segunda-feira, 18 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23178: Notas de leitura (1438): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Amílcar Correia é Diretor-Adjunto do Público e responsável pela sua edição online. "A Balada do Níger e Outras Estórias de África" é o seu primeiro livro. O mínimo que se pode dizer é que é uma reportagem empolgante, partiu bem preparado e disponível para confirmar com os olhos as impressões que passou à escrita. Rumou em primeiro lugar para Tombuctu e não esqueceu o que havia subjacente ao projeto henriquino, entrar em contacto com outras gentes. Recorde-se que nas primeiras navegações fizeram-se apostas erradas dos lugares onde aportaram, imaginaram o Nilo, a Etiópia menor, iam espicaçados com o sonho de atingir a Rota do Ouro, aquele mesmo ouro que chegava ao Norte de África, uma das razões pelas quais possuíamos fortalezas que só foram abandonadas no reinado de D. João III. De Tombuctu, Amílcar Correia viaja para a Mauritânia, lugar do vastíssimo Sara. Ele não o diz, mas dali vieram e vêm os comerciantes influentes dos mercados guineenses, as lojas dos mauritanos, como soe dizer-se. É uma viagem por África numa reportagem de grande qualidade, sob um olhar percuciente, culto, que nos captura desde a primeira página.

Um abraço do
Mário



Ali para as bandas da Guiné e um pouco por toda a África (1/4)

Beja Santos

“A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007, é um livro de cambanças, o jornalista e viajante começa por se pôr ao caminho em direção a Tombuctu, aproveita para refletir um pouco sobre a magia daquele lugar, que tanto empolgou os portugueses logo no século XV: “Até meados do século XI, enquanto o deserto era para a África mediterrânica um obstáculo tão temível quanto as terríveis tempestades do Atlântico, a região a sul do Sara era, para os europeus, uma terra habitada pelos monstros mais horríveis e as pessoas mais pavorosas. Alguns dos principais Estados islamizados em África (Mali, Songai ou Gana) desenvolveram-se nesta região, entre 800 e 1300, como consequência da inevitável ascensão muçulmana. O Império Mandinga do Mali, fundado por Sundiata (1230-1255), converteu-se ao Islão a partir do século XIII, mas os Árabes conheceram melhor Mansa Mussa (1307-1332). Numa peregrinação a Meca com 60 mil criados e escravos, Mansa Mussa distribuiu tanto ouro que fez baixar em 10% a sua cotação nos mercados do Cairo. Mas ninguém terá contribuído tanto para que a cidade de Tombuctu, onde, no regresso, mandou erigir uma mesquita, a maior da cidade, fosse celebrizada como o El Dorado do deserto”. Amílcar Correia não esquece João Fernandes que terá partido de Lisboa em 1443 ou 1444, numa das duas caravelas da expedição de Antão Gonçalves, com destino à costa ocidental africana. Foi recebido pelos Azenegues, viajou de camelo e sob a orientação do vento e do voo das aves.

Muitos meses depois foi encontrado na costa. Zurara garante que os Árabes choraram quando João Fernandes embarcou. Não se sabe se Fernandes chegou a Tombuctu. Ao longo dos séculos outros ocidentais procuraram esse ponto mágico. Robert Adams, depois de muitas peripécias, escreveu um livro referindo-se a Tombuctu como uma cidade aborrecida, suja e nada atrativa. A veracidade do seu testemunho continua a ser posta em causa. Ibn Batuta, um reputadíssimo geógrafo e viajante árabe, protegido por Leão X, visitara e descrevera Tombuctu: “Trazemos para esta cidade livros escritos à mão que se vendem muito bem, de tal forma que obtemos mais lucros do que com qualquer outra mercadoria que possamos vender”. Suspeitava-se que Tombuctu albergava tesouros infinitos, muitos procuraram atingir a cidade e Amílcar Correia dá-nos dessas peregrinações um magnífico relato. Como bom viajante, releva as coordenadas e não minimiza o poder da geografia: “No Mali, termina o deserto e começa a savana; termina o Norte de África e inicia-se a África transariana. Tombuctu é o ponto de encontro entre os agricultores da Savana e os nómadas do Sara, entre as pirogas e as caravanas de camelos, entre nomadismo e sedentarismo”.

E o viajante entra em Tombuctu e deixa-nos as suas impressões:
“As suas ruas de areia não conservam nenhum outro esplendor que não o do mistério que a celebrizou. São poucos os vestígios do passado glorioso da cidade interdita. O mistério não se vê nas ruas de Tombuctu; respira-se. Ameaçada pelo constante avanço das areias, a cidade é hoje habitada por 25 mil a 35 mil pessoas, quando, no século XVI, aqui residiam cerca de 100 mil, um quinto das quais estudava Direito e Teologia, ou não fosse este um local de concentração de universidades corânicas.
Em redor da mesquita de Djinguereber, trava-se o avanço das areias com pesadas lajes de cimento, deverão ser colocadas por todo o centro histórico. Ao lado da mesquita, uma criança retira areia do interior de casa com a ajuda de um prato. Tuaregues passeiam pelas ruas de turbante e túnica azul, olhos amendoados e artesanato em ‘prata tuaregue’ para vender.
Como em outras cidades africanas, as crianças pululam e pedem um cadeau. As moscas mordem a carne nos talhos de rua, as t-shirts das crianças imitam as ramificações do Níger, as mulheres povoam os seus mercados com frutas, legumes ou peixe ressequido, os pneus esventrados e o lixo acumulam-se em certas ruas e a poeira é uma constante diária. A pobreza é evidente. O esplendor de há cinco séculos não. Terá de ser encontrado nas portas de influência marroquina, na paisagem de tetos lisos, nas suas casas feitas em banco ou calcário, nas suas bibliotecas com milhares de manuscritos em árabe.
É natural que Tombuctu desiluda quem transporta mitos e desconhecimento sobre a sua história e o seu mistério. A sua nova imagem realista e triste não substitui, porém, a sua antiga. Tombuctu conserva uma aura de mistério e de inacessibilidade.”


E o viajante segue para a Mauritânia, chega à capital deste país despovoado e coberto de areia, Nouakchott. Dá-nos conta das suas observações locais: “O número de nómadas que cruzam os desertos deste país com o dobro do tamanho da França tem vindo a diminuir. A seca, a desflorestação e a força centrífuga do Sara têm arrastado as populações do deserto para as cidades. Atualmente, a percentagem de nómadas não atinge os 10% da população, ao passo que, na década de 1960, ultrapassava os 80%. Praticamente um terço dos 3 milhões de habitantes da Mauritânia habita em Nouakchott”. Fala de cidades, de gafanhotos que esbarram no jipe, de uma importante cordilheira e não esquece um cientista que percorreu cuidadosamente a região: “Théodore Monod, o turista mais antigo do país, passou mais de setenta anos a percorrer a pé e de camelo o deserto do Sara. Diz a lenda que Monod, com 98 anos, repartia o seu tempo entre o deserto, o Museu de História Natural de Paris e os seus escritos, que abordavam arqueologia, flora, fauna, geologia e o modo de vida dos habitantes do Sara. A travessia do deserto era, para Monod, uma espécie de busca do Santo Graal. Entre ser pastor protestante e naturalista, optou pela segunda hipótese. Começou, em 1922, por estudar a fauna marinha do país e lançou-se, posteriormente, na sua primeira travessia da Mauritânia Ocidental. Para o naturalista, o deserto ‘é uma escola que nos obriga a deitar fora a quinquilharia dos pensamentos, a fortalecer-nos’. Em suma, diz Monod, ‘o deserto não é complacente. Ele esculpe a alma e escurece o corpo’.

Segue para Chinguetti, velha cidade da Mauritânia, a sétima cidade santa do Islão sunita e antiga capital muçulmana. Aqui terá nascido a primeira biblioteca do mundo islâmico. Os velhos manuscritos destas bibliotecas foram considerados Património da Humanidade em 1989. Por ali anda Amílcar Correia, e deixa uma nota final: “Como o país só se passou a chamar Mauritânia no princípio do século XX, houve tempos em que o nome da cidade se confundia com o nome de uma enorme região. Daí se ter usado, durante muito tempo, e há ainda quem o faça com um gozo evidente, a expressão país de Chinguetti. Para quem vive no meio do vazio e longe dessa capital do deserto que é Nouakchott, a expressão adquire uma descarada ironia. Em Chinguetti, a neve de areia tudo cobre e não há limpa-areias que impeça o Sara de crescer”.

(continua)


A ler no telhado da Mesquita de Djinguereber, Tombuctu
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23171: Notas de leitura (1437): "Os Forjanenses e a Guerra Colonial", organização de Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá; edição da Junta de Freguesia de Forjães, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23177: Humor de caserna (50): "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!": um documento do "Gasparinho" que ainda hoje nos suscita um sorriso amargo (António J. Pereira da Costa, cor art ref)



Guiné > Região do Oio > Nhamate > CART 3330 > 1971 > Uma peça de antologia do humor negro... castrense: "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!"  ...


1. Este documento foi-nos oportunamente remetido pelo António J. Pereira da Costa, cor art e membro da nossa Tabanca Grande, com a seguinte informação (*):

(...) Aqui vai uma nota escrita pelo célebre major Gaspar que inventou aquela expressão que ainda hoje usamos: Siga a Marinha!

In Os Anos de Guerra: 1961 - 1975: Os portugueses em África: Crónica Ficção e História. Organização de João de Melo - II Volume. S/l: Círculo de Leitores 1988. 190 (documento reproduzido com a devida vénia...).

Leiam-na com atenção e vejam se ela não é um tratado de logística da Guerra Colonial. É de um humor amargo, mas era a verdade. (...)


2. Fixação e revisão de texto, da responsabilidade do editor LG, de modo a tornar mais legível o conteúdo da mensagem:


Ministério do Exército | Comando Territorial Independente da Guiné

Mensagem nº 125/71 [classificada como Confidencial, Urgente), enviada pelo Comandante da CART 3330, SPM 6928, Cap Art José Joaquim Vilares Gaspar, dirigida ao Comandante da Engenharia, com conhecimento a CAOP1, RepOper/Com-Chefe, RepPop/Com-Chefe, RecAcap/Com-Chefe, e BCAÇ 2928. Entrada na Secretaria do Batalhão de Engenharia, nº 306, em 22/3/71.

Nhamate, 18 de Março de 1971.

Assunto - Quartel em Nhamate (ou mais propriamente abarracamento)

1. Exponho a V. Excia um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana de NHAMATE [, a leste de Binar: vd. carta de Bula].

2. Passo a descriminar [sic, em vez de discriminar]:

a) DEPÓSITO DE GÉNEROS

Quando chover fico sem pão pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável. Informo V. Excia que não como pão. Gordo estou eu.

E os outros géneros ? E os autos subsequentes ? Só problemas.

b) CASERNAS: 

Barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes. Na Birmânia, viveu-se assim 1 ou 2 meses. Os quadros vivem-no há 10 anos. E os milicianos (os meus, de certeza) “dão o litro” até ao fim. Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar, na medida do possível.

c) CANTINA: 

E o tabaco ? Desde Napoleão e Fredy [diminuitivo de Frederico] da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército. Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho ? E outros géneros ? V.Excia, mais experiente, meditará sobre o assunto.

d) CASERNA DE CIMENTO: 

Único exemplar. Vou demoli-lo. Não tenho materiais. Solicito auxílio Engenharia.

e) MESS [sic, em vez de Messe]: 

Desde o início das chuvas desnecessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas. Ponchos e gabardinas já temos.

f) CHAPAS DE ZINCO: 

Ao mínimo vento já voam no Quartel.

g) GABINETE D COMANDANTE E 1º SARGENTO: 

Com as chuvas eu e o 1º Sargento só temos a solução de entrar de escafandro, visto estar a 2 metros abaixo da superfície do solo.

h) O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. CONCLUSÃO: SIGA A MARINHA!


3. Este quartel tem se ser revisto por um Oficial de Eng[enharia], senão começo a construir um novo com os materiais dos REORD[ENAMENTOS], contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

4. Agradecendo a boa atenção de V. Excia., gostaria de aqui ter como convidado um Senhor Oficial de Eng[enharia] a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supras.

Cumprimentos,

O Comandante,
José Joaquim Vilares Gaspar, Cap Art



3. Comentário do editor LG:

Reproduzo, no essencial, o que escrevi na altura, há cerca de 14 nos atrás.

Repare-se no circuito da informação: uma simples mensagem, que devia ser de rotina, a pedir o apoio da Engenharia para se proceder a obras de reparação num aquartelamento  do interior (na realidade, um conjunto de barracos, como tantos outros), seguia para 6 (seis): o comandante do BENG 447,  com conhecimento a outras unidades,  incluindo três repartções do Com-Chefe!!!... 

Digam-me lá como se podia ganhar a guerra com tantos relés parasitas, porteiros, gate-keepers, típicos do disfuncionamento burocrático! ... 

De um exército em armas (que chegou aos 40 mil homens, no CTIG) quantos não haveria, do cabo ao sargento, do tenente ao coronel, com funções amanuenses, ligados à gestão da informação  e conhecimento?!

Milhares de homens, mangas de alpaca militares, escreviam notas como esta (seguramente menos geniais, divertidas, contundentes, demolidoras, corrosivas... como esta!), batiam-nas à máquina, expediam-nas, classificavam-nas, arquivavam-nas, retinham-nas, guardavam-nas na gaveta, analisavam-nas tardiamente, reencaminhavam-nas tarde e a más horas para o nível superior da hierarquia militar... 

Enfim, a maior parte das vezes estes homens não comunicavam devidamente, não recebiam resposta ou feedback positivo, continuavam perdidos e sós, nas Nhamates  e bu...rakos do mato da Guiné...

Pela primeira vez, em 2008, ouvi falar em Nhamate, na CART 3330 e no seu desconcertante e bravo comandante, o cap art Gaspar, tratado afetuosamente como "Gasparinhi"... 

Pergunta.se:

(i) será que a sorte dos homens que estavam em Nhamate melhorou ? 

(ii) será que nenhum morreu afogado na época das chuvas ? 

(iii) será que nunca lhes faltou o tabaquinho e a água de Lisboa

(iv) será que a Marinha seguiu mesmo ? 

(v) e o Gasparinho (que ternura de nome, posto pelos seus pares e usado pelos seus subordinados) não terá acabado na psiquiatria ? 

Sabemos hoje que acabou mesmo na psiquiatria e levou, ainda por cima,  dois anos de prisão disciplinar... Vejo que morreu cedo, coitado, em 1977... Um homem que tratava o Frederico da Prússia por Fredy merecia um estátua em Nhamate!

Tenho alguma relutância em classificar em poste na série Humor de Caserna... Embora ligeiro, soft, é o título que me acorreu primeiro... Mas podia ser outro qualquer, mais contundente, mais duro, mais agressivo, mais próximo do tempo e do lugar, algures na Guiné, longe do Vietname, como eu ironicamente costumava escrever, no tempo em que lá estive, em 1969/71.

4. Comentário adicional do António J. Pereira da Costa (*):

(...) Sobre este assunto quero acrescentar que não se tratava de uma situação de rotina, mas sim de um pedido para solução de um problema de instalações que se arrastava.

 Como podem ver,  o pedido era enviado às principais Repartições  do ComChefe que não estariam no circuito habitual para uma situação destas. Tratava-se, portanto, de fazer o "protesto" subir de tom para provocar a reacção de quem de direito. Sei que este desiderato foi atingido. 

Por mim considero este documento um verdadeiro tratado de logística, para além de uma prova de inteligêcia. (...)

26 de junho de 2008 às 23:07
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 26 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2986: Humor de caserna (5): Siga a Marinha para Nhamate, mais abarracamento que aquartelamento (António José Pereira da Costa)

domingo, 17 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23176: Efemérides (364): Tempo de recordar - Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 50 anos decorridos sobre a tragédia de Quirafo, 17 de Abril de 1972 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

A propósito da tragédia de Quirafo que ocorreu faz hoje exactamente 50 anos, transcrevemos, com a devida vénia ao nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), o texto por ele publicado na sua página do facebook:


Tempo de recordar

Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 1

Cumpre-se hoje, 17/04/2022, exatamente meio século sobre o dia mais triste da minha vida. Foi no leste da Guiné, numa manhã de sol inclemente, num sítio chamado Quirafo. Éramos vinte, em duas viaturas. Uma emboscada. Um numeroso grupo inimigo que nos metralha com canhões, lança-rockets e metralhadoras. Num minuto, pouco mais, morrem-nos doze homens e seis ficam feridos, alguns dos quais com muita gravidade. Na noite que se segue à tragédia, puxo do meu bloco de notas e escrevo:
Vinte e duas horas. Do dia mais triste da minha vida. Aqui, na desoladora messe de oficiais e sargentos, apenas eu. Nem o responsável pelo bar ficou. Todos recolheram à solidão dos abrigos, possivelmente para meditar. Lá fora, um silêncio de morte. Um silêncio estranho e sepulcral, de que faz parte este maldito e cadenciado martelar que tende a rebentar-me os tímpanos e o sistema nervoso. Já o não suporto mais. Corro para a porta, a fechá-la. E não posso evitar um fugidio olhar. Um fugidio olhar suficiente para que sinta o coração esfrangalhar-se-me e este terrível nó seco na garganta, que me comprime a alma: o cangalheiro, rodeado de urnas por todo o lado, trabalha. Sereno. Indiferente.

Aturdido, encosto a porta com todo o cuidado e venho de novo sentar-me. Sinto-me cansado. Abatido. Gostava de fechar os olhos e adormecer. Mas, não consigo. A certa altura, parece-me ouvir um assobiar baixinho… Mas, o que é isto?!... Apuro o ouvido, e não, não é. Parece mais alguém que trauteia qualquer coisa, uma cantilena qualquer… Volto a correr para a porta, agora intrigado e enraivecido.

Nada. Só o silêncio. E o cangalheiro. Que prossegue no seu trabalho, taque-taque, taque-taque. Com a mesma serenidade. A mesma indiferença.

E o sentimento de revolta apodera-se de mim com mais intensidade. Sinto vontade de lhe cair em cima. De o agredir. De lhe dar dois socos.

Mas, contenho-me. Volto covardemente para o meu canto, como um cão lazarento com o rabo entre as pernas, e ponho-me a pensar. A tentar refletir sobre o que se passa comigo e com a cena macabra que me envolve. E vêm-me à cabeça as lágrimas, os abraços e os lenços brancos das despedidas em Lisboa, lá no cais das não sei quantas. Meu Deus, e os pais?!... Que será dos pobres pais, coitados, quando souberem da triste nova?!... Eles que, cada dia, antes da deita, caem de joelhos aos pés do Cristo, da Virgem, do Anjo da Guarda e de todos os santos protetores e mais alguns, a pedirem a salvação dos seus filhinhos?!... Era tão bom, tão alegre, tão cheio de vida…

É isso que vos espera, camaradas, lá no outro lado do mundo: o choro, o lamento, a recordação.

E nós, por cá… Nós, por cá, todos bem graças a Deus. Beijinhos para os manos, tios e priminhos. Cumprimentos aos vizinhos e amigos. Adeus, até ao meu regresso.

Saltinho, 17 de Abril de 1972
Mário Migueis


"António Ferreira", 1.º Cabo TRMS, morto durante a emboscado do Quirafo
Homenagem do nosso camarada Mário Migueis
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Todos os direitos reservados





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... 
Foram utilizados LGFog e Canhão s/r. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda era visível, em Fevereiro de 2005, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23038: Efemérides (363): Há meio século, nestes dias 26 e 27 de Fevereiro, sábado e domingo, foi levada a cabo a Operação Juventude V na zona Caboiana/Churo (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Cmd, 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

Guiné 61/74 - P23175: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXII: Paris, França, 1966 e 1994




Paris, 1994 (a primeira foto de cima; as restantes, s/d)



Paris, França, 1966 e 1994

por António Graça de Abreu (*)




[ (i) Docente universitário reformado,  escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); 

(ii) natural do Porto, vive em Cascais; 

(iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); 

(iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; 

(v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 308 referências no blogue;

(vi)  texto e fotos enviados em 15/4/2022 ]






Aquele que contempla as profundezas de Paris é tomado pela vertigem. 
Nada é mais fantástico. Nada é mais trágico. Nada é mais sublime.

Victor Hugo



Novembro de 1966. A lenta viagem, quase dois dias desde Lisboa, não no Sud-Express mas no barato, ronceiro, suado e menos bem frequentado -- a começar por mim --, comboio dos emigrantes. 

Tenho dezoito anos, parto para Paris, depois para as alemanhas. O desconforto nos tabiques gastos da carruagem, encostado aos companheiros de jornada, misturado com o meu povo pobre que rejeita mastigar a fome e, quase expulso da sua terra, parte para franças e araganças, em busca de francos e de marcos.

Chego a Paris, Austerlitz. A pequena mala de mão, o mapa da cidade, os pezinhos ao caminho, Rive Gauche, Quartier Latin, Rue Montarparnasse, Hotel du Ponant, 6º. Andar, quarto 29.

 O Urbano Tavares Rodrigues, meu professor, deu-me indicação do alojamento e carta de recomendação para o escritor e jornalista Jorge Reis.

Fixar-me-ei um dia nesta cidade? Talvez. Distante das guerras de África que grassam em Portugal. Com uma francesa linda a tomar conta de mim, a orientar-me os passos, a levar-me pela mão, a inundar-me de prazeres gauleses e universais.

Duas menos vinte da noite. Deitado na cama fofa do hotel, escrevo sobre os primeiros dias em Paris. Cidade bonita, menos luz e menos contos de fada do que havia imaginado. Uma semana a andar por aqui, por acolá, a passear, quilómetros e quilómetros a pé, meio inebriado pelos vapores da capital francesa, respirando a primeira radical mudança de vida. 

Do 2º. andar da Torre Eiffel eu olhava a Paris imensa e interrogava-me se não era tudo um grande sonho. Pisei os cais do Sena, desci os Campos Elísios, avancei pelo museu do Louvre, o espanto diante do sorriso misterioso da difusa Monalisa, perambulei pelas galerias de pintura com as magias de Vermeer, Giotto, Rafael, Rembrant, Ingres.

Nas décadas vindouras, retalhado pelo mundo, com menos surpresa, regressei mais quatro ou cinco vezes a Paris. Em 1994 com a mulher e os filhos pequeninos, para a Disneylândia e o mundo.

Em Notre Dame, ilha de la Cité, revenciar Deus, o apogeu dos vitrais, a pedra gótica flamejando por absides, abóbadas e coruchéus. Perto, na Sainte-Chapelle, outra vez a maravilha, os tons de azul do esplendor dos vitrais e a relíquia mais sagrada, a coroa de espinhos de Jesus Cristo recamada a ouro.

No museu de Orsay, outra vez o espanto diante de Renoir, Gaugin, Cézanne, Van Gogh, Matisse, Manet. No Museu Guimet, sete mil anos de História e arte chinesa, no museu Cernuschi, mais China clássica e antiga, nas livrarias do Quartier Latin, montanhas de livros raros sobre o mundo chinês.

Os pintores de ocasião em Montmartre, Place de Têtre, depois Pigalle, a vida louca das noites, cansado das caminhadas adormecer num hotelzinho, acenando para o can-can do Moulin Rouge. Champs Élysées, em busca do palacete 202 , residência aborrecida do Jacinto, de A Cidade e as Serras, a fantasia do nosso Eça. Aqui por perto, para os lados do Arco do Triunfo, decapitaram na guilhotina Luis XVI e Maria Antonieta.

Recordo palavras do norte-americano Ernest Hemingway: “Se temos a sorte de viver em Paris quando jovens, não importa onde se possa viver depois. Paris é uma festa.”

Pela festa, tudo vale a pena, a mão acariciando, ao de leve, as águas do Sena.

António Graça de Abreu
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 5 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23143: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXI: Itália, Florença, 2015

sábado, 16 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23174: Os nossos seres, saberes e lazeres (501): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (46): Trancoso é muito mais do que o seu núcleo histórico (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Janeiro de 2022

Queridos amigos,
É hora da despedida, deambula-se à volta das muralhas, espreitam-se portas e postigos, entra-se no núcleo histórico, revê-se património já conhecido, insatisfeito fico com a incursão, na verdade Trancoso merece visita mais cuidada e tem nos arrabaldes motivos para itinerância maior, basta pensar no Campo Militar da Batalha de Trancoso e Moreira de Rei. Só nos fica a consolação do que o que não se vê no inverno aguçar o apetite para vir no verão. Oxalá tal aconteça.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (46):
Trancoso é muito mais do que o seu núcleo histórico


Mário Beja Santos

Convém advertir o leitor que o programa das Aldeias Históricas de Portugal fala de Trancoso com o seu núcleo dentro das muralhas, releva esse belo espaço chamado o Campo da Feira (foi ali que se fez a apresentação do livro que aqui me trouxe, um belo espaço conventual recuperado, ali perto faz-se a feira, surpreendeu-me ver no chão uma quantidade impressionante de pilhas abandonadas a envenenar os solos, que negligência ambiental tão violenta); destaca também o campo militar da batalha de Trancoso, tem a ver com os acontecimentos de 29 de maio de 1395, castelhanos rechaçados, há o riquíssimo património de Moreira de Rei e as paisagens envolventes de Trancoso. Itinerância para outro dia, ou mais dias. Vamos completar o festim, temos pela frente a Casa do Bandarra, é um espaço que recorda alguém de nome Gonçalo Anes, o sapateiro, talvez visionário e talvez profeta, de quem pouco se sabe e muito se especula, deixou premonições e trovas onde alude à vinda do Messias, ao sebastianismo e ao Quinto Império, daí a sua importância na cultura portuguesa. Esta casa abriu portas recentemente, em 2017. E segundo a brochura oferecida ao visitante, “pretende ser um espaço capaz de transmitir ao visitante alguns dados biográficos relevantes, caracterizado por Fernando Pessoa como sendo não português, mas Portugal. Neste Centro Interpretativo será possível encontrar várias aplicações multimédia e surpresas, uma curta-metragem sobre a vida e a obra de Bandarra e, ainda, um documentário acerca das reminiscências antropológicas e sociais recolhidas a partir da sabedoria popular”. Visita-se com imenso agrado.
Bem perto da casa do Bandarra dei com algumas inscrições atribuídas a judeus convertidos, os cristãos-novos, principais vítimas da Inquisição, estão ali bem perto do Centro de Interpretação Isaac Cardoso, para quem gosta de estudar o judaísmo em Portugal tem aqui provavelmente uma esclarecedora viagem guiada de um mundo de sofrimento e esperança, de crença inabalável gravada nas pedras, mesmo com o risco de ser assado nas fogueiras.
Pormenor do Centro Interpretativo Isaac Cardoso, projeto do atelier de Gonçalo Byrne
Estas muralhas de Trancoso dão muito que falar. Já se fez referência aos sucessivos restauros e aditamentos, as últimas e bastantes importantes benfeitorias concluíram-se em 1940, há fotografias da época que mostram os casebres que entram os séculos XVIII e XIX se tinham construído, foram então demolidas e há também notícia que em 1933 se tinham colocado a meias na fortaleza. Porque castelo e muralhas são o prato substância do centro histórico, com 15 torres e cubelos, 4 portas e 3 postigos. Ao longo do tempo fizeram-se uns retalhos nas muralhas, que é o que se procura aqui mostrar, hoje seria impensável, não parariam as manifestações, ninguém aceitaria esfaquear aquelas que são talvez as mais impressionantes muralhas de castelo em Portugal.
Outro pormenor da muralha, destaca a sua monumentalidade
O Boeirinho é um postigo aberto nas muralhas, perto das Portas do Prado, tem cerca de 1,5 m de altura. Como as portas da vila fechavam ao anoitecer, este postigo servia para os retardatários. Em 1916, a autarquia pretendeu prolongar a rua do Boeirinho, rasgando a muralha naquele sítio, e pediu autorização ao Ministério da Guerra. O povo não aceitou, o escritor Antero de Figueiredo veio em defesa do curioso e pequeno postigo, enfatizou que esta porta era um documento único na defesa da vila. Enfim, a ideia de o taparem não foi por diante. Há também o Olhinho do Sol e outras portas, são aberturas nas muralhas exteriores de forma a proporcionarem o acesso dos moradores aos terrenos agrícolas.
Outra perspetiva do Boeirinho
Esta é a fachada do chamado Palácio Ducal, trata-se de um palacete que pertenceu, por casamento à Duquesa de Pozen, filha do herdeiro do trono da Polónia. Sobre a varanda central ostenta o bração da família, cujo titular mais importante foi o fidalgo D. António da Costa Coutinho Lopes Tavares e Ornelas. Prevê-se para breve a construção do Museu de Trancoso neste espaço.
É pena, está na hora de partir, vou amesendar-me em Rio de Mel, daqui seguirei para a região da Lourinhã, despeço-me com mágoa, bem gostaria de ter ido a necrópole de Moreira de Rei, ver com mais cuidado as Portas do Prado e da Traição e tanta coisa mais. Fica-me a quase segurança de qualquer dia regresso e que Trancoso me dará o seu xi coração. Sem reservas, até à próxima.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23155: Os nossos seres, saberes e lazeres (500): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (45): Trancoso castelo e muralhas, uma manhã de neblina, a presença judaica (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23173: Humor de caserna (49): Mensagem, de 13/3/1971, enviado pelo Cap Art Gaspar, cmdt da CART 3330, à Manutenção Militar, c/c ACAP, Com-Chefe, CAOP1 e BCAÇ 2928: "Maior respeito boa vontade Vexa. Verifico todo peixe estragado, ovos com pintos, etc. Ir buscar estes implica risco vida. Ou monto aviário ou entre acordo. Pronto colaborar todo sacrifício. Estou com o pessoal destruído moralmente. Julgo compreendeu." (Ernestino Caniço)

 


88/C/71

Maior respeito boa vontade Vexa. Verifico todo peixe estragado,  ovos com pintos, etc. Ir buscar estes implica risco vida. Ou monto aviário ou entre acordo. Pronto colaborar todo sacrifício. Estou com o pessoal destruído moralmente. Julgo compreendeu. Cap Gaspar


Foto (e legenda): © Ernestino Caniço (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. M
ensagem do nosso camarada Ernestino Caniço:

 (i) ex-Alf Mil Cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/dez 1971;

(ii) hoje médico, aos  77 anos teima em continuar ao serviço dos outros,  de acordo com o seu juramento hipocrático; 

(iii) vive em Tomar, estando reformado do SNS ]


Data: 15 abril 2022 17:25  

Assunto - Major Gaspar

Caros amigos:

Votos de ótima Páscoa.

Face ao citado humor do Major Gaspar (*), ocorreu-me enviar-vos um excerto de uma mensagem dirigida pelo então  Cap Gaspar à Manutenção Militar, em 13mar1971, enquanto Cmdt da CART 3330.

A referida mensagem foi enviada com conhecimento à ACAP (Assuntos Civis e Acção Psicológica), COMCHEFE, CAOP1 e BCAÇ 2928.

Sendo um fragmento de um documento original, aquilatareis vós do seu interesse.

Um abraço,

Ernestino Caniço

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sexta-feira, 15 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23172: Em busca de... (317): Camaradas de armas de João Carvalheiro, falecido há cerca de 2 anos no Porto e que pertenceu à 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4512/72 (Cuntima, 1973/74). Procura a sua sobrinha, Sílvia Zayas Serra

1. Através do Formulário de Contacto do Blogguer, recebemos em 12 de Abril de 2022 esta mensagem de Sílvia Zayas Serra, uma nossa leitora, sobrinha do nosso camarada João Carvalheiro, recentemente falecido:

Boa tarde:
Sou artista e sobrinha do João Carvalheiro que faleceu no Porto há dois anos. Ele era furriel de minas e armadilhas. Na minha memória estão as histórias que o meu tio contava sobre Guiné, e Maria Turra, gostava de falar com alguém que o tenha conhecido ou estado com ele em algum momento lá na Guiné. Esteve na tropa, penso que de 72 a 74 mais ou menos.

No meu doutoramento e algumas das peças artisticas e filmes, trabalho com memória, também por perceber como segunda geração o imaginário que formaram estas experiéncias e sobretudo por um desejo muito emocional de perceber.

Agradecia alguém com quem falar. Muito obrigada pelo blogue e a recuperação de documentos!
Sou nascida em Espanha e por isso o meu português às vezes pode parecer esquisito...

Cumprimentos
Silvia Zayas Serra


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2. Mensagem de 13 de Abril, do nosso Blogue enviado à Silvía:

Cara Sílvia
Muito obrigado pelo seu contacto.
Com os elementos que nos mandou vai ser muito difícil obter notícias de seu tio.
Não consegue saber em que companhia foi ele integrado para a Guiné? Data de ida e regresso? Locais onde esteve?

Ficamos a aguardar mais elementos.

Cumprimentos
Ao dispor
Carlos Vinhal


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3. Mensagem da Sílvia com data de 14 de Abril:

Caro Carlos:
Muito obrigada pela resposta.
Tenho estado toda a manhã a rever as cassettes onde há anos o filmei a falar, para ver se encontro mais dados.
Escrevo aqui o que consegui pesquisar:
Pelos vistos esteve de 72 a setembro de 74 na tropa, foi para a zona de Farim.
Como lhe dizia era furriel de minas e armadilhas.
Assentou praça no quartel das Caldas da Rainha.
Foi para Guiné em dezembro de 72 ou 73 (na data ele contradiz-se). Depois de chegar e do treino operacional em Bissau, foi para um quartel no sector de Farim, em Contima.
Farim era a sede do Batalhão. Tinham uma enfermaria com furriel enfermeiro e dois cabos enfermeiros, onde vinham individuos do Senegal buscar medicamentos.
Fala do Corredor de Lamel como se fosse perto.
Tinham um motorista ao que chamavam Cabito.
Depois viveu no Porto e trabalhou no sector audiovisual do ICBAS (instituto de Ciencias Biomédicas Abel Salazar)

Oxalá isto sirva, mando cumprimentos e muito boa Páscoa para si.
Silvia


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4. Mensagem no mesmo dia enviada à nossa amiga Sílvia:

Boa tarde Sílvia
A partir dos novos elementos que me mandou, presumo que o meu camarada João Carvalheiro terá ido para a Guiné em 6 de Dezembeo de 1972, integrado na 3.ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4512/72.
A 3.ª Companhia esteve colocada em Cuntima entre 8 de Fevereiro de 1973 e 24 de Agosto de 1974. Cuntima era muito próximo de Farim onde estava instalada a CCS do Batalhão e parte da 1.ª Companhia.
O Batalhão regressou a Portugal em três vôos dos Transportes Aéreos Militares nos dias 28; 29 e 30 de Agosto.

Dá-se uma coincidência um bocado desoladora. Um Batalhão é composto por CCS; 1.ª; 2.ª e 3.ª Companhias. Temos no Blogue malta da CCS; 1.ª e 2.ª Companhias. Da 3.ª, a que pertenceu o tio, ninguém.

Vou publicar as nossas mensagens para ver se alguém do BCAÇ 4512/72 o conheceu ou se lembra dele. Isto partindo princípio que o que eu pesquisei está correcto. Se tivesse por aí uma foto dele do tempo da Guiné seria uma boa ajuda.
Outra coisa. Temos um camarada da Guiné, ex-Alferes Miliciano Médico, o Prof. Amaral Bernardo, que foi professor no ICBAS. Ter-se-ão cruzado no Instituto? Não são contemporâneos na Guiné.

Continuo por aqui.
Vou enviar noutra mensagem uns anexos com o emblema do Batalhão e a digitalização da Identificação e síntese da Actividade Operacional do Batalhão.

Boa Páscoa para a Sílvia e demais familiares.
Carlos


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5. Mensagem da nossa "sobrinha" Sílvia também de 14 de Abril:

Carlos:
Muito obrigada por todo o esforço e trabalho de pesquisa, está a ser muito amável e muito útil! Obrigada também pelo anexo!
Passo a anexar umas fotos. Espero que haja sorte e encontremos algum colega dessa altura!
Penso que de certeza que o Professor Amaral Bernardo e ele se conheceram.

Por enquanto mais nada, muitíssimo obrigada novamente e continuação de Boa Páscoa
Silvia


João Carvalheiro, ex-Furriel Miliciano Atirador de Infantaria e Minas e Armadilhas
3.ª CCAÇ/BCAÇ 4512/72, Cutima, 1973/74

Digitalização das páginas referentes ao BCAÇ 4512/72 - Fichas das Unidades - Guiné
Com a devida vénia ao Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974)

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6. Nota do editor CV:

Apela-se aos camaradas da tertúlia e leitores em geral, do BCAÇ 4512/72, que embora não sendo da 3.ª CCAÇ, e se lembrem do Fur Mil João Carvalheiro, nos enviem os elementos possíveis para satisfazer o propósito da nossa "sobrinha" Sílvia em conhecer camaradas do seu tio.

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22947: Em busca de... (316): Furriel Silva que em 1973 deu escolinha aos meninos de Chugué. Procura-o o cidadão guinnense, radicado em Itália, Vasco Na Nena que lhe quer prestar o seu reconhecimento. Ponto da situação (Carlos Silva, Cor Tir na Reforma)

Guiné 61/74 - P23171: Notas de leitura (1437): "Os Forjanenses e a Guerra Colonial", organização de Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá; edição da Junta de Freguesia de Forjães, 2018 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
A saga destes forjanenses merece a nossa atenção. Não é a primeira vez que uma Junta de Freguesia estende a mão aos antigos combatentes. No caso vertente, o Coronel Coutinho de Almeida contou com um credenciado publicista, Carlos Gomes de Sá, e lançaram-se nesta empreitada na recolha dos testemunhos, o resultado é um sucesso, vem sempre ao de cima o sentido da identidade local, onde quer que o militar chegue pergunta se há gente de Esposende ou Viana, por exemplo. São testemunhos comedidos, nada de jactâncias, vaidadezinhas ou azedumes que ficaram para o resto da vida. Todos deploram ao que a Guiné chegou e à inutilidade daquela guerra. E é profundamente comovente ver estes velhos combatentes nalguns casos abraçados às mulheres e até às suas mães. Uma edição exemplar que todas as autarquias deviam conhecer.

Um abraço do
Mário



Memórias insuperáveis, a historiografia as saiba escutar (2)

Beja Santos

É um belíssimo, inolvidável, trabalho de recolha junto de antigos combatentes ligados à freguesia de Forjães (concelho de Esposende), a organização pertence a Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá, a edição é da Junta de Freguesia de Forjães, 2018. Não conheço nada de tão tocante, tal é o vigor do testemunho entre os vínculos locais e, em inúmeros casos, uma saudade guineense que não secou. Como é evidente, os testemunhos recolhidos são amplos, estes forjanenses e suas famílias falam da Índia, da guerra de África mas também de São Tomé e Príncipe, Timor e outras paragens. O que aqui se regista, obviamente, circunscreve-se à Guiné, mas desde já se adverte o leitor que se sentirá gratificado com a leitura de todos estes testemunhos, esta memória é aparentemente regional, não haja ilusões, mas estamos lá todos nós.

Temos agora o soldado Carlos Alberto Maciel Martins Gomes, fez a sua comissão na Guiné entre 1968 e 1970. Os vínculos locais afloram imediatamente, acaba de chegar a Bissau e logo se estabelece uma identificação com a terra de onde vem, aparece um soldado que lhe diz: “Ó Meira, também estás por aqui? Era o Sr. Manuel Neiva, o homem da Marta da Porcena. Era marinheiro. Nós seguíamos para cima, para Bambadinca. Também vi o Armindo da Gena”. Seguiram para Contuboel e Sare Bacar, confessa que os meses iniciais foram muito difíceis, refere o desastre da jangada no Cheche, no início de fevereiro de 1969. É comedido nas suas considerações, de como viveu e se adaptou. Adorava jogar futebol, apelidavam-no por “Pedro Gomes”, o defesa lateral direito do Sporting. Ajudava na horta. Regressou e procurou arranjar trabalho em França. Inserção difícil, teve pesadelos, sonhava que ainda estava na guerra.

Carlos Alberto Brochado de Almeida foi furriel miliciano entre 1967 e 1969, ficou adstrito à CART 1661, cujo primeiro-comandante foi o arquiteto Luís Vassalo Rosa. Desembarcou e foi colocado em Porto Gole, onde se encontrava o Pelotão de Caçadores Nativos N.º 54, a que pertencia. “Embora integrado numa Companhia de Artilharia, o meu grupo era um Pelotão de Soldados Nativos comandados por um Alferes teoricamente auxiliado por três Furriéis. O Pelotão de Soldados Nativos era um grupo heterogéneo formado por Balantas, Fulas, Futa-Fulas, Mandingas e Papéis. Cristãos eram alguns dos Papéis oriundos da ilha de Bissau. Apesar da sua heterogeneidade, o pelotão era um grupo coeso onde não havia fronteiras de relacionamento entre brancos e nativos. O segredo desta boa relação alicerçou-se, basicamente, no nosso respeito pela cultura de cada etnia e no tratamento de igualdade que havia entre todos os membros”. Não esquece uma flagelação ao quartel numa noite de abril de 1968, 45 minutos de fogo infernal. Ao fim de 18 meses, o furriel Almeida foi transferido para o Quartel-General, trabalho de secretaria. “Foi ali, durante seis meses, que vi a outra face da guerra: a dos papéis, a das cunhas, a das contrapartidas, mas também a das noites dormidas sem a arma à cabeceira da cama”.

O soldado José Boucinha da Cruz, condutor auto, esteve na Guiné entre 1970 e 1972, colocado na CCS do Batalhão de Bissorã e temos mais uma história de vínculos locais: “Fora, fazíamos segurança às colunas que traziam os géneros de Mansoa, onde os íamos esperar. Cada vez que lá ia perguntava sempre se havia por lá militares de Esposende, Barcelos ou Viana. Foi assim que encontrei o Carlos do Rogério, que me apresentou o Guilherme Pimentel e que viria a casar com a sua prima Lúcia Torres. Noutra ocasião em Bissau, encontrei o Couto dos Santos, que estava na Marinha e que andava a estudar. Encontrei também o Baltazar Costa, que estava de férias em Bissau. Por lá também me cruzei com o falecido Ascânio, de Antas (que foi guarda-redes do Forjães) e com o filho do moleiro da Azenha do Grilo, de S. Paio”. Não sendo operacional, escasseava-lhe o tempo livre, tinha de fazer a limpeza do Depósito de Géneros. É tocante o final do seu depoimento: “Quando cheguei a casa, o meu pai não estava. Tinha ido a Barroselas com o Zé Matos para me ir esperar. Estava só a minha mãe e que alegria que ela sentiu quando entrei em casa. Quando o meu pai chegou, mandou deitar uns foguetes. Eu estava à mesa a comer e, quando começaram a rebentar, mandei-me para debaixo da mesa, ainda com a ideia dos ataques. Casei em 9 de Dezembro e dali a uma semana fui com a minha mulher a Santa Maria Adelaide oferecer o vestido de casamento, como promessa de eu ter voltado vivo da guerra. Em termos de camaradagem, vimos lá momentos muito bons. Vou sempre aos encontros anuais do meu batalhão 2927. E, de há seis anos para cá, em Forjães, eu e o Albino do Firmino organizamos, anualmente, o encontro dos combatentes da Guiné. Há uma missa cantada, uma romagem ao cemitério para depor um ramo de flores pelos que já faleceram. E nunca nos esquecemos de ir a Aldreu, deixar também um ramo de flores na campa do António Amorim Torres, que faleceu na Guiné”.

José Carlos Ribeiro da Fonseca faz a sua comissão de 1970 a 1972, é furriel miliciano, vagomestre, pertenceu à Companhia de Caçadores Nativos 15. De Bissau segue para Bolama, para o Centro de Instrução Militar, logo se pôs à procura de alguém de Esposende ou Viana. Encontrou o Fernando Macedo (Ferreiro), bem como o seu chefe, um natural de Carvoeiro, seu colega na escola em Viana. Foi integrado na Companhia Balanta. Em 3 de março de 1970, partem para Mansoa, ficam junto do BCAÇ 2885. Numa coluna, em Safim, encontrou-se com o Jorge Gomes. Construiu um bom relacionamento com o Capitão Mário Tomé. Em 27 de março tem o seu batismo de fogo, um ataque a Mansoa com misseis terra-terra. No fim de maio chega-lhe a notícia do nascimento da filha. Vê chegar a Mansoa o Joaquim Luís e o Ascânio, seu amigo de S. Paio de Antas. Vêm de férias e no regresso apercebe-se do endurecimento da luta, o alcatroamento de Mansabá a Farim foi trabalhoso. Assiste à rendição do Batalhão 2885 pelo Batalhão 3832. Refere o ataque de 9 de junho de 1971 a Bissau e os muitos confrontos em patrulhamentos dentro da zona de ação. Regressou a 28 de janeiro de 1972, diz não ter experimentado perturbações de ordem psíquica ou física, o que gostou foi o frio do inverno. “Mas o meu tempo após o regresso foi muito difícil no âmbito familiar, porque a minha filha, já com vinte meses, não me conhecia de lado algum, fugia a qualquer contato comigo e, embora a mãe tudo fizesse para explicar quem eu era, só reconhecia o avô materno com quem conviveu desde o nascimento”.


O Coronel Luís Gonzaga Coutinho de Almeida entre o autarca da Murtosa e um elemento da GNR
Mário Leitão, escritor limiano, que se associou a este empreendimento
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23159: Notas de leitura (1436): "Os Forjanenses e a Guerra Colonial", organização de Luís G. Coutinho de Almeida e Carlos M. Gomes de Sá; edição da Junta de Freguesia de Forjães, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23170: Humor de caserna (48): o major art José Joaquim Vilares Gaspar, o "Gasparinho", visto por Salgueiro Maia: loucura ou contestação do sistema?

1. Trancrição de um excerto do poste P3262 (*), da autoria do nosso saudoso amigo, Leopoldo Amado (1960-2021), historiador guineense,  vítima da pandemia de Covid-19:


(...) O exemplo mais sonante de loucura, traço muito comum à literatura de guerra colonial, é-nos dado por Salgueiro Maia, ao referir-se à caricata figura do major Gaspar, cuja irreverência abeirava-se da loucura, aliás, motivo pelo qual acabou ser hospitalizado:

(...) o major Gaspar vai comandar o CAOP 2 em Mansabá, onde, dando boa conta do recado, é solicitado para se deslocar a Bissau, à reunião semanal do Com-Chefe, onde deveria ser salientado o seu compor­tamento. Só que a coluna que, vinda de Farim, o devia transportar a Bissau nunca mais chegava. 

Farto de esperar, avança para Mansoa só com o condutor, percorrendo um itinerário onde eram frequentes as emboscadas, pois passava ao lado do Morés. À sua chegada a Mansoa, umas centenas de elementos da população agitam-se, pe­gando nas suas mercadorias com vista a ocupar lugar na coluna. Aí, o major Gaspar acha conveniente mandar parar o jipe. A população acerca-se e ele explica: 

«Meu povo, permaneçam mansos, porque a coluna ainda não vem aí, só vem o Gaspar.» 

Continua só em direcção a Bissau. Começa por visitar os seus amigos páras à entrada da cidade, depois o seu amigo director do Hospital Militar, os seus amigos comandos, etc. 

Entra em Bissau feliz e, desejando dar saída à sua alegria, descobre que o único sítio da Guiné onde havia uma peanha para um polícia dirigir o trânsito tinha um PSP guineense, que o major Gaspar considerou estar a fazer mal o seu trabalho. 

Fez parar o jipe ao lado da peanha e fez sair o polícia do sítio e, de pistola-metralhadora ao pescoço, o major Gaspar foi dirigir o trânsito. Lá, como noutros sítios, os condutores, apesar de na maioria serem militares, não eram obe­dientes, e assim o nosso amigo fartou-se de desobediências. Tanto, que atirou uma rajada por cima de uma camioneta da engenharia militar que não lhe obedeceu. 

Continuou em funções, mas surge mais uma camioneta, do Depósito de Adidos, que também não lhe obedece, e aí vai o resto do carregador. 

O Palácio do Governo, onde se encontrava o general Spínola, distava uns 400 m em linha recta, pelo que os disparos eram nítidos e originaram que a polícia do Exército fosse chamada ao local.

Postas perante a realidade, as entidades competentes determi­naram a baixa à neuropsiquiatria do major Gaspar. Mas alguns, suficientemente conhecedores da maneira de ser do «doente», con­seguiram autorização para o director do Hospital Militar conven­cer o major a descansar uns dias no Hospital, onde os amigos o visitaram com assiduidade, criando talvez o único período de ver­dadeiro descanso e convívio que este homem teve ao longo de vários anos de guerra e de guerras com o sistema. 

As histórias do major Gaspar foram para muitos combatentes o escape natural nas vicissitudes da vida em campanha; quem o conheceu guarda dele a imagem do lutador pela dignidade e pela justiça, a certeza de que a sua luta foi imortal (...) ”[19] )**)

[ Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Realce a amarelo, para  efeitos de publicação deste poste no blogue: LG]
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Nota do Leopoldo Amado:

[19] Maia, Salgueiro, O Acaso, In Capitão de Abril – Memórias da guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Editorial Notícias, pp. 56 e 57.
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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P23169: Parabéns a você (2055): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf da CCS/BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23157: Parabéns a você (2054): Jorge Picado, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1970/71); CMDT da CART 2732 (Mansabá, 1971) ; CAOP 1 (Teixeira Pinto, 1971/72)

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23168: Agenda cultural (807): Seminário Internacional de História Militar - "As Forças Armadas e a Guerra Colonial (1961-1974): Adaptações, Evoluções e Impactos", a levar a efeito no próximo dia 4 de Maio de 2022 na Amadora

SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA MILITAR DA ACADEMIA MILITAR

“AS FORÇAS ARMADAS E A GUERRA COLONIAL (1961-1974): ADAPTAÇÕES, EVOLUÇÕES E IMPACTOS”

Portugal, Amadora, 04 de Maio de 2022


A Academia Militar organiza e desenvolve o Seminário “As Forças Armadas e a Guerra Colonial (1961-1974): Adaptações, Evoluções e Impactos”, em maio de 2022, com o objetivo principal de promover a divulgação científica deste tema central da História de Portugal mais recente.

O Seminário pretende reunir investigadores, académicos, estudantes e outros interessados nesta área da História de Portugal, de forma a proporcionar uma oportunidade para a divulgação de estudos e o debate de ideias no domínio da História da Guerra Colonial.

O evento será organizado no âmbito de uma parceria que reúne as sinergias da Academia Militar e do ISCTE-IUL, tal como tem vindo a ser feito no âmbito do Doutoramento em História Defesa e Estudos de Segurança, com o envolvimento da Comissão Portuguesa de História Militar.

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23136: Agenda cultural (806): Salgueiro Maia - O Implicado, filme de Sérgio Graciano (Portugal, 2021, 1h 55m), a estrear nos cinemas no próximo dia 14

Guiné 61/74 - P23167: Humor de caserna (47): O Gasparinho, que eu... não conheci no BAC 1 / GA 7 (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; ex-comandante do 22º Pel Art, Fulacunda, 1969/70)

1. Comentário publicado na nossa página do Facebook, Tabanca Grande Luía Graça, pelo nosso camarada Domingos Robalo, com data de 11 de abril de 2022, 21h18;

Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70); nasceu em Castelo Branco, trabalhou na Lisnave, vive em Almada; tem 26 eferências no nosso blogue. 

[ Foto atual, à esquerda, Tabanca da Linha, Algés, 2019; foto de Manuel Resende].



Olá amigos, camaradas. 

Li os relatos do blogue (*) e algo não bate certo em termos de datas em relação ao major Gaspar. Irei confirmar, pois sou desse tempo na BAC1/GA7. 

Em março de 1969, estava eu colocado no RALIS, tendo como 2° Comandante o Coronel Ferreira da Silva. Já na altura não era militar de quem se gostasse. 

Em maio de 69 embarco para a Guiné, sendo mobilizado em rendição individual,  colocado ns BAC1, então comandada pelo capitão Moura S. 

Em novembro de 69 venho de férias e em Almada conversei casualmente com um anterior camarada do RALIS, que me informou da mobilização do Coronel Ferreira da Silva para comandar a BAC1, em vias de passar a GAC7, o que viria acontecer pouco tempo depois.

 Quando regressei de férias e me apresentei na unidade eu e o "novo comandante" já eramos conhecidos por termos tido alguns arrufos no RALIS. 

"Ó filho" era um termo muito do agrado deste militar. Um dia, o Sargento Canário do QP e encarregado das obras da unidade, já falecido, teve um caso com o " Ó filho" e foi de imediato recambiado para o mato. Disse o Coronel:  "Então Canário, as obras andam ou não andam? Resposta do Seiras,  sargento; "Meu comandante, como quer que as obras andem se não têm pernas ?". 

O Comandante não gostou do à vontade do "pobre Canário", que já teria mais de 50 anos de idade, eu era um puto com 21 anos. 

Ao tempo do capitão Moura S. era eu que participava na regulação de tiro em todos os PELART do TO juntamente com o capitão Viriato O. alternando com o capitão Fradique. O coronel, comandante da unidade resolveu ir fazer uma regulação de tiro a um PELART. Deu os elementos ao chefe de secção, furriel Monj.... fez-se a pontaria, tudo pronto?! Fogo...!!!

Granada pelo ar..., vai cair numa palhota amiga, vários feridos... Aqui deu- se a bronca. De quem foi a culpa? Dos dados mal calculados, mal introduzidos na BF ou deficiente comunicação? 

Levantou-se um auto que andou enrolado muito tempo até que chegaram mesmo a propor ao furriel que assumisse culpa e poder embarcar e passar à peluda. Só que este não aceitou porque entendeu não ter de assumir uma culpa que não sentia ter. 

Entretanto, o Coronel tinha dado baixa e regressou à Metrópole. Em maio de 71 sou desmobilizado e regresso com mais um louvor, desta feita dado pelo 2° Comandante, recém chegado de Piche, o major Mexia, já falecido. 

O major Gaspar será figura posterior à minha desmobilização. Do coronel, nunca mais ouvi referência, a não ser agora no blogue.

Os oficiais do QP, à data de maio de 71 eram ; major Mexia, capitães Viriato, Fradique, Pereira S, Evaristo e Lourenço, estes últimos da A.A. [Artilharia Anti-Aérea].

Mais estórias haveria, mas a prosa já vai longa. 

Abraço. Saudações artilheiras. Domingos Robalo.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 11 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23158: Humor de caserna (46): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte III (António J. Pereira da Costa / Luís Faria / José Afonso / José Borrego): (vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica; (vii) Mensagem-relâmpago: Quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado? (viii) Informo Vexa que Sexa passou na mecha