Haverá no entanto um missa em Ribamar, Lourinhã, terra da sua avó materna, no próximo sábado, dia 22, às 18h30. Os familiares e amigos que puderem e quiserem comparecer (dentro do limite dos menos de 100 lugares disponíveis na igreja da paróquia de Ribamar) serão bem vindos.
A família recordo-a, pelo "grande exemplo de vida que nos deu na sua passagem pela terra" e como "lourinhanense que amava a sua terra, as suas gentes, a sua família"... "Conversador incansável que falava em verso, contador de histórias, que em todos via um amigo, apaixonado pelo futebol, pelos jovens que com amor treinou e ensinou, e com um coração enorme que sabia repartir por quem tinha menos do que ele" ("Alvorada", 7 de agosto de 2020, pág. 28).
O meu avô
paterno, que ainda conheci na infância, terá morrido também com 91 anos. Usava
muletas e fumava a sua “beata”: é a imagem que eu tenho dele. Dizia o meu pai
que ele “tinha ficado mal das pernas por causa dos resfriados do mar”: como
muitos agricultores das zonas ribeirinhas (Montoito, Atalaia, Areia Branca, Ribamar,
Porto Dinheiro...), era também nos tempos livres um mariscador, dedicando-se à
apanha tradicional de polvos e crustáceos.
Domingos
Henriques Severino [, ou só Domingos Henriques,] foi
homem de teres e haveres (, tinha “sete fazendas e três pinhais”, dizia-me o
meu pai), tendo casado três vezes. Do primeiro casamento, não teve filhos: a
esposa era de Torres Vedras, de uma família conhecida, os Fonsecas, ligada ao
comércio automóvel; do segundo matrimónio, teve o meu pai (Luís Henriques, de
seu nome completo), e o meu tio (e
padrinho de batismo), Domingos Inocêncio Severino, já falecido. É estranho os
dois irmãos não terem o mesmo apelido, mas era frequente na época, um filho
ficar com um primeiro apelido do pai (neste caso, Henriques), e outro filho
ficar com o segundo apelido paterno (,
no outro caso, Severino).
Do terceiro
casamento, o meu avô teve "uma equipa de futebol e um suplente", como
dizia, com graça, o meu pai. Casou com um senhora que era mãe solteira, natural
da Zambujeira ou Serra do Calvo. (Trazia pela mão o Manuel “Ferrador”, o
“suplente”.)
De entre esses meios- irmãos, destaca-se o Afonso Henriques, o “Afonso das Bicicletas”, também figura popular na sua terra, pela sua paixão pelo ciclismo. (Tinha uma oficina de reparação de bicicletas e motorizadas, a Casa Osnofa, na Rua Miguel Bombarda, nº 17)
Morreu
jovem, em 1922, de tuberculose, terrível doença da época, facto que marcou o meu pai para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo, punha-lhe apenas a mão, ou
a ponta de um dedo, na cabeça, na testa
ou na face… (Pergunto-me: como é que um miúdo de dois anos pode ter essa
recordação ?... Muito provavelmente, os tios contaram-lhe.)
E, nos seus
três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no
seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina, por mais de um vez.
Foto: arquivo da família.
A sua avó materna,
Maria Augusta, nasceu em 28 de outubro de 1864, em Ribamar, ou melhor, em Casais
de Ribamar, hoje integrados na vila de Ribamar. Pertencia ao clã Maçarico:
filha de Manuel Filipe e Maria Gertrudes. ( A sua ascendência está documentada
até, pelo menos, a meados do séc. XVIII.)
Veio a casar na Lourinhã, com um peixeiro, Francisco
José de Sousa (1864-1939). O casal teve 7 filhos. Terá
morrido com “cerca de 88 anos”, segundo o meu pai, ou seja no início dos anos
50, o que ponho em dúvida. Já li ou ouvi algures outras datas: 1920, 1934…
Fez a instrução primária (na época quatro anos de escolaridade) na velha Escola Conde de Ferreira, (demolida pelo camartelo camarário antes do 25 de abril), sob a direção do saudoso Prof José António Simões Silva (1898-1964) que ainda conheci na minha infância e adolescência, pai do nosso conterrâneo Jorge Pedro e sogro da minha professora do ensino primário (da 2ª `4ª classe) e da admissão ao liceu, a dona Maria Helena Perdigão (, felizmente ainda viva).
Não sei em que circunstâncias ele foi trabalhar, depois de acabada a 4ª classe. Tinha apenas nove anos....Por um lado, era órfão de mãe e o pai tinha uma família numerosa a sustentar. Por outro, ele era “bom nas contas de cabeça”, razão por que terá sido contratado pelo comerciante Manuel Lourenço da Luz.
O meu pai recordava-se de, no verão, estar na loja da Praia da Areia Branca (, cujo plano de urbanização data dessa época, c. 1919/20), e de à segunda-feira ir com o patrão, caçar patos e perdizes, na foz do Rio Grande bem como ao longo do rio e nas dunas. (Essa loja situava-se na artéria principal na Praia, hoje Av António José do Vale, numa das primeiras casas térreas que se terão contruído nos anos vinte, ao lado do atual café Topa Mar, talvez no nº 40).
Curiosamente,
o meu pai nunca teve inclinação por nenhum instrumento, se bem que fosse sócio e
admirador entusiástico da Banda, e gostasse de cantarolar.
Em 5 de
setembro de 1940, “vai às sortes”, é apurado para todo o serviço militar.
A viagem das forças expedicionárias do RI 5 (e de outras unidades) foi no T/T "Mouzinho", da Companhia Colonial de Navegação, com partida no Cais da Rocha Conde de Óbidos, conforme notícia do "Diário de Lisboa", desse dia 18/7/1941. Salazar, em pessoa, assistiu à cerimónia. O navio chegou ao Mindelo em 23/7/1941.
Tal como no caso dos Açores (cuja guarnição militar foi reforçada com 30 mil homens), para a defesa de Cabo Verde, e sobretudo das três ilhas com maior importância geoestratégica, a ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal, foram mobilizados 6358 militares, entre 1941 e 1944, assim distribuídos:
(i) 3361 (São Vicente):
Mais de 2/3 dos efetivos estavam afetos à defesa do Mindelo (, ou seja, do porto atlântico, Porto Grande, ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos).
Numa época de elevado analfabetismo (, mais de 40% no grupo etário dos 20-24 anos, em 1940), sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa (!) de alguns dos seus camaradas, e até das moradas (!) para onde enviava as cartas.
A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram milhares e milhares de mortos [inspirando o romance de Manuel Ferreira (1917-1992), “Hora di Bai”, publicado em 1962, tiveram impacto na consciência de bom português, bom cristão e bom lourinhanense, que era o 1º cabo Luís Henriques. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943.
Os antigos expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O Luís Henriques costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Rainha... até que as pernas começarem a falhar e a maior parte deles, dos seus camaradas, acabou por morrer. O mesmo se passava com os outros regimentos: RI 7 (Leiria), RI (11 (Setúbal), RI 15 (Tomar)... Cabo Verde, a sua “morabeza”, ficou-lhes no coração para sempre...
(Continua)
Útimo poste da série > 2 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21031: Meu pai, meu velho, meu camarada (61): In Memoriam: António Correia Caxaria (Atalaia, Lourinhã, 17/12/1917 - São Bartolomeu dos Galegos, Lourinhã, 1/6/2020): o últmo expedicionário de Cabo Verde, ex-fur mil, RI 5 / RI 23, São Vicente, 1941/43