. Acabou por ser evacuado para cá. 

Regressamos à Guiné em 2008 onde vivemos novas emoções. Fomos frequentadores assíduos da Tabanca de Matosinhos.

Esteve doente várias vezes, tendo mesmo sido operado ao coração, mas recuperou sempre. Ultimamente um cancro nos ossos acabou por ditar o seu fim, no dia 7 do corrente. O coração não resistiu e partiu enquanto dormia rodeado de atenções e carinho pela família, nomeadamente uma das filhas, enfermeira no Hospital de Santo António, que pediu licença para tratar do pai. 

Profissionalmente trabalhou na TAP e na Portugália, de onde se reformou. Tinha 3 filhas, 1 filho e 9 netos.

Descansa em paz, João!
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de dezembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15472: Fotos à procura de... uma legenda (67): Xitole, 2008, extraordinária fotografia, a do João Rocha!... 40 anos depois com a antiga lavadeira, é muito mais que um abraço ou "o olá como tens passado"... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

(**) Último poste da série > 8 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18826: In Memoriam (316): João Alfredo Teixeira da Rocha, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852, falecido no dia 8 de Julho de 2018 na cidade do Porto (Fernando Gouveia)

(***) O grã-tabanqueiro nº 744 foi o Américo Russa: Vd.  poste de 10 junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18738: Tabanca Grande (465): Américo da Silva Santos Russa, ex-Fur Mil Alimentação da CCS/BART 3873 (Bambadinca, 1972/74)

Guiné 63/74 - P18838: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS) (7): Recordações do STM/CTIG

Aqui estou eu, compenetradíssimo, a passar a stencil a Presse


1. Em mensagem do dia 8 de Julho de 2018, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), enviou-nos esta recordação do seu  tempo de Bissau:


RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU

PEDAÇOS DA HISTÓRIA DA GUINÉ
 
7 - Recordações do STM/CTIG

Procurando rememorar o STM de Bissau, onde passei 25 meses, entendo dever procurar fazer um pouco de história acerca do STM que eu já conhecia antes de chegar à Guiné - comecei a fazer serviço como Operador de Mensagens no QG da 2.ª Região Militar em Tomar a partir de Março de 1968 - começarei por dizer que Transmissões sempre existiram em todos os Exércitos, em todos os tempos, com os meios e as técnicas que existiam, porque a troca de informações, para o êxito das missões, sempre foi considerada indispensável. Porém, diga-se em abono da verdade que Transmissões propriamente ditas, independentes das várias Armas, nomeadamente da Arma Mãe, a Engenharia, só começaram a existir no nosso Exército a partir da década de 50 com a criação do STM – Serviço de Telecomunicações Militares no antigo BT – Batalhão de Telegrafistas - na Graça, em Lisboa, e posteriormente com a instalação do Regimento de Transmissões, no Quartel da Arca de Água, no Porto.

No Centro de Transmissões de Tomar, para além do Centro de Mensagens, existia o Posto de Rádio com ligações ao Batalhão, às Unidades Militares da Região, incluindo o QG do Campo Militar de Santa Margarida e às outras Regiões Militares, existia ainda o Posto de Teleimpressores que tinha ligações directas com o Batalhão e com o QG do Campo Militar e também tínhamos um Posto de Fac-simile, um aparelho Siemens da 2.ª Grande Guerra, que todos os dias fazia exploração com o Batalhão para garantir e confirmar a sua operacionalidade. Fazendo um apelo à memória já cansada, penso que ainda me lembro de vários indicativos dos teleimpressores, RPFE, RPTB, etc., como me lembro de indicativos telegráficos como o TECOMUNICATERRA, Direcção do Serviço de Telecomunicações Militares, o CHEMILDOIS, Chefe do Estado Maior da 2.ª Região Militar, etc.

Entrando agora no STM de Bissau, começo por dizer que naqueles tempos longínquos, quando ninguém sabia o que eram telemóveis e a Rádio não era nada do que hoje é, algumas notícias ouviam-se em Onda Curta, mas sempre com má qualidade e normalmente a horas impróprias, sentia-se a falta de informação escrita, apesar de Bissau ter um periódico que saía de vez em quando.
Mas notícias chegavam todos os dias a Bissau, expedidas de Lisboa, para todo o mundo, em Morse. Havia que trabalhá-las.

Por isso, para suprir aquela falta de notícias, o Destacamento do STM do CTIG começou por organizar a sua recepção, a sua interpretação, a sua impressão e a sua posterior divulgação pelas Unidades Militares de Bissau.
Davam cara a este trabalho voluntário, como o 1.º Sargento Liberal da Silva gostava sempre de sublinhar, para além dele próprio, o 2.º Sargento Caldas da Silva, o 1.º Cabo RADIOT Irineu e este modesto escriba que fazia a interpretação do “apanhado”, o trabalho dactilográfico nas folhas de stencil, a impressão no duplicador Gestetner e muitas vezes até a distribuição pelos serviços do QG, pelas Messes do QG e Unidades de Bissau.

Era uma equipa pluridisciplinar digna de todo o registo, digna de ser recordada ao fim de todos estes anos, mas seja-me permitido dizer, o Irineu, o RADIOT era uma peça chave, por razões óbvias, mas acima de tudo pela sua grande capacidade de recepção.

Tudo funcionava sob o comando e orientação do Comandante do Destacamento, o então jovem Capitão João Afonso Bento Soares, hoje distinto General na reforma.

O 1.º Sargento Liberal Silva, coordenava a equipa, se bem que esta muitas vezes já funcionasse automaticamente como se estivesse em auto-gestão, o 2.º Sargento Caldas da Silva tratava da Expedição já que era o CMsgs, que ele chefiava, que tinha as viaturas e os estafetas.

Seja-me permitida uma palavra de saudade para estes dois últimos amigos que já nos deixaram há muito, e de uma forma especial para a memória do Sargento Caldas, grande amigo, que naquelas terras africanas passou grande parte da sua vida.

Como já tive oportunidade de referir, completava a equipa o Radiotelegrafista Irineu, este modesto mas atrevido escriba, os estafetas e os motoristas de serviço.

De vez em quando acontecia um ou outro contratempo. Era o stencil que se rompia e tudo tinha que voltar à primeira forma. Era a tinta que borrava o trabalho e tudo também voltava ao princípio, mas a noite era nossa e tudo acabava sempre em bem.

No outro dia de manhã, quando o serviço o permitia, eram dirigidos vários exemplares às 4 Repartições do QG, ao CEM, ao COMCHEFE, ao Palácio do Governador e a cada Unidade de Bissau, sendo que esse trabalho acabava sempre perto da hora da 2.ª refeição, tudo feito com recurso a Protocolo.
Como se pode imaginar, o STM, para além de ter posto no ar as 4 Redes de Rádio para o interior da Guiné e fazer a sua manutenção para que as mesmas estivessem sempre operacionais nas 24 horas de cada dia, mantinha também uma Rede para o Metrópole, no BT, para a Comando Chefe, para a Marinha e para a Força Aérea existiam também redes de Teleimpressor, como também para Mansoa, mas, por questões de segurança, por causa de algumas vulnerabilidades, só eram usadas em situações que não envolvessem matérias sigilosas, dizia o STM de Bissau para além das suas responsabilidades no contexto operacional que se vivia, também sabia colaborar em missões de informação geral como era o caso da distribuição da Presse Lusitânia como se pode constatar pelas reproduções.

Assim, por mera curiosidade, mas também para matar algumas saudades acumuladas com o andar dos tempos daquelas noites loucas, vão aqui dois exemplares, sendo o primeiro do dia 13 de Julho de 1969. Na 1.ª página fala-se da visita Presidencial ao Brasil, o Professor Marcello Caetano, da viagem no avião a jacto da TAP, da sua chegada e da calorosa recepção que teve à sua chegada aquele país irmão.


Nesta segunda página, como poderão verificar, temos a chamada VIDA DESPORTIVA, fala-se de futebol, da Taça Ribeiro dos Reis, de atletismo, da digressão do Vitória de Setúbal a Angola e a Moçambique e dava-se conhecimento da Chave do TOTOBOLA daquela semana, sendo que na semana em análise só pontificavam equipas secundárias, possivelmente devido a alguma interrupção do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, quem sabe se motivada por algum jogo da Selecção Nacional.
Mas esta da Chave do Totobola, não deixa de ser interessante recordar já que para além da Lotaria Nacional, naquela altura, o Totobola era o único Jogo Social explorado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e era muito apreciado e procurado naquela época.

Na página seguinte reproduz-se a PRESSE do dia 31 de Julho de 1969.

Nesta 1.ª página, para além das notícias da política da altura, e muitas vezes eram exaustivas como convinha, regista-se a chegada a Lisboa do Paquete “Vera Cruz” com tropas de regresso do Ultramar, mas também se dá nota da VIDA DESPORTIVA que inclui ciclismo – VIII Grande Prémio Robbialac – dum acidente dentro desse Grande Prémio onde esteve envolvido o grande Joaquim Agostinho e termina a página com uma referência ao Campeonato Nacional de Juniores de Andebol de Onze.

Nesta página é dada nota de alguma dificuldade de ligação do grande Eusébio ao Benfica.
A página completa-se com notícias da chamada Vida Internacional.
Era assim que o Destacamento do STM do CTIG, colaborava na difusão das notícias do mundo junto das outras Unidades Militares.

É mesmo bom recordar, para que a memória não esqueça.

Carlos Pinheiro, no dia 4 de Dezembro de 2011, passados mais de 42 anos dos factos.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9273: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (6): Notícias da Guiné de 9 de Fevereiro de 1969

Guiné 61/74 - P18837: Parabéns a você (1469): António Dâmaso, Sargento-Mor Paraquedista Ref, das CCP 122 e 123 (BCP 12 / Guiné)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 de Julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18827: Parabéns a você (1468): Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 2412 (Guiné, 1968/70); Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Joaquim Carlos Peixoto, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3414 (Guiné, 1971/73)

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18836: Blogpoesia (575): "O Meu Jardim", poema de Fernando Tabanez Ribeiro, ex-2.º Tenente da Reserva Naval

Com a devida vénia a Labirinto - Jardins


1. Em mensagem do dia 6 de Maio de 2018, o nosso camarada Fernando Tabanez Ribeiro (ex-2.º Tenente da Reserva Naval, LFGs "Lira" e "Cassiopeia",  CTIG, 1972/73), enviou-nos este seu poema para publicação:
 

O MEU JARDIM 

As flores do meu jardim 
foram plantadas por mim 

Tão belas quanto singelas, 
azuis, vermelhas e amarelas. 

Às vezes, páro e medito: 
– Se acaso a beleza 
que vejo na Natureza, 
é uma certeza 
concreta, material. 
Se não, então 
eu admito 
que afinal, 
é real, 
a feliz Ilusão 
em que acredito. 

Bate o Sol no meu jardim 
que bênção, uma coisa assim! 
Pr´as flores é uma alegria 
a Graça que o Sol envia, 
luz sublime da cor do oiro. 
O pólen que a flor encerra 
colhe-o a abelha, doce e loiro, 
o bom mel da nossa terra.

Em Maio que perfumadas, 
são as ledas madrugadas! 

Concertos de horas sem fim 
alegram o meu jardim. 
Ao canto da cotovia 
a Estrela d´Alva anuncia 
a aurora dum novo dia. 
E logo o rouxinol 
entoa em Clave de Sol 
as mais belas melodias, 
magníficas sinfonias 
de louvor à Primavera. 
Que bom seria, quem me dera! 
− guardar comigo para sempre 
os trechos que tenho na mente. 

Os sons avivam as cores, 
e a magia das flores. 

Bailados de borboletas 
divertem as minhas flores. 
Mesmo as tristes violetas, 
esquecem penas e dores 
e riem com as piruetas 
graciosas das borboletas. 

Belcanto do meu encanto, 
das horas de um dia santo. 
No palco do meu jardim, 
os dias são todos assim. 

Põe-se o Sol. Soam trindades. 
Tão simples. Perenes verdades, 
que guiam o nosso caminho. 
A noite cai de mansinho, 
recolhem as aves ao ninho. 
Paz santa. Dormem enfim, 
as flores do meu jardim. 
As flores do meu jardim, 
casam com o azul do céu, 
quem cuida delas sou eu. 
Por isso me dizem que sim, 
que gostam muito de mim.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18823: Blogpoesia (574): "Os desafios de viver", "Ao nascer do dia..." e "Um outro piano negro...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18835: Historiografia da presença portuguesa em África (124): Sobre as fortalezas da Guiné e da África Oriental, pelo Capitão Henrique C. S. Barahona; Typographia do Commércio, 1910 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Obra do acaso, encontrei esta “Carteira de um Africanista”, o que o Sr. Capitão Henrique Barahona diz sobre a fortaleza de Bissau é do maior interesse, resta dizer que em 1910 o Governador Carlos Pereira tomou a decisão histórica de mandar derrubar o muro, não foram afugentados os perigos, mas Bissau começou a crescer. Atenda-se à descrição do interior da fortaleza, ao caráter guerreiro da população em volta de Bissau e ao facto de que existia uma paliçada contígua ao forte de Pidjiquiti, nome por que era conhecido o arruinado forte Nazolini, um poderoso escravocrata e grande comerciante da Guiné.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Sobre as fortalezas da Guiné, pelo Capitão Henrique Barahona, 1910

Beja Santos

Dei com este documento no Arquivo Histórico do BNU, assina Henrique C. S. Barahona, Capitão de Engenharia e antigo Diretor das Obras Públicas do Ultramar. Vale a pena escutá-lo sobre o trabalho que desenvolveu na Guiné:
“No decurso da minha longa permanência em terras de África (1891-1907), onde o destino me chamou a colaborar com homens de valor, como António Ennes, Guilherme Capelo, Teixeira da Silva, Garcia Rosado, Ayres de Ornellas e Freire de Andrade, foram numerosos e diversos os trabalhos por mim dirigidos e fiscalizados na Guiné, em Angola e Moçambique.
Quando em 1891 fui servir na Guiné, encontrei a fortaleza de S. José de Bissau quase completamente arruinada. Durante a minha estada na Guiné (1891-1892) procedi a importantes trabalhos na fortaleza de S. José de Bissau, que restaurei em grande parte, pondo-a em condições de resistir às sortidas do gentil irrequieto que a rodeia.
Desde o período da descoberta da Guiné até fins do séc. XVII pode dizer-se que esta colónia poucos cuidados mereceu aos governantes de Portugal, sob o ponto de vista da sua defesa, já contra as tribos irrequietas que a povoam, já contra os piratas que então infestavam aquelas paragens.
Até 1776, época em que foi construída a fortaleza de Bissau, só rezam as crónicas de dois ou três fortes construídos na Guiné, e que foram: a Casa Forte de Cacheu, construída em 1589 a expensas de Manuel Lopes Cardoso e artilhada à custa do Capitão-Mor António de Barros Bezerra, e os Fortes de Guinala e Biguba, também construídos a expensas de particulares.
Todos estes fortes eram construídos de adobe e pouco duraram.

Foi em 1696 que se criou o presídio de Bissau (subordinado a Cacheu) para o qual seguiu artilharia do reino. A fortaleza de S. José foi construída em 1766 sob a protecção dos fogos de uma esquadra que fundeou no Porto de Bissau e que manteve em respeito os povos aborígenes, sem irrequietos e revoltos. A obra só se concluiu à custa de muitos sacrifícios de fazendas e vidas.
Os operários empregados na construção da fortaleza seguiram do reino, donde também foi a cantaria que em parte ainda hoje ali se vê.

A Fortaleza de S. José de Bissau tem quatro faces abaluartadas, dispostas segundo os lados de um quadrado, como se vê na gravura junta. As muralhas têm doze metros de elevação sobre o fosso que as circunda. Esse fosso tinha a escarpa e a contraescarpa revestida, mas quando ali cheguei achava-se quase entulhado com os escombros da muralha e os revestimentos do fosso tinham desaparecido. Honório Barreto assevera numa memória que escreveu sobre a Guiné que as pedras que guarneciam a contraescarpa e as lajes das plataformas de artilharia foram roubadas para se fazerem algumas casas de particulares.


A Fortaleza tinha alojamentos para o governador, oficialidade, sargentos e para duzentas praças, além da capela, paiol e armazéns. Em cada um dos baluartes, ao centro, havia gigantesco poilão que lhes dava farta sombra.

A povoação de Bissau ficava apertada entre o forte e uma cortina que liga o baluarte da Onça ao Fortim do Pidjiquiti, nome pelo qual em 1891 era conhecido o antigo Forte Nazolini, do qual, aliás, só existia a face que olha para a campanha. Este resto estava em tal estado de ruína que os merlões das canhoneiras eram formados com sacos de terra.
A Fortaleza de S. José de Bissau, quando ali cheguei, também inspirava pouca confiança aos seus defensores. Basta dizer que o parapeito estava quase todo derruído, acima do terrapleno de circulação. Deste modo, os pretos rebeldes podiam alvejar as reduzidas tropas da guarnição que fomos encontrar exaustas por sucessivos alarmes.
A densa vegetação que circundava a praça permitia que o inimigo se pudesse aproximar sem ser visto.

O artilhamento da praça era simplesmente mesquinho, para não dizer outra coisa. Basta citar o facto de termos ido encontrar ali peças de artilharia assestadas no parapeito sobre reparos construídos por grossas lajes postas de cutelo!
Tanto o Fortim do Pidjiquiti como o Forte de S. José foram convenientemente reparados durante o tempo que estive na Guiné e o artilhamento foi muito melhorado o que não obstou a que poucos anos depois já ali se vissem as peças de artilharia amarradas com cordas aos respectivos reparos!
Não pretendo dar uma ideia do carácter belicoso dos povos da Guiné, mas seja-nos lícito, numa revista como esta, chamar a atenção para um facto curioso que se dá com a forma de combate daqueles selvagens.

Todos os oficiais que se defrontam com eles ficam surpresos, vendo-os adoptar uma táctica que muito se assemelha à nossa ordem dispersa.
Poderia supor-se que é imitação do que vêem fazer aos nossos soldados; mas a verdade é bem diferente. Há muitos anos que os povos da Guiné adoptam aquele modo de fazer a guerra. Ainda no nosso exército não se usava a ordem dispersa e já aqueles gentios a empregavam nos seus combates.
Com efeito, na memória do Governador Honório Barreto, publicada em 1843, lê-se o seguinte modo de combater dos povos da Guiné:
‘Quando são atacados retiram-se ao mato e no sítio mais fechado dele se fazem fortes procurando atrair o inimigo para lhe cortar a retaguarda, o que chamam fazer saco, e como são pretos e andam nus, evitam o ser vistos e matam a seu salvo os atacantes. Nunca dão tiro sem ter pontaria certa, e muitas vezes há queima-roupa. Brigam dispersos e nunca se reúnem mais de três ou quatro. O maior troféu para eles é cortar as cabeças dos inimigos e conservar as caveiras como reminiscência gloriosa.’

Guerreiro Balanta

A esta curiosa táctica, que pode chamar-se em ordem dispersa, devem de certos indígenas da Guiné o não terem sido até hoje exterminados pelas numerosas guerras que contra eles temos sustentado. A última guerra de Bissau, em que as nossas forças acamparam durante dois dias no alto da Antim devia ter sido excessivamente mortífera para os Papéis de Bissau se estes atacassem em mangas, como fazem os Vátuas.

Propus em 1891 que a muralha que liga o baluarte da Onça ao Fortim de Pidjiquiti fosse derrubada, permitindo assim a expansão da vila. Antes porém seria preciso reforçar a defesa da povoação com obras avançadas e com uma estrada militar que colocasse Bissau ao abrigo de um golpe de mão do gentio.
Não nos consta que estes trabalhos tenham, sequer, sido iniciados.

Não merecem descrição, nem especial referência nesta revista os trabalhos a que procedi para melhorar a defesa de Cacheu, Buba, Farim e Geba, pois o sistema defensivo destas povoações limita-se apenas a paliçadas.”
____________

Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18809: Historiografia da presença portuguesa em África (122): L’affaire Salagna, Guiné, I Guerra Mundial: Primeiro estavam os negócios, depois o patriotismo (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18834: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (56): Entre 1394 e 1974, a História de Portugal deve ser reescrita e ir para o Museu?


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > 3 de Março de 2008 > A estátua de Diogo Gomes, agora "em depósito" na antiga fortaleza portuguesa do Cacheu... Seis séculos de história para um "canto", que nem sequer é museu...

Já vai em mais de cem o número de académicos que são contra a possibilidade de Lisboa vir a ter um "Museu das Descobertas". Numa carta, que o Expresso publica abaixo, historiadores, especializados na história do império português , e cientistas sociais explicam porque é que um museu dedicado à expansão portuguesa nunca deverá ter esta designação. A ideia de criar na capital uma instituição como esta foi defendida no programa eleitoral de Fernando Medina, eleito presidente da câmara de Lisboa. Os signatários da carta consideram o nome "Museu das Descobertas" um erro de perspectiva. A lista de signatários não tem parado de aumentar desde que a carta foi tornada pública,na última quinta-feira. Aos portugueses juntaram-se desde então investigadores vinculados às universidades de Harvard, Yale, e UCLA, nos Estados Unidos, ao Collège de France, Sorbonne, EHESS, Paris e a EPHE, Paris, às principais universidades brasileiras, São Paulo, Universidade de Campinas, Universidade Federal da Baía, Universidade Federal Fluminense, o University College London, UK, ou a Universidad Complutense de Madrid- 
[Expresso, 12 de abril de 2018 >  A controvérsia sobre um Museu que ainda não existe. Descobertas ou Expansão?]


Foto: © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de António Rosinha

Data: 9 de julho de 2018 às 23:04

Assunto: Entre 1394 e 1974 da História de Portugal deve ser re-escrita e ir para o Museu?

Luís, como está na ordem do dia, e se não for excessivo, aproveita.
Abraço, António,


2. Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (56): Entre 1394 e 1974, a História de Portugal deve ser reescrita e ir para o Museu?


[ António Rosinha, foto acima, à direita, 2007, Pombal, II Encontro Nacional da Tabanca Grande]

(i) beirão, tem mais de 110 referência no nosso blogue;

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como  autor e comentador;

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, sendo fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic);

(vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos cornos';

(x) ao Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ]


Mas não no Museu das Descobertas, porque estas só podem ser consideradas até Magalhães com a volta ao mundo, 1521, 127 anos a viajar e a ligar terras e continentes desconhecidas entre si e localizá-los no mapa.

Segundo alguns portugueses, desde o nascimento do Infante Dom Henrique até ao General Spínola, 580 anos, todos os heróis nacionais desse período, com estátuas, bustos ou referências em ruas e praças, deviam ser "recolhidos", senão apagados da história como heróis, porque acham que a história está a ser mal contada.

 E, sendo assim, tal como fizeram os guineenses que levaram as estátuas dos heróis portugueses para a fortaleza de Cacheu, era de sugerir, digo eu, que cá, na ex-Metrópole, se fizesse um Museu na fortaleza de Sagres, onde tudo começou.

Talvez não coubessem todos, desde o próprio  Dom Henrique um sem vergonha, sonhador, mas talvez  a culpa foi da mãe que até era inglesa,  até ao Camões um gabarola, e um Cabral que até se enganou no caminho porque se fiou no GPS que estava desactualizado.

E o Marquês onde o Benfica festeja à volta do leão, que mandou os jesuítas para lá do Atlântico, pregar para outra freguesia, esse ia também para Sagres.

Nem os santos escapavm, até São Francisco Xavier que foi convencer gente que vacas não são sagradas e que toucinho faz uma rica banha, esse também não escapava.

Quem vai para Sagres é tambem o Gama que viciou os europeus na canela e no açafrão e outras drogas.

Mouzinho que embarcou Gungunhana e a família para a Metrópole, e não naufragou, será uma das figuras principais no museu.

Enfim, se misturarmos numa mesma casa desde o Henrique, o navegador, e o Gama e Bartolomeu Dias e Cabral, junto com Salvador Correia de Sá e outros brasileiros mais uns tantos cabo-verdianos e angolanos que  atravessaram o Atlântico com escravos para o Brasil e juntarmos ainda  outros como o próprio Eusébio e todos os Magriços do Estado Novo, que inovaram com futebol luso-tropical na Europa, moda que pegou (França e Inglaterra), então ficamos sem saber como havemos de chamar a esse museu.

Mas Museu das Descobertas é que não pode ser chamado como tal.

 Passámos mais anos a caminho e a viver nos trópicos do que quietinhos no nosso cantinho.

Seriam 580 anos da nossa história que  foram uma mentira, porque  nos primeiros127 anos já estava tudo descoberto, reconhecido e identificado e mapeado, o resto 353 anos,  foi conquista e colonização.

E só teríamos 274 anos em que fomos verdadeiramente Portugueses ou Lusitanos, e não Luso-Tropicais.  

Temos que perder complexos e não somar complexos a mais complexos. Descobertas foi uma coisa, conquistas foi outra. E escravatura foi ainda outra, e todas estas coisas devem ser tratadas no seu devido lugar (museu).

Como os portugueses mais recentes,  africanos, que à maneira americana se dizem afro-descendentes, e não sei se indianos e chineses descendentes também se queixam que os herois portugueses das Descobertas e das conquistas não são os seus heróis, talvez a maioria dos portugueses se interrogue se não será também descendente dos milhares de escravos e escravas e voluntários e voluntárias que se fixaram durante 580 anos neste cantinho de heróis, e aí ficamos na dúvida sem saber o que fazer a tanto herói.

E mais uma coisa, toda a Europa está numa transição tal, que há países europeus a temer que a maioria dos seus cidadãos  venham um dia a ser "afro-descendentes" e aí também os heróis "mudam de figura".

Já há muitos anos os romanos lutaram contra cartagineses que chegavam de elefante, agora lutam contra quem chega de bote.

A história universal pode ter muitas leituras, mas ninguém culpe os navegadores, porque "navegar é preciso".

Um abraço
António Rosinha
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18559: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (55): 25 de Abril: somos ingratos?