sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22587: Historiografia da presença portuguesa em África (283): Texto dos acordos de Argel, Lusaka e Alvor e seus anexos


Fotograma de vídeo (6' 10'') da RTP Arquivos > 1974-08-25 00:06:11 (Com a devida vénia...)
Sinospse: Argélia, assinatura do "Acordo de Argel" pelos representantes de Portugal e do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), onde é acordada a independência de Cabo Verde para 12 de Julho de 1975, a independência da Guiné-Bissau para 10 de Setembro de 1974, e a retirada das tropas portuguesas do território da Guiné Bissau até à data limite de 31 de Outubro de 1974.

No fotograma selec
ionado (e editado pelo nosso blogue), Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portuga  (ladeado, à sua direita, por António de Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial)  e Pedro Pires, em representação do PAIGC (, tendo à sua esquerda, Umarú Djalo,) selam o acordo com a sua assinatura... 

O vídeo inclui imagens de arquivo de reunião do PAIGC em Madina do Boé (!!!) (diz a RTP...) e de Luís Cabral (, trata-se da cerimómia da declaração da independência unilateral em 24 de setembro de 1973), bem como da visita do líder histórico, Amílcar Cabral, possivelmente em 1972, em visita às suas tropas.

1. Para o devido  conhecimento dos nossos leitores que se interessam, muito particularmente,  pela "Historiografia da Presença Portuguesa em África" (*), aqui re reproduzem os textos oficiais  dos Acordos de Argel (**), Lusaka e Alvor (e seus anexos), que levaram ao reconhecimentdos os novos estados africanos lusófonos, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambqiue e São Tomé e Príncipe.

 (Fonte: https://app.parlamento.pt/LivrosOnLine/Vozes_Constituinte/med01020179i.html )


 Lei n.º 7/74, de 27 de Julho

Tendo o Movimento das Forças Armadas, através da Junta de Salvação Nacional e dos seus representantes no Conselho de Estado, considerado conveniente esclarecer o alcance do n.º 8 do capítulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas, cujo texto faz parte integrante da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio;

Visto o disposto no n.º 1, 1.º, do artigo 13.º da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, o Conselho de Estado decreta e eu promulgo, para valer como lei constitucional, o seguinte:

ARTIGO 1.º

O princípio de que a solução das guerras no ultramar é política e não militar, consagrado no n.º 8, alínea a), do capítulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas, implica, de acordo com a Carta das Nações Unidas, o reconhecimento por Portugal do direito dos povos à autodeterminação.

ARTIGO 2.º

O reconhecimento do direito à autodeterminação, com todas as suas consequências, inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos e a derrogação da parte correspondente do artigo 1.º da Constituição Política de 1933.

ARTIGO 3.º

Compete ao Presidente da República, ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, concluir os acordos relativos ao exercício do direito reconhecido nos artigos antecedentes.

Visto e aprovado em Conselho de Estado.

Promulgado em 26 de Julho de 1974.

Publique-se.

O Presidente da República, ANTÓNIO DE SPÍNOLA.

 

ANEXO A

(Publicado em Suplemento ao Diário do Governo, I Série, de 30 de Agosto de 1974)

 

Acordo entre o Governo Português e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. 

Reunidas em Argel aos vinte e seis dias do mês de Agosto de mil novecentos e setenta e quatro, as Delegações do Governo Português e do Comité Executivo da Luta do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), na sequência de negociações bilaterais anteriormente realizadas, em ambiente de grande cordialidade, em Londres e Argel, acordam no seguinte:

Artigo 1.º: O reconhecimento de jure da República da Guiné-Bissau, como Estado Soberano, pelo Estado Português, terá lugar no dia dez de Setembro de mil novecentos e setenta e quatro.

Artigo 2.º:  Com a assinatura deste Protocolo de Acordo o cessar-fogo mutuamente observado de facto em todo o território da República da Guiné-Bissau pelas forças de terra, mar e ar das duas partes converte-se automaticamente em cessar-fogo de jure.

Artigo 3.º:  A retracção do dispositivo militar português e a saída progressiva para Portugal das forças armadas portuguesas continuarão a processar-se de acordo com o estabelecido no Anexo a este Protocolo, devendo essa saída estar concluída até ao dia trinta e um de Outubro de mil noventos e setenta e quatro.

Artigo 4.º:  O Estado Português e a República da Guiné-Bissau comprometem-se a estabelecer e a desenvolver relações de cooperação activa, nomeadamente nos domínios económico, financeiro, cultural e técnico, numa base de independência, respeito mútuo, igualdade e reciprocidade de interesses e de relações harmoniosas entre os cidadãos das duas Repúblicas.

Artigo 5.º: Com este fim, e depois do acto de reconhecimento de jure da República da Guiné-Bissau pelo Estado Português, os dois Estados estabelecerão entre si relações diplomáticas ao nível de embaixador, comprometendo-se a celebrar, no mais curto prazo, acordos bilaterais de amizade e de cooperação nos diferentes domínios.

Artigo 6.º: O Governo Português reafirma o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência e garante a efectivação desse direito de acordo com as resoluções pertinentes das Nações Unidas, tendo também em conta a vontade expressa da Organização da Unidade Africana.

Artigo 7.º:  O Governo Português e o PAIGC consideram que o acesso de Cabo Verde à independência, no quadro geral da descolonização dos territórios africanos sob dominação portuguesa, constitui factor necessário para uma paz duradoura e uma cooperação sincera entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau.

Artigo 8.º: Lembrando a resolução do Conselho de Segurança que recomenda a admissão da República da Guiné-Bissau na ONU, a Delegação do PAIGC regista com satisfação os esforços diplomáticos significativos feitos nessa ocasião pelo Governo Português, os quais estão em perfeita harmonia com o espírito de boa vontade que anima ambas as partes.

Artigo 9.º: As duas delegações exprimem a sua satisfação por terem podido levar a bom termo as negociações que tornaram possível o fim da guerra, de que foi responsável o deposto regime português, e abriram perspectivas para uma frutuosa e fraterna cooperação activa entre os respectivos Países e Povos.

Feito e assinado em Argel, em dois exemplares em língua portuguesa, aos vinte e seis dias do mês de Agosto do ano de mil novecentos e setenta e quatro.

A Delegação do Comité Executivo da Luta (CEL) do PAIGC:

Pedro Pires, membro do CEL, comandante.

Umarú Djalo membro do CEL, comandante.

José Araújo, membro do CEL.

Otto Schacht, membro do CEL.

Lucio Soares, membro do CEL, comandante.

Luís Oliveira Sanca, embaixador.

A Delegação do Governo Português:

Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros.

António de Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial.

Vicente Almeida d'Eça, capitão-de-mar-e-guerra.

Hugo Manuel Rodrigues Santos, major de infantaria.

 

Anexo ao Acordo entre o Governo Português e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde

O presente Anexo destina-se a regular, por livre e mútuo acordo entre o Governo Português e o PAIGC, a forma de coexistência transitória das forças armadas de Portugal e da República da Guiné-Bissau, no território da Guiné-Bissau, no período que mediar entre o início do cessar-fogo de jure a que se refere o Protocolo de Acordo assinado em vinte e seis de Agosto de mil novecentos e setenta e quatro e a saída das forças armadas portuguesas do referido território, que se completará até trinta e um de Outubro de mil novecentos e setenta e quatro.

1.º A presença das forças armadas portuguesas apenas se justifica a título transitório, em ordem a permitir a Portugal uma retracção e saída ordenadas dos seus dispositivos e a facilitar a transmissão gradativa dos serviços de administração nas zonas ocupadas por aquelas forças, sem quebra da continuidade do seu funcionamento.

2.º A retracção do dispositivo das forças armadas portuguesas continuará a processar-se progressiva e gradualmente do interior para o mar, segundo um escalonamento a estabelecer por acordo mútuo, que tome em conta o interesse de ambas as partes e os meios materiais disponíveis, por forma que as últimas zonas de reagrupamento das forças armadas portuguesas sejam a povoação do Cumeré e as ilhas de Bolama, Caravela e Bissau. Salvo motivo de força maior reconhecido como tal por ambas as partes, esta retracção será efectuada até dez de Setembro de mil novecentos e setenta e quatro.

3.º As zonas de reagrupamento transitório das forças armadas portuguesas, nos termos do número anterior, continuarão sob o contrôle militar das autoridades portuguesas. Nessas zonas continuará a ser hasteada a bandeira portuguesa até ao termo da presença dessas forças.

4.º A residência do comandante-chefe das Forças Armadas Portuguesas e representante do Governo Português será o palácio residencial de Bissau até ao termo da permanência das forças armadas portuguesas na área da ilha do mesmo nome.

5.º Até ao termo da permanência das forças armadas portuguesas em Bissau, a República da Guiné-Bissau manterá nessa zona de reagrupamento um efectivo, em princípio, de cerca de trezentos homens das forças armadas da República da Guiné-Bissau que, isolada ou conjuntamente com as forças armadas portuguesas, neste caso em patrulhamentos mistos, participará na manutenção da ordem pública, segundo normas a estabelecer por acordo.

6.º Mantém-se a livre circulação de pessoas e viaturas militares, nas e entre as zonas de reagrupamento mencionadas neste Anexo, desde que não armadas e acompanhadas dos respectivos documentos de identificação, que lhes poderão ser exigidos pelas autoridades em serviço.

7.º Sempre que a natureza de materiais ou reabastecimentos a transportar exija especiais medidas de segurança, serão os mesmos acompanhados por elementos armados, segundo normas de procedimento a estabelecer por acordo das duas partes.

8.º Nas vias fiuviais e marítimas manter-se-á igualmente a livre navegação de unidades militares, na extensão necessária ao apoio logístico, retracção do dispositivo e saída das forças armadas portuguesas.

9.º Sempre que no transporte fluvial ou marítimo, para fins idênticos aos referidos no número anterior, sejam utilizadas embarcações civis, aplicar-se-á o disposto no n.º 7.º

10.º Por razões de segurança contra infiltrações vindas do mar, as unidades navais portuguesas poderão patrulhar livremente os acessos às ilhas de Bissau, Bolama e Caravela, o arquipélago dos Bijagós e as aproximações oceânicas.

11.º A circulação de aeronaves não armadas, em missão de reabastecimento e transporte, processar-se-á livremente nas e entre as zonas de reagrupamento das forças armadas portuguesas.

12.º Ficam igualmente autorizados os voos de reconhecimento no espaço aéreo das ilhas de Bissau e Bolama, do arquipélago dos Bijagós e da fronteira marítima.

13.º Ficam interditos voos em grupos de mais de três aeronaves.

14.º A República da Guiné-Bissau obriga-se a neutralizar os seus meios antiaéreos susceptíveis de afectar a circulação aérea prevista nos n.os 11.º e 12.º

15.º O julgamento e a punição das infracções cometidas por militares portugueses nas zonas de reagrupamento das forças armadas portuguesas, ou fora dessas zonas, se neste caso não atingirem interesses legítimos da República da Guiné-Bissau, ficam sujeitos à jurisdição da autoridade militar portuguesa.

16.º Os aquartelamentos das forças armadas portuguesas situados fora das ilhas de Bissau, Bolama e Caravela serão circundados por uma área de três quilómetros de profundidade, por seu turno circundada por uma zona tampão com dois quilómetros de profundidade, em que nenhuma das partes poderá não abranger a satisfação das necessidades de abastecimento de água e lenha das forças ali estacionadas.

17.º As forças armadas portuguesas obrigam-se a desarmar as tropas africanas sob o seu contrôle. A República da Guiné-Bissau prestará toda a colaboração necessária para esse efeito.

18.º Uma comissão mista coordenará a acção das duas partes e vigiará pela correcta e pontual aplicação do disposto no presente Anexo, dando-lhe ainda a sua interpretação e a integração das suas lacunas, e o julgamento das eventuais infracções ao que nele se dispõe, com a correspondente imputação de responsabilidades.

19.º A Comissão Mista funcionará em Bissau, será constituída por seis membros, dos quais cada uma das partes designará três, e entrará em funções nas quarenta e oito horas que se seguirem à assinatura do Protocolo de Acordo de que este instrumento constitui anexo.

20.º A Comissão Mista funcionará validamente desde que esteja presente ou representado um mínimo de dois membros de cada parte, e as suas deliberações serão tomadas por unanimidade dos votos dos membros presentes e representados.

21.º Os membros da Comissão Mista só poderão ser representados por outro membro pertencente à mesma parte e o mandato deverá constar de carta simples assinada pelo mandante.

22.º Em caso de falta de unanimidade, o assunto sobre que se não fez vencimento será sujeito aos governos de cada parte para decisão por acordo ou por arbitragem na falta de acordo.

23.º Na sua primeira reunião, ou em qualquer das reuniões subsequentes, a Comissão Mista regulamentará o seu funcionamento. Em caso de necessidade, poderá ainda constituir subcomissões para assuntos determinados, em que delegue, no todo ou em parte, os respectivos poderes, as quais se regerão pelas mesmas regras da comissão delegante.

24.º A Delegação do PAIGC regista a declaração do Governo Português de que pagará todos os vencimentos até trinta e um de Dezembro de mil novecentos e setenta e quatro aos cidadãos da República da Guiné-Bissau que desmobilizar das suas forças militares ou militarizadas, bem como aos civis cujos serviços às forças armadas portuguesas sejam dispensados.

25.º O Governo Português pagará ainda as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tenham direito quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivo de serviços prestados às forças armadas portuguesas.

26.º O Governo Português participará num plano de reintegração na vida civil dos cidadãos da República da Guiné-Bissau que prestem serviço militar nas forças armadas portuguesas e, em especial, dos graduados das companhias e comandos africanos.

27.º No prazo máximo de quinze dias, a contar do início do cessar-fogo de jure, cada uma das partes entregará à outra todos os prisioneiros de guerra em seu poder.

28.º O presente Anexo entra em vigor ao mesmo tempo que o Protocolo de Acordo de que faz parte integrante.

Feito e assinado em Argel, em dois exemplares em língua portuguesa, aos vinte e seis dias do mês de Agosto de mil novecentos e setenta e quatro.

A Delegação do Comité Executivo da Luta (CEL) do PAIGC:

Pedro Pires, membro do CEL, comandante.

Umaru Djalo, membro do CEL, comandante.

José Araújo, membro do CEL.

Lucio Soares, membro do CEL, comandante.

Luís Oliveira Sanca, embaixador.

Otto Schacht, membro do CEL.

A Delegação do Governo Português:

Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros.

António de Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial.

Vicente Almeida d'Eça, capitão-de-mar-e-guerra.

Ugo Manuel Rodriguez Santos, major de infantaria.

Aprovado, depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provirio, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho.

29 de Agosto de 1974.

Publique-se.

O Presidente da República, ANTÓNIO DE SPÍNOLA.


ANEXO B

(Publicado em Suplemento ao Diário do Governo, 

I Série, de 10  de Setembro de 1974)

Declaração sobre a independência da República da Guiné-Bissau

Em nome da República Portuguesa, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, e depois de aprovado o Protocolo assinado em Argel em 26 de Agosto de 1974, ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, declara-se que Portugal reconhece solenemente a independência da República da Guiné-Bissau.

Publique-se.

Presidência da República, 10 de Setembro de 1974. - O Presidente da República, ANTÓNIO DE SPÍNOLA.

 

ANEXO C

(Publicado em Suplemento ao Diário do Governo, 

I Série, de 9 de Setembro de 1974)

Acordo entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique celebrado em Lusaka em 7 de Setembro de 1974.

Reunidas em Lusaka de 5 a 7 de Setembro de 1974 as delegações da Frente de Libertação de Moçambique e do Estado Português, com vista ao estabelecimento do acordo conducente à independência de Moçambique, acordaram nos seguintes pontos:

1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do povo de Moçambique à independência, aceita por acordo com a FRELIMO a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.

2. A independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da FRELIMO.

3. Com vista a assegurar a referida transferência de poderes são criadas as seguintes estruturas governativas, que funcionarão durante o período de transição que se inicia com a assinatura do presente Acordo:

a) Um Alto-Comissário de nomeação do Presidente da República Portuguesa;

b) Um Governo de Transição nomeado por acordo entre a Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português;

c) Uma Comissão Militar Mista nomeada por acordo entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique.

4. Ao Alto-Comissário, em representação da soberania portuguesa, compete:

a) Representar o Presidente da República Portuguesa e o Governo Português;

b) Assegurar a integridade territorial de Moçambique;

c) Promulgar os decretos-leis aprovados pelo Governo de Transição e ratificar aos actos que envolvam responsabilidade directa para o Estado Português;

d) Assegurar o cumprimento dos acordos celebrados entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique e o respeito das garantias mutuamente dadas, nomeadamente as consignadas na Declaração Universal dos Direitos do Homem;

e) Dinamizar o processo de descolonização.

5. Ao Governo de Transição caberá promover a transferência progressiva de poderes a todos os níveis e a preparação da independência de Moçambique.

Compete-lhe, nomeadamente:

a) O exercício das funções legislativa e executiva relativas ao território de Moçambique. A função legislativa será exercida por meio de decretos-leis;

b) A administração geral do território até à proclamação da independência e a reestruturação dos respectivos quadros;

c) A defesa e salvaguarda da ordem pública e da segurança das pessoas e bens;

d) A execução dos acordos entre a Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português;

e) A gestão económica e financeira do território, estabelecendo nomeadamente as estruturas e os mecanismos de contrôle que contribuam para o desenvolvimento de uma economia moçambicana independente;

f) A garantia do princípio da não discriminação racial, étnica, religiosa ou com base no sexo;

g) A reestruturação da organização judiciária do território.

6. O Governo de Transição será constituído por:

a) Um Primeiro-Ministro nomeado pela Frente de Libertação de Moçambique, a quem compete coordenar a acção do governo e representá-lo;

b) Nove Ministros, repartidos pelas seguintes pastas: Administração Interna; Justiça; Coordenação Económica; Informação; Educação e Cultura; Comunicações e Transportes; Saúde e Assuntos Sociais; Trabalho; Obras Públicas e Habitação;

c) Secretários e Subsecretários a criar e nomear sob proposta do Primeiro-Ministro, por deliberação do Governo de Transição, ratificada pelo Alto-Comissário;

d) O Governo de Transição definirá a repartição da respectiva competência pelos Ministros, Secretários e Subsecretários.

7. Tendo em conta o carácter transitório desta fase da acção governativa os Ministros serão nomeados pela Frente de Libertação de Moçambique e pelo Alto-Comissário na proporção de dois terços e um terço respectivamente.

8. A Comissão Militar Mista será constituída por igual número de representantes das Forças Armadas do Estado Português e da Frente de Libertação de Moçambique e terá como missão principal o contrôle da execução do acordo de cessar-fogo.

9. A Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português pelo presente instrumento acordam em cessar-fogo às zero horas do dia 8 de Setembro de 1974 (hora de Moçambique) nos termos do protocolo anexo.

10. Em caso de grave perturbação da ordem pública, que requeira a intervenção das Forças Armadas, o comando e coordenação serão assegurados pelo Alto-Comissário, assistido pelo Primeiro-Ministro, de quem dependem directamente as Forças Armadas da Frente de Libertação de Moçambique.

11. O Governo de Transição criará um corpo de polícia encarregado de assegurar a manutenção da ordem e a segurança das pessoas. Até à entrada em funcionamento desse corpo o comando das forças policiais actualmente existentes dependerá do Alto-Comissário de acordo com a orientação geral definida pelo Governo de Transição.

12. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique comprometem-se a agir conjuntamente em defesa da integridade do território de Moçambique contra qualquer agressão.

13. A Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português afirmam solenemente o seu propósito de estabelecer e desenvolver laços de amizade e cooperação construtiva entre os respectivos povos, nomeadamente nos domínios cultural, técnico, económico e financeiro, numa base de independência, igualdade, comunhão de interesses e respeito da personalidade de cada povo.

Para o efeito serão constituídas durante o período de transição comissões especializadas mistas e ulteriormente celebrados os pertinentes acordos.

14. A Frente de Libertação de Moçambique declara-se disposta a aceitar a responsabilidade decorrente dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado Português em nome de Moçambique desde que tenham sido assumidos no efectivo interesse deste território.

15. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique comprometem-se a agir concertadamente para eliminar todas as sequelas de colonialismo e criar uma verdadeira harmonia racial. A este propósito, a Frente de Libertação de Moçambique reafirma a sua política de não discriminação, segundo a qual a qualidade de Moçambicano não se define pela cor da pele, mas pela identificação voluntária com as aspirações da Nação Moçambicana. Por outro lado, acordos especiais regularão numa base de reciprocidade o estatuto dos cidadãos portugueses residentes em Moçambique e dos cidadãos moçambicanos residentes em Portugal.

16. A fim de assegurar ao Governo de Transição meios de realizar uma política financeira independente será criado em Moçambique um Banco Central, que terá também funções de banco emissor. Para a realização desse objectivo o Estado Português compromete-se a transferir para aquele Banco as atribuições, o activo e o passivo do departamento de Moçambique do Banco Nacional Ultramarino. Uma comissão mista entrará imediatamente em funções, a fim de estudar as condições dessa transferência.

17. O Governo de Transição procurará obter junto de organizações internacionais ou no quadro de relações bilaterais a ajuda necessária ao desenvolvimento de Moçambique, nomeadamente a solução dos seus problemas urgentes.

18. O Estado Moçambicano independente exercerá integralmente a soberania plena e completa no plano interior e exterior, estabelecendo as instituições políticas e escolhendo livremente o regime político e social que considerar mais adequado aos interesses do seu povo.

19. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique felicitam-se pela conclusão do presente Acordo, que, com o fim da guerra e o restabelecimento da paz com vista à independência de Moçambique, abre uma nova página na história das relações entre os dois países e povos. A Frente de Libertação de Moçambique, que no seu combate sempre soube distinguir o deposto regime colonialista do povo português, e o Estado Português desenvolverão os seus esforços a fim de lançar as bases de uma cooperação fecunda, fraterna e harmoniosa entre Portugal e Moçambique.

Lusaka, 7 de Setembro de 1974.

Pela Frente de Libertação de Moçambique:

Samora Moisés Machel (Presidente).

Pelo Estado Português:

Ernesto Augusto Melo Antunes (Ministro sem Pasta).

Mário Soares (Ministro dos Negócios Estrangeiros).

António de Almeida Santos (Ministro da Coordenação Interterritorial).

Victor Manuel Trigueiros Crespo (conselheiro de Estado).

Antero Sobral (Secretário do Trabalho e Segurança Social do Governo Provisório de Moçambique).

Nuno Alexandre Lousada (tenente-coronel de infantaria).

Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa (capitão-tenente da Armada).

Luís António de Moura Casanova Ferreira (major de infantaria).

Aprovado, depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho.

9 de Setembro de 1974.

Publique-se.

O Presidente da República, ANTÓNIO DE SPÍNOLA.

 

ANEXO D

(Publicado em Suplemento ao Diário do Governo,

 I Série, de 17  de Dezembro de 1974)

 Protocolo de acordo

Protocolo de acordo entre o Governo Português e o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe

 De 23 a 26 do mês de Novembro de 1974 reuniram-se em Argel delegações do Governo Português e do Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe (MLSTP), com vista a fixação, por acordo, do esquema e do calendário do processo de descolonização do território de S. Tomé e Príncipe.

A delegação portuguesa era constituída pelo Ministro da Coordenação Interterritorial, Dr. Almeida Santos, pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Dr. Jorge Campinos, pelo Secretário-Adjunto do Governo de S. Tomé e Príncipe, major José Maria Moreira de Azevedo, e pelo capitão Armando Marques Ramos.

A delegação do Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe era constituída por Miguel Trovoada, membro do Bureau Político e do Secretariado Executivo e Encarregado das Relações Exteriores do MLSTP, pelo engenheiro José Fret, membro do Bureau Político e do Secretariado Executivo e Encarregado da Propaganda e Informação do MLSTP, pelo Dr. Gastão Torres, membro do Bureau Político do MLSTP, e por Pedro Umbelina, membro do Bureau Político do MLSTP.

As conversações decorreram em ambiente de franca cordialidade, sob os bons aupícios do Governo Argelino, tendo as referidas delegações chegado aos seguintes pontos de acordo:

1.º O Governo Português reafirma o direito do povo de S. Tomé e Príncipe à autodeterminação e independência, de acordo com a Lei Constitucional Portuguesa n.º 7/74, de 26 de Julho, e com as resoluções pertinentes da Organização das Nações Unidas.

2.º O Governo Português reconhece o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe como interlocutor e único e legítimo representante do povo de S. Tomé e Príncipe.

3.º O Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe e o Governo Português, conscientes da necessidade de assegurarem nas melhores condições possíveis a transferência de poderes para o futuro Estado independente de S. Tomé e Príncipe, acordam em estabelecer o esquema e o calendário do respectivo processo de descolonização, criando para o efeito os seguintes órgãos:

a) Um Alto-Comissário;

b) Um Governo de Transição.

4.º O Alto-Comissário, nomeado pelo Presidente da República Portuguesa, terá as seguintes atribuições:

a) Representar o Presidente da República Portuguesa e o Governo Português;

b) Garantir a integridade do território de S. Tomé e Príncipe;

c) Promulgar os decretos-leis aprovados pelo Governo de Transição;

d) Assegurar conjuntamente com o Governo de Transição a execução do presente acordo e dos que venham a ser estabelecidos entre o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe e o Governo Português;

e) Tomar, em colaboração com o Governo de Transição, as medidas tendentes a garantir o exercício dos direitos fundamentais do Homem e a ordem pública.

5.º O Governo de Transição terá a seguinte composição:

a) Um Primeiro-Ministro nomeado pelo Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe, que terá por função representar o Governo de Transição, presidir às reuniões do Conselho de Ministros e coordenar as respectivas actividades, podendo encarregar-se dos negócios de alguns dos seus departamentos;

b) Quatro Ministros nomeados pelo Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe, que se encarregarão dos negócios de um ou mais dos seguintes departamentos, conforme for deliberado pelo Governo de Transição:

1. Ministério da Administração Interna;

2. Ministério da Coordenação Económica;

3. Ministério da Educação e Cultura;

4. Ministério dos Assuntos Sociais;

5. Ministério da Justiça;

6. Ministério do Trabalho;

7. Ministério do Equipamento Social e do Ambiente;

8. Ministério da Comunicação Social;

c) Um Ministro nomeado pelo Presidente da República Portuguesa, que terá por função estabelecer a ligação entre o Governo de Transição e o Alto-Comissário, e que, eventualmente, poderá, por deliberação do Governo de Transição, ocupar-se de um ou mais dos respectivos departamentos.

6.º O Primeiro-Ministro terá, em caso de empate na votação em conselho, voto de qualidade.

7.º - 1. O Governo de Transição exercerá as funções legislativa e executiva relativamente ao território do Estado de S. Tomé e Príncipe e a todas as matérias do interesse exclusivo desse Estado e nomeadamente:

a) Superintender na administração geral do território;

b) Criar estruturas de contrôle económico e financeiro que contribuam para o desenvolvimento de uma economia próspera e independente em S. Tomé e Príncipe, procedendo nomeadamente a uma reforma agrária;

c) Garantir a ordem pública em colaboração com o Alto-Comissário;

d) Assegurar conjuntamente com o Alto-Comissário a execução do presente acordo e dos que venham a ser estabelecidos entre o Governo Português e o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe;

e) Elaborar uma lei eleitoral e preparar com base nela a eleição de uma assembleia dotada de poderes soberanos e constituintes.

2. O Governo de Transição exercerá a sua competência legislativa por meio de decretos-leis e a sua competência executiva por meio de decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis.

3. A execução da orientação política definida em Conselho para cada departamento será assegurada pelo respectivo Ministro.

8.º - 1. As forças armadas sediadas no território ficarão dependentes do Alto-Comissário.

2. As forças policiais sediadas no território ficarão dependentes do Primeiro-Ministro.

3. Em caso de violação grave da ordem pública que justifique a intervenção das forças armadas, o comando e a coordenação das operações serão confiados ao Alto-Comissário, assistido do Primeiro-Ministro.

9.º Com o fim de prosseguir uma política financeira independente será criado em S. Tomé e Príncipe, durante o período do Governo de Transição, um banco central, que terá igualmente as atribuições de banco emissor. Para este fim o Governo Português obriga-se a transferir para esse banco todo o activo e passivo do departamento de S. Tomé e Príncipe do Banco Nacional Ultramarino. Uma comissão mista começará imediatamente a estudar as condições dessa transferência.

10.º O Governo de Transição esforçar-se-á por obter junto de organizações internacionais, a nível bilateral ou multilateral, a ajuda necessária ao desenvolvimento de S. Tomé e Príncipe, e a resolução dos seus problemas mais prementes.

O Governo Português compromete-se a prestar, para esse efeito, todo o concurso que lhe for solicitado.

11.º O Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe e o Governo Português acordam em que a independência de S. Tomé e Príncipe seja proclamada em 12 de Julho de 1975.

12.º - 1. O Governo de Transição preparará a eleição, em 7 de Julho de 1975, de uma assembleia representativa do povo de S. Tomé e Príncipe, de acordo com os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dotada de poderes soberanos e constituintes, que terá por função declarar a independência do Estado de S. Tomé e Príncipe e elaborar a futura constituição desse Estado.

2. O acto da declaração oficial da independência do Estado de S. Tomé e Príncipe coincidirá com o da investidura dos representantes eleitos do povo de S. Tomé e Príncipe e terá lugar na cidade de S. Tomé, em 12 de Julho de 1975, com a presença ou a representação do Presidente da República Portuguesa, para o efeito da assinatura do instrumento solene da transferência total e definitiva da soberania, devendo esse instrumento ser também assinado pelo Presidente da Assembleia Constituinte que entretanto tiver sido por esta designado.

13.º - 1. O Governo Português e o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe acordam em que até trinta dias após a proclamação da independência de S. Tomé e Príncipe deixem o respectivo território todos os elementos das forças armadas ali sediados.

2. O Governo Português consertará com o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe as medidas de ordem administrativa julgadas convenientes em relação aos militares naturais de S. Tomé e Príncipe.

14.º O Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe reafirma que a sua luta o não opôs ao povo português, mas ao regime colonial fascista deposto pelo Movimento das Forças Armadas de 25 de Abril, e declara o seu propósito, que o Governo Português regista, de respeitar e proteger as pessoas e os interesses legítimos dos cidadãos portugueses residentes no território do Estado de S. Tomé e Príncipe.

15.º Tendo em conta os laços históricos e sócio-culturais existentes entre o povo português e o povo de S. Tomé e Príncipe, o Governo Português e o Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe proclamam solenemente a sua intenção de estimular e desenvolver a compreensão e amizade entre os dois povos, através de uma cooperação sincera e eficaz, e numa base de independência, igualdade e respeito mútuo da soberania e dos interesses dos respectivos países e povos.

Para esse efeito, serão celebrados acordos bilaterais de cooperação, nomeadamente nos domínios económico, financeiro, técnico e cultural.

16.º As delegações sublinham o clima de perfeita cordialidade em que decorreram as negociações e exprimem a sua satisfação pelo bom resultado obtido, de que fiam o início de uma nova era para o povo de S. Tomé e Príncipe, em amizade com o povo português.

17.º O presente acordo depende, na sua validade formal, da homologação do Presidente da República Portuguesa e do Secretário-Geral do Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe.

Assinado em Argel, aos 26 dias do mês de Novembro de 1974, em dois exemplares de língua portuguesa.

A delegação do Governo Português:

António de Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial.

Joaquim Jorge de Pinho Campinos, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.

José Maria Moreira de Azevedo, Secretário-Adjunto do Governo de S. Tomé e Príncipe.

Armando Marques Ramos, capitão do Exército Português.

A delegação do Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe:

Miguel Trovoada, membro do Bureau Político e do Secretariado Executivo e Encarregado das Relações Exteriores do MLSTP.

José Fret, membro do Bureau Político e do Secretariado Executivo e Encarregado da Propaganda e Informação do MLSTP.

Gastão Torres, membro do Bureau Político do MLSTP.

Pedro Umbelina, membro do Bureau Político do MLSTP.

Aprovado, depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho.

Assinado em 17 de Dezembro de 1974.

Publique-se.

O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.

  

ANEXO E

(Publicado em Suplemento ao Diário do Governo, 

I Série, de 28  de Janeiro de 1975)

Acordo

Acordo entre o Estado Português e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).

O Estado Português e os movimentos de libertação nacional de Angola, Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), reunidos em Alvor, Algarve, de 10 a 15 de Janeiro de 1975, para negociarem o processo e o calendário do acesso de Angola à independência, acordam no seguinte:

CAPÍTULO I

Da independência de Angola

Artigo 1.º O Estado Português reconhece os movimentos de libertação, Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), como os únicos e legítimos representantes do povo angolano.

Art. 2.º O Estado Português reafirma solenemente o reconhecimento do direito do povo angolano à independência.

Art. 3.º Angola constitui uma entidade una e indivisível, nos seus limites geográficos e políticos actuais e, neste contexto, Cabinda é parte integrante e inalienável do território angolano.

Art. 4.º A independência e soberania plena de Angola serão solenemente proclamadas em 11 de Novembro de 1975, em Angola, pelo Presidente da República Portuguesa ou por representante seu expressamente designado.

Art. 5.º O poder passa a ser exercido, até à proclamação da independência, pelo Alto-Comissário e por um Governo de Transição, o qual tomará posse em 31 de Janeiro de 1975.

Art. 6.º O Estado Português e os três movimentos de libertação formalizam, pelo presente acordo, um cessar-fogo geral, já observado de facto pelas respectivas forças armadas em todo o território de Angola. A partir desta data será considerado ilícito qualquer acto de recurso à força que não seja determinado pelas autoridades competentes com vista a impedir a violência interna ou agressão externa.

Art. 7.º Após o cessar-fogo, as forças armadas da FNLA, do MPLA e da UNITA fixar-se-ão nas regiões e locais correspondentes à sua implantação actual, até que se efectivem as disposições especiais previstas no capítulo IV do presente acordo.

Art. 8.º O Estado Português obriga-se a transferir progressivamente, até ao termo do período transitório, para os órgãos de soberania angolana todos os poderes que detém e exerce em Angola.

Art. 9.º Com a conclusão do presente acordo consideram-se amnistiados para todos os efeitos os actos patrióticos praticados no decurso da luta da libertação nacional de Angola que fossem considerados puníveis pela legislação vigente à data em que tiveram lugar.

Art. 10.º O Estado independente de Angola exercerá a soberania, total e livremente, quer no plano interno, quer no plano internacional.

CAPÍTULO II

Do Alto-Comissário

Art. 11.º O Presidente da República e o Governo Português são, durante o período transitório, representados em Angola pelo Alto-Comissário, a quem cumpre defender os interesses da República Portuguesa.

Art. 12.º O Alto-Comissário em Angola é nomeado e exonerado pelo Presidente da República Portuguesa, perante quem toma posse e responde politicamente.

Art. 13.º Compete ao Alto-Comissário:

a) Representar o Presidente da República Portuguesa, assegurando e garantindo, de pleno acordo com o Governo de Transição, o cumprimento da lei;

b) Salvaguardar e garantir a integridade do território angolano, em estreita cooperação com o Governo de Transição;

c) Assegurar o cumprimento do presente acordo e dos que venham a ser celebrados entre os movimentos de libertação e o Estado Português;

d) Garantir e dinamizar o processo de descolonização de Angola;

e) Ratificar todos os actos que interessem ou se refiram ao Estado Português;

f) Assistir às sessões do Conselho de Ministros, quando o entender conveniente, podendo participar nos respectivos trabalhos sem direito de voto;

g) Assinar, promulgar e mandar publicar os decretos-leis e os decretos elaborados pelo Governo de Transição;

h) Assegurar em conjunto com o Colégio Presidencial a direcção da Comissão Nacional de Defesa;

i) Dirigir a política externa de Angola durante o período transitório, coadjuvado pelo Colégio Presidencial.

CAPÍTULO III

Do Governo de Transição

Art. 14.º O Governo de Transição é presidido e dirigido pelo Colégio Presidencial.

Art. 15.º O Colégio Presidencial é constituído por três membros, um de cada movimento de libertação, e tem por tarefa principal dirigir e coordenar o Governo de Transição.

Art. 16.º O Colégio Presidencial poderá, sempre que o deseje, consultar o Alto-Comissário sobre assuntos relacionados com a acção governativa.

Art. 17.º As deliberações do Governo de Transição são tomadas por maioria de dois terços, sob a presidência rotativa dos membros do Colégio Presidencial.

Art. 18.º O Governo de Transição é constituído pelos seguintes Ministérios: Interior; Informação; Trabalho e Segurança Social; Economia; Planeamento e Finanças; Justiça; Transportes e Comunicações; Saúde e Assuntos Sociais; Obras Públicas, Habitação e Urbanismo; Educação e Cultura; Agricultura, e Recursos Naturais.

Art. 19.º São desde já criadas as seguintes Secretarias de Estado:

a) Duas Secretarias de Estado no Ministério do Interior;

b) Duas Secretarias de Estado no Ministério da Informação;

c) Duas Secretarias de Estado no Ministério do Trabalho e Segurança Social;

d) Três Secretarias de Estado no Ministério da Economia designadas, respectivamente, por Secretaria de Estado do Comércio e Turismo, Secretaria de Estado da Indústria e Energia e Secretaria de Estado das Pescas.

Art. 20.º Os Ministros do Governo de Transição são designados, em proporção igual, pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e pelo Presidente da República Portuguesa e tomam posse perante o Alto-Comissário.

Art. 21.º Tendo em conta o carácter transitório do Governo, a distribuição dos Ministérios é feita do seguinte modo:

a) Ao Presidente da República Portuguesa cabe designar os Ministros da Economia, das Obras Públicas, Habitação e Urbanismo e dos Transportes e Comunicações;

b) À FNLA cabe designar os Ministros do Interior, da Saúde e Assuntos Sociais e da Agricultura;

c) Ao MPLA cabe designar os Ministros da Informação, do Planeamento e Finanças e da Justiça;

d) À UNITA cabe designar os Ministros do Trabalho e Segurança Social, da Educação e Cultura e dos Recursos Naturais.

Art. 22.º As Secretarias de Estado previstas no presente acordo são distribuídas pela forma seguinte:

a) À FNLA cabe designar um Secretário de Estado para a Informação, um Secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social e o Secretário de Estado do Comércio e Turismo;

b) Ao MPLA cabe designar um Secretário de Estado para o Interior, um Secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social e o Secretário de Estado da Indústria e Energia;

c) À UNITA cabe designar um Secretário de Estado para o Interior, um Secretário de Estado para a Informação e o Secretário de Estado das Pescas.

Art. 23.º O Governo de Transição poderá criar novos lugares de secretários e de subsecretários de Estado, respeitando na sua distribuição a negra da heterogeneidade política.

Art. 24.º Compete ao Governo de Transição:

a) Velar e cooperar pela boa condução do processo de descolonização até à independência total;

b) Superintender no conjunto da administração pública, assegurando o seu funcionamento, e promovendo o acesso dos cidadãos angolanos a postos de responsabilidade;

c) Conduzir a política interna;

d) Preparar e assegurar a realização de eleições gerais para a Assembleia Constituinte de Angola;

e) Exercer por decreto-lei a função legislativa e elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis;

f) Garantir, em cooperação com o Alto-Comissário, a segurança das pessoas e bens;

g) Proceder à reorganização judiciária de Angola;

h) Definir a política económica, financeira e monetária e criar as estruturas necessárias ao rápido desenvolvimento da economia de Angola;

i) Garantir e salvaguardar os direitos e as liberdades individuais ou colectivas.

Art. 25.º O Colégio Presidencial e os Ministros são solidariamente responsáveis pelos actos do Governo.

Art. 26.º O Governo de Transição não poderá ser demitido por iniciativa do Alto-Comissário, devendo qualquer alteração da sua constituição ser efectuada por acordo entre o Alto-Comissário e os movimentos de libertação.

Art. 27.º O Alto-Comissário e o Colégio Presidencial procurarão resolver, em espírito de amizade e através de consultas recíprocas, todas as dificuldades resultantes da acção governativa.

CAPÍTULO IV

Da Comissão Nacional de Defesa

Art. 28.º É criada uma Comissão Nacional de Defesa com a seguinte composição:

Alto-Comissário;

Colégio Presidencial;

Estado-Maior Unificado.

Art. 29.º A Comissão Nacional de Defesa deverá ser informada pelo Alto-Comissário sobre todos os assuntos relativos à defesa nacional, tanto no plano interno como no externo, com vista a:

a) Definir e concretizar a política militar resultante do presente acordo;

b) Assegurar e salvaguardar a integridade territorial de Angola;

c) Garantir a paz, a segurança e a ordem pública;

d) Velar pela segurança das pessoas e dos bens.

Art. 30.º As decisões da Comissão Nacional de Defesa são tomadas por maioria simples, tendo o Alto-Comissário, que preside, voto de qualidade.

Art. 31.º É criado um Estado-Maior Unificado que reunirá os comandantes dos três ramos das forças armadas portuguesas em Angola e três comandantes dos movimentos de libertação.

O Estado-Maior Unificado fica colocado sob a autoridade directa do Alto-Comissário.

Art. 32.º Forças armadas dos três movimentos de libertação serão integradas, em paridade com forças armadas portuguesas, nas forças militares mistas, em contingentes assim distribuídos:

8000 combatentes da FNLA;

8000 combatentes do MPLA;

8000 combatentes da UNITA;

24000 militares das forças armadas portuguesas.

Art. 33.º Cabe à Comissão Nacional de Defesa proceder à integração progressiva das forças armadas nas forças militares mistas referidas no artigo anterior, devendo, em princípio, respeitar-se o calendário seguinte:

De Fevereiro a Maio, inclusive, serão integrados, por mês, 500 combatentes de cada um dos movimentos de libertação e 1500 militares portugueses;

De Junho a Setembro, inclusive, serão integrados, por mês, 1500 combatentes de cada um dos movimentos de libertação e 4500 militares portugueses.

Art. 34.º Os efectivos das forças armadas portuguesas que excederem o contingente referido no artigo 32.º deverão ser evacuados de Angola até 30 de Abril de 1975.

Art. 35.º A evacuação do contingente das forças armadas portuguesas integrado nas forças militares mistas deverá iniciar-se a partir de 1 de Outubro de 1975 e ficar concluída até 29 de Fevereiro de 1976.

Art. 36.º A Comissão Nacional de Defesa deverá organizar forças mistas de polícia encarregadas de manter a ordem pública.

Art. 37.º O Comando Unificado da Polícia, constituído por três membros, um de cada movimento de libertação, é dirigido colegialmente e presidido segundo um sistema rotativo, ficando sob a autoridade e a supervisão da Comissão Nacional de Defesa.

CAPÍTULO V

Dos refugiados e das pessoas reagrupadas

Art. 38.º Logo após a instalação do Governo de Transição serão constituídas comissões paritárias mistas, designadas pelo Alto-Comissário e pelo Governo de Transição, encarregadas de planificar e preparar as estruturas, os meios e os processos requeridos para acolher os angolanos refugiados.

O Ministério da Saúde e Assuntos Sociais supervisará e coordenará a acção destas comissões.

Art. 39.º As pessoas concentradas nas "sanzalas da paz" poderão regressar aos seus lugares de origem.

As comissões paritárias mistas deverão propor ao Alto-Comissário e ao Governo de Transição medidas sociais, económicas e outras para assegurar às populações deslocadas o regresso à vida normal e a reintegração nas diferentes actividades da vida económica do País.

CAPÍTULO VI

Das eleições gerais para a Assembleia Constituinte de Angola

Art. 40.º O Governo de Transição organizará eleições gerais para uma Assembleia Constituinte, no prazo de nove meses a partir de 31 de Janeiro de 1975, data da sua instalação.

Art. 41.º As candidaturas à Assembleia Constituinte serão apresentadas exclusivamente pelos movimentos de libertação - FNLA, MPLA e UNITA -, únicos representantes legítimos do povo angolano.

Art. 42.º Será estabelecida, após a instalação do Governo de Transição, uma Comissão Central, constituída em partes iguais por membros dos movimentos de libertação, que elaborará o projecto da Lei Fundamental e preparará as eleições para a Assembleia Constituinte.

Art. 43.º Aprovada pelo Governo de Transição e promulgada pelo Colégio Presidencial a Lei Fundamental, a Comissão Central deverá:

a) Elaborar um projecto de lei eleitoral;

b) Organizar os cadernos eleitorais;

c) Registar as listas dos candidatos à eleição da Assembleia Constituinte apresentadas pelos movimentos de libertação.

Art. 44.º A Lei Fundamental, que vigorará até à entrada em vigência da Constituição de Angola, não poderá contrariar os termos do presente acordo.

CAPÍTULO VII

Da nacionalidade angolana

Art. 45.º O Estado Português e os três movimentes de libertação - FNLA, MPLA e UNITA - comprometem-se a agir concertadamente para eliminar todas as sequelas do colonialismo. A este propósito a FNLA, o MPLA e a UNITA reafirmam a sua política de não discriminação, segundo a qual a qualidade de angolano se define pelo nascimento em Angola ou pelo domicílio, desde que os domiciliados em Angola se identifiquem com as aspirações da Nação Angolana através de uma opção consciente.

Art. 46.º A FNLA, o MPLA e a UNITA assumem desde já o compromisso de considerar cidadãos angolanos todos os indivíduos nascidos em Angola, desde que não declarem, nos termos e prazos a definir, que desejam conservar a sua actual nacionalidade ou optar por outra.

Art. 47.º Aos indivíduos não nascidos em Angola e radicados neste país é garantida a faculdade de requererem a cidadania angolana, de acordo com as regras da nacionalidade angolana que forem estabelecidas na Lei Fundamental.

Art. 48.º Acordos especiais, a estudar ao nível de uma comissão paritária mista, regularão as modalidades da concessão da cidadania angolana aos cidadãos portugueses domiciliados em Angola e o estatuto dos cidadãos portugueses residentes em Angola e dos cidadãos angolanos residentes em Portugal.

CAPÍTULO VIII

Dos assuntos de natureza económica e financeira

Art. 49.º O Estado Português obriga-se a regularizar com o Estado de Angola a situação decorrente da existência de bens pertencentes a este Estado fora do território angolano, por forma a facilitar a transferência desses bens, ou do correspondente valor, para o território e a posse de Angola.

Art. 50.º A FNLA, o MPLA e a UNITA declaram-se dispostos a aceitar a responsabilidade decorrente dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado Português em nome e em relação a Angola, desde que o tenham sido no efectivo interesse do povo angolano.

Art. 51.º Uma comissão especial paritária mista, constituída por peritos nomeados pelo Governo Provisório da República Portuguesa e pelo Governo de Transição do Estado de Angola, relacionará os bens referidos no artigo 49.º e os créditos referidos no artigo 50.º, procederá às avaliações que tiver por convenientes e proporá àqueles Governos as soluções que tiver por justas.

Art. 52.º O Estado Português assume o compromisso de facilitar à comissão referida no artigo anterior todas as informações e elementos de que dispuser e de que a mesma comissão careça, para formular juízos fundamentados e propor soluções equitativas, dentro dos princípios da verdade, do respeito pelos legítimos direitos de cada parte e da mais leal cooperação.

Art. 53.º O Estado Português assistirá o Estado Angolano na criação e instalação de um banco central emissor.

O Estado Português compromete-se a transferir para o Estado de Angola as atribuições, o activo e o passivo do departamento de Angola do Banco de Angola, em condições a acordar no âmbito da comissão mista para os assuntos financeiros. Esta comissão estudará igualmente todas as questões referentes ao departamento de Portugal do mesmo Banco, propondo as soluções justas, na medida em que se refiram e interessem a Angola.

Art. 54.º A FNLA, o MPLA e a UNITA comprometem-se a respeitar os bens e interesses legítimos dos portugueses domiciliados em Angola.

CAPÍTULO IX

Da cooperação entre Angola e Portugal

Art. 55.º O Governo Português, por um lado, e os movimentos de libertação, pelo outro, acordam em estabelecer entre Portugal e Angola laços de cooperação construtiva e duradoura em todos os domínios, nomeadamente nos domínios cultural, técnico, científico, económico, comercial, monetário, financeiro e militar, numa base de independência, igualdade, liberdade, respeito mútuo e reciprocidade de interesses.

CAPÍTULO X

Das comissões mistas

Art. 56.º Serão criadas comissões mistas de natureza técnica e composição paritária, nomeadas pelo Alto-Comissário de acordo com o Colégio Presidencial, que terão por tarefa estudar e propor soluções para os problemas decorrentes da descolonização e estabelecer as bases de uma cooperação activa entre Portugal e Angola, nomeadamente nos seguintes domínios:

a) Cultural, técnico e científico;

b) Económico e comercial;

c) Monetário e financeiro;

d) Militar;

e) Da aquisição da nacionalidade angolana por cidadãos portugueses.

Art. 57.º As comissões referidas no artigo anterior conduzirão os trabalhos e negociações num clima de cooperação construtiva e de leal ajustamento.

As conclusões a que chegarem deverão ser submetidas, no mais curto espaço de tempo, à consideração do Alto-Comissário e do Colégio Presidencial, com vista à elaboração de acordos entre Portugal e Angola.

CAPÍTULO XI

Das disposições gerais

Art. 58.º Quaisquer questões que surjam na interpretação e na aplicação do presente acordo e que não possam ser solucionadas nos termos do artigo 27.º serão resolvidas por via negociada entre o Governo Português e os movimentos de libertação.

Art. 59.º O Estado Português, a FNLA, o MPLA e a UNITA, fiéis ao ideário sócio-político repetidamente afirmado pelos seus dirigentes, reafirmam o seu respeito pelos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como o seu activo repúdio por todas as formas de discriminação racial, nomeadamente o apartheid.

Art. 60.º O presente acordo entrará em vigor imediatamente após a homologação pelo Presidente da República Portuguesa.

As delegações do Governo Português, da FNLA, do MPLA e da UNITA realçam o clima de perfeita cooperação e cordialidade em que decorreram as negociações e felicitam-se pela conclusão do presente acordo, que dá satisfação às justas aspirações do povo angolano e enche de orgulho o povo português, a partir de agora ligados por laços de funda amizade e propósitos de cooperação construtiva, para bem de Angola, de Portugal, da África e do Mundo.

Assinado em Alvor, Algarve, aos 15 dias do mês de Janeiro de 1975, em quatro exemplares de língua portuguesa.

A delegação do Governo Português:

Ernesto Augusto de Melo Antunes (Ministro sem pasta).

António de Almeida Santos (Ministro da Coordenação Interterritorial).

Mário Soares (Ministro dos Negócios Estrangeiros).

António da Silva Cardoso (brigadeiro piloto aviador).

Fernando Reino (ministro plenipotenciário).

António Gonçalves Ribeiro (tenente-coronel de cavalaria).

Fernando Reis Mesquita da Costa Passos Ramos (tenente-coronel de artilharia).

Pedro Pezarat Correia (major de infantaria).

Pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA):

Holden Roberto (Presidente).

Pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA):

Agostinho Neto (Presidente).

Pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA):

Jonas Malheiro Savimbi (Presidente).

Aprovado, depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho.

Assinado em 28 de Janeiro de 1975.

Publique-se.

O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.

 

ANEXO F

 Decreto-Lei n.º 458-A/75, de 22 de Agosto

Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal deu início a uma política real de descolonização, aceitando o princípio da independência para os povos coloniais que mantinha sob a sua administração. Na sequência desta nova política, e no que se refere em particular a Angola, o Estado Português e os movimentos de libertação nacional - FNLA, MPLA e UNITA - celebraram o Acordo de Alvor, regulando o acesso de Angola à independência.

A situação presente em Angola é, no entanto, de molde a causar as maiores apreensões. Na verdade, o referido Acordo tem sido, desde a sua celebração, objecto de frequentes violações por parte dos movimentos de libertação, numa manifestação da sua incapacidade de superarem divergências, em prol do interesse nacional angolano. Factos estes, aliás, expressamente reconhecidos pelos próprios movimentos no comunicado de Nakuru.

Nestas condições:

Considerando a ausência de facto das suas funções por membros do Colégio Presidencial e do Governo de Transição, o que impossibilita o funcionamento destes órgãos;

Considerando a paralisação de facto da Comissão Nacional de Defesa, por ausências repetidas de alguns dos seus membros;

Considerando a política de estrita neutralidade activa que o Estado Português tem prosseguido, sem abdicar, contudo, das suas responsabilidades políticas e morais como potência administrante, defendendo a integridade territorial de Angola contra separatismos e ingerências externas e protegendo pessoas e bens sem qualquer discriminação;

Considerando, ainda, que é objectivo de Portugal levar a bom termo, nos prazos previstos, o processo de descolonização já iniciado;

E, consciente das suas responsabilidades perante a população de Angola e em cumprimento dos deveres que, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, incumbem ao Estado Português, nomeadamente o dever de contribuir para a paz e segurança internacionais;

Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional n.º 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo 1.º Considera-se transitoriamente suspensa a vigência do Acordo de Alvor, concluído em 15 de Janeiro de 1975 entre o Estado Português e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), no que diz respeito aos órgãos de governo de Angola.

Art. 2.º Além das funções que lhe são conferidas pelo Acordo de Alvor, compete ao Alto-Comissário:

a) Dirigir, coordenar e orientar a acção executiva dos Ministérios e superintender no conjunto da administração pública;

b) Elaborar decretos-leis, decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis;

c) Declarar o estado de sítio, com suspensão total ou parcial das garantias constitucionais em uma ou mais partes do território de Angola.

Art. 3.º Verificando o Alto-Comissário a ausência de facto das suas funções por parte de qualquer membro do Governo de Transição, nomeará um director-geral, que assegurará, sob a sua orientação e coordenação, a gestão do respectivo departamento, despachando apenas os assuntos de expediente considerado de urgência.

Art. 4.º Os Ministérios, cujos titulares são designados pelo Presidente da República Portuguesa, nos termos da alínea a) do artigo 21.º do Acordo de Alvor, passarão a ser geridos por directores-gerais da nomeação do Alto-Comissário.

Art. 5.º O presente decreto-lei entra imediatamente em vigor.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves.

Promulgado em 21 de Agosto de 1975.

Publique-se.

O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de setembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22580: Historiografia da presença portuguesa em África (282): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (3) (Mário Beja Santos)

(**) Com referência  ao acordo de Argel, vd poste de ontem:

30 de setembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22584: Recortes de imprensa (119): Reacção de Mário Beja Santos ao artigo do "Diário de Notícias", de 29 de Setembro de 2021, "Comandos africanos nas Forças Armadas Portuguesas. Histórias de abandono e traição"

Guiné 61/74 - P22586: Convite (15): Encontro de ex-militares milicianos e amigos que estiveram directa ou indirectamente ligados à contestação antimilitarista e anticolonialista, dia 7 de Outubro de 2021 na Casa do Alentejo



Lisboa, Casa do Alentejo > Taberna (Cortesia da página da Casa do Alenejo)

C O N V I T E

ALERTA, CAMARADA - Última chamada

1. No dia 7/10/21, quando se completam 50 anos do início do 4º turno/71 do COM em Mafra, que ficaria indelevelmente assinalado, vamos organizar um Encontro de ex-militares milicianos e amigos que estiveram directa ou indirectamente ligados à contestação antimilitarista e anticolonialista.

2. Às 16.00h juntamo-nos na Casa do Alentejo (taberna) para um convívio com petiscos alentejanos, animado com as cantigas do "Cancioneiro do Niassa", pelo João Maria Pinto (actor de teatro e recolector das canções), assinalando a influência importante que os milicianos tiveram na tomada de consciência dos militares de carreira.

3. Por volta das 18.00h, vamos para uma sala histórica da Casa do Alentejo para uma conversa sobre três temas:

A - Memórias e relatos da participação dos milicianos na tropa militarista e na guerra colonialista (projecto DA GUERRA NUNCA SE VOLTA)

B - A actualidade da temática das guerras (neo) colonialistas e do papel das intervenções militaristas e agressivas (Cabo Delgado- Moçambique, Afeganistão,Síria, Iraque, Líbia, etc.).

C - A participação organizada de ex-militares milicianos nas Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (2024) - Criação de uma Comissão ad-hoc.

Caros companheiros e amigos, para organizar a logística é necessário a confirmação definitiva da vossa participação.

Um abraço
Armando Teixeira
arsouteixeira@gmail.com


2. Nota do editor:

O Armando Sousa Teixeira apresenta-se como "ex-cadete , ex-furriel e ex-soldado do Exército Português, com o nº 09420870, mobilizado em Moçambique, 1972/74". É autor, entre outros,  dos livros editados sob a chancela da Editorial Avante, “Guerra colonial, a memória maior que o pensamento” e "Barreiro, Uma História de Trabalho Resistência e Luta (1926-1945)".
 
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Guiné 61/74 - P22585: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (72): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Naquelas férias de verão, Annette veio com o seu filho Jules, jovem desmotivado e com o astral em baixo, afetos acidulados e o trabalho precário não o larga, já revelou à irmã que foram umas férias excepcionais, parte amanhã, Annette decidiu passar este último dia só na sua companhia, foram para Sintra. Então, Paulo redige-lhe uma carta onde procura minimamente responder a uma pergunta que ela julga essencial para o contexto de toda a comissão militar que está a escrever, a evolução do estado de espírito, o que aconteceu àquele jovem cosmopolita, muito dado à cultura, que foi malhar com os ossos em Mafra, Ponta Delgada, Amadora e Guiné, em que acredita, que planeia para o futuro, já que se avizinha no horizonte o fim da sua guerra? E ele procura responder, não tem uma crença ideológica firmada, já leu e viu o suficiente para perceber como não tem pés nem cabeça o slogan de que andamos na Guiné há cinco séculos, mas o que seguramente aconteceu naquele seu processo de adultez foi a importância da sua relação com o Cuor, com aquelas gentes com quem manteve uma cativante fidelidade, como lhe tocou até à medula a solidariedade dos seus homens. Ele não sabe e não iria escrever a Annette o que não antevia, é como aquela experiência lhe calou fundo e indeclinavelmente o preparou para todas as empreitadas da vida que se seguiram.

Um abraço do
Mário



Rua do Eclipse (72): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon adorée, mon compagnon de vie, des projets, réseau de tous mes amours, envio-te esta carta para a Rua do Eclipse, enquanto tu estás aqui comigo nestas férias de verão. Jules parte amanhã para Bruxelas, tem andado radiante, mas sinto-lhe a tristeza do futuro improvável, parece que nenhum emprego lhe acerta e os desastres afetivos azedaram-lhe a existência, ele anda contente e não esconde, mas vai regressar ao centro dos problemas, fizeste bem em querer passar hoje o dia com ele, apanharam aqui à porta o comboio para Sintra, prometi preparar-vos um jantar de estalo. E procuro responder a uma questão que me puseste em dado momento, tudo a propósito das peripécias vividas no hospital militar de Bissau: que exame de consciência eu fazia da minha vida nos últimos anos? Deixo-te este breve esquema, juro-te perante Deus que era naquele tempo em que me preparava para deixar Bissau e regressar a Bambadinca, o modo como eu avaliava aqueles anos de juventude. Negligenciara os estudos em benefício de prazeres culturais que o dinheiro me dava no meu primeiro emprego, trabalhava em mecanografia e sentia-me finalmente feliz por não vestir a roupa dos outros, não ir a concertos só porque recebia borlas, o que sabia de África era através das narrativas da minha avó e da minha mãe, uma Angola idílica onde ambas tinham perdido os recursos no rescaldo da crise de 1929 que foi evidente em 1931, com a queda abissal do preço das matérias-primas. Não tinha crença ideológica clara, através do chamado catolicismo de vanguarda, assumia que o colonialismo tinha os seus dias contados, já havia papéis clandestinos suficientes que permitiam ver, sobretudo a partir de 1967, que os movimentos nacionalistas contavam com sólidos apoios e nós vivíamos com recursos financeiros finitos, como se comprovou, e isto sem já falar nos acontecimentos internacionais de 1973, quando eclodiu a crise petrolífera que deixou o Estado Novo com uma inflação a dois dígitos.

Houve descobertas importantes na minha vida militar, confiar na minha resistência física, ter percebido que havia para ali uma energia suficiente para longas caminhadas, para longas adversidades; a revelação de que possuía dotes de liderança; o ter sabido resistir aos dislates de um comandante de companhia que assegurava que um preto aguentava com trezentas agulhas espetadas no corpo e que confessaria tudo com umas boas palmatoadas com sola de pneu, o castigo foi ter vindo para a Guiné em rendição individual e comandar tropa africana; o Cuor deslumbrou-me, não pelo gosto dos tiroteios ou da caçada humana, era a inserção numa comunidade que me parecia milenária, poder trazer aportes de respeito e consideração, levar os doentes ao médico, encontrar professores para ensinar crianças e adultos, comunicar com diversas culturas a que eu era totalmente alheio, combater a seu lado, dar o exemplo de ir sempre à frente, incutindo-lhes mentalidade ofensiva; e ter ganho aquele desafio de Missirá em cinzas parcialmente reconstruída em tempo recorde; ter conseguido algum equilíbrio num diálogo interior entre o que era a minha cultura, simbolizada por aqueles caixotes de livros e discos, o ter mantido a curiosidade na leitura, com a abertura de espírito para procurar assimilar as riquezas culturais guineenses, e daí o gosto em procurar compreender a história daqueles povos, o que rapidamente me levou a perceber a gravosa mentira da propaganda que dizia que estávamos na Guiné há cinco séculos, o que gradualmente veio a acentuar a perceção de que os homens do mato lutavam pela posse da sua própria terra, que a nossa presença pouco mais dera que negócios e alguns quadros heroicos de tentativa de missionação. É nesse estado de espírito, meu adorado amor, que me leva a circular solitário por aquelas artérias de Bissau, a refugiar-me na messe de oficiais para confirmar a completa vulgaridade daquela retaguarda; e a experiência hospitalar abria-me novas pistas de observação, aqueles mutilados que se comparavam, como a guerra abre brechas na saúde mental; o meu corpo melhorava com aquelas injeções e comprimidos, a despeito da gritaria entre o capitão Oliveira e o furriel Alves. Circulava por Bissau, com um pé lá e outro em Bambadinca, encontrei-me com o meu querido amigo Teixeira, o cabo das transmissões, procurou-me para se despedir e fez-me pensar que a tropa que recebi em agosto de 1968 mudara literalmente de composição; mesmo do hospital militar enviara aerogramas aos meus sargentos, para pedir novas, as respostas não deixavam de inquietar: o pelotão fracionado em secções, nas mais diversas atividades; a descoberta de mais canoas em Samba Silate, prova irrefutável de que os guerrilheiros vindos do Cuor não desistiam de vir a Bambadinca abastecer-se ou informar-se ou subverter; nos Nhabijões, num patrulhamento noturno, houve recontro com uma coluna de abastecimento, um morto e três feridos, era gente do Corubal; o tratamento na Neuropsiquiatria parecia que me revigorara, fizera diferentes consultas médicas aos dentes e aos ouvidos e aos olhos, que não me preocupasse; e o médico deu-me alta e a meio de uma tarde de Bissalanca parto para Bafatá, consigo transporte para Bambadinca, venho encontrar tudo em confusão, há muita euforia, prevê-se para breve transferência de batalhões, ainda pergunto como vai a guerra, com alguma displicência respondem-me que há flagelações em Taibatá, Xime e Enxalé, e alguém se me apreça a informar que chegou o gerador elétrico para Missirá, bem contente fiquei depois de tanto porfiada diligência. A notícia daquele gerador, minha cronista do meu coração, é mais uma ponte entre o passado e o meu futuro na guerra e o outro futuro que anda tão confuso na minha cabeça, a não ser a crescente convicção de que me vou atirar aos estudos, sonho ser professor.

Consigo reunir o pelotão inteiro, converso com o substituto do Teixeira, chama-se Valente, um gordinho russo e bonacheirão, anunciam-se novas partidas, a do Domingos Silva pesa-me muito, foi meu intérprete em situações muito ingratas, deu-me muita dor de cabeça com as suas bebedeiras numa comunidade islâmica; alguém me informa, são notícias que se apreendem no mercado de Bambadinca, por isso é que a gente conversa com quem vem de fora, é assim que se processa no universo as sociedades que primam pela narrativa oral, que há muita desmoralização nas milícias de Amedalai, Demba Taco e Taibatá, corre a notícia de que vão encerrar a tabanca em autodefesa de Moricanhe, é o prenúncio de novas desgraças.

E é quando me dirijo para a messe de oficiais, está na hora de almoço, que o major das operações, num corredor pejado de caixões espalhados daquela gente impaciente que aguarda os substitutos e anuncia que esta tarde iremos conversar sobre uma operação que eu irei comandar, a Beringela Doce. Caio em mim, a guerra não faz intervalos, eu que me recorde que ainda tenho as colunas ao Xitole, as emboscadas nas imediações, escoltas, patrulhamentos noturnos, idas às tabancas na periferia, as obras permanentes nos Nhabijões onde é preciso montar segurança, o suplício na ponte de Undunduma. Houve já quem me dissesse que o PAIGC anda calmo, talvez porque se avizinhe a época das chuvas, são umas flagelações rápidas, algumas minas, ataques mitigados em tabancas em autodefesa, pouco mais. Pelo Pires fico a saber que afinal de contas a nossa tropa foi envolvida numa operação chamada Gato Irritado, coisa insignificante.

Minha adorada Annette, eu vinha recomposto graças às injeções e aos comprimidos de Tryptizol 25, o meu pelotão mudou de forma e figura, passam a toda a hora viaturas da Tecnil, são as obras do alcatroamento da estrada entre Xime e Bambadinca, naquele momento ainda não sei que vou ter cerca de um mês pela frente a sair de madrugada e aguentar a pé firme o dia todo, dentro do mato, a vigiar estes trabalhos. As surpresas não param: na manhã seguinte, recebo uma comitiva liderada pelo régulo Malan Soncó e os chefes de tabanca de Missirá e Finete, vêm-me convidar a assistir em Missirá à inauguração do gerador elétrico. Inexplicavelmente, digo que sim. Dois dias depois, num sintex, acompanhando o comandante da CCS, o capitão Figueiras, vou despedir-me do Cuor muito amado, da Missirá que guardo no olhar, sempre intocada, como a amei, ao longo de 17 meses.

Eram estes os apontamentos que te quis enviar para conheceres o meu estado de espírito, entendi que não devia carrear esta informação para as nossas férias. A despeito de tudo o que aqui se escreve, toma estas notas como uma carta, beijo-te muito, com uma ternura e uma admiração sem limites, quantas vezes me pergunto como foi possível que no teu gesto tão dedicado de cronista me tomasses por inteiro esta dádiva de amor, que é esperança dos nossos tempos futuros, bisous, Paulo.

(continua)

Avenida Marginal com o cais do Pidjiquiti
Bilhete-postal que todos nós enviávamos às famílias
Bissau Velho
Pormenor do monumento “O Esforço da Raça” na Praça dos Heróis Nacionais
Praça Honório Barreto, Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22569: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (71): A funda que arremessa para o fundo da memória

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22584: Recortes de imprensa (119): Reacção de Mário Beja Santos ao artigo do "Diário de Notícias", de 29 de Setembro de 2021, "Comandos africanos nas Forças Armadas Portuguesas. Histórias de abandono e traição"



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,

Não podia ficar insensível a este estendal de mentiras, ainda por cima numa tese de doutoramento que se configura ter a calúnia e o sensacionalismo por móbil.

Conviria que os ditos recalcitrantes do comportamento das autoridades portugueses justificassem por que não quiseram manter a nacionalidade portuguesa quando Portugal ali, na Guiné, podia fazer prevalecer o nosso Direito.

Um abraço do
Mário

Nota do editor:
Ler aqui o artigo da autoria da jornalista Valentina Marcelino, publicado no DN de 29 de Setembro de 2021, que motivou esta tomada de posição do nosso camarada Mário Beja Santos, um estudioso da história da guerra de libertação da Guiné e da sua história ao longo da era colonial.



2. Mensagem enviada por Mário Beja Santos à jornalista Valentina Marcelino, do DN, e enviada ao Blogue para conhecimento:

Ex.ª Sr.ª D.ª Valentina Marcelino, bons dias.

Chamo-me Mário Beja Santos, sou antigo combatente da Guiné e com alguma obra publicada sobre investigações do referido conflito. O que falta à doutoranda que refere na peça, e às citações que invoca na sua, é a consulta a todo o conteúdo integral inerente aos Acordos de Argel e a descrição da sequência de medidas tomadas pelas autoridades portuguesas até ao fim da nossa presença colonial. Com efeito, quem ler os Acordos de Argel, em toda a sua extensão, compreenderá facilmente que Portugal assumia as responsabilidades com os cidadãos portugueses de origem guineense que manifestassem tal vontade.

Portugal comprometeu-se a pensões com esses portugueses deficientes das Forças Armadas, o que cumpriu e cumpre. Comandei guineenses, que ficaram deficientes, e são escrupulosamente assumidas as responsabilidades de Portugal. Dizem taxativamente os Acordos de Argel quais as responsabilidades da República da Guiné-Bissau, quais os compromissos que assumiam, integrando todos os combatentes que tinham estado sob soberania portuguesa e que tinham decidido tornarem-se cidadãos da República da Guiné-Bissau.

Em documentação que se pode consultar em qualquer arquivo, verificar-se-á que o último governador em exercício, Carlos Fabião, convocou todas estas forças especiais de comandos e fuzileiros e propôs-lhes a vinda para Portugal, seriam integrados nas Forças Armadas Portuguesas, viriam mesmo com família; caso não aceitassem, e mesmo depois de lhes ter sido referido a eventualidade de futuras tensões com o PAIGC, decidiram ficar e receber vencimentos até dezembro de 1974.

Querer falsificar os factos históricos, imputando às autoridades portuguesas negligência, é pura demagogia. A doutoranda devia ter estudado melhor, consultado os processos, ouvido pessoas que estiveram envolvidas nestas conversações. E pura demagogia é não querer ver que a República da Guiné-Bissau é um país independente, cometeu imensas tropelias, é certo, massacrou, torturou, fuzilou antigos militares que tinham combatido à sombra da bandeira portuguesa, mas o Direito Internacional só nos permite protestar pelo não cumprimento dos Acordos de Argel.

Numa atitude pesporrente, de um nacionalismo bacoco e de um triunfalismo de comédia, os então dirigentes supremos do PAIGC deixaram degradar hospitais (o hospital militar nº 241, em Bissau, era um dos melhores hospitais de África), arruinar património, enfim, praticaram desmandos por cegueira e ingenuidade ideológica, o povo guineense pagou por inteiro.

Não podia deixar de lhe escrever para a alertar das incongruências da sua peça, só é novo o que foi esquecido, poderá estar a pensar que inquieta corações ou que descobriu a pólvora (tal como a doutoranda), simplesmente por falta de estudo.

Se acaso sentir necessidade de repor a verdade e refazer a sua peça, terei muito gosto em indicar-lhe com quem pode falar e onde estão as fontes documentais.

Receba a cordialidade de
Mário Beja Santos

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22281: Recortes de imprensa (118): "Mísseis uniram Enfermeira 'Pára' e Piloto-Aviador" - Especial Guerra Colonial - Revista de Domingo do Correio da Manhã de 13 de Junho de 2021

Guiné 61/74 - P22583: Agenda cultural (785): Apresentação do livro "Ataque a Conakry", de José Matos e Mário Matos e Lemos, dia 21 de Outubro, às 17 horas, no Palácio da Independência - Largo de São Domingos - Lisboa



Ataque a Conakry
História de um Golpe Falhado

José Matos e Mário Matos e Lemos

Sinopse - Na madrugada do dia 22 de novembro de 1970, seis navios de guerra portugueses cercaram Conakry, a capital da República da Guiné, na costa ocidental africana. Aproveitando a escuridão da noite, uma força militar desembarcou nas costas norte e sul da cidade adormecida. À frente destes homens estava um jovem oficial português, Alpoim Calvão, que tinha sido nomeado para comandar esta operação secreta, com o nome de código Mar Verde. O objectivo principal da invasão era promover um golpe de Estado na antiga colónia francesa e derrubar o regime do presidente Sékou Touré, que apoiava os guerrilheiros do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), que lutavam pela independência da Guiné portuguesa. Os invasores pretendiam também destruir os meios navais que os guerrilheiros e a Marinha guineana tinham no porto de Conakry, capturar o líder do partido, Amílcar Cabral, e resgatar um grupo de militares portugueses encarcerados numa prisão às ordens do PAIGC. A incursão acabaria por não ter o sucesso esperado relativamente ao golpe de Estado e Portugal seria condenado nas instâncias internacionais pela invasão de um estado soberano, mas esta operação ficaria na memória de muitos como a mais ousada levada a cabo durante a guerra colonial em África, embora o regime português nunca reconhecesse o seu envolvimento.


Os Autores

José Matos - Investigador em História Militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular da Revista Militar e de revistas europeias de aviação militar e de temas navais. Colaborou nos livros A Força Aérea no Fim do Império (2018); A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana (2019). É co-autor dos seguintes livros: Nos Meandros da Guerra - O Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné (2020); War of Intervention in Angola, Volume 3 and 4: Angolan and Cuban Air Forces, 1975-1989 (2020-2021).

Mário Matos e Lemos - Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi jornalista da Agência de Notícias e Informações (ANI), do Diário de Notícias e do Diário do Norte (1956-1972). Entre 1972 e 1998 desempenhou funções de conselheiro cultural e de imprensa em diversas embaixadas portuguesas. Foi diretor do Centro Cultural Português de Bissau e, fugazmente, diretor do CENJOR. Atualmente é investigador do CEIS 20, da Universidade de Coimbra. É autor de obras como Liberdade de Imprensa e Outros Ensaios (1964); Um Vespertino do Porto (1972); O 25 de Abril, Uma Síntese, Uma Perspectiva (1986); Política Cultural Portuguesa em África – O Caso da Guiné-Bissau (1999); Dicionário de História Universal (2001); Jornais Diários Portugueses do Século XX. Um Dicionário (2006); José de Melo, o Primeiro Fotógrafo de Guerra Português (2008); Oposição e Eleições no Estado Novo (2012); 1945 – Estado Novo e Oposição – O MUD e o Inquérito às suas Listas (2018).

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22554: Agenda cultural (784): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - II (e última) Parte: registe-se com agrado o apoio que "O Bando do Café Progresso" deu ao nosso novel escritor

Guiné 61/74 - P22582: Ser solidário (241): O nosso camarada e amigo Torcato Mendonça encontra-se hospitalizado há já algum tempo. Notícia de ontem da sua esposa Ana Mendonça


1. No seguimento da publicação, no nosso Blogue e Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, do postal de aniversário do nosso camarada Torcato Mendonça, ocorrido no passado dia 4 de Setembro, recebi, ontem dia 29 de Setembro, uma mensagem através do Messenger, da sua esposa Ana Mendonça com a triste notícia da hospitalização do Torcato há já algum tempo:

Olá Carlos Vinhal
O Torcato encontra-se hospitalizado...
Um abraço e obrigada pelos parabéns enviados e que ele gostaria ter lido.
Ana Mendonça

2. Imediatamente entrei em contacto com a nossa amiga Ana:

Boa tarde Ana.
Lamento a situação do amigo Torcato que a cada passo me telefonava, sempre com muitos assuntos além dos inevitáveis da Guiné.
A última vez que falámos ao telefone julgo que já não me conseguiu reconhecer. Em telefonemas anteriores já me tinha referido estar a sofrer de problemas relacionados com perda de memória.
Por favor vá-me inteirando da evolução do estado de saúde do Torcato e se quiser que se dê alguma notícia dele no Blogue, estamos ao dispor.
Desejo à Ana a melhor saúde possível. Tem um bem precioso, os seus filhos.
Um beijinho pessoal e a solidariedade da tertúlia do Blogue.
Carlos

3. Ainda ontem veio esta mensagem da amiga Ana Mendonça

Muito obrigada pelo carinho e amizade...
Ele teve noção do que estava a acontecer e tentou "combater" mas não conseguiu e isso dói muito.
As visitas hospitalares também o isolaram porque não as teve devido ao covid e tudo ajudou a que ele não se sentisse confortável. Vamos ver se abrem a partir de outubro.
Eu comuniquei para que fosse do vosso conhecimento já que ele estava sempre atento ao blogue. Se quiser pode comunicar.
Beijinho e obrigada
Também em nome do Torcato
Ana Mendonça

4. Um pouco mais tarde outra mensagem com notícias mais animadoras:

Hoje foi a vez de o Pedro ir ver o pai e diz que o encontrou um pouco melhor!
Deus queira que assim continue!
Ana

5. Comentário de CV:


De há já algum tempo tinha notado, assim como outros camaradas que com alguma frequência falavam com o Torcato, que ele não estava a passar bem, denotando-se aqui e ali algumas falhas de memória. Deixou de me telefonar pelo que tomei a iniciativa de lhe ligar. Notei-lhe algum distanciamento, sinal de que não sabia exactamente quem lhe falava. As nossas anteriores conversas, de horas, versavam tudo desde a inevitável Guiné, à política, até à vida privada, principalmente saúde, ou falta dela, coisa em que nós os mais maduros somos peritos. Desta vez foi estranhamente curta. Mentalmente despedi-me do Torcato, as nossas infindáveis chamadas telefónicas tinham chegado ao fim.
Fui visitando o "face" dele, e o que eu temia estava a acontecer, deixou de publicar. Uma coisa ou outra que aparecia julgo ter a mão da sua companheira de vida, a Ana.

Que venho propor? Sendo o Torcato um homem solidário e um camarada como poucos, quem tiver acesso ao seu facebook deixe lá uma mensagem de solidariedade e conforto. Quem não for seu "amigo", peça-lhe amizade que a Ana tratará de a aceitar por ele. É nas horas difíceis que devemos mostar o quanto somos unidos. Fomos irmãos na guera que não quisemos e continuamos a sê-lo nesta paz que nunca é completa para quem por lá andou.

À Ana e aos dois filhos do casal, Pedro e Ricardo, dos quais o Torcato me falava sempre com tanto carinho e orgulho, deixamos a nossa força e o crer de que o marido e pai, mais ou menos limitado, vai continuar com eles e connosco.
Para ti Torcato o nosso abraço e os votos de melhoras.
Carlos Vinhal
Coeditor

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22576: Ser solidário (240): Jardim-Escola Capitão Luís Filipe Rei Vilar e Residência dos Professores de Susana "Os Sopitos", duas magníficas obras da Associação Anghilau (Manuel Rei Vilar / José d'Encarnação)

Guiné 61/74 - P22581: Convívios (918): Cerca de 70 participantes no XXV Convívio Anual da CCAÇ 3398 / BCAÇ 3852, "Os Incendiários" (Buba, 1971/73)... Comemorou-se também os 50 anos da sua formação e mobilização para o CTIG (Joaquim Pinto Carvalho)


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Cadaval > CCAÇ 3398. "Os Incendiários"  (Bula, 1071/73) > XXV Convívio Anual > 18 de setembro de 2021

Fotos (e legendas): © Victor Duarte ( J. Pinto Carvalho (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Trinta e três antigos combatentes e respetivas famílias, a maior parte oriundos do Norte, reuniram-se no passado dia 18 de setembro no Cadaval, no XXV convívio anual para comemorar 50 anos da constituição e mobilização da CCAÇ 3398 – os “Incendiários” de Buba - que, nos anos de 1971 a 1973, esteve no teatro de operações da Guiné (Sector Sul S-2), fazendo parte do Batalhão de Caçadores 3852.


O evento, organizado pelo ex-alferes miliciano Joaquim Pinto de Carvalho, natural do Cadaval (, membro da nossa Tabanca Grande, e régulo da Tabanca do Aira-te ao Mar) contou com a participação de cerca de 70 pessoas. (Vd. Foto n.º 1, com o Pinto de Carvalho, à frente como porta-estandarte.)

A comemoração iniciou-se com uma pequena sessão no Auditório Valentina Abreu,  da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Cadaval, instituição que este ano comemora 100 anos de existência, com a presença do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Cadaval, Dr. José Bernardo, e do Presidente daquela Associação, Dr. Ricardo Coelho (Foto nº 2).






Capa e contracapa (detallhe) da brochura de Joaquim Pinto de Carvalho,  "A 'Chama' que nos chamou: um contributo para a história da CCAÇ 3398, "Os Incenidários", Buba, Guiné (1971/73), na comemoração do seu cinquentenário.(2021, 88 pp., il.)




Medalha comemorativa dos 50 anos da CCAÇ 3398 / BCAÇ 3852, "Viver, lutar, vencer" (1971/2021). 

Fotos (e legendas): Blogue Luis Graça & Camarads da Guiné (2021


A sessão abriu com uma saudação de boas vindas feita pelo organizador do evento e pelas entidades oficiais presentes, seguindo-se a apresentação do livro comemorativo deste cinquentenário “A Chama Que Nos Chamou -  um contributo para a história da CCaç 3398" e a condecoração com a “Medalha de Ouro” de todos os antigos combatentes que responderam à chamada; alguns foram condecorados a título póstumo, representados por familiares que quiseram estar presentes. 

Procedeu à imposição das medalhas o comandante da Companhia, ex-Cap Filipe Lopes, hoje coronel reformado. (Fotos nºs 3,4,5, e 6).


Após a condecoração, momento alto e mais emotivo desta sessão, foi projetado um pequeno video sobre Buba, filmado por um grupo de expedicionários que, na guerra colonial, combateram na região sul da Guiné e que, em 2013, lá se deslocaram (“Nina”, Lobo e Rainho). (Será oportunamente divulgado no nosso blogue.)

Por fim, registou-se um breve momento musical oferecido por Júlio Pina, fadista bem conhecido na zona oeste onde reside e atua, que, sendo também um ex-combatente da Guiné, invocou esse acontecimento e dedicou duas peças musicais, com reminiscências à guerra da Guiné, designadamente “piriquito vai no mato” (Foto nº 7).

Terminada esta sessão, junto do “Monumento do Combatentes”, no Largo do Combatentes, junto ao posto da GNR do Cadaval, foi feita uma breve homenagem aos antigos combatentes falecidos com a deposição de uma coroa de flores (Foto nº 8).

O convívio prosseguiu com um almoço na “Quinta do Castro” (Pragança, Cadaval) (Fotos nºs 9, 10, 12, 13 e 14) com um bolo comemorativo, cujo formato foi inspirado também num elemento natural presente na paisagem guineense: o monte formigueiro “baga-baga” (Foto nº 11).

A edição do filme exibido bem como a recolha de imagens do evento foi efetuada por Vítor Duarte, que tem ligação ao Cadaval por ser neto e biógrafo do “Patriarca do Fado”, o grande fadista Alfredo Marceneiro, que, segundo rezam as crónicas, terá sido gerado no Cadaval; não tendo sido combatente, soube disparar a sua objetiva  para deixar à memória futura os principais momentos deste encontro memorável, não só pela efeméride “ouro e prata” que representou para a companhia mas por ser o primeiro convívio após o início da pandemia COVID-19.

Devo tambémfazer aqui uma referência ao nosso amigo e camarada Belarmino Sardinha, antigo combatente na Guiné (Foto nº 14, ao centro de T-shirt azul e óculos). Vive no concelho do Cadaval. Fez questão de me dar alguma colaboração, embora não fazendo parte da CCAÇ 3398:  nomeadamente, a chamada dos condecorados esteve a seu cargo.

Os “Incendiários” de Buba estão, pois, de parabéns. Espera-se que, para o ano, libertos desta guerra pandémica que nos colonizou, estas comemorações possam continuar por terras nortenha, donde, aliás, é oriunda a maioria dos combatentes que deram corpo a esta Companhia.(*)

Joaquim Pinto Carvalho (**)

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Notas do editor:

(*) Repare-se qie este poste, da série "Convívios", é o primeiro que se publica desde há mais de um ano: o último foi em 22 de junho de 2020... E o anterior em 19 d fevereiro de 2020. Por causa da pandemia de Covid-19, foi decretado o estado de alarme em 12 de março e logo a seguir a 19 o estado de emergência.  Este convívio da CCAÇ 3398 deve ser dos primeiros que se realiza em contexto  pós -pandémico. Parabéns ao Joaquim Pinto de Carvalho e demais "Incendiários" de Buba...


(**) Sobre o Joaquim Pinto Carvalho: advogado, músico e poeta, natural do Cadaval, a viver na Lourinhã, membro da Tabanca Grande desde 7/12/2013, ex-alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e da CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73); tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22580: Historiografia da presença portuguesa em África (282): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Reduziu-se ao máximo as descrições elencadas pelo Tenente-Coronel Miguéis acerca das operações de pacificação entre 1834 a 1924, no essencial é matéria que interessa a estudiosos, no geral permite picar com uma grande angular da fragilidade da presença portuguesa e há que dizer claramente que continua a pôr-se muita emoção e a mostrar muita indignação por alegadas atropelos ao prestigiado Capitão Teixeira Pinto, sem nunca ter em atenção que Abdul Indjai praticou , e há relatos a confirmar essas depredações, saques, sequestros, roubos, assassínios, durante a campanha de pacificação. Acontece que os mercadores portugueses e estrangeiros que viviam ao tempo na ilha de Bissau queixaram-se ao governador que quem era comandante da campanha era o oficial português. Abdul fica como régulo do Oio (manda a verdade que se diga que ele era régulo do Oio e do Cuor), e tudo leva a crer que atuava praticando barbaridades. Que era ambicioso, basta ler esta peça histórica do seu aprisionamento, talvez o documento mais detalhado que conta a história do seu afastamento da Guiné.

Um abraço do
Mário


A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (3)

Mário Beja Santos

Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.

O Tenente-Coronel Miguéis dá-nos porventura o relato mais detalhado sobre a prisão de Abdul Indjai, sugere que houve para ali uma tremenda cabala, intrigas sem fim que caíram sobre Teixeira Pinto, acusado de muita coisa. Quem toma posições pró e contra Teixeira Pinto e as tropelias praticadas por Abdul Indjai esquece-se de que Abdul Indjai tudo pilhava, consentia em todos os saques, sequestros, roubos, era a sua forma de manter os seus homens de mão satisfeitos. Só que estes saques, sequestros, roubos abrangiam direta e indiretamente comerciantes que denunciaram a situação através da Liga Guineense, o governo pôs-lhe termo, mas os ressentimentos ficaram, Abdul pôs-se a jeito para o ajuste de contas.
No texto anterior iniciámos a descrição destas operações, continuamos a dar a palavra ao relato do tenente-coronel Miguéis:
“Abdul Indjai tendo tido conhecimento que uma força de 30 soldados tinha saído de Farim acompanhando géneros para o posto de Mansabá, mandou dizer ao comandante do posto que se ele precisava de 500 carregadores lhos forneceria imediatamente.
Como não fosse aceite a oferta, Abdul saiu com uma força armada mas pouco depois foi ter com o comandante do posto de Mansabá pedindo-lhe que deixasse ir um cabo europeu com o seu sobrinho Alburi ao encontro da sua gente para avisar que não atacassem a força do alferes Figueira. Este alferes chegou com a sua força a Mansabá sem ter sido atacado, apesar de ter encontrado no caminho bastantes jauras (homens de guerra armados). Reforçado o destacamento, Abdul tratou de isolar os Oincas do posto, para evitar que o comandante tivesse conhecimento do que fazia a sua gente, mas ele próprio fornecia lenha e água aos nossos soldados.

Em 29, seguiram de Farim para Mansabá 6 carregadores com géneros para a guarnição do posto, indo com eles o indígena Bacar Sedibe que ia ter com um seu irmão, ex-soldado que fazia o serviço de auxiliar.

Em 30, este indígena declarou ao comandante de Farim que tendo pernoitado numa tabanca de Bironca ali compareceram alguns jauras que pretendiam degolá-lo, conseguindo fugir depois de ter levado algumas espadeiradas.

Em 1 de agosto, constou ao Capitão Lima ter havido tiroteio entre a gente de Abdul e as forças de Mansabá. Jancó Dabó com os auxiliares segue em auxílio do posto e ao mesmo tempo segue uma força sobre o comando do Alferes Trindade, com 1 sargento, 3 praças europeias, 25 indígenas e 49 auxiliares. Acompanha esta força o Capitão Lima que ao chegar à povoação de Demba-Só lhe foi entregue por um Oinca uma carta em que se dizia “estamos cercados, temos Alferes Figueira ferido com certa gravidade, dois soldados feridos e um morto”. Chegado próximo de Mansabá pelas três horas, o Capitão Lima ouviu o tiroteio mas não lhe foi possível continuar a marcha porque os auxiliares se recusaram a acompanhar a coluna com receio de que o posto fizesse fogo contra eles.
Às 5-30 pôs-se a coluna em marcha para Mansabá sendo surpreendida por um tiroteio dos jauras que estavam emboscados ao longo da estrada de Lanfarim, cujo ataque foi repelido pela coluna e pelo posto.

Em 2, o Alferes Figueira faleceu pelas 4-30 horas e as colunas ocupando as quatro faces do posto fez fogo sobre os jauras. Dois auxiliares que saíram para buscar água foram feridos e por este motivo os auxiliares Mandingas, Oincas e Grumetes desanimaram. Os jauras atacaram a face leste do posto e pouco depois o Alferes Trindade, tendo derrubado o querentim onde eles se abrigavam, assim como cortado o milho, dirigia um ataque que tinha por objetivo destruir todos os abrigos impelindo os jauras contra a tabanca de guerra de Abdul.
Às 19 horas as povoações estavam em chamas e a coluna aproximava-se da tabanca de Abdul, quando se ouviu vivo tiroteio para os lados de Mansabá-Mansoa. Era o Alferes Alberto Soares que chegava com uma coluna de 277 homens e uma peça de 7 cm.

Na madrugada de 3 fizeram-se alguns tiros de canhão contra a tabanca de Abdul e logo a seguir veem-se duas bandeiras brancas, uma na tabanca de Abdul e outra na morança de Alburi Indjai. Cessado o fogo, dirigiu-se para o posto Alburi Indjai que vinha comunicar que Abdul Indjai se rendia com toda a sua gente que estava dentro da tabanca. Estando já a amarrar fechos de armas para delas fazer entrega. Pouco depois Abdul Indjai era preso.

Em 16 de agosto, a P.P. n.º 343 declara terminadas as operações no Oio, com a derrota das forças e a captura do ex régulo Abdul Indjai, levanta-se o estado de sítio na circunscrição de Farim e regiões dos comandos militares de Bissorã e Balantas. Nesse mesmo dia são extintos os comandos militares de S. Domingos, Papéis, Bissorã e Balantas.

Em 29 de agosto, por P.P. n.º 385 é demitido do posto de tenente das forças de 2.ª linha e de régulo da região do Oio Abdul Indjai. Assina esta portaria o Governador Henrique Alberto de Sousa Guerra. Mais tarde este homem é deportado para Moçambique, tendo ficado em Cabo Verde, onde faleceu.
Deste modo termina a vida do herói que nas campanhas de Bissau, comandando os seus soldados, empregou com excelentes resultados o fogo por descargas, cujos efeitos ele bem conhecia. Durante a rebelião nunca foi visto a comandar um único homem nem tão-pouco a sua gente fazer uso dessa espécie de fogo”
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Recorda-se ao leitor que o Tenente-Coronel Miguéis procedeu a um levantamento relacionado com as campanhas de pacificação, por determinação do Governador Velez Caroço, é um documento de leitura obrigatória e que encerrará, estou em crer, o relato mais detalhado das operações que levaram à prisão de Abdul Indjai. O mistério das acusações sobre Teixeira Pinto em estreita conexão com as práticas de pirataria atribuídas a Abdul Indjai carece de estudo e estranho é que a historiografia portuguesa não procure uma explicação documentada não só por se tratar do herói da pacificação mas por poder envolver razões fundamentadas por parte de quem foi esbulhado pelos homens de guerra de Abdul Indjai.

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22562: Historiografia da presença portuguesa em África (281): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (2) (Mário Beja Santos)