sábado, 19 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22296: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte IV: Augusto Valdez de Passos e Sousa (Elvas, 1886 - Angola, 1915), ten inf

 

Augusto Valdez de Passos e Sousa (1886 - 1915)


Nome Augusto Valdez de Passos e Sousa

Posto Tenente de Infantaria

Naturalidad:  Elvas

Data de nascimento: 12 de Dezembro de 1886

Incorporação: 1907 na Escola do Exército (nº 181 do Corpo de Alunos)

Unidade: Regimento de Infantaria n.º 17

Condecorações

TO da morte em combate:  Angola

Data de Embarque:  10 de Dezembro de 1914 | Data da morte 1 de Setembro de 1915

Sepultura: Môngua - Angola

Circunstâncias da morte:

No dia 18 de Agosto de 1915 o destacamento de Cuanhama foi atacado por cerca de 12000 guerreiros nativos que,  apesar de repelidos com baixas voltaram,  a atacar o quadrado português (#) no dia 19 de Agosto tendo sido novamente afastados. Neste combate, integrando a força de Infantaria 17, foi gravemente ferido vindo a falecer em 1 de Setembro de 1915.



António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

(#) Disposição especial das tropas de infantaria, usado pelas NT nas campanhas de África,  que consistia em se ordenarem, formando quatro frentes para resistir aos ataques da cavalaria inimiga ou de ataques em massa do "gentio". Também era uma forma de acampar. (LG)

Fonte: "quadrado", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/quadrado [consultado em 19-06-2021].

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Nota do editor:

Últimos postes da série > 

8 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22264: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte I: Apresentação | Artur Homem Ribeiro, cap inf (Canas de Senhorim, 1874 - Angola, 1914

9 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22265: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte II: cap inf Sebastião Luiz de Faria Machado Pinto Roby de Miranda Pereira (Braga, 1883 - Angola, 1915)

13 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22277: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte III: alf cav Álvaro Damião Dias (Lisboa, 1887 - Angola, 1915)

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22295: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (124): O "periquito" Henrique Matos, 1º cmdt do Pel Caç Nat 52, que eu conheci no Enxalé em 1966 (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Foto 1 > Guiné > Zona Leste > Enxalé > 1966 > O meu Baptismo no Enxalé: (i) Ali sentado no meio, de camuflado ainda novo, pelo aspecto já devia estar bem tratado, com alguns elementos da CCAÇ 1439 (Enxalé, 1965/67) que me deixaram gratas recordações, (ii) a saber da esquerda para a direita: furriéis milicianos Passarinho, Lopes e o nosso Futebolista, infelizmente já falecido. 

A seguir enchendo a caneca, (iii)  está um madeirense e quem domina garrafa é o alf mil Sousa;  ao lado está  (iv) o fur mil Teixeira (actual Presidente da Junta de Freguesia da Sé, em Faro) e ainda a comer está um 2º Sargento que não me lembro o nome. 

Os restantes são (v)  militares madeirenses, da CCAÇ 1439.



Foto 2 > Primeira lição no Geba, eu, periquito, com os velhinhos da CCAÇ 1439 no Sintex, que até tinha um pequeno motor fora de borda e base para metralhadora



Foto 3 > Batelões a descer o Rio Geba. Como curiosidade, o último chamava-se Lisboa. 


Fotos (e legendas): © Henrique Matos (2007). Todos os direitos [Edição : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1. Mensagem de João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

Date: terça, 15/06/2021 à(s) 10:11
Subject: fotos...
 
Caro Henrique Matos,

São  03,48 AM. Não consigo dormir, o que me sucede muitas vezes. Coisas da idade porque vontade não me falta. E até  faço bem esforços nesse sentido, bem bizarros por vezes, por ter ouvido que isto e aquilo ajuda a vir o sono. Conselhos  nesse sentido não me faltam, pois como sabes a maior profissão   no mundo é a de médicos: todos e cada um de nós sabemos sempre qual a  mezinha a recomendar para os males dos outros, poções mágicas, exercícios variados como seja o de respirar desta maneira e daquela,  contar  de um a cem e repetir em línguas "estranhas"… etc etc  

Reccuso-me  abusar de  comprimidos  que podem ajudar uma vez mas são um perigo, como sabes.  O meu escape frequente é o nosso bom blogue, com grande incidência  nos assuntos e momentos que de alguma maneira nos dizem respeito  a nós  mesmos e aos nossos amigos, tenham sido  estes momentos vividos  na Guiné ou depois em Portugal, especialmente depois de ter conhecido e  entrado no nosso blogue Luis Graca e camaradas da Guiné.

Hoje decidi pesquisar dois nomes : "Luís Zagalo" e logo a seguir "Henrique Matos". 

Como sempre sucede  segue-se logo uma enxurrada  de emoções, saltitando de  um  poste  a outro. E por vezes aparece o desconhecido ou inesperado, como foi o caso de hoje ao deparar num poste com fotos do "granadeiro" da CCaç 1439 que ainda não tinha visto. 

E noutro poste (P2191)  (*)  uma foto muito boa que gostava muito de ter comigo. Podes fazer o favor de ma enviares por email? Tentei "pescá-la" e transportá-la para a Galeria  de fotos no meu computador, mas, como não percebo nada de coisas digitais,  estou farto de dar voltas e não consigo.

Sei que as coisas começam a melhorar em Portugal também; e começo a sonhar numa possibilidade de ir aí ainda este ano. Mas, porque  "gato escaldado de água fria tem medo",  vou conservando as minhas barbas molhadas , que na nossa idade todas as  precauções são poucas e esta história de "variantes" é razão para poucas aventuras. E ir a Portugal sem poder encontrar-me com os meus amigos (num possível encontro  em que as pessoas  tenham ainda medo de aparecer) está fora de questão. 

Por aqui, salvo uns ocasionais telefonemas , não tenho tido  contactos com "camaradas da Guiné", ou de outras paragens, desde que a pandemia começou. E  pelo que me têm feito compreender ainda é cedo para pensar em nos juntarmos pessoalmente, embora essa ideia já há muito   ande a rondar a porta. Demos tempo ao tempo.

Bom, vou pôr o computador de lado e  ver se consigo dormir algo, pouco que seja.
 Um abraço
joao


2. Comentário do editor:

João: Tempos duros estes, tu não dormes, e eu levanto-me de três em três horas... Temos que aprender a gerir as nossas mazelas da idade... Também muito folgaria em ver-te tão brevemente quanto possível pelas nossas Tabancas... Mas não me parece provável que ainda possa ser este ano,,,

Quanto às fotos que pedes ao "periquito" do Henrique Matos, que foi o primeiro  comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68), eu mesmo tas vou enviar, por email, para o teu álbum de recordações. Para já, volto a republicá-las aqui, com melhor qualidade.

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(...) Caros tertulianos: Aqui vai um pequeno episódio a que chamei Baptismo no Enxalé (...). Saídos de Bolama no final de Agosto de 66 (...) , subimos o Geba numa LDM e depois de deixar os nossos companheiros do Pel Caç Nat 53 no Xime, chegamos a um lamaçal que era o local onde se desembarcava para o Enxalé e onde já nos esperava pessoal e viaturas da CCAÇ 1439 (madeirenses). 

O percurso relativamente curto foi picado e serviu para nos dar as primeiras imagens e contar algumas histórias ( pintadas de negro), sobressaindo um ataque que tinham sofrido recentemente sem grandes consequências. 

Com o capitão de férias, comandava a companhia o alf mil Freitas. A tarde ainda ia a meio e como tinhamos apanhado água durante a viagem, a primeira operação foi reunir o pessoal e proceder à limpeza do armamento. Estavamos ali sentados no chão com as G3 que nos tinham sido distribuídas em Bolama, novinhas em folha,  desmontadas, quando desata uma fogachada dos diabos e nós, apanhados como se costuma dizer com "as calças na mão", a correr como moscas tontas à procura dos abrigos. 

Assim como começou de repente, parou e era ver agora o pessoal velhinho a rir com este grande ronco. Afinal, tinham sido apenas umas rajadas já combinadas com o pessoal das guaritas, mas para nós, periquitos depenados, o som parecia amplificado e tivemos que aguentar com um risinho muito amarelo. 

Como é bom de ver, a festa só acabou no bar com o pessoal devidamente regado. Anexo uma foto do baptismo e outras do Enxalé. 

Grande abraço, Henrique Matos (...)


(**) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21876: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (121): Fui descobrir que o Hospital de Torres Vedras fica na Rua Aurélio Ricardo Belo, médico militar e arqueólogo [Fundão, 1877- Lisboa, 1961] (José Manuel Samouco, ex-fur mil, CCAÇ 2381, Os Maiorais, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)

Guiné 61/74 - P22294: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (57): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
Paulo Guilherme andava derribado, insone, anormalmente irritável, deu manifestos sinais de agressividade, o médico estava atento, encontrou uma solução, mandou-o com guia de marcha para Bissau, a pretexto de umas consultas, um outro médico e seu amigo, David Payne, meteu-o lá em casa e deu-lhe umas mezinhas consistentes para repor o bom humor e regressar ao sono satisfatório. Foi de avião algemado a um prisioneiro. Ou perdeu a chave das algemas ou partiu sem chave, o sargento que os recebeu no aeroporto levou-os emparelhados e recorreu a uma gazua, quem via a cena deve tê-la achado um tanto desconcertante. Dormiu que se fartou, tinha autorização para sair de casa a meio da tarde, foi um memorável sistema de cama e mesa, medicamentos e roupa lavada, tratamento mais económico não podia haver. É Annette quem conta a história, chega a Bambadinca, todo pimpão, prontamente o major de operações o convoca, amanhã de manhã parto para a operação Topázio Valioso, se alguém duvida que qualquer cenário de guerra é um mistério por decifrar ou um oceano de surpresas, nestas histórias tem bom enredo para desencantar.

Um abraço do
Mário


Rua do Eclipse (57): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon trésor, mil anos que eu vivesse jamais esqueceria o orgulho com que te ouvi dissertar sobre a presença portuguesa na Bélgica, posso imaginar o trabalho que te deve ter dado a organizar aquelas largas dezenas de slides em que descreveste o relacionamento efetivo desde a Idade Média entre o reino de Portugal e a Borgonha e a Flandres até chegares à independência da Bélgica, e apreciei muito a forma suave como abordaste as relações entre os dois países no período das independências africanas e como as relações luso-belgas se têm vindo a estreitar desde a adesão de Portugal à Comunidade Europeia. Gostei muito de ver o Espaço Senghor altamente composto, tiveste uma boa parte da comunidade portuguesa bem representada, e participaram muitas organizações que apelam ao mais estreito relacionamento entre os povos europeus. Um dado curioso foi ter visto e até ter conversado com alguns desses participantes que eu conheço da minha vida profissional, caso de gente ligada às cooperativas de consumo, às organizações de saúde, às associações de consumidores, de famílias e sindicatos, não é raro encontrá-los nas reuniões das instituições europeias. Um dado curioso é que tinha estado na véspera com Emílio Bottignini e Paolo Adurno do Comité Socioeconómico Europeu, fiz interpretação do italiano para neerlandês, e encontrei-os no Espaço Senghor, deve ser gente que te aprecia bastante.

Começo por esta exultação, e não sei como registo a esconder o meu pesar de teres estado tão pouco tempo comigo, é egoísmo meu, bem sei, não sei como arranjas tempo para tanta diversificação de tarefas, sabia de antemão que vinhas por muito pouco tempo, tens muita coisa a fazer em Lisboa nos próximos dias, sossega-me o coração saber que depois vêm as férias, mas não quero disfarçar como custa muito, depois de receber tão intenso afeto teu, levar-te para o aeroporto, ainda por cima fui logo arrumar o carro no parque de estacionamento, duas horas depois de tu partires viajei para Dublin, era uma reunião internacional sobre as condições de trabalho. Como te disse, falando-te dos meus filhos, Noémie tem trabalho seguro, é comprovadamente competente no que faz no chamado planeamento urbano, Luc, o seu companheiro, trabalha numa empresa de créditos, vivem com remunerações curtas, lançaram-se na compra da casa em Woluwe-Saint-Pierre, claro que eu ajudo, não hesito em partilhar o que tenho com estes dois filhos, mas há uma certa ansiedade quanto ao modo de viver de Jules, ele é pouco previdente, se bem que generoso na defesa da causa dos imigrantes, custa-me ir lá a casa e ver que a sua companheira, Isabelle, está muito pouco interessada em procurar empregos estáveis, o que não deixa de ser intrigante para quem como ela tirou um curso de secretariado. Não quero intervir, mas não estar regularmente a desembolsar para não ver o meu filho e a sua companheira a passarem extremas dificuldades. Tu não me escondes que tens problemas idênticos com um dos teus filhos, sei perfeitamente como os ajudas. Pergunto-me se tu não queres fazer umas férias económicas, sonhas em conhecer com alguma profundidade a maior parte das localidades à volta de Bruxelas, deixaste cá em casa o Guia Michelin com muitas anotações desses lugares que gostavas de visitar, aqui fica a minha sugestão fazermos passeios diários e permanecermos na Rua do Eclipse. Dá-me a tua opinião.

Volto agora à Guiné e ao meu dossiê, cada vez mais túrgido. Estamos em janeiro de 1970, andas com os nervos em franja, o médico insiste que faças um repouso, seria bom que permanecesses aí uma semana em Bissau a tomar uma medicação que te restituísse um bom sono e a alegria de viver, assim que ele ouviu dizer que o teu pelotão passaria uma semana na segurança da ponte de Undunduma e a fazer patrulhamentos e vigilância dos Nhabijões, sugeriu ao comandante que tu seguias com uma guia de marcha para várias consultas médicas, ele aprovou, conversou-se com o David Payne e ele aceitou de bom grado que tu fosses para Bissau dormir sossegadamente graças ao Vesperax e outra batelada de comprimidos. Tenho aqui um apontamento teu deste período, dizes que chegaste a dormir 15 horas por dia, praticamente não davas trabalho a ninguém, saías a meio da tarde para dar um passeio e à procura de um ou outro livro, voltaste a jantar com o médico oftalmologista, de nome Botelho de Melo, passado oito dias acabaram as insónias, voltou o bom humor, pediste para regressar, pedido deferido. Houve uma nuvem muito escura no horizonte, alguém te informou que o segundo comandante do batalhão, pessoa que tu muito apreciavas, escreveste major Ângelo da Cunha Ribeiro, sofrera um horrível desastre na rampa de Bambadinca, vinha num jipe, seguia à frente um camião que recuou inesperadamente, dispararam da caixa as rachas de cibe que voaram como setas para o interior do jipe, que desceu a rampa aos trambolhões, o condutor teve oportunidade de fugir, o mesmo não sucedeu com o major que foi retirado dos ferros retorcidos com múltiplas fraturas, contusões graves e hemorragias. Tu irás visitá-lo na véspera do regresso a Bambadinca, jazia engessado e enfaixado, não perdera uma pitada de humor e contava algumas pilhérias sobre o que via no hospital.

Cher Paulo, desatei a rir com a folha que me mandaste sobre a tua partida para Bissau. Tu escreveste: “No início do ano, numa operação no Xitole, de nome A Navalha Polida, foi feito um prisioneiro em Satecuta, e trazido para Bissau. Quando me disseram que podia aproveitar a boleia de uma avioneta que vinha buscar este prisioneiro, partimos os dois algemados, ele para ser interrogado, eu para fazer tratamento às minhas insónias. Havia um transporte à espera do prisioneiro em Bissalanca, começo a afligir-me porque não encontro a chave das algemas, o sargento que me aguarda e acompanhado por outros militares armados diz para eu não me preocupar, seguiremos algemados, alguém há de desenrascar a situação, há gazuas para tudo, depois levam-me até ao hospital, tenho que restituir as algemas em Bambadinca. Felizmente que tudo correu bem, conversei amenamente durante a viagem com o prisioneiro, não me passou pela cabeça dar-lhe qualquer sugestão que o estava a interrogar, quando ele me disse que era da etnia Futa-Fula, contei-lhe o que tinha lido sobre o Futa-Djalon e as grandes batalhas em que os Fulas tinham estado envolvidos no século XIX com os Mandingas e com os Beafadas. Quando nos desalgemaram, até parece que nos despedimos como bons amigos”.

Estou agora a juntar os papéis do teu regresso, tu dás muitos pormenores de pessoas que encontraste com quem conversaste, dos livros comprados no Centro Cultural da Guiné Portuguesa, da satisfação que tiveste quando chegaste a Bambadinca, estava um céu límpido e um dia quente e as crianças rodopiavam e gralhavam no recreio, conheceste o novo comandante do pelotão Daimler, convocaste os teus homens para anunciar a chegada e é nisto que o impedido do comandante, de nome Bala, que tu dizes ser uma figura inesquecível pelo seu sorriso aberto mostrando muitos dentes de ouro, te anunciou que o major das operações te chamava com urgência. Entraste no gabinete, houve uma troca rápida de cumprimentos e ele anunciou-te: “Espero que venha recuperado, parte amanhã para o Xime, vai participar numa batida à volta do rio Burontoni, é a Operação Topázio Valioso”. Fiquei estarrecida, cher Paulo, como é possível uma pessoa vir de um tratamento para melhorar o sistema nervoso do sono e imediatamente ter um cenário de guerra? Fico-me por aqui. Escreve-me muito, dá-me notícias, telefona-me, bem logo que possas, a tua charmante Annette, como tu me chamas, não sabes viver sem a tua presença, os teus afagos, o teu amor verdadeiro. Bisous mil, infinitamente, Annette.

(continua)

Centre Culturel d'Etterbeek, Espace Senghor
Cher Paulo, fiquei agora a conhecer os teus militares com que irias para a Guiné caso não tivesses sido classificado como “ideologicamente inapto para a guerra de contraguerrilha, mormente no Ultramar Português”. Contaste-me que ajudaste a promover um encontro dessa unidade militar, a CCAÇ 2402, em Figueiró dos Vinhos, foi para ti emocionante, mais de 30 anos depois, rever gente com quem já tinhas estabelecido uma relação tão afetuosa. Ocorre-me um truísmo: são coisas da vida.
Muito obrigado por este bilhete-postal, sei que Les Halles de St. Géry são do teu pleno agrado, e eu acompanho-te. Lembras-te, mon amoureux, de termos visto aí uma exposição da arquitetura de Bruxelas nos anos 1950? Sinto-me sempre muito feliz quando estou ao teu lado e poder partilhar a devoção que tu sentes por esta cidade que tu tratas como tua.
Que surpresa! Até fiquei na dúvida de quem me olha nesta fotografia, encontrei parecenças evidentes, sei agora que é uma fotografia do teu pai, a trabalhar no seu laboratório fotográfico. Não te esqueças de me mandar imagens de outros familiares, tenho uma grande curiosidade sobretudo sobre os teus ancestrais, falaste-me na tua mãe em Angola, quando tiveres tempo fala-me dela, já percebi que ela teve um papel determinante na tua vida.
Eras então assim dez anos antes de eu te conhecer. E contaste-me que estavas em pleno trabalho “europeu”, era a presidência portuguesa de 1992, coubera-te estar na organização da Conferência Europeia do Acesso dos Consumidores à Justiça, a maior satisfação, disseste-me tu, foi ter conseguido levar a custo zero ao Teatro Nacional de São Carlos para ver a ópera Così fan tutte de Mozart, os convidados estrangeiros, récita extraordinária, orquestra conduzida por John Eliot Gardiner.
Reconheci-te perfeitamente, é um dos teus hábitos de conversares com as pessoas e pores as mãos como se tivesses em oração, gesto a confirmar a palavra. Registei o que deixaste escrito no verso da imagem: Madrid, 1987, Congresso Mundial dos Consumidores, conversa com a chefe da delegação cubana, dás-lhe conta do quadro legislativo existente em Portugal para a proteção dos consumidores.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22273: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (56): A funda que arremessa para o fundo da memória

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22293: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte X: Igreja de Santa Sofia, Constantinopla, Bizâncio / Mesquita Azul, Istambul,Turquia, 2012





Igreja de Santa Sofia / Mesquita Azul, Istambul, Turquia

Texto e fotos recebidos em 15/6/2021



1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros.

É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 280 referências no blogue.



Igreja de Santa Sofia, Constantinopla ou Bizâncio, ou Istambul, Turquia, 2012


De um lado, uma flamejante Mesquita Azul, do outro uma enfeitiçada igreja de Santa Sofia. Quase no meio, o espaço-memória do hipódromo romano, lugar, outrora, de elevadas cavalarias, execuções primárias, mil tragédias e farsas no teatro do mundo. Por perto, a Cisterna mergulhada na terra, há quinze séculos dando de beber às gentes de Bizâncio, Istambul. Lá em baixo, o azul do mar.

Santa Sofia me entristece. No tempo do imperador Justiniano, em 537, era o maior templo cristão jamais construído, se não tocava as estrelas, pelo menos abraçava o céu.

Na cidade, ao longo dos séculos, tantos guerreiros, tantos conluios, tanto malquerer, tantos exércitos…Trinta quilómetros de colossais muralhas circundavam Constantinopla, Istambul. A brutalidade ignóbil das lutas pelo poder. Assassinavam-se, envenenavam-se, cegavam-se imperadores, decapitava-se gente honesta. As naves da igreja de Santa Sofia inundadas de lágrimas. No entanto, luxo e arte também floresciam. Candelabros gigantes iluminando a escuridão, pilares de mármore, painéis coloridos, mosaicos enormes, os retratos de santos, de Jesus Cristo e de Maria, a vastidão dos espaços, o dourado do tempo. Houve igualmente muitas primaveras de concórdia e harmonia, e pessoas felizes em vidas tão breves.

1453, os turcos tomaram Constantinopla, vieram os sultões muçulmanos, inventaram Istambul, o império otomano tomou forma. Expulsaram e mataram cristãos, transformaram Santa Sofia numa imensa mesquita.

Hoje, entro na espantosa Hagia Santa Sofia, mesquita e igreja, a da Divina Sabedoria. Que Alá seja grande no seu trono invisível, que o humilde Jesus, todo-poderoso, nas pinturas e mosaicos do século XI, meio escondidos pelo veredicto temeroso do Islão, continue o seu caminho, por dentro, por fora de Santa Sofia, para além dos séculos, rumo ao infinito.

António Graça de Abreu, em Istambul, 2012

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Guiné 61/74 - P22292: Consultório militar do José Martins (68): “Companhias de Caçadores Especiais” - Unidades de Infantaria criadas em 1959, que iriam ter como missão principal, a defesa das Províncias Ultramarinas - Parte II


Segunda parte do trabalho do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao Blogue no dia 14 de Junho de 2021, dedicado às antigas Companhias de Caçadores Especiais, as primeiras Unidades militares a serem enviadas para a Guerra do Ultramar no início dos anos sessenta.

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22288: Consultório militar do José Martins (67): “Companhias de Caçadores Especiais” - Unidades de Infantaria criadas em 1959, que iriam ter como missão principal, a defesa das Províncias Ultramarinas - Parte I

Guiné 61/74 - P22291: Fichas de unidades (18): BCAÇ 2912 (Sector L5, Galomaro), CCAÇ 2699 (Cancolim), CCAÇ 2700 (Dulombi) e CCAÇ 2701 (Saltinho)


BCAÇ 2912 (Sector L5, Galomaro, 1970/72) > 
"Excelente e Valoroso"

Batalhão de Caçadores n.º 2912

Identificação: BCaç 2912 (Tem cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue)

Unidade Mob: RI 2 - Abrantes

Cmdt: TCor Inf Octávio Hugo de Almeida e Vasconcelos Pimentel

2.° Cmdt: Maj Inf Arnaldo Alfredo do Carmo Sousa Teles

OInfOp/Adj: Maj Inf José Baptista Mendes

Cmdts Comp:

CCS: Cap Inf Joaquim Rafael Ramos dos Santos

CCaç 2699: Cap Mil Art João Fernando Rosa Caetano

CCaç 2700: Cap Inf Carlos Alberto Maurício Gomes

CCaç 2701: Cap Inf Carlos Trindade Clemente

Divisa: "Excelente e Valoroso"

Partida: Embarque em 24Abr70; desembarque em 01Mai70 | Regresso: Embarque em 20Mar72 (CCaç 2699), 22Mar72 (CCaç 2700), e 23Mar72 (restante)


Síntese da Actividade Operacional


Em 10Mai70, após sobreposição com o BCaç 2851, assumiu a responsabilidade do Sector L5, com sede em Galomaro e abrangendo os subsectores de Dulombi, Saltinho, Cancolim e Galomaro.

Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos, emboscadas e de vigilância das infiltrações inimigas no rio Corubal e sobre o eixo Boé-Bafatá, efectuando algumas operações e acções sobre grupos inimigos esporadicamente instalados na zona de acção. 

A par disso, actuou prioritariamente no campo da acção psicossocial, apoiando a organização do sistema de autodefesa das populações e a construção de diversos postos escolares e de reordenamentos, nomeadamente os de Contabane e Deba.

Da sua actividade refere-se a detecção e levantamento de 17 minas.

Em 11Mar72, foi rendido no sector pelo BCaç 3872, recolhendo a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.


A CCaç 2699 (com 5 referências no nosso blogue) manteve-se inicialmente no sector de Bissau, na dependência do BArt 2866, tendo substituído a CCaç 2401 no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 22Jun70, iniciou o deslocamento, por fracções, para Cancolim (vd. carta de Cansissé), a fim de render, por troca, a CCaç 2446, tendo, em 30Jun70, assumido a responsabilidade do respectivo subsector, com um pelotão destacado em Sangué Cabomba, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 10Mar72, foi rendida pela CCaç 2489 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

 

A CCaç 2700 (tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue) seguiu em 4Mai70 para Dulombi (vd, carta de Duas Fontes) a fim de efectuar a sobreposição e render a CCaç 2405. 

Em 10Mai70, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector de Dulombi, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão, tendo ainda tomado a seu cargo a continuação de construção dos reordenamentos de Sangué Cabomba e Cancolim.

Em 10Mar72, foi rendida pela CCaç 3491 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

A CCaç 2701 (tem mais de 4 dezenas de referências no blogue) seguiu em 4Mai70 para Saltinho, a fim de render a CCaç 2406. Em 10Mai70, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, com pelotões destacados em Cassamange, até meados de Jun71 e Cansonco, até meados de Jan72, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

A partir de 9Nov72, destacou ainda um pelotão para Cansamba, no subsector de Galomaro.

Em 11Mar73, foi rendida pela CCaç 3490 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações:  Tem História da Unidade (Caixa n.º 93 - 2ª. Div/4.ª Sec, do AHM).


Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pp. 144/145.

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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21989: Fichas de unidade (17): CCAÇ 1550 / BCAÇ 1888 (Farim, Binta e Xime, 1966/68)

Guiné 61/74 - P22290: Memória dos lugares (421): quartel do BENG 447, Brá, Bissau, um hotel de cinco estrelas


Guiné > Bissau > Brá > O quartel do BENG 447, em Brá, perto do aeroporto (*), O autor da foto é o Serafim António da Silva, ex-1.º cabo de engenhria,  do BENG 447 (1970/72).



Serafim Silva, em Brá (1970/72) e em Lagoa (onde vive)


1. Lê-se no blogue, editado pelo Fernando Barata e o Ricardo Lemos, CCAÇ 2700 - Dulombi, 1970/72 (**):

O Serafim Silva nasceu no dia 30 de outubro de 1948. Foi 1º cabo de engenharia, do BENG 447 (Brá, 1970/72).

Teve uma passagem breve por Dulombi, ao tempo da CCAÇ 2700, em funções relativas ao reordenamento da tabanca de Dulombi, nomeadamente no transporte de materiais de construção, sob a supervisão do furriel mil Manuel Maurício (***). Presentemente, o Serafim Silva encontra-se na situação de reformado, tendo trabalhado na arte de marceneiro. Vive em Lagoa.

Em Lagoa, também vive o José Bernardo Martins Franco, ex-soldado pertencente ao BENG 447 Engenharia, já se encontrava em Dulombi quando a CCAÇ 2700  lá chegou. Ficou sob o comando do Furriel Manuel Maurício. Estava a cumprir uma 2.ª Comissão. Tinha a especialidade de pedreiro. (**)
 

Guiné > Bissau > Brá > O quartel do BENG 447, em Brá, perto do aeroporto, Novinha em folha. As melhores instalações da cidade, na altura da guerra colonial (1961/74).  

A foto, reproduzida com a devida vénia, é da página do Facebook da comunidade BENG 447 Brá - Guiné, criada em abril de 2013, e que no entanto deixou de estar activa desde o final de 2017. Por outro lado, a maior das fotos publicadas são de convívios do pessoal.

Alguém acrescenta, o José Silvério: "Não existe, foi remodelado no pós-independência, mas na guerra de 1998 caiu uma granada no paiol e foi tudo pelos ares, Agora existe o novo Hospital Militar e casa de civis."

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Guiné 61/74 - P22289: Parabéns a você (1971): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22263: Parabéns a você (1970): João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Bissau, Catió e Cachil, 1964/66)

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22288: Consultório militar do José Martins (67): “Companhias de Caçadores Especiais” - Unidades de Infantaria criadas em 1959, que iriam ter como missão principal, a defesa das Províncias Ultramarinas - Parte I


O nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), em mensagem de 14 de Junho de 2021, enviou-nos mais um dos seus trabalhos de pesquisa histórica, desta vez dedicado às antigas Companhias de Caçadores Especiais, as primeiras Unidades militares a serem enviadas para a Guerra do Ultramar no início dos anos sessenta.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22284: Consultório militar do José Martins (66): Implementação do Estatuto do Antigo Combatente - Actualizações

Guiné 61/74 - P22287: Facebok...ando (64): O transporte de gado vivo: embarque de vacas no porto fluvial de Bambadinca, em 1973 (João Lourenço, ex-alf mil, cmtd PINT, Cufar, 1973/74)

 

Guiné > Zona Leste > Região Bafatá > Bambadinca > Rio Geba Estreito > Porto Fluvial > 1973 > "Transporte de carne" (sic)... com as vacas em grupo de três presas pelos chifres, erguidas pela autogrua Galion.  Como se pode, ver por comparação com a foto a seguir, de 1968/69, o transporte de gado vivo parece que não melhorou muito, em 4/5 anos... Bem pelo contrário... Foto da  
página do Facebook do João Lourenço, com a devida vénia.

Foto (e legenda): © João Lourenço (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O  João Lourenço, membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de maio de 2009, foi alf mil int, cmdt do trágico PINT 9288, Cufar, 1973/74. Tem 12 referências no nosso blogue

Esta imagem (a de cima) fala por si... Era nestas condições (hoje, chocantes) que se fazia o transporte de animais vivos...

Bambadinca era um importante porto fluvial, no rio Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. Tinha um destacamento de intendência desde junho de 1966. Por terra e por rio, chegavam aqui os abastecimentos para todo o Leste (regiões de Bafatá e de Nova Lamego). A sua importância era absolutamente estratégica, mas nunca foi posta em causa pelo PAIGC.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Porto fluvial de Bambadinca, no Rio Geba Estreito... Embarque de vacas, utilizando a cilha (técnica mais morosa)... (Do outro lado do rio,  era a bolanha de Finete e o caminho para Missirá, o destacamento mais avançado do Setor L1 na região do Cuor.)

Foto do álbum do nosso camarada José Carlos Lopes, que era fur mil, amanuense do Conselho Administrativo (CA) da CCS... Não se percebe muito bem se é um embarque ou desembarque de vacas no porto fluvial de Bambadinca...  É mais provável tratar-se de um embarque. A zona leste fornecia gado vacuum para outras partes da Guiné, incluindo o "ventre" de Bissau (onde o bifinho com batatas fritas e ovo a cavalo era o prato favorito da tropa que vinha do "Vietname", sinónimo de "mato & porrada".) (***)

Foto: ©  José Carlos Lopes (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Ficha de unidades > Batalhão de Intendência da Guiné

Identificação: BINT  (Tem 6 referências no nosso blogue)

Crndt: Maj SAM Carlos Gonçalves Ferreira
Maj SAM António Monteiro
Maj SAM Augusto Soares Pinheiro
Maj SAM José Maria Teixeira
Maj SAM António Monteiro Alves dos Santos
Maj SAM António Avelino de Abreu Parente
Maj SAM António Madeira Peste
Maj SAM António Alberto Bravo Ferreira
Maj SAM Emídio José Brandão dos Santos Marques

2.° Cmdt (, só  a partir de 1Ago67): 
Cap SAM Manuel de Oliveira Rego
Cap SAM José Luís de Sousa Jorge
Cap SAM António José Calvo de Almeida Pereira
Cap SAM Manuel António Duran dos Santos Clemente
 
Início: lJun64 | Extinção: 140ut74

O BlNT  foi criado com base em QO aprovado por despacho ministerial de 21Nov63 e englobou uma Companhia de Intendência, uma Companhia de Depósito, então constituídas, e os destacamentos de Intendência (4), então existentes em Bissau, Tite, Bula e Bafatá, este depois instalado em Bambadinca, a partir de 2Jun66, e, mais tarde, outro pelotão instalado em Farim, a partir de 1Jan67, sendo considerado uma unidade da guarnição normal.

Em 1Abr68, as funções da Companhia de Depósito passaram a ser executadas por um novo órgão, então criado, o Depósito Base de Intendência e a partir de 1Set68, o batalhão passou a ser constituído pelas subunidades designadas por Companhia de Intendência de A/D, Companhia de Intendência de A/G, e Pelotões de Intendência, tendo ainda sido instalado outro pelotão em Cufar, a partir de 01Ago73.

Nesta situação, forneceu o apoio logístico às unidades e subunidades em serviço na Guiné, efectuou a reparação dos meios de frio, máquinas de escritório e de bobinagem, entre outros, para o que dispunha também de equipas itinerantes.

Ministrou também instrução de formação de especialistas de intendência de padeiros, magarefes, caixeiros e outras. Manteve ainda as reservas de combustíveis e lubrificantes e accionou o funcionamento dos centros de fabrico de pão e de abate.
Em 140ut74, após entrega das instalações e equipamentos ao PAIGC, o batalhão foi desactivado e extinto.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pp. 675/676
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(***) Vd. poste de 8 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10774: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1): Embarque de vacas no porto de Bambadinca

Guiné 61/74 - P22286: Historiografia da presença portuguesa em África (267): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (4) (Mário Beja Santos)

Instalações da Sociedade de Geografia antes de vir para a Rua das Portas de Santo Antão


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2020:

Queridos amigos,
 
Uma coisa é acompanhar atentamente o que se publica nos sucessivos boletins da Sociedade de Geografia nesta fase de arranque; outra é a entrada dentro das propostas, das sugestões, beber o teor dos comentários dos associados. Prevalecem os temas africanos, já heróis consagrados, Serpa Pinto e Capelo e Ivens. Luciano Cordeiro vai à Conferência de Berlim mas não transpira nas atas das sessões qualquer comentário. Esta figura tutelar da Sociedade de Geografia também não esconde críticas, diz para quem o ouve que a Sociedade de Geografia não foi ouvida sobre a questão do Casamansa e do rio Nuno, e diz estar amargado com a cedência de Ziguinchor, onde sempre tremulara a bandeira portuguesa. 

Outros temas vêm à baila, é o caso do padroado português no Oriente, e fala-se muito em negócios, era indispensável instalar comércio por onde tinham andado os grandes exploradores portugueses. Nem uma palavra sobre a Convenção Luso-Francesa de 1886, que definiu as fronteiras da Guiné Portuguesa. E há mesmo um associado, como consta deste texto, que diz desabridamente que se deve dar à França a Guiné em troca de uma porção do norte de Cabinda. Era assim que se passavam as coisas enquanto se cimentava o nosso império africano.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (4)

Mário Beja Santos

Os primeiros dez anos de vida da Sociedade de Geografia de Lisboa conduzem-nos à aspiração das camadas sociais que apostavam com entusiasmo no levantamento do III Império Português, o do Oriente era então um amontoado de pequenas parcelas, o Brasil tornara-se independente, havia que ocupar África, conhecê-la e defendê-la da cobiça de outras potências, a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha, a Itália, os bóeres da África do Sul, e até mesmo Leopoldo da Bélgica, sonham em fazer recuar as possessões portuguesas. 

A leitura das atas das sessões destes primeiros anos permite conhecer o que estes homens sugerem, que ideologia possuem, como funciona este grupo de pressão constituído por membros da aristocracia, políticos influentes, cientistas, financeiros, comerciantes e, a diferentes níveis, muitos curiosos. Quando se chega a 1885, fala-se muito de África, mas também há ecos de outras parcelas do Império. Logo em 5 de janeiro, alguém anuncia que o padroado português do Oriente estava em perigo: 

“Este padrão das nossas glórias, que por si só constitui o elogio do nome português em todo o Oriente, se se perdesse o temporal havia ainda o espiritual”

E quem assim proclama vai apresentar uma proposta que a ser aprovada devia tramitar para o Governo, considerar o padroado português como uma glória nacional, o Governo de Sua Majestade devia constituir uma comissão para inventariar os bens, e lembrar ao governo que a Inglaterra pretende abocanhar o padroado. 

Quem vai lendo as atas espera saber da boca de Luciano Cordeiro que participou na conferência internacional sobre a questão do Zaire o que ali se passou, mas não há menção. Em fevereiro, houve eleições e o presidente é António Augusto de Aguiar, Luciano Cordeiro voltou ao convívio das sessões, desenvolvidamente temos descrita a receção triunfal de Capelo e Ivens, serão alvo de uma sessão solene em 1 de outubro desse ano no Real Teatro de São Carlos, haverá grandes elogios do Ministro da Marinha e do Ultramar, Capelo e Ivens fazem uma comunicação em que descrevem o que observaram entre Moçâmedes e Quelimane. Ivens entregou à Sociedade de Geografia a bandeira da expedição. E o Rei D. Luís entrega-lhes medalhas de ouro pelos seus eminentes serviços à Ciência e à Pátria.

Os interesses económicos estão atentos a estas explorações e numa sessão com data de 19 de outubro um dos participantes apresenta uma proposta para que se organize uma companhia mercantil destinada à exploração comercial da zona atravessada pelos exploradores Capelo e Ivens.

Um outro dado curioso do que se passa nestas sessões é que se apreciam possíveis trocas de colónias. Nessa mesma sessão de 19 de outubro o sócio Sr. Ferreira de Almeida sugere que se cedesse parte da Senegâmbia por igual território ao norte de Cabinda, cedência que deveria incluir o Forte de São João Baptista da Ajuda. E está escrito textualmente: 

“Que a Guiné não tem importância política nem comercial, apesar de todos os sacrifícios que já ali temos feito; o comércio é francês, as condições climáticas péssimas, o gentio é feroz e o acesso da costa não é fácil. Enquanto que em Cabinda e Molembo e regiões para o norte a França não tem relativamente a mesma preponderância comercial, ali imperam as nossas relações comerciais”

Apura-se que uma fração da comunicação dos oradores propende, cada vez mais, para os negócios. No entanto, são insistentes os comentários relativamente ao que deve ser a ocupação portuguesa em África e alguém profere a seguinte observação: 

“A política de bom-senso consistirá no aproveitamento da tradição histórica, quando ela nos servir para alguma coisa”

Outro acontecimento de monta é a consagração de Luciano Cordeiro, ele é reconhecido por todos como o dínamo. O secretário perpétuo não tem papas na língua, em dado momento diz que a Sociedade de Geografia não fora havida nem achada sobre as cedências do Casamansa e do rio Nuno e deplorava profundamente o que se passava com a entrega de Ziguinchor.

Em 1886, o sócio Sr. António Rodrigues Chicó traz para debate não um tema africano, mas Goa, tece os seguintes comentários:

“A província de Goa, em especial as Velhas Conquistas, têm uma população densa, e os seus habitantes, seja pela posição topográfica e influência do clima, seja mesmo por qualquer razão que não se tem podido conhecer, são excecionalmente dotados de inteligência e aptidão para ciências e artes, e favorecidos do génio aventuroso e empreendedor, com grande facilidade de se aclimatarem nas regiões das mais inóspitas, com tudo prova exuberantemente o grande número dos filhos de Goa que está espalhado pelas cinco partes do mundo, exercendo com proficiência toda a sorte de misteres; mas infelizmente o ensino das ciências e artes em Goa está na proporção inversa das vantagens naturais dos habitantes e o qual, por necessidade, vão procurar fora do país.

Se Portugal destinar uma pequena verba, do muito que nesta província se esbanja, para montar aqui escolas de ciências e artes práticas, mandando da Europa todo o pessoal docente, cuidadosa e escrupulosamente escolhido, e não por favoritismo, e oferecer transporte aos que, competentemente habilitados, quiserem ir tentar fortuna em África, em poucos anos se estabelecerá uma corrente de importante emigração, que muito facilitará a colonização e exploração de África.

No intuito de ser útil ao meu país natal e de ver melhorada a situação desta província, que infelizmente jaz num deplorável estado de apatia e estacionamento, enquanto que os nossos vizinhos da Índia britânica marcham a passos rápidos na senda do progresso e da prosperidade material e moral, aproveitei a ocasião em que fui chamado pelo excelentíssimo Visconde de Paço de Arcos, para fazer parte de uma comissão com o fim de elucidar o governo acerca dos melhoramentos e reformas que o país carece para o seu progresso material e moral”.

E deplora que os projetos que apresentou não receberam apoio da dita comissão.

Ficamos igualmente a saber que o Príncipe Alberto do Mónaco andava a estudar afincadamente a história natural açoriana, e diz-se que o Príncipe, no maior sigilo, andava a estudar a corrente do Golfo. Estamos agora em junho de 1886, aprecia-se o parecer da comissão africana a uma proposta do Sr. Carlos de Mello, reconhece-se a pertinência de fazer uma nova exploração geográfica e travessia entre as regiões meridionais das nossas províncias de Angola e de Moçambique, completando, nuns casos, e noutros iniciando o reconhecimento de diversas bacias e ligações hidrográficas situadas entre as duas costas que tinham sido percorridas por Capelo e Ivens.

Deduz-se nas entrelinhas dos debates que os interesses britânicos e alemães não estavam a ser beliscados pelas explorações portuguesas. O parecer da comissão africana é perentório: é reconhecido a conveniência e a oportunidade de se continuar a exploração geográfica entre a província de Angola e Moçambique.

O número de associados alarga-se e as questões científicas também, chega-se mesmo a apresentar uma comunicação em que um sócio desmonta a fantasia de existir um rito judeu de abafar os moribundos. Em outubro aprecia-se o parecer da comissão africana acerca da colonização do sul de Angola e insiste-se em aperfeiçoar a cartografia africana.

Estamos perto do final do ano, em 13 de dezembro, no Real Teatro de São Carlos há uma receção e conferência dos excelentíssimos sócios do Sr. Serpa Pinto e Sr. Augusto Cardoso, chefes da expedição científica ao lago Niassa. Na ocasião entrega-se a Serpa Pinto uma medalha de honra concedida por ocasião da sua exploração da travessia de Benguela a Durban.

No novo ano mantém-se como presidente da Sociedade de Geografia o Conselheiro António Augusto de Aguiar e em abril desse ano há uma comunicação do Dr. Lisboa Pinto, delegado das cristandades da Índia e Ceilão, o tema tem a ver com as reclamações relativamente à última concordata e aos interesses portugueses no Oriente. Em dado passo diz: 

“Os católicos de Igatpuri e Bossaval, na procuração de plenos poderes que me passaram dizem o seguinte: ‘Esquecidos pelo soberano padroeiro, desprezados pelo arcebispo de Goa, ignorados também pelo amantíssimo Pontífice que rege a igreja de Deus, aos constituintes de V. Ex.ª encarem o nosso desespero’”.

E, mais adiante:
 
“Os meus constituintes de Ceilão, vendo que eram baldadas as suas esperanças e desatendidas as suas mais ardentes súplicas, trazem hoje fechadas as suas igrejas e capelas, não tendo quem os confesse, quem os ajude a bem morrer, nem quem encomende as suas almas depois da morte”.

(continua)

O Rei D. Carlos I na abertura da convenção de 1905 da Sociedade de Geografia de Lisboa, Sala Portugal
Cerimónia no tempo da Monarquia presidida pela rainha D.ª Amélia, na Sala Portugal
Presidente da República, na sua visita à Sociedade de Geografia, perante o Padrão de Diogo Cão
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22268: Historiografia da presença portuguesa em África (266): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (3) (Mário Beja Santos)