quinta-feira, 30 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20925: 16 anos a blogar (9): Independências - Parte I (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

 

1. Em mensagem do dia 28 de Abril de 2020, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos um longo texto subordinado ao tema "Independências", do qual publicamos hoje a primeira parte.




(Clicar na imagem para ampliar)


INDEPENDÊNCIAS - PARTE I


Caros Camaradas

Começaria por pedir a especial atenção para os dados bem como mapa da existência de minérios, tanto de usos mais gerais bem como preciosos, petróleo e gás natural. Foram dados publicados pelo o Jornalista de investigação premiado do Financial Times, Tom Burgis no seu livro "A Pilhagem de África":
No mapa é referido onde estão as riquezas desse continente tão rico e talvez, por isso mesmo, tão miserável.

À medida que nos distanciamos dos anos em que a libertação das colónias foi exigida pelos respectivos movimentos, vão-se avançados como novas visões da solução dos problemas, que os países emergentes sofrem passados que são 50/60 anos da sua autodeterminação.
Pelo que me é dado a perceber, segundo as opiniões dos mais diversos comentários, é que a independência é boa para mim, que sei viver com ela. Como diria uma velhota da minha terra com ar da maior sabedoria quando via o marido chegar perdido de bêbedo a casa:
– O vinho devia ser só para alguns e para mim, que o sei beber.

A África subsariana já ia com atraso em relação aos países do Índico e Sudoeste Asiático bem como o próprio Norte de África, tinham alcançado a sua independência logo no fim da II Guerra Mundial e vai revindicar pela voz de activistas mais esclarecidos na sua maioria estudantes nacionalistas, que passam a militar clandestinamente nas cidades das potências colonizadoras.
Na altura os dirigentes coloniais fizeram leituras erradas sobre o que se estava a passar. Confundiram nacionalismo, autodeterminação e independência, com comunismo, o que levou às cruzadas do costume e ao abafamento dos direitos humanos, bem como a uma repressão brutal pouco aceitável para um Mundo que se tinha visto livre do totalitarismo nazi e fascista.

Os impérios coloniais governavam dentro de uma bolha. Usavam, exploravam mas não conheciam e não se misturavam os povos sob sua administração. Assim, quando alguma coisa acontecia debaixo do seu nariz, o preconceito e racismo só lhes indicava uma direcção, que era a repressão. Aconteceu em todo o lado e com muitas dezenas de anos de intervalo. O pretenso castigo usado de forma exagerado acaba por ser recebido como justificação para que a violência se instale por todo o lado.

Assim, não era anormal ouvir um soldado chamar filho da puta a um negro e dizer-lhe que era por causa dele que ele para ali tinha ido. Ora o que era mentira, pois os autóctones tinham pegado em armas e revoltando-se contra o poder colonial, que o soldado defendia e representava.
O que quero dizer com isto, é que quem tem o poder dificilmente aprende com isso, se tem os olhos e sentidos abertos, logo os fecha porque a ganância é mais poderosa.
Crescem assim os movimentos iniciados por minorias intelectuais, que são fortemente reprimidas e que dai passam à luta armada.

Os países que foram atingindo a autodeterminação, passaram a servir de abrigo para os activistas, que a partir dai, lançavam ataques aos territórios sobre administração colonial.
Mas a luta dos povos tem avanços e recuos e muitos desses países sofreram golpes de estado, apoiados pelas potências ex-colonizadoras e assim nasce o neocolonialismo. Esses países com atitudes mais ao menos dúbias, acabaram por escorraçar quem o anterior regime apoiou numa inversão valores e politicas, ajudam a formar grupos armados, que passam a ter um papel activo muitas vezes contra os movimentos que tinham reivindicado junto das organizações internacionais o direito à independência da sua terra. É assim o prelúdio das guerras civis, que grassam por todo o continente sem fim à vista, num cortejo de horrores miséria e morte.

Atribui-se hoje como beneficiários dessas hecatombes humanitárias as claques governantais, que em total ausência de escrúpulos rege em proveito próprio o que devia servir para o bem estar do povo. A ambição desmedida, o novo-riquismo, as purgas, infectaram para sempre os dirigentes, que na sua juventude teriam vertido o seu sangue pelo ideal. (a ler "A Geração da Utopia", de Pepetela. para ter uma ideia).
Mas quem são os responsáveis pela continuação da criação de estados falhados, pelo aproveitamento da pilhagem feita à custa de trabalho escravo nas minas de diamantes, ouro, coltan, petróleo etc? Na verdade criticamos os governos africanos, mas não os verdadeiros responsáveis. Quem lhes compra os produtos a preços de miséria e lhes vende armamento para manterem a desestabilização permanente para assim continuarem a retirar dividendos com produtos regados com sangue?

Mediante esse estado de coisas, vai germinando entre saudosistas e preconceituosos, a opinião de que os povos nativos tudo dariam para voltarem para as potências colonizadoras e que se lá continuassem, os países que antes os administravam ou melhor se tem chegado à independência com minorias brancas no poder, então sim, atingiriam o paraíso na terra e que os negros, fornecedores da mão de obra barata, salvo honrosas excepções, estariam hoje todos contentes num regime, que acabaria por ser a separação entre cidade do asfalto e cimento, a da terra batida e a palhota, entre a cidade dos néon e os bairros nativos de duvidosa salubridade, num projecto falhado como se comprovou com a África do Sul e Rodésia. Falhado porque talhado em moldes de separação da comunidade branca e os direitos das outras comunidades, que ainda assim eram divididas por castas e em escalões étnicos.

Numa palavra, sociedade onde um engenheiro negro devia serventia a um servente branco. Uma sociedade onde as crianças brancas eram criadas pelo o carinho dos seus servos negros mas quando cresciam, ficavam tão maus como os pais, rejeitando e não retribuindo o amor que tinha recebido.
Um continente dividido em tempos idos a régua e esquadro pelas potências dominantes, sem qualquer cuidado nem respeito por laços familiares e culturais. Os problemas que persistem nunca serão resolvidos em mais sessenta anos, pois a resolução desses mesmos problemas está sujeito a interesses exteriores de quem não lhes interessa nada que sejam resolvidos.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20924: 16 anos a blogar (8): Outro combate (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P20924: 16 anos a blogar (8): Outro combate (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Porto - Parque da Cidade
Foto: Com a devida vénia ao autor


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), autor do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", com data de 29 de Abril de 2020:


OUTRO COMBATE

Francisco Baptista

Os dias de confinamento vão passando devagar, com algumas leituras agradáveis, algumas passagens breves pela televisão e pela internete e com algumas saídas ao Parque da Cidade ou às ruas próximas de casa, para desentorpecer as pernas, renovar o ar dos pulmões e viver a ilusão de caminhar só pela Terra a sentir, a liberdade, a paz e o silêncio, que esses momentos de solidão proporcionam. Anteontem foi o dia da Terra, essa entidade suprema, que criou todas as formas de vida e nos criou, que aprendi a amar por viver tantos anos em contacto próximo com ela, que na minha filosofia de vida, depois de muitos anos elegi como a justificação plausível e satisfatória para compreender os princípios e os fins, o nascimento e a morte.

Interrompo a escrita porque me telefona um camarada da Guiné, que vive em Santarém com a Boneca, uma cadela mais velha do que ele pois já tem 16 anos. Foi sempre um aventureiro, foi corredor de automóveis, teve um bom hotel numa pequena cidade do litoral, em Buba foi um organizador de paródias, criou no quartel uma emissora de rádio, com microfone e colunas potentes com discos pedidos e bailes fandangos e carnavalescos de militares na messe de sargentos. Continua a ser um bom amigo

Volto ao computador, e eu, que gosto de música, para preencher os espaços vazios que o meu pensamento um pouco letárgico cria, escolho no Youtube "Hasta Siempre Camarada" uma canção melódica e nostálgica sobre um guerrilheiro que sonhou e morreu a lutar por um ideal. Nathalie Cardone, com os requebros melódicos da sua voz jovem e com o bambolear ritmado do seu corpo esbelto, transmite prazer e emoção estética. a quem a ouve e a quem a vê.

A Terra, como uma Deusa indiferente à vontade dos humanos, continua a girar em torno do sol e em torno do seu eixo há milhões de anos, já teve somente um grande continente que por fenómenos geológicos vários ao longo de milhões de anos se foi fraccionando até tomar a forma actual com cinco continentes e cinco mares, até um dia muito distante. Na sua transformação foi criando as vidas mais simples e as mais complexas, até criar o homem que inventou a escrita, o amor, a informática, a arte e a bomba de hidrogénio.

Na Terra, o nosso adorável planeta azul e verde já houve cataclismos terríveis, grandes vulcões em erupção, terramotos, maremotos, idades de gelo implacáveis, epidemias, pandemias, pestes e outras grandes calamidades em que morreram milhões de seres vivos, de muitas espécie e muitos humanos também. A peste negra que veio também da China, nos meados do século XIV, terá matado 30 a 60% dos habitantes da Europa, a gripe espanhola que surgiu em 1918, terá matado entre 20 a 100 milhões de pessoas em todo o mundo, em quase todos os séculos houve grandes gripes e pandemias. Houve guerras terríveis entre os homens os filhos mais inteligentes da Terra. Bem perto de nós, no século vinte, na 1.ª Guerra Mundial morreram cerca de 40 milhões de pessoas: na 2.ª Guerra Mundial terão morrido 80 milhões de pessoas. Na Europa houve também a guerra civil espanhola, a guerra dos balcãs com muitos milhares de mortos e em Portugal, país de brandos costumes, houve a guerra do Ultramar com mais de 8 mil mortos.

Esta pandemia do covid-19 que nos altera as rotinas e obriga ao recolhimento , terá em comum com as outras que se têm sucedido talvez a omnisciência da Terra em procurar equilibrar os seus recursos de acordo com os seus habitantes.

Os homens por pensarem ser entidades superiores sonham com a vida eterna por não quererem aceitar o destino dos restantes habitantes da Terra. Dizem-nos que temos espírito, dizem-nos que temos alma, mas a nossa alma ou espírito volatiza-se quando o corpo, que é feito de água, de carbono, de ferro, de enxofre e doutras matérias-primas que a terra nos deu, morre e regressa às origens. Depois do dia da Terra tivemos o dia do livro, livros que vieram acrescentar a minha curiosidade em me compreender e conhecer a Terra que no sítio onde me criei se alongava por horizontes a perder de vista, que ainda me enchem a memória de sonhos. Os livros têm-me dado muito prazer muitos conhecimentos e têm também sido fontes de muitas dúvidas e interrogações de que nem sempre encontrei respostas. Penso muitas vezes se não teria sido mais feliz se fosse como os rapazes da minha aldeia e da minha idade, todos trabalhadores valentes e musculados que somente leram os livros da escola primária porque a isso foram obrigados. A esses que nunca foram curiosos e aceitaram o destino procurando melhorá-lo embora, aceitando os poderes e os deuses dos pais sem discussão, desejo longa vida ou mais breve se já vos pesarem os anos.

Os velhos portugueses do meu tempo, os da minha aldeia e doutras aldeias e cidades de Portugal, que regressaram e ainda se conservam vivos, agora vêem-se ameaçados pela clausura e pela segregação para sobreviverem, sem armas de defesa eficazes contra um inimigo que não dá a cara. Fragilizados pelas doenças das guerras africanas e pelas outras que vão surgindo com a idade, não quererem esconder-se por muito tempo debaixo das saias das mulheres, longe dos filhos, dos netos e dos amigos. Quando a vida lhes prometia realizações e aventuras, foram mandados para longe ouvir o troar assustador dos canhões e dar o corpo às balas com coragem, por uma Pátria que nunca lhes agradeceu. Que ninguém queira agora quando os seus filhos já estão criados e os seus netos são promessas de futuro, arrumá-los em casa como se fossem trastes velhos, fora de prazo. Há rumores, temos que estar atentos.

Para quem gostar de ler recomendo dois livros que estou a ler e outros dois que já li:
"Origens - Como a Terra Nos Criou" autor Lewis Dartnell;
"O Naufrágio das Civilizações" de Amin Maalouf

Acabei de ler já em Abril o romance "Um Milionário em Lisboa", de José Rodrigues dos Santos, que continua a história do "Homem de Constantinopla" sobre a vida de Calouste Gulbenkian.

Interessantes.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20921: 16 anos a blogar (7): Os camiões Volvo... e outras peripécias da cooperação com Bissau (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20923: (Ex)citações (368): Contributos para uma análise crítica do poema (panfletário) "Sobre o 25 de Abril", de J. L. Mendes Gomes, o autor de "Baladas de Berlim" (2013) - Parte II (José Belo, Suécia)

 1. Mensagem de José Belo, ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português; jurista, vive entre (i) Estocolmo, Suécia, (ii) nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, e (iii) Key-West, Florida, EUA; é o único régulo da tabanca de um homem só, a Tabanca a Lapónia (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães e dos seus ursos)

Date: terça, 28/04/2020 à(s) 14:04
Subject: A propósito de ser fácil "bater" nos poetas.

Depois de a poesia ter sido ,quanto a mim, demasiado evocada em comentários a texto político sobre o 25 de Abril, aqui segue interessante análise feita pela escritora e poetisa [polaca] Wislawa Szymborska [ 1923 - 2012] em discurso  aquando da aceitação do seu Prémio Nobel da Literatura [, em 1996]:

(...) quando preenchem documentos ou conversam com estranhos,ou seja, quando não podem deixar de revelar a sua profissão, os poetas preferem usar o termo genérico "escritor" ou substituir "poeta" pelo nome de qualquer outro trabalho que fenham,  além de o de escrever.

Burocratas, ou passageiros de autocarro, reagem com um toque de incredualidade (e alarme!) quando descobrem que estão a falar com um poeta. Creio que os filósofos enfrentam reações semelhantes.

Estão contudo em melhor posicão pois na maioria das vezes podem ornamentar o seu ofício com algum tipo de título universitário. Professor Doutor em Filosofia. Isso sim! Soa muito mais respeitável!

Mas não existem professores em poesia. Afinal de contas, isso significaria que a poesia é uma ocupação que requer um estudo especializado, exames regulares, ensaios teóricos com bibliografias e notas de rodapé anexadas e, por fim, diplomas concedidos com pompa! Isto significaria, em troca, que não basta encher páginas de poemas, mesmo os mais primorosos do mundo, para se tornar um poeta.

O factor decisivo seria um pedaço de papel com um selo oficial!

Lembremos que Joseph Brodsky [1940-1996], orgulho da poesia russa e laureado com o Prémio Nobel  [em 1987], foi um dia condenado ao exílio no seu próprio país,  justamente com base nesta ideia. Chamaram-lhe "parasita"  porque não possuía o certificado oficial que lhe assegurava o direito de...ser poeta!" (...)

 Um abraço, J. Belo.

PS - Sendo admirador sincero dos teus poemas, e depois de toda a "porrada" (quanto a mim justa, mas..) levada por um camarada/poeta no blogue quanto à sua análise política-enevoada sobre o 25 de Abril )....atrevo-me a sentir quase teres a obrigação de publicar este texto quando o "ferro ainda está quente" (*).


2. Comentários anteriores do José Belo ao poste P20905 (**):

(i) Caro Mendes Gomes

A análise política "Sobre o Vinte Cinco De Abril" será a sua, assim como a de muitos. Outros tantos não farão análises semelhantes,nem tirarão as mesmas ilações.

A História sempre se escreveu, e certamente continuará a escrever-se,segundo as perspectivas dos 
historiadores. Felizmente que, fora das ditaduras, estas divergem.

Seria muito limitativo o considerarmos as nossas maneiras de analisar os acontecimentos como que quase "iluminada" frente ás opiniões e perspectivas de outros.

Não quero de modo algum afirmar ser esse o caso quanto ao seu texto, pois são as suas opiniões e como tal devem ser respeitadas. Não sendo as minhas, que me seja permitido frontalmente discordar.

Mas, e quanto ás razões originais do Movimento dos Capitäes, trata-se de factos e não de opinião .
Este Movimento surgiu das reivindicações de tipo "corporativo-militar" quanto ao conflito futuro a ser criado por promoções em quadro paralelo ao Quadro Permanente de Oficiais das Forças Armadas.
As restantes (!) reivindicações foram levadas por alguns, posteriormente(!),  para o interior do Movimento.

Aproveitando este facto, alguns rapidamente compreenderam que, ao embrulharem-se em tais bandeiras, criavam uma imagem pública muito diferente e...conveniente para alguns políticos que pairavam nas sombras envolventes dos mais ingénuos,ou ignorantes.

Abr. J.Belo


(ii) Voltei a ler com a atenção merecida esta análise política do Abril de 74 (**).

Independentemente de todos os outros detalhes de circunstância (nos States chamaríamos de “Soun(d)bites”) escreve-se:

“O governo estava a estudar instituir uma União ou Confederação das províncias ultramarinas com a metrópole. As potencialidades desta fusão de interesses,respeitadores dos interesses nacionais eram enormes”.

Coloca-se a pergunta: Que governos está a referir? Do saloiísmo iluminado da ditadura de Salazar?
O mesmo que recusou as ofertas dos aliados mais próximos e da União Indiana de uma possível Confederação com uma Goa independente? A escolha entre esta possibilidade política e a triste total derrota militar foi evidente.

O governo da ditadura de Caetano? O mesmo Caetano que não permite a Spínola negociar com Amílcar Cabral soluções políticas que (então!) ainda poderiam salvaguardar interesses de ambas as partes?

Porque, quer se goste,ou não, da ideia,estes políticos de iluminismos saloios imbuídos, mais não eram que os representantes de uma”certa maneira de estar” de uma parte previlegiada da sociedade portuguesa de então.

Alguns dos que, como eu,  foram educados por detrás  dos altos muros de jardins de recatadas vivendas da “Linha [do Estoril]",  talvez se sintam “classificados” em ambos os sentidos do termo (classe social/preparação educacional) para aqui recordar como exemplo “confederativo “ uma interessante situação surgida na Guiné, piscina e bar de Oficiais de Santa Luzia, quando um bem conhecido e medalhado oficial guinéu dos Comandos Africanos se atreveu a convidar duas senhoras (também guineenses) a o acompanhar a tal local.

O escândalo imediatamente criado entre algumas das mui dignas esposas de alguns respeitáveis Oficiais das altas repartições militares de Bissau,  propagou-se como um fogo na mata seca.

Mais não será um exemplo real da tão poética Confederação entre este tipo de “Nós “ e os pretinhos africanos...medalhados ou não!?

Seria que, em finais dos anos sessenta, início dos anos setenta, os brancos de Angola e Moçambique (os com influências e poder económico) algo quereriam ter a ver com os brancos de Portugal?

Quando na sua análise política se refere a “névoas tendenciosas que toldam intencionalmente acontecimentos”,  esqueceu-se de referir as palavras de ordem das bandeirolas empunhadas por brancos em manifestações moçambicanas,como por exemplo as da cidade da Beira. E repare que elas realizaram-se ANTES do Abril de 74.

Guiné 61/74 - P20922: Manuscrito(s) (Luís Graça) (184): Parabéns, amiga e camarada Giselda Pessoa (Lisboa); parabéns amiga M... (Costa Nova do Prado, Ílhavo)...


Capa do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas", org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2015 439 pp.; isbn: 9789898647351, preço. c. 19 €. A Giselda Pessoa, que tem vários depoimentos neste livro (*), foi a primeira camarada, no feminino, a integrar a nossa Tabanca Grande (**).



1. Mensagem de Luís Graça (***):

Giselda: É o nosso pequeno contributo para a tua festa... Só te faltava fazer anos em plena pandemia... Só te faltava, de resto,  uma pademia como esta para pores no teu currículo... 


Mesmo "aquarentenados", e sem podermos ir a Monte Real este ano,  temos que continuar a celebrar a camaradagem e a amizade. Luís & Alice

Giselda, a nossa querida enfermeira,
Não ficou no céu da Guiné (e)strelada (*),
É de há muito nossa grã-tabanqueira,
Por todos nós sempre acarinhada.

Com as demais, poucas, paraquedistas,
Abriu portas à mulher portuguesa,
Ninguém lhes diz que foram feministas,
Nem ela quer títulos de nobreza.

Faz hoje anos, mas aquarentenada,
Só lhe faltava uma pandemia,
Mas estará bem-apessoada,
P’ra nosso descanso e alegria.

Muita saúde e uma longa vida,
É o que a nossa Tabanca te deseja,
Toda a malta te está reconhecida,
E diz: “Que p’ró ano a gente cá ‘steja”.


Com um "balaio" cheio de telebeijinhos e telechicorações da malta toda!.

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2. Também faz anos hoje uma amiga, nossa, do peito... Aqui vão uns versinhos para ela  que está, como todos nós,"em casa", por causa da pandemia de COVID-19... Este ano não podemos sentar-nos à mesa para celebrar. Tivemos que recorrer à videoconferência:


E Deus apontou na agenda… o teu pedido

(Soneto para a nossa amiga M…,
que hoje faz anos
e, que está, que pena, 
em casa de quarentena,
na Costa Nova do Prado, Ílhavo)

 

Quem nos diz que Deus castiga sem pau nem pedra,
Dev’ estar a pensar nesta nova pandemia,
Que me ameaça a vida e a alegria
Na Costa Nova, onde agora a doença medra.

Mas, meu Deus, porquê logo eu, confinada ?
Se o tal vírus é a tua ira divina,
Vou aplacá-la, mesmo no fundo de uma ravina,
Mas poupa-me, qu’eu sempre fui bem comportada!

Não, a doença não é castigo de um tal deus,
Que, a ser perfeito, não é cego, surdo e mudo,
E vai poupar-me a mim e a todos os meus.

E logo hoje: celebro mais um aniversário,
E pensava que tinha direito a tudo…
Mas, vá lá, só quero chegar… ao centenário!

29 de abril de 2020

Dos amigos Luís & Alice,

Guiné 61/74 - P20921: 16 anos a blogar (7): Os camiões Volvo... e outras peripécias da cooperação com Bissau (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

1. Mensagem de António Ramalho  [ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira, membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem mais de duas dezenas de referências no nosso blogue]
Date: terça, 28/04/2020 à(s) 17:25

Subject: Camions Volvo na Guiné!

Caro Luís Graça,  boa tarde.

Cada dia louvo mais a tua iniciativa da criação deste excelente blogue!

Ao visitá-lo preenche-me o tempo e confirma aquilo com que muitos de nós nos questionamos: O que fomos lá fazer?

Os políticos não aproveitaram a nossa presença nada fizeram,  os nativos muito menos, o resultado está bem à vista!

lá que a Suécia só enviou Volvos para trabalhar, ainda bem que não enviou também Suecas para os conduzir!

O que será feito do navio/escola de pesca "Noruega", último grito da tecnologia à época, assim se dizia, que este país para lá enviou após 1974, tens algumas notícias?

Na mesma linha conheço uma pessoa ligada ao fornecimento de geradores, instalação, conservação e reparação dos mesmos.

Este ano fez uma instalação para um hotel, recomendando que o cabo deveria ser enterrado, protegido, sinalizado e coberto com areia.

Muito bem, estava aterrando de regresso a Lisboa, recebeu a notícia de que o cabo e o quadro tinham ardido, todos adivinhamos a razão, total desprezo pelas recomendações sugeridas.

Além da interrupção do fornecimento de energia, e os transtornos que provocou os custos foram elevadíssimos, e assim continua aquele país para o qual nós contribuímos com o nosso esforço e abnegação em várias ocasiões, é no mínimo lamentável!

Outro amigo ligado ao descasque e branqueamento de arroz, com uma unidade móvel, viu-se e desejou-se para progredir e libertar-se de um emaranhado de situações, deixando lá uma mão cheia de dólares!

Um dia que passe por Oliveira de Azeméis terei todo o gosto em ir visitar a barbearia do Simão que ostenta um nome pomposíssimo, não consegui fixá-lo, irei levar-lhe um bife de Carne Alentejana para oferecer ao "seu" Alferes!

Não dou como tempo perdido e aprecio os camaradas que têm a coragem de lá voltar em visita, não consigo apesar de algumas boas recordações e bons momentos de sã camaradagem, não consigo ver destruído aquilo que construí ou tentei ajudar a construir!

Qualquer ONG, com o patrocínio da ONU ou outra, deveria encarar e preocupar-se com aquele país em total consonância com as entidades locais, ser entreposto para negócios ilícitos poucos lucram, tanta mancarra, caju e beanda que haverá para produzir!

Continuação de uma excelente quarentena para todos, temos que nos cuidar!

Um forte abraço


António Fernando Rouqueiro Ramalho

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Guiné 61/74 - P20920: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (17): Um condutor zeloso e cumpridor do seu dever

1. Em mensagem do dia 23 de Abril de 2020, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) manda-nos mais uma recordação da sua CART, hoje o exemplo de "Um condutor zeloso e cumpridor do seu dever".


RECORDAÇÕES DA CART 2520

Um condutor zeloso e cumpridor do seu dever

Uma das missões da CART 2520 era manter a segurança da estrada Xime/Bambadinca às colunas de viaturas militares que desembarcavam no Xime vindos de Bissau pelo rio Geba e seguiam depois para o interior da Guiné, ou vice-versa. A segurança da estrada consistia na picagem do itinerário até à Ponta Coli e uma vez aí chegados emboscávamos à beira da estrada, normalmente junto às árvores existentes e eventualmente junto aos chamados "baga-baga". Também montávamos o nossa própria segurança quando era necessário deslocarmo-nos a Bambadinca ao Batalhão 2852 e a Bafatá para a compra de víveres. Normalmente assim que as colunas de viaturas passavam, regressávamos à nossa base.

Certa tarde o Capitão Maltez, à falta do Alferes Marques, ordena-me para ir fazer uma segurança à Ponta Coli, iria desembarcar no Xime e seguir para Bambadinca uma coluna militar. E lá vamos nós cumprir a nossa missão com o pelotão bastante desfalcado, Furriel Monteiro "cá tem", estava no Enxalé; Furriel Soares "cá tem", estava nos reordenamentos em Nhabijões com outro militar do nosso pelotão. Como seria normal nestas ocasiões deveria seguir também um elemento de transmissões e um enfermeiro, mas como era para voltar de seguida, o capitão entendeu que estes elementos ficariam no quartel.

Estrada Xime-Ponta Coli-Bambadinca
Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

Instalados e emboscados no local a segurança está montada e passados alguns minutos as viaturas começam a passar. Uma, duas... até que uma das viaturas que seguia rebocada por outra, fica imobilizada em virtude de ser partido o cabo de reboque. Esta viatura tinha a mobilidade bastante reduzida porque creio eu, tinha sofrido um acidente ou se tinha incendiado. Feitas algumas tentativas em vão para seguir percurso, um dos responsáveis pela coluna pergunta-me se posso ficar ali mais algum tempo a fazer a segurança enquanto iriam a Bambadinca, voltariam muito breve para rebocar a viatura sinistrada, ao que eu acedi. Ficou junto a nós o militar condutor responsável pela viatura.

O tempo passa e a noite começa a cair sem que se vislumbre o regresso dos militares para fazer o necessário reboque. Dou indicações aos meus elementos para que se juntem mais, devido ao dia começar a escurecer e a visão entre os operacionais ser menor. Na minha cabeça começa a pairar o panorama ter de permanecer no local durante a noite sem estarmos preparados para tal, sem alimentação, com munições em quantidade mínima para a ocasião, sem enfermeiro e com a impossibilidade de comunicar com o nosso quartel por falta do operador de rádio e iria pôr em risco a vida de mais de 20 operacionais.

Uma ideia que me ocorreu foi regressar ao Xime e aí chegados, o Capitão Maltez decidisse o que fazer, mesmo que fossemos nós a voltar ao local, mas devidamente preparados para permanecermos naquele lugar extremamente perigoso durante uma noite, de guarda a uma viatura assucatada. Dirijo-me então ao condutor e digo-lhe o que pretendo fazer, ao que perentoriamente me responde: - Eu não abandono a viatura!
Fico a ferver de raiva, o que fazer com este gajo? - pergunto a mim mesmo. Levá-lo obrigado era completamente impossível e abandoná-lo junto à viatura, nunca o iríamos fazer, era impensável. Faço várias tentativas de o persuadir, mas em vão, a sua recusa em sair do local é determinante.

Esperamos, esperamos, a noite já havia caído, a nossa ansiedade aumentava a cada minuto, quando do lado de Bambadinca se ouve o barulho característico dos motores das viaturas a trabalhar, são os elementos que vêm proceder ao reboque da teimosa viatura e recolher o bravo e determinado condutor de que nada o demoveu de cumprir a sua missão como militar português. A salientar que as viaturas já vinham de luzes acesas o que não era muito aconselhável para a situação, talvez por desconhecimento da zona. Regressamos enfim, à nossa base, chegados ao nosso Xime já o sol tinha ido iluminar outras paragens havia mais de uma hora.

Para todos os camaradas desta Tabanca Grande um abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20768: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (16): O Furriel Pestana

Guiné 61/74 - P20919: Historiografia da presença portuguesa em África (207): Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
São curiosidades, este punhado de notas respigadas do Boletim Geral das Colónias, mas permitem várias leituras. Sarmento Rodrigues, o Governador que pôs a Guiné no mapa, muito fez para intensificar processos agrícolas que assegurassem autossuficiência alimentar, que garantissem trabalho. Na inauguração desta barragem de ourique, di-lo expressamente, aquelas toneladas de arroz seriam para a população, não para o Governo. E satisfaz-nos a curiosidade o artigo com dados científicos sobre o sucesso da cultura de amendoim na Guiné.
Recordo que por essas décadas de 1930, 1940 e 1950, os responsáveis do BNU na Guiné falavam abertamente na venda da mancarra com uma absoluta falta de qualidade, cheia de impurezas, o que a desqualificava no preço junto dos mercados para onde se exportava, aliavam essas informações críticas à falta de apoio no fomento agrícola, pondo os serviços agrícolas oficiais pelas ruas da amargura. São pois curiosidades mas que permitem, de qualquer modo, perceber os graus de desenvolvimento da Guiné no exato momento e que a sua economia levantava voo.

Um abraço do
Mário


A planta do amendoim, Guiné.


Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (2):
A que se deve o êxito da cultura do amendoim na Guiné Portuguesa

Beja Santos

No número de Abril de 1948 no Boletim Geral das Colónias, Armando Xavier da Fonseca, a quem já devemos uma referência a um artigo seu sobre madeiras da Guiné, debruça-se sobre o sucesso da exportação da mancarra, a Guiné superava Moçambique e Angola, e por números expressivos. Ele escreve: “Se com más sementes, sem nenhuma interferência das mais rudimentares máquinas agrícolas, sem mais do que uma monda, melhor ou pior, usando de processos violentos, mesmo que fossem usados fora de um clima de África, na preparação da terra, na sementeira, sem o principal granjeio que é a amontoa, para afofar a terra, para que as flores mais facilmente se enterrem para fortificarem, qual é o segredo que permite que o amendoim, se as chuvas de outubro não vêm, dê uma tonelada de sementes por descascar, como dão as piores culturas do Estado do Texas, na América do Norte?”.
E ele procura responder:  
“Na Guiné temos a demonstração feita do valor que tem a cultura das leguminosas, representadas principalmente pelo amendoim. O exemplo da nossa Guiné tem sempre de ser citado, como verdade que é: onde as leguminosas se cultivam abundantemente raras vezes é necessário aumentar a riqueza dos terrenos, salvo nas faltas de cálcio, fósforo e potássio. A própria experiência agrícola reconhece, desde sempre, o facto evidente de que, onde se cultivam as leguminosas em abundância, raramente se recorre a adubos químicos, principalmente aos azotados, sendo apenas precisos os de cálcio, fósforo e potássio, que na Guiné se obtêm pelas queimadas. Como não vi até agora campo de demonstração mais positivo, cito sempre o exemplo da Guiné na cultura da leguminosa que é o amendoim, que é valiosíssima porque se trata também, como se sabe, de um grande alimento, uma excelente forragem e acima de tudo isso, fertilizadora das terras em que é cultivada”. E demonstra possuir conhecimentos bastos sobre o valor do amendoim: “Desde 1886, que se sabe que esta extraordinária qualidade, até então misteriosa, que têm as leguminosas de reunir, armazenar e oferecer, em forma de alimento, forragem ou adubo, muito mais azoto do que aquele que se encontra na terra, é devido à presença, função e actividade de umas bactérias que se metem pelos estomas ou poros dos pelos das radículas, quando estas saem do germe ou semente”.

É um artigo de divulgação científica de quem domina a química alimentar e sabe da engenharia de solos, explica as funções das bactérias fixadoras do azoto, das bactérias das nodosidades das raízes das leguminosas e as suas propriedades.
E termina assim o seu trabalho:  
“Há também outro assunto que desejo focar e que é vulgaríssimo nas extensas lalas da Guiné, cultivadas com amendoim; é a facilidade com que as palhas do amendoim se transformam, mesmo nos terrenos mais ordinários de laterite grosseira. A razão já a deu a ciência: é porque os restos das leguminosas, devolvidos às terras, são rapidamente atacados por microrganismos que se multiplicam muito em resultado deste alimento adicional azotado. Muitos estudos têm sido feitos para determinar quanto azoto aproveita uma colheita a seguir a uma de leguminosas, empregando esta última como adubo verde e em que condições resulta mais perfeita e efectiva, e demonstraram que 50 a 80% do azoto é aproveitado pela primeira colheita seguinte. O efeito fertilizante dos restos dura uns dois ou três anos, mas diminui progressivamente de eficácia. A acção da cultura do amendoim tem-se desenvolvido afortunadamente nas nossas colónias, nestes últimos anos, e a Guiné não escapou a essa onda salvadora”.

Terminamos esta ronda de curiosidades extraídas do Boletim Geral das Colónias com a inauguração feita em 10 de fevereiro de 1946 da “grande barragem de Picle, situada no Posto Administrativo do Biombo, Bissau”. Atribuía-se grande importância ao empreendimento, era uma barragem cuja extensão de ourique era orçada em mais 14.000 metros. A previsão era uma produção de arroz calculada em 2.000 toneladas. Esteve presente Sarmento Rodrigues, mulher e filhos, recebeu os cumprimentos do Administrador do Concelho de Bissau, Francisco Artur Mendes e do Chefe do Posto do Biombo, João de Oliveira Seborro. O Governador percorreu cerca de um quilómetro sobre o dique, conversou com os indígenas e garantiu-lhes que o arroz produzido por esta nova extensão era para eles. Inaugurou-se um padrão, o Administrador pronunciou algumas palavras alusivas à cerimónia, estava-se ainda nas comemorações no âmbito do V Centenário do Descobrimento da Guiné. Sarmento Rodrigues encerrou os discursos declarando ser destituído de lógica o conceito tão generalizado de que os indígenas não estavam prontos a trabalhar, ele estava absolutamente seguro que eles empregariam o seu esforço desde que nele vissem a justa compensação de um objetivo que lhes facilitasse os meios de subsistência. Sarmento Rodrigues, finda a cerimónia junto do padrão, procedeu à distribuição de tabaco aos chefes indígenas assim como de vacas e mantimentos – arroz, vinho e aguardente – aos habitantes que colaboraram no ourique.




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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20888: Historiografia da presença portuguesa em África (206): Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20918: Parabéns a você (1794): Giselda Pessoa, ex-2.º Sarg Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20908: Parabéns a você (1793): Cor Inf DFA Ref Hugo Guerra, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 28 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20917: (Ex)citações (367): Contributos para uma análise crítica do poema (panfletário) "Sobre o 25 de Abril", de J. L. Mendes Gomes, o autor de "Baladas de Berlim" (2013) - Parte I: António J. Pereira Costa (cor art ref)

1. Comentários (uma meia dúzia), que agora se colam, contributos para uma análise ao "poema sobre o 25 de Abril" (*) do nosso camarada-poeta J. L. Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), que vive entre Berlim e Mafra, e é autor do livro de poesia"Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013) 

[, foto à esquerda: António José Pereira da Costa, Cor  Art Ref (ex-Alf Art, CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Cap Art Cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)]

Caro Camarada

(i) Também eu "receio bem que as gerações nascidas depois do vinte e cinco de Abril nunca cheguem a dissipar as névoas, tendenciosas que toldam, intencionalmente, esse acontecimento". 

É mau que tal suceda. Todavia gostava de recordar que em História - e é de História que falamos - os facto têm causas: muito ou menos remotas, mais ou menos próximas e causas-pretexto.
J. L. Mendes Gomes

(ii) Foi o que trouxe aquele "minúsculo movimento de capitães, de carreira, por uma causa muito particular e interesseira, a de se libertarem da sina de se verem a arriscar a vida em comissões sucessivas a caminho de África". 

Por mim, já estava farto de levar comigo ou ver embarcar contingentes de militares - meus concidadãos - que, normalmente, não sabiam ao que iam, se queriam e se os sacrifícios que iam fazer valiam a peno. E se soubessem iriam?

Por mim já sabia que perderia em dois tabuleiros: perante os meus concidadão que me acusavam de os levar para a guerra (perdida ou no marasmo) e perante os que para lá me mandavam que não tinham por mim (e por quem ia) o mínimo respeito.~

(iii) Quanto ao tal "Cavalo de Tróia"... nunca o vi e nem sei se existiu.

Eu residia em Coimbra. Daí que só me fosse possível ver as coisas pela TV, felizmente ainda sem censura (subliminar) e manipulação, como actualmente.

(iv) "Rapidamente o movimento dos capitães foi subalternizado pelo movimento marxista internacional" 

Estes factos aconteceram porque havia condições para tal. É o conflito Oeste-Leste no qual já tínhamos participado, como interpostas pessoas. Aí não pode haver dúvidas.

(v) "Vi pela TV chegar a Santa Apolónia, [...] o líder Álvaro Cunhal, vindo de Moscovo e o Mário Soares de Paris. Cada qual com interesses políticos antagónicos, como era fácil de ver... Por isso, extremaram-se as posições e movimentos contrários". 

Veio à superfície o nosso valor estratégico no conflito latente, mas sempre vivo, ao tempo.

A CIA -leia-se EUA - só se pode queixar de si própria. Em vez de se impor a tempo e forçar uma solução politicamente negociada "deixou correr o marfim". Por isso teve que empatar aqui um dos seu pesos pesados, como viemos a ver. E até já vi celebrar!...

(vi) "Aceleradamente se desencadearam saneamentos" [normalmente bem necessários...] "das cátedras e das altas patentes das estruturas militares". 

Em relação à academia de Coimbra, basta recordarmos das crises de 69 e 73.

Em relação à hierarquia militar não se poderia permitir o retrocesso. A chegada do Gen Spínola pôs em evidência a decrepitude (principalmente mental) e incompetência dessa mesma hierarquia que sempre se tinha "conformado" para sobreviver e passar o tempo. Não estava só! O povo também jogava nisso sempre que era "solicitado" a "cumprir o dever patriótico". Se calhar enganavam-nos uns aos outros... Quando assim é, perdemos todos.

(vii) "Uma onda de ocupações selvagens das empresas mais poderosas"...

Sim! O capitalismo tem regras e, na maior parte dos casos as falências era inevitáveis, como se viu depois quando as empresas caíram com o fim da guerra. Exemplo a Marinha Mercante: velha cara e sem resposta às necessidades do país. Ainda hoje assim se mantém.

(viii) Quanto à "reforma agrária selvagem"... 

Para além de mais uma demonstração de folclore revolucionário, temos que convir que os grandes latifúndios estavam falidos e ninguém procurava alternativas, seguros de que assim fora e assim continuaria a ser. Só há poucos anos surgiram alternativas.

(ix) "Os canais da TV e da Rádio foram ocupados."

Havia apenas um canal de TV que foi disputado, como era de prever. As Rádios também nomeadamente a da Igreja que tinha uma "missão" a cumprir e que nada tinha a ver com a religião. Como viemos a ver na fundação da "4", hoje TVI.

(x) "Anunciou-se a perseguição religiosa". 

É um facto que a Igreja se pôs a jeito, salvo raras e honrosas excepções. Basta vermos a actuação dos capelães militares e a pouca acorrência dos jovens aos seminários e as múltiplas desistências. A Igreja tapava o Sol com a peneira...

(xi) "O MRPP insolente, escavacou [...] uma série dessas faculdades"...

 Fez o seu papel! Porém, lembro que o grande "comentador" Marcelo R. de Sousa recordou que o MRPP foi uma boa "escola de políticos" que hoje andam por aí, brilhando como comentadores, deputados, fiscalistas, juízes, primeiros-ministros que vão às reuniões internacionais servir cafés e vêm o que não existe e depois se passam para o "capitalismo mais desenfreado".

(xii) "Quem estava no fim dos seus cursos superiores ficou perdido, sem saber o que fazer"...

 Aqui poderia dizer que deveria ter-se defendido do que estava a suceder, mas prefiro constatar que, quanto maior fosse o granel, nos sítios que interessava, melhor. No fundo, era necessário criar condições para o ensino privado nas áreas do "papel e lápis" que é que melhor (de)forma os políticos "que interessam".

(xiii) "Estancaram os mantimentos para Lisboa".

Não me lembro de terem estancado os mantimentos para Lisboa. "Se havia que secar as praças e mercados. Vi o da Ribeira sem nada nas bancas", tudo fazia parte do granel a criar...

(xiv) "Houve famílias com miúdos pequenos, que fugiram para a província"..

Há sempre, mas não creio que esse êxodo seja por causa das crianças. Hoje continua a haver gente a emigrar para fora da "zona de conforto" e depois é cumprimentado pelo PR devido ao seu desempenho profissional. E os serviços da política incentivaram-no!...

(xv) Foi realmente "um período muito turbulento que se implantou". 

Não tenho conhecimento de drásticas modificações político-sociais - muito necessárias e urgentes - feitas por decreto estudado e intensamente debatido. Mas deve porque ando cá há pouco tempo...

(xvi) "O Vinte e Cinco de Novembro, com Ramalho Eanes e um grupo patriota de militares conseguiu clarear e inverter a supremacia comunista."

Talvez, mas eu não creio que os soviéticos viessem a correr pela Europa fora com uma foice numa mão, um martelo na outra e uma estrelinha vermelha (de preferência) no alto da cabeça. O conflito Leste-Oeste nunca se materializaria assim. Além disso, os tempos eram outros.

(xvii) "Outro facto político de tremenda importância foi a chamada descolonização".

Confirmo. No fim, tudo girava à volta da questão colonial que o regime nunca tentou (sequer) resolver.

Depois de 13 anos de sacrifício não houve família que não visse partir para a guerra de África algum dos filhos. Lamento e confirmo. Infelizmente

Quantos por lá ficaram para sempre? Mais de 8000, fora os feridos, como o camarada sabe. Há aqueles a quem falta um bocado do corpo ou do espírito ou os que ficaram deformados também no corpo ou na alma. Creio que há uma contabilidade feita. É só ler e acrescentar 10% para compensar imperfeições de cálculo.

(xviii) "E é de ressaltar que a guerra do ultramar estava praticamente sob controle".

As guerras não se controlam. E ao fim de 13 anos ou se ganham ou se perdem.

No que à Guiné diz respeito, o camarada sabe que não era assim. Em Moçambique, sabemos agora que em Abril de 74 cerca de 27% do pessoal em rendição individual ou em unidades estava em "mata-bicho". Solução: subir o tempo de permanência para 30 meses ou aumentar o contingente incorporado forçando o "potencial humano" da nação para além do seu limite.

E em Angola, já sabemos que MPLA só tinha quadros, não tinha militantes, o FNLA não existia e a UNITA estava sob o controlo da PIDE. Então para quê continuar a aumentar o efectivo presente? É difícil de explicar, mas...

(xix) "Havia prosperidade e progresso crescentes"...

Onde? Talvez houvesse, mas não muita.

(xx) "O Governo estava a estudar". instituir uma União ou Confederação das províncias ultramarinas com a metrópole." 

Estranho governo este que necessita de 13 anos de guerra para estudar um assunto... E ainda por cima com uma União ou Confederação, depois de ter verificado que todas as soluções deste tipo tinham falhado... Nunca é tarde para aprender.

(xxi) "As potencialidades desta fusão de interesses, respeitadores dos interesses nacionais, eram enormes?"

 E ninguém via isto? O povo é mesmo estúpido!

(xxii) "Mas, a gula dos países europeus ocidentais ficou embriagada com a hipótese de entrarem gratuitamente em África, para lhe sugarem as riquezas"

As democracias europeias sempre varreram a questão do colonialismo português para baixo do capacho. E se não se implantavam lá era porque os portugueses não deixavam. Coitados destes portugueses que assim impediam o progresso que os outros tinham possibilidade de fazer e eles não eram capazes. Egoísmo ou estupidez?

E agora as tais potências europeias iam perder uma oportunidade? A política não é Casa do Padre Américo! Mesmo assim perderam-na, mas por outras razões.

(xxiii) "O poder político passou para as mãos glutonas desse países oportunistas" 

Já disse que não são contas do meu rosário, mas acrescento nunca esperei que a miséria atingisse estes níveis. De qualquer modo quem lutou (tanto tempo e com tanta violência) para atingir estes objectivos, se não tem competência, não se estabelece.

(xxiv) "As populações 'brancas' residentes e que já viviam bem, viram-se abandonadas pelas nossas forças militares"

"Já" viviam bem? Mas alguma vez viveram mal, especialmente se comparadas com as populações "pretas"? Viram-se abandonadas? Evidentemente. A situação não poderia eternizar-se e os exemplos dos outros países de África não eram eloquentes? Era só prever e precaver-se.

(xxv) "E depois foi a debandada"...

A "debandada" tinha que suceder. Porém alguém foge de alguém por alguma razão, Era bom aprofundarmos esta questão.

(xxvi) "Aquele movimento  escabroso de aviões em cortejo a despejarem retornados com seus caixotes"... 

... foi a possível solução para uma guerra civil e racista que se avizinhava e já tinha sucedido noutros países.

(xxvii) "O cais, desde a Ribeira até lá longe, ficou a rebentar com tanto caixote"...

 Eram as célebres "camisinhas" que traziam na pele...

(xxviii) "Os retornados que trabalhavam na banca e nas funções públicas entraram, e bem, para os quadros. Entupindo por dezenas de anos as carreiras de quem cá estava".

Parabéns, camarada! Esta expressão fala por si.

(xxix) "Desenvolveu-se um certo confronto e hostilidade entre ambas as partes"...

 Era de calcular, não?

(xxx) "De realçar também que o Governo nacional estava a desenvolver uma reforma administrativa profunda"...

 Como se impunha, não é verdade?

(xxxi) "A legislação fundamental, Constituição incluída, foram revistas em pontos muito importantes, implantando uma igualdade de cidadania real, entre homens e mulheres e em em muitos outros sentidos".

Parece-me que estas medidas vão no sentido certo. Digo eu...

(xxxii) "Tudo ficou paralisado e sujeito ao vendaval das facções políticas".

Mas parece que cedo começámos a andar...

(xxxiii) "Esta visão, tudo isto, foi ocultada e desvirtuada às novas gerações"

 Se foi, não deveria ter sido. A verdade não se deturpa. É feio, mau e a "mentira tem perna curta".

(xxxiv) "Creio bem que quem hoje tem para baixo de cinquenta anos já não vai ter tempo de dissipar as nuvens de desinformação que lhes meteram na cabeça..."

Infelizmente. E quanto mais lhe fornecerem factos deturpados ainda será mais difícil.

Um Ab para todos
António J. P. Costa

PS - Foram 5 comentários, mas a culpa é do blog

Aconselho o autor dos poemas a deixar o verso branco. É pobre, pois a rima e a métrica ao mesmo tempo que se transmite um ideia é mais complicada, porém mais rica. Mas cada um faz o que pode e sabe.
O conselho musical e enológico têm muito valor.

Já estou a ver o Mendes Gomes a poetar em versos brancos no bar de Mafra ou em Berlim, com um capacete m/43 e a ouvir as 4 estações de Vivaldi.

Por mim, não gosto de versos brancos. Preferia que escrevesse "prosa poética": textos de sensibilidade apurada e conteúdo profundo. Prefiro "versos tintos" ou mesmo "palhetes" com rima e métrica. Dão mais trabalho mas são outro asseio.

Um Ab. e um bom dia sem "névoas tendenciosas".

António J. Pereira da Costa (**)
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P20916: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (71): A história da escultura dedicada ao Soldado Desconhecido de Sacavém (José Martins)




1. Mais um trabalho do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado em mensagem de 7 de Abril de 2020, com a história de uma estátua dum "Soldado Desconhecido" encomendada ao artista José da Silva Pedro para ser erigida em Sacavém, que nunca viu a luz do dia.



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Nota do editor

Último poste da série de 1 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20799: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (70): Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes: um pouco de história (José Martins)

Guiné 61/74 - P20915: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (4): Composição da CCS/BCAÇ 2845 e vídeo do Convívo de 2011 dos Vampiros

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2020:

Carlos Vinhal
Estive a ver a Tabanca quase toda a manhã e também comecei a tarde a ler tudo o que nela está, e vi que já estava publicado o meu trabalho.
Já vi que recebeste o vídeo da CCaç 2367, "Vampiros", do Alferes Rocha, que de certo vai gostar porque também ele lá está.
Não podendo sair de casa como aliás todos nós, aproveito e vou fazendo uns trabalhos para a Tabanca Grande e, para assim compensar todo o tempo em que estive ausente por motivos já conhecidos. Hoje envio mais um destes trabalhos e mesmo para vos dar que fazer. É a meu gosto mas, espero que todos gostem também.

Para todos os tertulianos vai um abraço e em especial para todos vocês que mantém a Tabanca activa e da qual gosto.
Albino Silva



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Vídeo do Encontro anual dos Vampiros de 2011 na Mealhada

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20885: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (3): Amigos que não esqueço

Guiné 61/74 - P20914: 16 anos a blogar (6): Os dias de Abril, mês “de águas mil”, de Constituições, de Revoltas e de Revoluções, que mudaram Portugal (2) (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos a II parte de Os dias de Abril, mês "de águas mil"


Os dias de Abril, mês de “Águas mil”, de Constituições, de Revoltas, de Revoluções, dos… das Celebrações, Grupos de Risco e do Cofinamento, que mudaram Portugal - Parte II

(Continuado)

Em meados de Abril de 1974, feitas 6 reuniões plenárias à escala dos 3 Ramos das FA, a última em Cascais, mobilizadora de cerca de 200 conjurados, e um mês passado sobre a falhada “Revolta das Caldas”, a Comissão Coordenadora do MFA tinha acelerado e terminado o seu trabalho de casa – a máquina conspirativa estava montada e bem oleada.

A malta conspiradora das Caldas havia-se precipitado. À data da sua saída, a inter-relação dos conjurados limitava-se à ligação, não havia nem plano de acção militar nem programa político, mas apenas um rascunho de cariz político-militar, da autoria do Major do SAM Moreira de Azevedo e o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas encontrava-se neste pé: logo que fossem muitos, entregariam ao Chefe seu elegido (General Spínola) um ultimato para ele apresentar ao Chefe do Governo (Marcello Caetano). Se este o aceitasse, tudo bem; se o recusasse, meteria o General Spínola “dentro”, na Trafaria (com o amparo do livro Portugal e o Futuro) e então eles accionariam o seu chefe profissional, General Costa Gomes.

Uma evidência da falta de equidade de funções, peculiar à comunidade militar. Os generais não substituiriam os capitães e os capitães a tratar de substituir os generais…

Ernesto Melo Antunes
Em 23 de Abril de 1974, o MFA iniciou a acção directa. A participação de oficiais da Marinha, da Força Aérea, as adesões dos seus camaradas milicianos (os espúrios) e de uma proporção significativa de oficiais superiores estavam consolidadas, havia o Programa político, elaborado por uma comissão coordenada pelo açoriano Major de Art.ª Melo Antunes e, também, o Plano da operação militar com o código de “Viragem Histórica”, elaborado por uma comissão coordenada pelo natural moçambicano Major de Art.ª Otelo Saraiva de Carvalho.

Escolhido o dia 25 de Abril para seu dia D e a 1H00 para sua hora H, efeméride da queda do Fascismo na Itália, inspirador do nosso regime do Estado Novo, a sua equipa operacional, comandada pelo Major Otelo, dedicou esse dia a entregar rádios, códigos e senhas aos conjurados, e, em simultâneo, o Major Melo Antunes, numa discriminação positiva ao Partido Comunista e ignorando o Partido Socialista e a Ala Liberal, entregava ao casal Carlos Brito e Zita Seabra, responsáveis da DROL (Direcção Regional da Organização de Lisboa) do PCP, cópias do Plano da operação militar e do Programa Político do MFA – as únicas cópias saídas da intimidade dos conspiradores.

A participação do Povo no êxito do 25 de Abril incruento é facto acontecimental; a participação do povo logo na alvorada da sua manobra militar é um mito.

Ao começo da madrugada de 1 de Abril de 1974, Zeca Afonso encerrou o seu espectáculo do Coliseu dos Recreios com a canção Grândola, vila morena, que havia lançado na Galiza, o Major Otelo estava na plateia, o seu ouvido reteve-a e será a elegida para senha da hora H – a Rádio Renascença transmitiu-a aos 20 minutos da madrugada de 25 de Abril.

O primeiro conspirador a mostrar serviço ao Posto de Comando do MFA, na Pontinha, foi o Capitão Teófilo Bento: ouvida a cantiga do Zeca Afonso, ele, o Tenente Manuel Geraldes e a sua malta da Escola da Administração Militar, especialistas de “apontadores da Bic” e não de apontadores da G3, acabavam de ocupar o Mónaco, nome de código da sua vizinha a RTP.

Jaime Neves
O segundo a sair terá sido o Major Jaime Neves e a sua malta dos Comandos; será recorrente na afirmação de que, quando chegou ao Terreiro Paço, por volta das 6H00 da manhã, com a missão de ocupar os ministérios militares e de prender os respectivos ministros, já havia massas trabalhadoras, vindas da Outra Banda e com palavras de ordem, de apoio à “revolução”. Desconfiado de estar a protagonizar uma revolução comunista, “a coisa era tão secreta e chegara a esse nível”, em vez de apresentar serviço na Pontinha, exigiu explicações ao Posto de Comando, o Major Otelo sossegou-o, e só não desistiu, porque o Capitão Salgueiro Maia e a sua malta da EPC de Santarém começaram a chegar.

A sua perplexidade permitiu que os chefes militares tivessem escapado (momentaneamente) à prisão, derrotando com os machados de guerra dos guerreiros da sua decoração a parede de tijolo, divisória entre o Ministério do Exército e o Ministério da Marinha, apanharam o autocarro e foram parar ao Regimento da PM, à Calçada da Ajuda, onde montaram o Posto de Comando da contra-revolta. Integrou-se activamente na manobra do Salgueiro Maia, foi negociador decisivo, na Ribeira das Naus, na contenção dos blindados Patton que os chefes que não prendera mandaram contra eles, vindos da mesma Calçada, originários do RC7. E ainda efectuará a prisão o General Louro de Sousa, Quartel-Mestre General, - o Comandante do CTIG da Guiné da “Operação Tridente”, à ilha do Como, em princípios de 1964.

O que o Posto de Comando do MFA e o notável soldado e futuro Brigadeiro Comando Jaime Neves não sabiam – este terá partido sem saber – que a sua colisão mental com o surgimento daquela malta, madrugadora e animada, era circunstancial a essa a manobra “secreta” do Major Melo Antunes, que pusera o Carlos Brito a mobilizar a massa trabalhadora da Cintura Industrial de Lisboa para o Terreiro do Paço e pusera a Zita Seabra a mobilizar a massa estudantil (a UEC) a apoiar todo o militar da revolta que encontrasse na rua.

E essas massas desempenharam-se eficazmente; foram o “fermento” que levedou a massa de adesão do Povo.

Se o Capitão Teófilo Bento e a sua malta do SAM foram meteóricos na ocupação da RTP, objectivo não armado, o MFA de Lisboa, não obstante o seu poderio de homens e de fogo, demorou 17 horas a tomar o poder em Lisboa, encheu o Forte da Trafaria de presos, enquanto ao MFA do Norte, enformado por 60 militares, divididos em 5 grupos, comandado pelo então Tenente-Coronel Carlos Azeredo, bastaram 8 minutos para cumprir todas as missões e tomar o poder no Porto – e não meteu ninguém na cadeia.

Às 14H02 entraram em acção e às 14H10 já tinham libertado toda a região de Entre Minho e Douro.

A primeira fractura do MFA também se deu no Norte.

Carlos de Azeredo
O Tenente-Coronel de Cav.ª Carlos Azeredo planeara e executara o 25 de Abril nortenho em parceria com os Majores Eurico Corvacho, Gonçalves Borges e o Capitão Nogueira de Albuquerque, não poderia comandar a Região Militar, por não exercer o comando de unidade, havia requerido a demissão do Exército (o ministro tencionava deferi-la, sob o pretexto de ser paciente de “de doença mental”), mas recusou cumprir a ordem do Posto de Comando na Pontinha, de sair da cena e deixar o comando para o Major Corvacho; no seu entender, os chefes do MFA eram os Generais Spínola e Costa Gomes.

Em corolário a tantas horas de indecisão, a partir do meio-dia desse dia libertador emergiram no Porto não as massas populares de apoio, mas a turbamulta. Molestava-se pessoas, montava-se cercos aos quartéis da GNR, apedreja-se as esquadras da PSP e outras instituições do Estado, incendiavam-se carros, partia-se montras e assaltava-se lojas. Presenciei a Eng.ª Civil Virgínia Moura, que havia conhecido no contexto das obras da Ponte da Arrábida, como autora do projecto do nó e do viaduto de Sto. Ovídeo, em Gaia, a incitar a multidão e a alçar-se ao seu comando, para a temeridade de cercar e assaltar a PIDE – negligenciando o seu armamento.

Foi quando entrou em cena outro oficial também já fora da tropa e também Eng.º Civil – o Coronel Mário da Ponte (que me honrou com a sua amizade, durante mais de 40 anos). Foi para o Quartel-General, puxou dos galões, pôs a PM e a tropa na rua, a restaurar e a manter ordem pública, desmobilizou o cerco à PIDE, no dia seguinte mandou para casa o seu pessoal secundário e o seu pessoal estrutural foi largado no Alto da Carriça, na estrada de Braga, postura que manteve enquanto o Coronel de Inf.ª Passos Esmeriz, que comandava o RI 6, na Senhora da Hora, não foi assumir esse posto, por vontade da maioria dos oficiais dessa Região Militar.

Mário Soares e Álvaro Cunhal
Com o regresso de dois políticos, o optimista e exilado Mário Soares, vindo de Paris, que se apeou na Estação de S. Apolónia, no dia 28, e o céptico e fugitivo Álvaro Cunhal, vindo de Praga, que, no dia 30, desembarcou no Aeroporto da Portela, a revolta passou a tridimensional - os “capitães de Abril” e mais esses dois, como os corifeus do Socialismo…

Há camaradas da Tabanca Grande participantes na operação “Viragem Histórica”? Eu, no 25 de Abril, não pequei por omissão: voluntariei-me e fui recusado.

Naquele dia inicial inteiro e limpo (Sophia), estacionei o carro na Praça da República (então trabalhava no cimo da Rua do Almada) e dirigi-me ao camarada furriel que vi a comandar uma secção em posição de fogo, nos cruzamentos da Rua João da Regras e da Rua da Boavista. Admitindo tratar-se de exercício citadino, comentei o seu realismo e ele disse-me que não era exercício, era uma revolta para derrubar o Governo. Alertei-o do perigo do RC 6, ali tão perto, e ofereci-me a ir para a torre da Igreja da Lapa e fazer a vigilância aérea dos eixos de aproximação dos seus blindados, e ele desarmou a minha disponibilidade, dizendo-me que toda a tropa do Porto estava alinhada com a revolta. Eram 8H30 da manhã…

Naquele tempo também me sentia rebelde, ofereci os meus préstimos (intempestivos), o 25 de Abril recusou-os, mas, modéstia aparte, não deixou de me obsequiar: os Trabalhadores honram o 1.º de Maio como o seu dia e eu não só, mas também - é o dia do meu aniversário!

A celebração desta efeméride, via skype, por aquela meia dúzia de velhotes e “Capitães de Abril” sobrevivos, a cujo grupo etário pertenço, cercados por todos os lados pelo vírus Covid-19, a sua nostalgia de combatentes, no Ultramar e na Metrópole, ao serviço do seu Povo, ora em distanciamento social e em confinamento por um inimigo invisível, a sua exortação aos médicos, enfermeiros e demais pessoal do SNS, para personificarem os “capitães de Abril” da sua derrota, comoveram-me às lágrimas.

E, parafraseando o Almirante Pinheiro de Azevedo, protagonista de dois 25´s, o de Abril e o de Novembro: Não gosto de confinamento; chateia-me estar confinado.

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Notas do editor

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