sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21231: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (14): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
Pronto, os pombinhos já estão arrulhados, custou mas foi, ela soube tomar a dianteira, e no local próprio. Paulo está doido de alegria, dá conta da sua felicidade a um amigo de longa data, compincha de trabalhos, dão-se muitíssimo bem, será Gilles o primeiro a saber que tudo se alterou na vida daqueles cinquentões, saltaram, graças à roda da fortuna, por cima da sua solidão e têm sonhos entusiásticos que atravessam fronteiras.
Nesta altura da trama ficcional ainda não se sabe muito bem como vão reagir os filhos de ambos, para Annette é a felicidade dos dois que está no cume da montanha, e antes de partir para Berlim ela disse-lhe claramente: "O futuro a Deus pertence, cabe aos nossos filhos verem-nos felizes. Paulo, continua a escrever o romance, já temos quase 3 meses de Guiné e tu disseste-me que vão aparecer agora eventos sangrentos. Quero saber a verdade, conta tudo".

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (14): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Cher Gilles Jacquemain, Venho agradecer-te muito calorosamente a ajuda que me deste nas reuniões que tivemos segunda e terça-feira, acho que os teus pareceres sobre a publicidade comparativa e a etiquetagem do calçado enlaçaram perfeitamente com os documentos que enviei para a Comissão, vamos ver agora o andamento dos trabalhos. Disseste que eu estava com ar muito feliz, dei-te respostas curtas, mas na verdade tu és merecedor, graças à nossa amizade e trabalho contínuo há mais de 10 anos, tens-me recebido tão bem em tua casa, e gostas tanto de me visitar em Lisboa que quero neste momento dar-te uma notícia importante, presumo que totalmente imprevista para ti. Sabes que sou um cinquentão há muito divorciado, procuro trabalhar afincadamente, com gosto e com sentido de dever, até tenho alguma compensação material. Não me perguntes porquê, em novembro passado, tu não foste a essa reunião, tratava-se de uma atividade para representantes de organismos públicos, vim a pé desde o hotel até à Rue Froissart, trazia a cabeça cheia de recordações da minha guerra na Guiné, procurava pôr alguma ordem no tropel dessas memórias, entro na sala da reunião, olho para a cabine, vejo alguém e avanço por ali fora, bato à porta e explico à dita senhora que pretendia estruturar um romance, havia no contexto um par amoroso, cada um do seu país, ela pede-lhe para saber coisas sobre o seu passado, está muitíssimo interessada em conhecer esse ponto tropical onde ele combateu, que o marcou indelevelmente, pedi então a essa senhora se podíamos almoçar para eu lhe falar da trama ficcional e ver se ela estava em condições de me dar ajuda. Tenho a impressão que a senhora ficou arrelampada e talvez mesmo a pensar que eu vinha com outras intenções, o pedido que eu trazia era estranhíssimo.

Pois bem, imagina tu que gerámos empatia, a senhora embarcou nesta história da trama ficcional, comecei a enviar-lhe textos, a telefonar-lhe com regularidade, mails em catadupa, demos connosco a falar de intimidades, tanto ela como eu a dizermos ao outro que sentíamos falta de companhia, era inacreditável como nos sentíamos bem. Viajei várias vezes e pude confirmar que algo amadurecera, havia aquele espinho da distância, mas que paradoxalmente dava azo a uma comunicação redobrada, quase compulsiva.

Sei que começas a rir-te de mim, achas que isto é uma farsa, asseguro-te que não é. E assim preparamos mais um encontro, havia feriado na Bélgica na sexta-feira, tanto Annette (é o seu nome) como eu tínhamos disponibilidade de estarmos juntos três dias, ou quase, ela tinha um voo para Berlim ao fim da tarde de domingo, iria trabalhar como intérprete numa conferência de ministros da agricultura toda a segunda-feira. A nossa relação era muito convivial, mas cada semana que passava havia mais entusiasmo, mais saudade, mais exigência da presença física.

E chegamos aos factos. Cheguei quinta-feira muito tarde, nem por sombras queria que a Annette se preocupasse em trazer-me de Zaventem para o centro da cidade, acordámos num encontro a hora matinal, ela já tinha desenhado um programa para a manhã, era segredo, queria surpreender-me. Sabes como eu aprecio Arte-Nova. Ela marcou uma visita com espaço magnífico que eu creio mesmo que não conhecia o exterior, o Hôtel Hannon, podes ver pela imagem o requinte, a fantasia e a extraordinária conjugação dos materiais do exterior, as janelas bem rasgadas, e entras na habitação e ficas petrificado no átrio a olhar uma escadaria como não há outra igual, foi uma visita demorada, até porque lá dentro funciona um centro fotográfico, o que mais me interessou foi a tal conjugação de mármores, mosaicos, vitrais e trabalhos de marcenaria como raramente tenho visto. Annette tinha carro, fomos depois tomar um café e ela perguntou-me o que é que eu pensava de Saint-Gilles. Lembrei-me de uma visita guiada, eu vinha para um curso de três dias sobre contratos e respetivas cláusulas, os organizadores no fim da tarde do primeiro dia deram-nos este passeio, o guia era um homem de grande franqueza e deplorava como entre as décadas de 1950 e 1970 tinha havido tanta destruição, tudo fruto, como tu sabes melhor do que ninguém da criação das Comunidades Europeias, a necessidade de muito mais espaço para os milhares de recém-chegados, e daí aquela estranha mistura entre prédios modernos e imagens da prosperidade de uma Bélgica industrial e colonial. E então a Annette disse-me que íamos para o Parque do Cinquentenário, entraríamos no Pavilhão das Paixões Humanas, tratava-se do primeiro monumento de Victor Horta, ainda não estava marcado pela Arte-Nova, o intuito era visitar a monumental escultura de Jeff Lambeaux e o seu tratamento do tema da felicidade e dos pecados humanos, sem iludir o tema da morte. Annette estudara bem o que estava a mostrar, estava calorosa e carinhosa, olhava-me fixamente, e num dado momento agarrou-me pelas mangas do casaco, aproximámos os rostos, pôs a mão na minha nuca, beijou-me docemente. Senti nesse instante que a minha vida mudara, era uma autêntica felicidade a dois, e o local da declaração o mais apropriado possível. Pegou-me na mão, saímos do monumento, sugeriu-me irmos comer ligeiro, sopa e tarte, e passámos a tarde em Lovaina, eu tinha a presunção que conhecia bem a cidade, Annette acompanhou-me à beguina, mostrou-me como viviam desde a Idade Média as viúvas e solteiras com algumas posses em ambiente comunitário, tudo muito bem enquadrado por relvados, buxos e arvoredo. Quis-me fazer uma surpresa, há um casal de ceramistas de quem ela é amiga, fomos recebidos de braços abertos, ele é holandês, mas tem um apelido que eu penso que é francês, Gilot, mostrou-me como trabalha, ali estivemos em amena conversa o resto da tarde, na despedida Annette e eu recebemos prendas, mais gentileza não podia ter havido.

Regressámos a Bruxelas, no caminho Annette avisou-me que tínhamos endívias com presunto e molho branco, um bom Bordéus, uma sobremesa de mirtilos e outros frutos campestres. Annette abriu a janela onde eu estive a contemplar o fim do dia, enquanto preparava o jantar. Conversámos imenso, ela é espantosa a descrever certos comportamentos de participantes, um deles ficou furioso por ela não ter tido a expressão apropriada, fez um quase charivari à porta da cabine, acabou por se desculpar pelo destempero, a expressão era mesmo embrulhada e prestava-se a confusão. O que tu ficas a saber é que eu não voltei ao hotel nem nos dias seguintes, isto é, fui buscar as minhas coisas, protestei um regresso súbito a Portugal, só vejo um futuro radioso para mim com a Annette, amamo-nos profundamente. Agora, aqui em Lisboa, tenho que sopesar todas as consequências deste amor, para ela e para mim, espero que tenhamos a capacidade de superar as distâncias físicas, é impossível qualquer um de nós reformar-se, temos obrigações com os filhos, é tudo agora uma questão de saber lidar com o próximo e o distante. Somos tão vincadamente amigos, tudo isto aconteceu no teu país, um país que eu tanto amo, impunha-se que tu fosses o primeiro a saber que tenho a vida virada do avesso, e por um ditoso bem. O anúncio está feito, dentro de dois ou três dias vou começar a preparar o documento com que me comprometi com o diretor-geral, e ficas também com a responsabilidade de dar o teu parecer, felizmente que tenho aqui peritos a quem posso recorrer. Oxalá que tu partilhes da minha alegria. Deixo um beijo para a tua mulher e afago os teus filhos, deseja-me sorte para o meu provir, Paulo.

(continua)

 Edifício do Hôtel Hannon, Saint-Gilles

 Hôtel Hannon, detalhe da entrada e escadaria

 No interior do Pavilhão de Victor Horta, esta esplendorosa escultura de Jeff Lambeaux

Rua do Eclipse, Bruxelas, aqui a minha vida mudou de rumo
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21214: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (13): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21230: Casos: a verdade sobre... (11): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte III


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Uma pausa nos trabalhos ciclópicos de construção do famoso "Forte Apache"

Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Foto do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de comentários ao poste P21222 (**) - Parte III (***)

(xv) Hélder Sousa

Comecemos pelo princípio.

O Carlos Pinheiro fez bem em trazer para aqui esta questão que teve então a relevância que lhe foi dada pelo artigo do "Público". E fez bem, não só a avaliar pela quantidade (e qualidade) de comentários já existentes, alguns colocados de forma "apaixonada", mas principalmente por, a partir dele, se poder escrever mais alguma coisa sobre o tema.

Várias coisas entrelaçadas aparecem por aqui. Por um lado é costume haver lamúrias sobre o desprezo, o esquecimento, o mal-tratamento com que a questão das "guerras africanas" e principalmente os seus protagonistas são tratados e/ou ignorados. Por outro, sempre que aparece qualquer coisa (atenção! não estou a dizer que seja boa ou má) que pode servir para aumentar, ampliar ou dar maior visibilidade ao debate, costumam vir as observações de que "querem destruir a nossa imagem", "deturpam tudo", etc.
Muitas vezes os comentários (os mais indignados) partem da leitura de títulos (já de si concebidos para chamariz) bombásticos, a puxar para a polémica por causa das audiências e "shares"...

E uma coisa será a entrevista de uma pessoa e outra a tese escrita pela equipa que a produziu e não são as mesmas pessoas.

Num primeiro impulso rejeitei a ideia/tese em si mesma e nos "considerandos" que li nos resumos. Mas será pouco, deverei ter que ler mais.

Claro que, obviamente, não conheci o que se passava ou passou em Angola e/ou em Moçambique, pois não estive lá. E mesmo que tivesse estado como se pode "conhecer" tudo, quando uma pessoa individualmente estaria em apenas alguns, poucos, locais? Teria certamente uma visão muitíssimo limitada e seria desonesto fazer generalizações. Se por acaso visse algum consumo de droga (e parece que o foco é na "liamba") era abusivo dizer que todo o TO consumia. Se por acaso não tivesse visto nada, também não poderia dizer mais nada a não que "onde estive, não vi" e não fazer generalizações.

No meu caso particular, em que estive na Guiné, sabemos todos que não havia "liamba" e, como tal, não havia o seu consumo. Por extensão, os nossos militares não a consumiriam como forma de se alienarem, fosse para "ganhar coragem", fosse "para esquecer", fosse lá para que raio fosse. A ausência de "liamba" (que parece ser o foco) na Guiné é referida no artigo, ou pelo menos, no resumo que li. Portanto, de forma geral, não temos com que nos preocupar com "enxovalhos" desse tipo.

Mas a insinuação de que tais processos "aditivos" (como modernamente se referem a esses casos) era para a superação psicológica é muito "forçada" para não dizer desonesta e com pouca inspiração, parecendo aparecer na senda do que se disse, escreveu e viu, com os militares americanos no Vietnam.

Sobre a "cola", na forma de "noz de cola" já foi por aqui falado bastante. Também quis experimentar mas não "pegou". Sabor amargo.

Aquando da estadia em Piche havia um estabelecimento comercial (digamos assim...) onde para além de venda de artigos vários também serviam refeições (normalmente "frangos") e bebidas entre as quais o café.

O proprietário, sr. Tufico, costumava perguntar, quando lhe pedia café, "com bolinha ou sem bolinha?". Disseram-me para pedir "com bolinha" pois aquilo era bom, saboroso e "animador". Claro que experimentei mas nunca senti qualquer efeito especial a não ser ter ficado com a ideia que aquilo que ele colocava no café (as tais "bolinhas") eram pequenas sementes de anis. Pelo menos era esse o sabor que memorizei.

Não posso jurar que em alguns locais, em Bissau, pessoal mais abastado (lá está, o consumo das "drogas" não poderia ser assim, generalizado, ao militar comum, com poucos recursos), com mais acesso a "modernices", com maior integração em "certos ambientes", não pudesse fazer outro tipo de experiências mas, obviamente sendo humanamente impossível falar por todos os locais do interior, é minha forte convicção de que o "acesso a drogas" não foi utilizado e muito menos para os "objectivos" propalados.

Quanto ao consumo de álcool.... entendido aqui como "bebidas alcoólicas em geral"... Ao lermos (no resumo, insisto) uma pequena frase "mortal", a qual pelo seu tom dá logo a entender a tendência/conclusão do que se pretende, de que "a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis" revela ignorância dos ambientes e um grande desfasamento dos costumes da época, apreciados à luz dos conceitos e preconceitos actuais.

Não resulta seriedade quando se apreciam e/ou valorizam comportamentos passados há 50 anos, quando se os avaliam com os "olhos de hoje". A frase insinua que o "consumo de álcool" era incentivado e estimulado pela hierarquia militar, através da logística militar. Por extensão pode-se concluir que isso era propositado e objectivamente para "embebedar" os militares.

Vamos lá a ver, "bebidas alcoólicas" vão desde o vinho às aguardentes, passando pela cerveja e também bebidas espirituosas. O vinho, convém lembrar, para além dos seus efeitos benéficos para a saúde, agora tão defendidos em artigos mais ou menos científicos, era uma situação bem aceite na nossa sociedade de então, mesmo para além daquele velho slogan de que "beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses". Os militares no interior pediam e bebiam vinho à refeição nas messes, não para ganharem "coragem para as missões".

A cerveja não era distribuída insidiosamente pela "logística militar" mas sim fortemente exigida pelos militares no mato. No regresso aos aquartelamentos, após as missões, encontravam de facto conforto numas "bejecas" bem fresquinhas. E isso era recompensador.

As outras bebidas mais "finas", principalmente os wiskies foram, realmente, oportunidade de "descoberta" para a generalidade dos nossos militares oriundos de zonas menos citadinas do nosso Portugal mas, lá está, mais uma vez como forma de "ascensão social" e não para "ganhar coragem".

Hoje por hoje há imensos cursos de antropologia, de sociologia, teses de mestrado, disto e daquilo e, como é natural e acho bem, embora com descoberta tardia, o(s) tema(s) das "guerras africanas" podem estar na ordem do dia.

Não deve haver "condenação" por esse facto. É muito melhor que se debrucem sobre esses tempos do que se continue a ignorá-los. É claro, também, quem nos tempos de feroz concorrência que os académicos e também os livreiros vão vivendo, parece ser uma atracção fatal a procura de "temas fracturantes", ou apresentados de forma polémica. Mas para isso devemos ter a serenidade necessária (e a firmeza) para desmontar o que for preciso e dar o desconto ao que tiver menos importância.

Em resumo:

O título da entrevista é bombástico/provocador. Não conheço (não li) essa entrevista nem a tese a que se refere. Do que me apercebi dos resumos há algumas "falhas" que se podem perfeitamente corrigir.
O problema é "onde", "como" e "quem", pois o jornal tem a audiência que terá e nós aqui "falamos" uns com os outros.

Tenho como posição que é melhor falarem e abordarem as questões que nos dizem respeito, mesmo com falhas e/ou erros do que manterem a ignorância e ostracismo habitual.

Hélder Sousa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9360: Operação Tridente, Ilha do Como, 1964: Terminada a operação, a luta e a labuta no Cachil continuam (CCAÇ 557): Parte II (José Colaço)

(**) Vd poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

(***) Vd. os dois últimos postes da série:

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21229: Casos: a verdade sobre... (10): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte II


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Setor L1  (Bambaddinca) > Mansambo > CART 2339 , "Os Viriatos" > Abril de 1968 >  Não, não estavam a curar nenhuma bebedeira daquelas de " caixão à cova", estavam simplesmente a dormir ao luar...

Fase de construção de raiz, "a pá, enxada e pica" (!),  do aquartelamento de Mansambo (que a "Maria Turra", na rádio Libertação, em Conacri, chamava "campo fortificado de Mansambo")...Os alferes milicianos Cardoso e Rodrigues apanham "banhos de luar" (sic)...

 Legenda do nosso saudoso coimbrão Carlos Marques dos Santos (1943-2019), o primeiro dos "Viriatos" a chegar ao nosso blogue, logo em 2005, tendo depois trazido com ele o Torcato Mendonça: 

(...) "Em Mansambo, a céu aberto. Camas de ferro nos fossos que iriam ser o aquartelamento fortificado de Mansambo. Data: abril de 1968. A foto é do Henrique Cardoso, alferes da CART 2339 e seu comandante. Os 3 Capitães, que comandaram a Companhia anteriormente estiveram sempre doentes !!! Ele assumiu o comando. Era miliciano e responsável" (...).

Foto (e legenda): © Henrique Cardoso / Carlos Marques Santos (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Seleção de comentários ao poste P21222 (*) - Parte II (**)

(viii) Tabanca Grande Luís Graça

.(...) As fotos de "arquivo" (não se identificam as fontes, o que é lamentável para um jornal como o "Público" que dantes tinha um "livro de estilo"...), das páginas 6 e 9  [,do suplemento dominical, P2, 2/8/2020] são "fotos de caricatura" ou de "pura bravata", não podem ser tomadas como "retrato socioantropológico" do quotidiano da guerra: 

Na página 6, um soldado, empunhando uma G3, com uma fita de metralhadora de HK 21, ao pescoço, na caserna com beliches, e uma mesa com cerca de 4 dezenas de garrafas, sobretudo de cerveja (Cristal) e 4 garrafas de vinho e/ou bebibas destiladas (reconhece-se a marca Macieira, o brandy mais acessível às praças)... Sem data, sem local, sem legenda... O rosto desfocado...

Na página 10, dois militares (?) , um dá a beber a outro, através de um funil, com uma garrafa de uma bebida licorosa (não se consegue ler o rótulo..., talvez "Cointreau"). Sem data, sem local, sem legenda. Os rostos desfocados...

O artigo do suplemento de domingo (P2), do Público, edição nº 11057, de 2/8&2020, "Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial", é da autoria de Patrícia Carvalho (texto) e Daniel Rocha (fotografia).(...)


(ix) António Graça de Abreu

(...) Diz este senhor: "Na guerra, os militares portugueses recorriam às duas drogas como forma de ultrapassar as dificuldades, vencer o medo e lidar com uma realidade difícil de suportar." 

Leram bem: "Os militares portugueses". Os militares portugueses somos todos nós. O álcool, com certeza, o canábis é droga que nunca vi, nunca soube que fosse consumido e fizesse parte dos quotidianos dos "militares portugueses", e peregrinei pelo norte, centro e sul da Guiné, 72/74. 

É mais uma das muitas mentiras factuais com que nos carimbam a nós, "tropa colonial-fascista". Apetece mandar esta gente (a crescer em Portugal!) para a grande p... que os pariu. (...)


(x) Antº Rosinha

(...) Parece-me que estamos a falar de "liamba", "maconha"... que nem droga (perigosa) era considerada, entre os negros velhos e novos de Angola, tal como na Guiné é o consumo da tal noz de cola.

De facto em Angola, nos últimos anos, chamemos-lhe no pós-Salazar, em que talvez por uma questão psicológica,  tudo pareceu mais moderno, mais aliviado, mais descontraido, também jovens brancos eventualmente poderiam aparecer com os olhos muito vermelhos e meio atordoados: eram já os maconheiros,  tal como aparecia o velho cozinheiro, o vendedor de jornais, o velho criado...etc.

Entretanto já se falava no negócio à porta dos liceus, mais judiciária, já se falava no consumo por gente fina,  mais por alferes milicianos e furriéis, não pelo soldado, pois era preciso alguma classe para consumir.

Portanto, com a bandalheira (abertura) que se adivinhava com a novidade do marcelismo, entre os jovens era fino consumir, constava.

De repente,  o 25 de Abril e com os retornados vinha maconha, diamantes e caixotes, dizia-se.
Hoje o haxixe é remédio.

Entretanto o uísque (a pataco) para a tropa, isso é história já velha, que até o Lobo Antunes náo deixou passar em branco. (...)

(xi) Jorge Picado

O nosso Comandante [da Tabanca Grande] já referiu que o autor "previne contra o enviesamento da jornalista". Desculpem-me aqueles que de facto são jornalistas (muito poucos, na verdade), mas hoje em dia esta é uma classe de jornalixa(o)s.

Lá que se bebia, é uma verdade. Mas isso era a própria máxima do "ex" [, Salazar,] que tinha incutido na mente do Zé Povinho que "beber é dar de comer a um (uns) milhão (ões) de Portugueses".

O mais grave é que passamos todos nós, os ex-combatentes, a ser catalogados como drogados e não se admirem se amanhã, algum dos muitos iluminados que agora por aí campeiam,  vier dizer que foram os ex-combatentes os responsáveis pela introdução deste flagelo, no País.

Só vi bebidas, conheci os naturais a mascarem cola, mas "cânhamos" só na minha activadade, como engenheiro agrónomo.


(xii) Rui G. dos Santos

(..) Sinto-me ofendido bem como aos meus soldados nativos, Não havia Canábis, havia , sim, Cerveja, Uísque e Vinho. A noz de cola era consumida pelo velhos/as das tabancas por causa das dores, quando andava de noite por entre as moranças das tabancas via os velhotes sentados num banquinho mastigando e ficando com a boca vermelha, nunca vi um soldado meu consumir que não fosse cerveja, ou vinho ... E pergunto atualmente quem não bebe álcool ??? 

Matreirices por detrás deste "jornaleiro" que pretende minimizar o trabalho que nos foi dado, expondo o peito às balas, o corpo aos rebentamentos sucessivos enquanto que muitos que hoje se intitulam de qualquer titulo "meritório" da tanga como diziam os meus soldados PAPA KI PARE !!!!

Rui G dos Santos, Comandante de um pelotão de nativos em Bedanda 4ª CC 1963/64, 
Comandante de dois pelotões de Instrução em Bolama no CIM 1964/65
 
(xiii) Valdemar Queiroz


(...) Esta é das boas, e ainda nos apanharam vivos para dizer, como a outra, É MENTIRA!!

Não li nada sobre as 200 entrevistas, e não sei quem fazia parte desse universo, como: data da comissão, território do cumprimento da comissão, dentro desse território no mato ou em localidades (aqui a Guiné era mais complicado), patentes militares, acções em combate e ambiente familiar na metrópole..e o clima.

Todos nós sabemos bem, dos mais antigos aos mais novos, que na Guiné estávamos dentro da guerra e nesses 200 entrevistados teria que haver uma ponderação especial em relação a Angola ou Moçambique.

Todos se recordam de chegar a Bissau e logo começar a atestar umas cervejas ou uns uísques com coca-cola no Bento ou na Solmar e à noite ouvir Tite a 'embrulhar'.  E desde esses dias foi um ver se te avias, uns mais outros menos, lá se 'embrulhava' no mato e lá se mandavam abaixo uns bioxenes.

Não me recordo de haver bebedeiras por cagufa, nem nunca vi, enquanto estávamos à noite de prevenção nas valas, haver alguém acompanhado com garrafas de cerveja ou vinho.

Até aconteceu com os nossos cabos e soldados de cá, quando saíamos em patrulhamento, nas primeiras vezes alguns levaram vinho no cantil em vez de água, mas serviu-lhes de emenda pela sede que passaram. 

Realmente os nossos soldados fulas, muçulmanos e por isso nada de bioxene, todos mascavam a tal castanha, cola, que, diziam, era para matar a sede. Eu experimentei e realmente criava uma maior quantidade de saliva mas nada de especial e não serviu para criar habituação.

Essa do Rosinha achar que a efémera primavera marcelista veio criar hábitos modernos do consumo de drogaria,  tem graça. Todos sabemos que foi por causa da guerra do Vietname e tudo o que se seguiu é que deu origem ao consumo generalizado e depois ao grande negócio da droga à escala mundial.

Uf!! agora ia mesmo um bioxene com duas pedrinhas de gelo e uns amendoins bem torrados. (...) 

(xiv) José Belo

(...) Certamente que “a estrutura militar,  logística,ou Comando, não fornecia bebidas alcóolicas a preços baixos ao pessoal para criar um ambiente de alienação “.

Os Excelentíssimos Quartéis Mestres Generais (plural,  devido ao longo período da guerra) não seriam de modo algum...perversos alienadores psicodélicos! Tinham outras grandes qualidades humanas na bagagem ontológica militar.

Mas que os fornecimentos, desde os "rebatizados"  vinhos a água da bolanha somada às águas municipais da Manutenção Militar em Lisboa, aos famosos-inesquecíveis-supra-especiais Whiskys de “candonga”,  ajudavam alguns dos muitos e inocentes “sacos azuis” intermediários....Iso fazia parte de um certo ambiente de alienação controlada.

Muito controlada mesmo. Chegou a dizer-se, em meios certamente subversivos, que o pano azul para a fabricacão  dos referidos sacos se esgotava rapidamente.

Subversivos e ...invejosos!

Um abraço do J. Belo

PS - Que alguém aponte, onde quer que seja por esse mundo fora, uma Manutenção Militar onde tais “alienações” não existam. (...)

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Guiné 61/74 - P21228: Parabéns a você (1844): Coronel Inf Ref Fernando José Estrela Soares, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2445 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21221: Parabéns a você (1843): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e TCor Inf Ref Rui Alexandrino Ferreira, ex-Al Mil Inf da CCAÇ 1420 (Guiné, 1965/67) e ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 18 (Guiné, 1970/72)

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21227: Historiografia da presença portuguesa em África (225): Os Banhuns da Guiné: num romance e na etno-história (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Tudo começou na preparação de um romance passado na Guiné Portuguesa, fundamentalmente entre a década de 1950 e a eclosão da guerrilha. O Administrador Colonial, marido de Benedita Estevão, era pesquisador e tinha escrito trabalhos sobre Manjacos e Banhuns. Na altura, tive o cuidado de ler algumas referências sobre estes Banhuns, e não hesitei em pô-los na ficção, havia poucos estudos e etnia caminhava para a extinção. Recentemente adquiri um número da revista Garcia de Orta com um curioso estudo sobre a importância dos Banhuns ao tempo em que os nossos descobridores e viajantes do século XVI ali aportaram.
É com satisfação que trago os Banhuns ao vosso conhecimento.

Um abraço do
Mário


Os Banhuns da Guiné: num romance e na etno-história

Beja Santos 

Quando estava a preparar o meu romance “Mulher Grande”, coloquei Albano Toscano, Administrador Colonial na Guiné Portuguesa desde os anos 1940 até à eclosão da guerrilha, como um estudioso emérito de um pequenino povo, os Banhuns. No romance, o funcionário colonial conhecia bem os Manjacos, os Cassangas e os Banhuns. O seu último estudo seria alvo de consagração por outros investigadores, houvera mesmo uma homenagem de arromba na Sociedade de Geografia de Lisboa. Porque me servi dos Banhuns nesta ficção? Segundo o censo populacional de 1950, o último dado como probatório na região, os Banhuns não seriam mais que 267, isto quando tinham merecido a particular atenção dos viajantes e descobridores, basta recordar André Álvares de Almada, Francisco de Lemos Coelho, Valentim Fernandes e Duarte Pacheco Pereira. Que viram esses descobridores e viajantes de tão surpreendente e porque se dera o declínio dos Banhuns?

Aquando da chegada dos portugueses à Guiné, os Banhuns tinham estado ligados ao império do Cabo, tinham sido combatidos pelos Mandingas, aos poucos foram arrastados para a margem atlântica do continente, foram-se acantonando entre o rio Cacheu e a fronteira com o rio Senegal.

Num artigo publicado na revista Garcia de Orta, em 1966, José D. Lampreia faz levantamento da sua etno-história, apresentando uma saborosa antologia de textos verdadeiramente marcantes. Diz o autor que os Banhuns cultivam intensamente o arroz e árvores de fruto, possuindo uma economia de tipo litorálico. Embora ribeirinhos, são fracos pescadores. Constroem casas circulares, com prumos enterrados no solo, revestindo as paredes com entrelaçados de bambu e tara. No século XIX, acrescenta o autor, os Banhuns constituíam ainda uma das mais importantes etnias que habitavam a região de Sédhiou (ou Sejo, na literatura portuguesa), então território nominalmente português, no Casamansa. Posteriormente fundariam, na região de S. Domingos, aldeamentos.

Valentim Fernandes, no seu manuscrito fala dos Banhuns, a propósito do rio de S. Domingos que ele diz ser um rio em que os navios podem subir 60 léguas, os navios iriam resgatar cavalos comprando escravos ao Farim Braço. E diz que o povo desta terra são os Banhuns. Fala no costume de oito em oito dias se fazer uma feira a cinco léguas do porto do mar, vem a esta feira muita gente de 15 a 20 léguas em redor. E escreve um pormenor espantoso: “Os Banhuns adoram um pau a que chamam hatichira o qual pau consagram desta maneira. Tomam um pau forcado que há-de ser cortado com um machado novo e o cabo dele também há-de ser novo e que nenhum destes haja servido em alguma coisa e então fazem uma cova no chão e têm ali um cabaz de vinho de palma e assim outro cabaz de azeite e uma alcofa de arroz. E têm ali um cão vivo e então deitam este vinho, o azeite e o arroz dentro desta cova e matam o cão com aquele machadinho novo, fendem-lhe a cabeça e deixam correr todo o sangue do cão na dita cova. E então lançam o machadinho dentro e põem depois o pau forcado e tapam-no muito bem com terra e em cima daquela forca de pau que assim sai por cima da cova penduram umas ervas do mato e para fazer esta cerimónia são chamados os melhores velhos de toda a terra”.

Também André de Faro, na sua "Peregrinação à Terra dos Gentios", carreia elementos úteis para o conhecimento dos Banhuns: “… este rei se chama D. Diogo, era cristão e seus irmãos e parentes o eram também, e na verdade me pareceu bom cristão pelo que vi em seu modo e em falar e no amor com que nos recebeu e o quanto folgava em ver frades no seu reino”. D. Diogo teria dado licença para retirar uma estátua animista que estava perto da igreja que os frades estavam fazendo no seu reino, não se podia ter uma igreja e ídolos à volta com sangue de galinha e outros animais.

Duarte Pacheco Pereira escreve sobre os Banhuns: “… deste Rio Grande se podem fazer dois caminhos para a Serra Leoa: um deles é por dentro das ilhas e por ali podem sair pela banda do Sueste (mas poucos pilotos sabem esta terra); o outro caminho é por fora segundo adiante diremos. E dentro deste Rio Grande está um rio que se chama Bugubá e os negros dele são Beafares. E adiante de Bugubá está outro rio e mais adiante acharão outro rio que se chama dos Pescadores; e adiante deste, cinco léguas, é achado outro rio; e mais avante está outro que se chama de Nuno (e aqui há muito marfim); e adiante deste rio duas léguas está o cabo da Verga. Todos os negros desta terra são idólatras. E uma geração destes negros se chama Banhuns”.

Os Banhuns, insista-se, estiveram sujeitos a razias que muito contribuíram para a sua quase extinção já que estavam situados entre os grandes inimigos da África Ocidental, os Fulas e os Mandingas. André Álvares de Almada não deixou de se referir a este assunto, referiu a guerra entre Fulas e Mandingas, os primeiros com os seus numerosos exércitos, traziam enxames de abelhas que largavam contra os inimigos assolando a terra dos Mandingas, Cassangas, Banhuns e Brames, só quando chegaram à terra dos Beafadas é que foram vencidos. Este autor localiza melhor os Banhuns: “Este reino de Mandinga é muito grande e está povoado todo de gente de uma banda e outra. Pela banda do Norte se mete muitas léguas pelo Sertão até partir com os Jalofos, e quase que estão todos de mistura. E pela banda do Nordeste vai por cima dar na terra dos Beafadas; e pela banda do Leste para partir com os Cassangas e Banhuns”.

Sem dúvida alguma que André Alvares de Almada conferiu uma grande importância aos Banhuns no século XVI, ao seu negócio de escravos, identificando S. Domingos como terra dos Banhuns, e dá-nos um pormenor relevante: “Neste rio de S. Domingos há mais escravos que em todo os outros da Guiné, porque deles os tiram estas nações – Banhuns, Brames, Cassangas, Jabundos, Felupes, Arriatas e Balantas. É rio de muito trato de arroz e outros mantimentos, bons pescados e muitas galinhas que continuamente andam os negros vendendo a troco de algodão e outras coisas. As mulheres desta terra e as Banhumas andam vestidos com uns panos curtos e os cabelos trançados, e as moças trazem uma tira de pano por diante, da largura e comprimento de um palmo, que escassamente lhes cobre as dianteiras, e desta maneira andam até se casarem”.

Tudo conjugado com base na leitura de todos estes historiógrafos se infere a ideia da importância tida pelos Banhuns em épocas passadas. As lutas entre Fulas e Mandingas certamente os levaram a um processo de interpenetração cultural e diluíram-se no seio de outras etnias, há quem sugira quem foram principalmente absorvidos por Manjacos e Balantas.

Continuo sem saber porque forjei Albano Toscano a estudar os Banhuns. Mas lendo este artigo, fiquei muito contente em saber o seu papel relevante na Guiné de outros tempos. Para os interessados em lerem o Tratado Breve dos Rios da Guiné de André Álvares de Almada, remetemo-los para o link:

https://books.google.pt/books?id=nJARAQAAMAAJ&pg=PA48&lpg=PA48&dq=banhuns,+g#v=onepage&q&f=false



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Nota do editor

Último poste da série de 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21207: Historiografia da presença portuguesa em África (224): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21226: Agenda cultural (751): Sai amanhã, quinta-feira, com os jornais "Correio da Manhã" e "Sábado", o volume n.º 29, "Saúde" (, de 64 pp., da autoria de Luís Graça), da coleção "Memória de Portugal: dois séculos de fotografia"


"Saúde", volume nº 29, da coleção "Memória de Portugal: 2 séculos de fotografia"  (Lisboa, Atlântico Press, 2020, 64 pp)

[Sinopse da coleção: 

(i) "uma viagem visual e narrativa da história do nosso país, desde o surgimento da fotografia até à década de 1980"; 

(ii) total de 30 livros.

(iii) apresentada pelo professor universitário e ensaísta, Guilherme d’Oliveira Martins.

(iv) mais de 2.000 fotografias inéditas dos principais arquivos do país, como a Torre do Tombo e Fundação Calouste Gulbenkian;

(v) sai um volume todas as quintas feiras com o jornal Correio da Manhã e a revista Sábado;

(vi) custo de cada volume (de cerca de 60 pp.): 4, 95 € (pode ser compardo "on line")

(vii) o primeiro volume (Grandes Tradições) saiu no dia 23/1/2020;

(viii) a edição é da Atlântico Press, Lisboa.


'Saúde' relata o longo caminho percorrido até à consagração constitucional do Serviço Nacional de Saúde, em pleno século xx. Acompanhamos o flagelo das doenças epidémicas, os dias negros da tuberculose e a posterior construção de sanatórios, dispensários e hospitais. Evocamos, também, o contributo de algumas figuras incontornáveis da nossa Medicina, como Ricardo Jorge, Sousa Martins ou Egas Moniz, que trabalharam em prol do bem-estar e do aumento do índice de esperança de vida dos portugueses.

Prefácio de António Barros Veloso
Médico e doutor «Honoris Causa» pela Universidade Nova de Lisboa


O texto do livro "Saúde: o longo caminho do progresso",é da autoria do nosso editor Luís Graça, e foi escrito em plena pandemia, entre 15 de maio e 15 de junho do corrente, "em contrarrelógio". É ilustrado por cerca de meia centena de fotografias.

Índice: Prefácio: heróis ignorados:  pp. 5 |  O longo caminho do progresso: pp. 6-7 |  Tempo de pioneiros:  o grande desafio da saúde pública;  pp. 8- 25 | Nascer e morrer:  epidemias e doenças da pobreza: pp. 26-43 | Direito universal: Século XX consagra a «saúde para todos»: pp. 44-67.

Há, por exenplo, uma  breve referência aos "Médicos Militares" (p. 39): 

"No século XX, Portugal esteve envolvido em dois conflitos armados externos: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na qual perderam a vida 7760 soldados portugueses, e a guerra colonial. Com cerca de um milhão de homens, incluindo 200 mil africanos recrutados localmente, foi a que mais militares envolveu. Estão documentados 9196 mortos, por todas as causas – combate, acidente e doença – e 25 mil feridos.
Alguns milhares de jovens médicos enquadravam a força – um médico para cada 650 soldados – e davam, também, um excecional apoio sanitário às populações locais. Os Hospitais Militares, a começar pelo Principal, na Estrela, foram grandes escolas para estes médicos. O HM 241, em Bissau, chegou a ser considerado o melhor da África subsariana, com exceção da África do Sul.
Em 1965, foi criado o Regimento de Saúde, em Coimbra, para satisfazer as necessidades crescentes
de pessoal sanitário para os teatros de operações: médicos, enfermeiros, maqueiros. Os quadros
de saúde, e nomeadamente dos médicos milicianos, foram utilizados até à exaustão. A guerra também permitiu um grande desenvolvimento do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos."

Outros volumes que poderão interessar os nossos leitores; Guerras | Colónias | A epopeia do bacalhau | Mundo da infância... (São apenas sugestões, mas há outros tíulos com interesse, como, por exemplo educação, arte, indústria, ilhas, Lisboa, cidades, desporto, profissões perdidas, comboios, praias e turismo,  festas populares, etc.;o último volume, o nº 30, é sobre a emigração, sai no dia 13 do corrente mês. )





Cortesia de Atlântico Press (2020)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21225: Casos: a verdade sobre... (9): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte I


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Fevereiro de 1967 > Cristal ou Sagres ? O "lobby" da cerveja na guerra... N a foto, o gen Arnaldo Schulz ao lado do piloto do helicóptero AL II... No banco de trás, duas caixas de cerveja, Sagres e Cristal... À direita, o fur mil Viegas, do Pel Caç Nat 54.

Comentário (humorístico) (*):  "Como se pode ver por esta foto, na Guiné, durante a guerra colonial, toda a gente se embebedava, do general ao soldado... E os que faziam a guerra eram os sodlados de 2ª linha, os guineenses, e nomeadamente os fulas, que, sendo muçulmanos, não bebiam, mas passavm todo o tempo a mascar cola...


Que fique bem claro para a a História: a haver atrocidades, só a eles podem ser imputadas...

A culpa foi toda da Intendência Militar que democratizou o uso de substâncias psicoativas: eram tão baratas, que eram acessíveis mesmo ao soldadp básico mais mal pago...

Não havendo 'liamba' na Guiné, o segredo da excessiva duração daquela guerra (que alguns queriam que fosse como a guerra dos 100 anos), tem um segredo: a "água de Lisboa, manga di sabe" e a "noz de cola" que dava um tusa do caraças: era como as pilhas Duracell... Podia faltar tudo, de antiaéreas a camisas de Vénus, menos a água de Lisboa e a noz de cola".
 

Foto (e legenda): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > Novembro de 1968 > "Água de Lisboa" (, ou melhor, "vinho do Cartaxo"...). O alf mil SAM Virgílio Teixeira (o segundo a contar da esquerda), a ajudar a descarregar garrafões de vinho, alguns dos quais têm o rótulo do Cartaxo (presumivelmente, da Adega Cooperativa do Cartaxo).


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Caramadas da Guiné). 

1. Seleção de comentários ao poste P21222 (*) - Parte I (**)


(i) Diconário Priberam da Língua Portuguesa:

ca·ná·bis
(latim cannabis, -is, cânhamo)
nome feminino de dois números

1. [Botânica] Designação dada a várias plantas do género Cannabis, da família das moráceas, em especial a Cannabis sativa, de folhas palmadas, cultivada pelo seu caule, que fornece uma excelente fibra têxtil, e pelas suas sementes, que dão um óleo; as flores e folhas são também usadas como droga entorpecente.= CÂNHAMO

2. Conjunto de folhas secas de cânhamo-indiano preparadas para mascar ou fumar. = MARIJUANA

3. Droga feita da resina das inflorescências dessa planta que produz sonolência ou outras alterações do sistema nervoso central. = HAXIXE

[ Palavras relacionadas: haxixe, maconha, cânabis, cangonha, marijuana, cânhamo-indiano, pango, erva, liamba,  diamba, riamba, soruma...

"canábis", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/can%C3%A1bis [consultado em 05-08-2020].
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co·la |ó|
(latim científico Cola, do quicongo nkola)
nome feminino

1. [Botânica] Designação comum a várias plantas do género Cola, da família das esterculiáceas. = COLEIRA

2. [Botânica] Fruto da coleira, cujas sementes são ricas em alcalóides estimulantes, como a cafeína. = NOZ-DE-COLA

3. Bebida refrigerante, doce, gaseificada e de cor acastanhada, preparada com uma substância extraída desse fruto ou com aromas sintéticos (ex.: pediu uma cola com limão).

"cola", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/cola [consultado em 04-08-2020].


(ii) Carlos Pinheiro:

(...) O  trabalho que a seguir partilho [, Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial, jornal "Público",  domingo, 2 de agosto de 2020], e que, possivelmente muitos de vós já tereis visto, feito por um fulano para a sua tese de doutoramento, depois de ter entrevistado 200 ex-combatentes, incomodou-me sobejamente porque – posso estar a ver mal – o senhor chegou aquelas conclusões depois de ter falado com uma inexpressiva percentagem daquelas muitas centenas de milhares de jovens que durante 14 anos deram o corpo ao manifesto. (...)

(iii) António J. Pereira da Costa:

(...) Cá estamos perante um doutorado que fez um estudo e tirou conclusões que nós não subscrevemos. Os militares portugueses não sabiam o que era "canábis", donde se extraía e como se preparava. Admito, teremos sempre que admitir, que alguns a conhecessem. Todavia, tudo se passou há 50 anos (mais ou menos) e a popularização da droga não tem essa idade.

O consumo de bebidas alcoólicas será diferente. O povo português consumia vinhos e aguardentes correntes, para além de "bebidas brancas", mais elaboradas. É provável que uma grande parte tenha tenha "descoberto" o whisky "num TO duma qualquer PU", pois na metrópole era caro e lá, com 100 paus, já se tinha uma garrafa...

Não creio que os soldados se embebedassem para ter coragem ou escorraçar a morte. Também nunca vi ninguém que recorresse ao álcool para matar o tédio ou reduzir a ansiedade em vésperas de uma acção.

Parece-me um trabalho bombástico e a crer desfazer tabus. Está na moda. A amostra apresentada será significativa? Em que contexto? O consumo de drogas na guerra, durante uma boa parte da sua duração,  não era praticado por totalmente desconhecido.

É deste tipo de "estudiosos" que eu tenho medo. Têm poder de divulgação e o que disserem, mesmo que pouco correcto,  é que vai valer para o futuro. A opinião de quem lá esteve, como não é cientista, não tem valor. (...)

(iv) Albertino Ferreira:

(...) Li o artigo, pelo menos diz uma verdade, na Guiné não houve consumo de cannabis, só de álcool, mas o clima também ajudava. Quanto à noz de cola,  só me apercebi que a usavam os soldados nativos integrantes das milícias, especialmente na zona de Bigene. (...)

(v) Alberto Branquinho:

(...) Pois é, "a ciência é com os cientistas"... Mas a "ciência" tem que ser a verdade das coisas e, principalmente, na sociologia e "arredores".

Nas minhas memórias não registei drogas nem das leves. Andei por quase 2/3 da Guiné e não cheirei nada. "Cola" sim, vi muita, mas consumida por milícias, principalmente e também soldados nativos. E álcool, muito!!!

De Bissau, não sei nada. Talvez consumissem para matar o "tédio" da ausência de guerra. (...)

(vi) António J. Perereira da Costa:

(...) Efectivamente a cola era muito consumida, mas pelo pessoal da milícia (civis armados) e recrutamento local. Era um hábito daquela sociedade que as autoridades portuguesas nunca tentaram contrariar. Lembro-me de que o chefe da tabanca de Cacine - o velho Aliu - andava com umas nosezitas embrulhadas num paninho muito branco e fechado com nós.
Mas, atenção, a cola era um excitante, um estimulante que não servia "para combater o tédio", tornava o combatente excitado, agressivo e mais "apto" para o combate.

Resultados? Nunca dei por isso. Não me consta que os "colados" tenham, alguma vez, desarvorado em direcção ao IN, estimulados pela droga... Também nunca dei por que tivessem maior resistência física.
E vocês? Alguém se recorda de um Grupo de Combate  devidamente "colado" a ter mais êxito que os não "colados"? (...)

(vii) Tabanca Grande Luís Graça:

(...) Esstou ler a entrevista do "Público" agora mesmo... São 8 (oito!!!) páginas dedicadas aos combatentes da guerra colonial e aos seus problemas psicossociais... É obra!...Ainda há gente que se interessa por este "lixo da história"...

Mas não se tirem conclusões apressadas sobre os comportamentos dos militares portugueses nos TO da Guiné, Angola e Moçambique...O próprio entrevistado previne, contra o enviesamento de umas algumas perguntas da jornalista: 'Foquei-me nos consumidores e tentei perceber o significado do consumo [, nomeadamente da "cannabis", que não havia na Guiné...] e todas as suas circunstâncias, mas deixando  sempre claro que não queria generalizar, não queria dizer que todos consumiram' " (...)

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21224: Efemérides (333): Foi há 54 anos que parti para o CTIG, no T/T Uíge, para ir formar em Bolama o Pel Caç Nat 54 (Jose António Viegas)


Foto nº 5 > O Zé António Viegas. hoje, em Faro, bebendo a sua Sagres... [Será ainda do lote de cervejas que o Arnaldo Schulz levava no heli, em fevereiro de 1967 , quando aterrou em Portogole ? ]




Foto nº 2 >  30 de julho de 1966 > No T/T Uíge, a caminho da Guiné



Foto nº 3> Na messe do T/T Uíge, com outros camaradas, sou o terceiro, na mesa,do lado direito.


Foto nº 4 > Agosto de 1966 > Chegada a Bolama, para formar o Pel Caç Nat 54



Foto nº 6 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Cristal ou Sagres ? Parece que o Viegas já entrão preferia a Sagres... [O gen Arnalldo Schulz ao lado do piloto do helicóptero: fevereiro de 1967: a despedida: no banco de trás, duas caixas de cerveja, Sagres e Cristal; à direita, o fur mil Viegas, do Pel Caç Nat 54, com camuflado paraquedista trocado com um camarada numa operação no Morés em outubro de 1966; a aeronave parece ser um Alouette II ]

Fotos (e legendas): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada José António Viegas [ fur mil do Pel Caç Nat 54, passou por vários "resorts" turisticos em 1966/68 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vive em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem cerca de 40 referências no nosso blogue]:

Data - 4 de agosto de 2020, 14:55

Assunto - 54 aniversário da partida para a Guiné


Caro Luís:

No passado dia 30 de Julho fez 54 anos que embarquei para o CTI da Guiné, gostaria de expor uma pequena resenha do percurso até lá.

No dia 2 de Novembro de 1965  assentei praça no CICA 1, no Porto, era o único Algarvio naquele quartel e sem dicionário. 

Depois de ter acabado a recruta,  fui para a especialidade de estafeta mota. Fazíamos a instrução à base de tattoo e mecânica, o Furriel viu que eu sabia algo de mecânica, entregava-me a aula e pirava-se. 

Numa dessas aulas entra um 1º Sargento com pouco mais de um metro e sessenta  e de capote cinzento até aos pés perguntando pelo Viegas, apresentei-me e ela só me disse: "Ide à secretaria, estais f....!".

 Chegado à secretaria, não estava ninguém, vejo em cima da secretária uma guia de marcha e apenso uma carta com a sigla da DGS, nisto entra o Sargento aos berros,  que eu ia levar uma porrada,  e entrega-me a guia de marcha. E. sempre gritando, dizia: "Ides apanhar o comboio a S. Bento , mudas no Stil  [Setil] e vais para Vendas Novas, julgais que andais a enganar a tropa!...". 

Ainda lhe perguntei onde ficava a estação do Stil [Setil], mas nem me respondeu.

Cheguei a Vendas Novas a 11 de Janeiro de 66 para frequentar o 2º ciclo do CSM, era um luxo, na altura a recruta era dada por Aspirantes da Academia.

Findo o curso em Vendas Novas,  fui colocado no BC 8 de Elvas em 13 de Abril de 66 para dar uma recruta, após o que fui mobilizado para a Guiné.

Depois de gozar os dias da praxe, vou para os Adidos 2 dias a aguardar embarque.

No dia dia 30 de Julho pego na sacola, desço a Calçada da Ajuda e venho tomar o pequeno almoço num quiosque que já não existe em frente ao museu dos Coches, nisto chegam 2 amigas que estavam em França,  não sei como me descobriram e de rompante dizem-me que têm tudo pronto para ir para a França no outro dia estávamos lá, começamos a discutir, eu que não,  elas que sim,  que não tinha que ir pra guerra... Resultado: estivemos vários anos sem nos falar, quando reatamos a amizade levaram-me a Paris.

Voltei a pegar na sacola e dirigi me para o Cais, entreguei a guia e entrei no Uíge, olhei em volta não via caras conhecidas, vim para a amura ver aquele espetáculo horripilante das despedidas.

Depois de 5 dias de viagem,  chego à Guiné, saio para o Cais e encontro um amigo e conterrâneo o Furriel Jélio, já falecido, que pegou em mim e me levou para os Adidos, 2 dias depois fui para Bolama formar o Pel Caç Nat 54. 

Guiné 61/74 - P21223: Blogpoesia (689): Boas férias, cá dentro. Volto em Setembro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 30 de Julho de 2020:

Bom dia Carlos Vinhal.
Aqui envio meu último trabalho antes das férias, e que se chama mesmo "Férias".
Em Setembro voltarei à Tabanca para publicações, mas durante o mês de Agosto, passarei sempre uma vista de olhos pela Tabanca, pois como já o disse por diversas vezes, é dela que faço o meu jornal.
Para todos, boas férias
Albino Silva


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21217: Blogpoesia (688): "O lavrista", "Escadas sombrias" e "Plangente e lacrimoso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)


Recorte da edição do Público, 2 de agosto de 2020: Texto de Patrícia Carvalho e fotografia de Daniel Rocha. O artigo só está disponível para assinantes. (Excerto reproduzido com a devida vénia...)  


1. Mensagem do nosso camarada e amigo de Torres Novas, Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70)

Date: segunda, 3/08/2020 à(s) 18:23

Subject:  Artigo no jornal "Público" sobre álcool e droga na guerra colonail

Caros companheiros e amigos

Peço imensa desculpa de vos estar a incomodar, mas o trabalho que abaixo partilho, Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial, e que, possivelmente muitos de vós já tereis visto, feito por um fulano para a sua tese de doutoramento, depois de ter entrevistado 200 ex-combatentes, incomodou-me sobejamente porque – posso estar a ver mal – o senhor chegou aquelas conclusões depois de ter falado com uma inexpressiva percentagem daquelas muitas centenas de milhares de jovens que durante 14 anos deram o corpo ao manifesto.

Ele, segundo diz, nunca se tinha interessado pela Guerra Colonial, e só agora, não sei porquê, realizou o tal trabalho e chegou a estas "esplêndidas" conclusões.

Não me quero alongar mais, mas permito-me perguntar se este senhor não mereceria que lhe fosse dirigida uma reacção que desmontasse o que o senhor afirma doutoralmente.

Já me têm feito confusão algumas teses de doutoramento, mas esta suplantou todas as medidas.

Se algum ou alguns dos meus amigos se quiserem dar ao trabalho de alinhavar algumas palavras acerca do assunto, fico grato.

Cá fico à espera.

Um grande abraço, virtual

Carlos Pinheiro

 PS - Vd. artigo no jornal Público de 2 do corrente:

2.  Nota do editor LG:

Obrigado, Carlos pela tua oportuna chamada de atenção. Mas é preciso ir  às fontes, ler em primeira mão o autor, para depois se ter uma opinião fundamentada.  O tema é delicado mas não é tabu. Temos, no nosso blogue,  30 referências sobre alcool, mas apenas duas sobre drogas... 

Percebo, pelo título do artigo, que possa desencadear reações emotivas (, já me chegaram ecos de Trás-os-Montes...), porque mexe com a nossa autoestima e pode ferir a honra da generalidade dos combatentes. Mas não vamos provocar aqui uma "caça às bruxas"... Há 16 anos que falamos, aqui, no nosso blogue, de tudo ou quase tudo, com frontalidade e verdade. Mas o nosso blogue não tem por missão produzir "trabalho científico", apenas partilhar "memórias"... A ciência é com os cientistas,,,

Começo por dizer que não li a entrevista do "Público", nem o livro, mas vou consultar a tese de doutoramento, do Vasco Gil Calado,  em antropologia, pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, defendida em provas públicas em 17/9/2019.  Temos que separar o artigo de jornal (e os títulos de caixa alta dos jornais provocam muitas vezes leituras enviesadas) e o trabalho académico.

Este é um trabalho com arbitragem científica. E terá por certo méritos e desméritos. Não há trabalhos científicos perfeitos.  E é bom desde já chamar a atenção que não é um trabalho de  investigação (quantitativa) em epidemiologia mas um trabalho de investigação (qualitativa) em antropologia. Portanto, é preciso ter cuidado com as eventuais generalizações abusivas.

Este trabalho académico pode ser consultada no Repositório desta instituição ["O Repositório Institucional do Iscte tem como objetivo preservar, divulgar e dar acesso à produção intelectual do Iscte em formato digital. Na medida em que reúne o conjunto de publicações académicas e científicas do Iscte, contribui também para o aumento da visibilidade e impacto do trabalho de investigação a nível nacional e internacional."]

Referêmcia bibliográfica:

CALADO, Vasco Gil Ferreira - Drogas em combate: Usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2018. Tese de doutoramento. [Consult. 3 de agosto de 2020 ] Disponível em www: http://hdl.handle.net/10071/18841. 

O acesso é restrito, por vontade expressa do autor (, por razões que desconheço, talvez relacionadas com a proteção das fontes e a confidencialidade da informação...),  podendo ser lhe pedida uma cópia em formato digital. Os trabalhos académicos, produzidos no âmbito das universidades públicas, devem estar ( e em geral estão)  em "open acesso", isto é, abertos à consulta pública.

Aqui fica o resumo da tese, o que é que está disponível "on line" no repositório, a par das palavras-chave: Antropologia cultural | Guerra colonial | Colonialismo português | Abuso de drogas | Memória coletiva | Usos e costumes | Portugal.

A Guerra Colonial Portuguesa foi um conflito de guerrilha marcado pelo desgaste físico e psicológico, tendo decorrido a milhares de quilómetros da «metrópole», em territórios inóspitos e em muito diferentes do que os jovens portugueses conheciam. 

Entre as novas experiências que tiveram lugar durante a comissão militar em África conta-se a descoberta da cannabis, uma planta de consumo tradicional em Angola e Moçambique, e a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis. 

De acordo com as narrativas dos ex-combatentes, os usos de cannabis e álcool desenvolvidos pelos militares portugueses estão intrinsecamente relacionados com as circunstâncias do conflito, com as normas sociais e com as motivações de consumo. Na guerra, os militares portugueses recorriam às duas drogas como forma de ultrapassar as dificuldades, vencer o medo e lidar com uma realidade difícil de suportar, fosse pela omnipresença da violência, do tédio ou da tensão emocional. 

Embora a cannabis fosse uma planta que o olhar europeu historicamente associou à desordem e ao comportamento bárbaro, a partir do final da década de 60 do século XX os militares portugueses deram-lhe um uso diferente, consumindo-a de forma terapêutica, sem que isso desse aso a castigos disciplinares. No entanto, ao mesmo tempo, na «metrópole» o poder político iniciava uma «guerra às drogas», criminalizando o uso de cannabis e de outras substâncias psicoativas e fazendo da droga um problema social, associando-a à contestação social. 

Tudo isto permite perceber que a droga é um constructo social e um objeto eminentemente político, pelo que nada no uso de drogas é um facto adquirido ou algo que decorra exclusivamente das propriedades farmacológicas de cada uma, antes é condicionado histórica e socialmente, nomeadamente em função do contexto político. [Fonte: http://hdl.handle.net/10071/18841]

Há também um artigo do mesmo autor,  disponível em texto integral, "on line", na revista "Etnográfica" [Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia], e que já li em tempos (**).

Vasco Gil Calado, « As drogas em combate: usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa », Etnográfica [Online], vol. 20 (3) | 2016, Online desde 27 novembro 2016, consultado em 04 agosto 2020. URL : http://journals.openedition.org/etnografica/4628 ; DOI : https://doi.org/10.4000/etnografica.4628

Resumo: Apresentam-se as principais questões suscitadas pelo trabalho em curso acerca do uso de substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974). São identificados alguns aspetos-chave que emergem das narrativas dos ex-combatentes acerca da sua experiência de guerra e que contextualizam um conjunto de práticas, entre elas o uso de drogas. Confirma-se o abuso de álcool e o uso de canábis entre os militares das forças armadas portuguesas envolvidas no conflito, numa altura em que em Portugal surgiam as primeiras iniciativas de combate às drogas. Tanto o consumo de bebidas alcoólicas como de outras drogas pode ser entendido como uma forma de lidar com a ansiedade e a violência do quotidiano.

Em tempos, o Gil Vasco Calado pediu-nos ajuda para  este trabalho académico (**). Já não me lembro se me chegou a entrevistar, nem tenho a certeza de o conhecer pessoalmente,  O poste P16807 teve 12 comentários.
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(**) Vd. poste de 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16807: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (39): pedido de ajuda para tese de doutoramento em Antropologia, pelo ISCTE-IUL, sob o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial (Vasco Gil Calado)

(...) Chamo-me Vasco Gil Calado, antropólogo e técnico superior do SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências]. 

Estou a fazer o doutoramento em Antropologia, no ISCTE, sobre o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial. Foi o Renato Monteiro quem sugeriu que o contactasse, na condição de grande especialista e dinamizador de um blog essencial sobre a guerra colonial. No âmbito académico da tese, gostava de o entrevistar, de forma anónima e confidencial, naturalmente.

O meu orientador é o Prof. Francisco Oneto, do departamento de Antropologia do ISCTE.
Nós cruzamo-nos no ISC-Sul, numa pós-graduação de Sociologia da Saúde, em que deu um módulo sobre Educação para a Saúde, se bem me lembro, para aí em 1999 ou algo do género. (...)