terça-feira, 2 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23482: Blogpoesia (778): "O deserto", "Tu vens" e "Delicadamente", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887

Em mensagens enviadas regularmente ao Blogue, o nosso camarada Adão Cruz, médico, pintor e escritor, (ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68) presenteia-nos com os seus poemas ilustrados com as sua magníficas pinturas de alta qualidade artística. Aqui ficam estes três poemas, intitulados respectivamente: "O deserto", "Tu vens" e "Delicadamente".

© Pintura de Adão Cruz


O deserto

O deserto tem de ter uma porta
uma saída
um caminho que não encontro.
Sei que sou buraco de mim mesmo
mas não é por aí que eu quero sair.
Meu sonho foi ser um pássaro
voar na proporção do amor
sem medo nas asas…
Meu pesadelo é ser um homem sem vento
arrastando a vida.
Sou apenas caminho andado
sou fim de tempo
resto de palavras e gestos perdidos
na eternidade de um dilema.
Já não giram os olhos mortos
nem os lábios descarnados suspiram.
Já o coração não treme
e a alma desliza pela areia infinda.
Tudo é longe e sem destino
foi-se embora o cheiro a alfazema…
mas no silêncio do deserto
há-de haver um verso para acabar o poema.


adão cruz


********************
© Pintura de Adão Cruz

Tu vens

Tu vens
eu acredito que vens
neste céu de cabelos soltos e seios ao vento
nesta fome de corpo e pensamento.
Tu vens
eu sei que vens
é hora de vires
nesta vespertina voragem de felicidade
neste céu da cor da angústia.
Tu vens construir a Primavera
em teu vestido branco de espuma
tu vens dominar meu indómito cabelo
com jogos simples dos teus dedos.
Eu quero acreditar que tu vens
pegar docemente nas minhas mãos cegas
e fazer delas uma flor de acácia
com que amacias os lábios
e abres o cofre dos teus seios de fogo.
Tu vens
eu sei que vens
por isso sou feliz no meu silêncio.


adão cruz


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© Pintura de Adão Cruz

Delicadamente

Delicadamente
ela abriu a blusa
e levantou os olhos decidida.
Era uma mulher de guerra combatida
daquelas cuja face conta a história.
Mansamente
baixou a medo as alças do soutien
inclinou a cabeça
e fechou os olhos à espera da minha mão.
Depois comemos pão de centeio
molhado num golpe de azeite
bebemos um capitoso vinho
e fomos à procura de uma paisagem com cegonhas.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23457: Blogpoesia (777): "Ontem à noite… quem diria", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23481: A nossa guerra em números (20): Meios e operações da FAP - Parte II: Armamento das aeronaves: o papel da OGMA e outras empresas portuguesas


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1972/74 > A avioneta Dornier  DO-27 que o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972/74) (nome de guerra, "Batata") também pilotou muitas vezes, sobretudo no primeiro ano da comissão. 
A Alemanha forneceu à FAP  147 avionetas Dornier DO-27, ao abrigo do acordo da Base Aérea de Beja. Algumas eram novas, outras usadas, todas as revisões foram feitas na OGMA. 

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Devido ao boicote internacional (e às pressões políticas dos nossos aliados da NATO, a par das proibições dos EUA no que dizia respeito ao uso de certas aeronaves como, por exemplo, o F-86, cedidos no âmbito do Programa de Assistência Militar), não foi fácil garantir o armamento e as munições necessárias aos helicópteros e aviões da FAP durante a guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial. 

A nossa indústria de guerra  teve de encontrar "soluções criativas" (sic), tendo chegado a usar "munições de artilharia do exército, para fabricar bombas para os aviões" (Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 229).

Segundo esta fonte, uma das bombas mais usadas terá sido a bomba de fragmentação FR M/62, de 20 kg., adaptada da granada da peça de artilharia 11,4 cm, britânica.

"Na fábrica de Barcarena, foram retiradas as cargas explosivas dessas granadas de artilharia para serem adaptadas na empresa Precix e serem novamente  carregadas em Barcarena" (ibidem, pág. 229). 

O mesmo terá acontecido, mas com outras empresas ligadas à indústria da defesa,  com as bombas FG M761, de 50 kg, FR M/64, de 200 kg, e ainda as bombas incendiárias IN M/65, de 100 litros. A Precix, uma empresa metalúrgica,  especializou-se também no fabrico de espoletas.


2. No que diz respeito ao armamento, usado pela FAP, é de destacar o canhão  MG-151, de 20 mm,  que equipava os AL III (helicanhão ou "Lobo Mau").  

Foram também utilizadas metralhadoras Browning, de calibre 7,7 mm e 12,7 mm, bombas gerais e de fragmentação de 500 libras e de 750 libras, e de 15, 50 ou 200 kg; foguetes FFAR 2,75, SNEB 37 mm, etc.. Tratava-se de adaptações da indústria nacional. 

As munições de 20 cm para o helicanhão eram as únicas que se adquiriam, diretamente aos fabricantes estrangeiros, usando os circuitos normais do mercado.

A OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico), com instalações em Alverca, fez milagres nesta época. 

Foi a OGMA que fez "as grandes adaptações nacionais para a guerra em África" (Ibidem, pág. 231):  podiam-se citar, a título meramente exemplificativo:

  • os aviões Harpoon (P2V5 Neptune), aviões de luta antissubmarina, transformados logo em 1961 em  bombardeiros adaptados às condições dos trópicos; 
  • os T-6 G Texan (um avião monomotor, originalmemte de treino e instrução), provenientes de várias origens (EUA, França, RFA, África do Sul); 
  • os sete aviões B-26 Invader, comprados clandestinamente e usados em Angola e na Guiné;
  • os 147 aviões ligeiros Auster fabricados sob autorização da empresa inglesa, e dos quais 60 foram  atribuídos à FAP e enviados para o ultramar.

A Alemanha também forneceu 147 avionetas Dornier DO-27, "ao abrigo do acordo da Base Aérea de Beja". Algumas eram novas, outras usadas, todas as revisões foram feitas na OGMA. 

Estas avionetas tiveram um papel fundamental durante a guerra de África, devido à sua flexibilidade e capacidade para operar em pistas de mato,  improvisadas.  Tiveram papel fundamental em missões como o transporte de correio, frescos epassageiros, a  evacução de feridos, a observação e ligação, etc.).

Os aviões de transporte mais usados foram o C-47 Dakota e o Nordatlas, também de diferentes origens e fornecedores. 

Já os helicópteros (AL II, AL III e SA-330 Puma) eram todos de origem francesa. Entre 1963 e 1975, a FAP adquiriu 142 Alouettes III e,  entre 1969 e 1971,  13 Pumas. (Ibidem, pág. 232).

Nem a Fábrica da Pólvora da Barcarena, nem a Fábrica Braço de Prata nem a empresa metalúrgica Precix existem hoje... Resta a OGMA, ciada em 1918, e agora integrada no grupo brasileiro Embraer.

Ainda quanto a armamento, refira-se ainda o de mais três, a par do heli AL III,  das aeronaves que conhecemos bem no TO da Guiné:

  • T-6 Harvard2 + 2 metradlhadoras Btrowning 7,7 mm | foguetes 37 mm e 68 mm | lança-granada m/64 | bombas de 15 kg,, 50 kg e inendiárias de 80 kg / 100 l e 300 kg / 350 l;
  •  Fiat G-91: metradlhadoras Btrowning 12,7 mm | foguetes 75'' | bombas de 50 kg, FR 200 kg, 250 lbs, 500 lbs e 750 lbs;
  • Dornier DO 27: foguetes 37 mm | foguetes fumígenos 70 mm / 27 | Fitting L19 (Ibidem, pp. 232/233)

3. Resumem-se aqui, por anos, algumas das principais aquisições de aeronaves pela FAP, entre 1960 e 1974 (entre parênteses, a quantidade) 

  • 1960 - Nordatlas (8);
  • 1961 - T-6 G Texan (56) (+ 130,  mais tarde) | Dakota (8) (+15, mais tarde) | Nordatlas (6)| Auster (ligeiro) (99) | Dornier DO 27 (133) ( + 14,  mais tarde) | Douglas D-6 (transporte) (10) (...);
  • 1962 - Nordatlas (3);
  • 1963 - Helicópteros AL III (142)  entre 1963 e 1975) | Cessna T-37 (instrução) (30);
  • 1965 - T-6 (74) | B-26 Invader (7) | Nordatlas (14) (entre 1965 e 1970);
  • 1966 - Fiat G-91 (caça) (40) | Douglas B-26 (bombardeiro) (7);
  • 1969/71 - Helicóptero SA-330 Puma (13);
  • 1970 - T-6 (69);
  • 1971 - Boeing 707 - 3F5C (transporte, TAM) (2). 

Fonte: Ibidem, pág. 233.

Esperemos que os camaradas da FAP possam acrescentar algo mais sobre esta matéria (ou corrigir o que está escrito, se for caso disso).

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23462: A nossa guerra em números (19): Meios e operações da FAP - Parte I: número e tipo de aeronaves: helicópteros, aviões de combate, de transporte e outros

Guiné 61/74 - P23480: Nota de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
É bem interessante o contexto histórico em que ocorreu a definição das fronteiras da Guiné. A presença portuguesa era praticamente inexpressiva, a diplomacia portuguesa queria o apoio de Paris para reconhecer a legitimidade dos nossos interesses nos territórios entre Angola e Moçambique. Foi dolorosa a perda do Casamansa, nem os comerciantes nem os autóctones desejaram o domínio francês, e ninguém na época ia supor que todo o Casamansa seria um pomo de discórdia quando se fundou o Senegal. Já aqui se divulgaram as notas de um brioso oficial da Marinha que foi até à região de Cacine e Kandiafará, nesta região havia mercado e não havia autoridades portuguesas. O artigo de Armando Tavares da Silva, que anda muito próximo do conteúdo do seu livro "A presença portuguesa na Guiné", descreve todas as peripécias que levarão à fixação das fronteiras, fazendo ver a todos esses apóstolos de hoje que batem a mão no peito sobre a nossa presença de cinco séculos a grande ilusão que se montou para se falar numa Guiné onde mal existiu o sopro de um verdadeiro colonialismo.

Um abraço do
Mário



Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau

Mário Beja Santos

Armando Tavares da Silva, autor do livro "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, assina no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa aqui referido, o artigo A fixação das fronteiras da Guiné pela Convenção Luso-Francesa, texto que acompanha com grande proximidade o que ele publica no seu livro entre as páginas 127 e 148. Tratando-se de matéria de elevado interesse histórico, intenta-se um resumo das várias questões tratadas, visto que a partir de maio de 1886 houve em definitivo a definição de um território que até então conhecera inúmeras designações e de que se desconheciam todos os contornos.

A questão ganha premência com a crescente presença francesa na região do Casamansa, a Norte, e na região de Compony, a Sul, os franceses queriam alargar os seus domínios, não estavam satisfeitos em ficar à entrada do rio Casamansa, e queriam fazer recuar a presença portuguesa para lá de Cacine. Quem representava os interesses portugueses agia lentamente, num vai-e-vem de exposições e respostas diplomáticas que só nos prejudicava. Honório Pereira Barreto assistia ao perigo crescente e informou o Governador de Cabo Verde em maio de 1837. Novo vai-e-vem diplomático, a França invocava razões históricas para ali estar. É então que o visconde da Carreira se dirige ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da França com as nossas provas históricas, dando ênfase à Crónica da Conquista da Guiné, de Zurara.

Armando Tavares da Silva repertoria um conjunto de incidentes na região do Casamansa, ora tira ora põe bandeira portuguesa ou francesa, caso dos incidentes de Adiana e Sindão. Recorde-se que a região Sul também estava sob cobiça, os franceses pretendiam comprimir a presença portuguesa para cima do rio Cacine, resta dizer que a presença de autoridades portuguesas era nula na região.

Depois de várias pressões da diplomacia francesa, e tendo já terminado a Conferência de Berlim, o governo de Paris manifesta disposição para negociar fronteiras não só na Senegâmbia como também sobre o litoral do Congo. O governo de Lisboa tenta separar a questão do Casamansa e de Cacine com a pretensão francesa da posse do território de Massabi. Certo e seguro, as negociações entre Portugal e a França irão ter lugar em 1885, a França insiste então não nos seus direitos históricos e utiliza uma expressão subtil: “em nós penetra a ideia que a solução para ser prática deve ser procurada mais nos factos do que nos arquivos”, evitando-se complicar a obtenção do acordo “por discussões onde cada um se acharia a produzir títulos históricos sem que eles possam conduzir a comissão a qualquer conclusão, uma vez que nós não teríamos qualidade para concluir, o que é desde já uma razão para os pôr de parte”.

Seguem-se propostas e contrapropostas, a diplomacia portuguesa dá sinais de transigência quanto às fronteiras da Guiné desde que se retire qualquer reivindicação francesa sobre o Massabi. E chega-se a uma sessão em 11 de janeiro de 1886 em que a questão dos rios Cacine e Compony vem à baila, a França não esconde que pretende um recuo da fronteira da possessão portuguesa para lá de Cacine, está muito interessada em conservar a posse da ilha Tristão na embocadura do Compony.

O governo de Lisboa, e continuamos em janeiro de 1886, declara abertamente que não pode aceitar o abandono dos territórios na margem esquerda do Massabi (ou Loema). No mês seguinte, a França insiste na posse da margem esquerda do Loema. Depois de algumas vicissitudes, entre elas a queda do governo de Lisboa, Portugal sacrifica o seu direito histórico no Casamansa e no rio Nuno. O político Barros Gomes escreve: “Para nenhuma das regiões além-mar poderia Portugal ostentar melhores títulos de posse do que para as regiões banhadas pelo Casamansa. Descoberta, conquista, ocupação efetiva, tratados celebrados com os potentados indígenas, convénios diplomáticos com as nações da Europa, remontando alguns ao século XV, tudo quanto pode constituir um direito e justificar a soberania, tudo pode ser alegado em favor do domínio de Portugal naqueles territórios, tudo tende a acentuar o sacrifício consumado com o seu abandono".

Perdia-se o Casamansa, lutava-se por uma fronteira mais folgada no Sul. A França deixa de insistir na sua presença no Massabi. E assim se chega ao projeto de convenção apresentado pela França, onde esta faz o reconhecimento do direito de Portugal exercer a sua influência nos territórios que separavam as possessões portuguesas de Angola e Moçambique, era uma vaga e inconsequente declaração formal, não terá qualquer peso face ao Ultimato. Durante as negociações, Portugal pretendeu que se mencionassem os limites dos territórios entre Angola e Moçambique, a França opôs-se liminarmente, fez reconhecimento “sob reserva dos direitos anteriormente adquiridos por outras potências”. A Convenção Luso-Francesa foi aprovada na Câmara dos Deputados a 2 de julho de 1887 e aprovada na Câmara dos Pares a 18 seguinte.

Em 25 de agosto de 1887 a Convenção foi assinada pelo rei D. Luís. Armando Tavares da Silva regista a extensa apreciação que a comissão de negócios externos da Câmara fez do projeto de lei, dava-se como as cedências no Casamansa compensadas tanto pelo rio Cacine como pelo reconhecimento que a França fazia de quase todo o território do Massabi e o da zona de exploração entre a província de Angola e Moçambique: “O rio Cacine e os territórios de uma e outra margem foram com efeito uma cessão a troca de outra, porque, embora as nossas descobertas e as nossas pretensões a domínio se estendessem ainda mais para o Sul, é certo que a posse efetiva pertencia à França”.

Estavam consumadas as fronteiras. Segue-se um período de tentativas de ocupação que só serão coroadas de êxito com as campanhas de Teixeira Pinto, é a partir daí que a administração portuguesa, de forma mínima, se irá internando até ao Gabú, descendo à península de Cacine e ao arquipélago dos Bijagós, finalmente submetido em 1936, com a capitulação do régulo de Canhambaque.

Monumento alusivo às campanhas do Canhambaque, imagem de Francisco Nogueira, publicada na obra "Bijagós, Património Arquitetónico", Edições Tinta da China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23470: Nota de leitura (1469): Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva; Caminhos Romanos, 2016 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23479: Agenda cultural (816): Acaba de sair o livro de Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, "Sanctuary Lost: Portugal's Air War for Guinea 1961-1974". Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966), Helion & Co, UK, 28 de julho de 2022


Capa do livro "Sanctuary Lost:  Portugal's Air War for Guinea 1961-1974. Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966)". Helion & Company, UK, 2022, 102 pp.


Ficha ténica

Título: Sanctuary Lost:  Portugal's Air War for Guinea 1961-1974. Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966)

Editora: Helion & Company
Data de publicação: 28 de julho de 2022 
Série : Africa@War #59
Nº páginas: Pages : 102  + Imagens : 72 fotos, 5 fotos a cor, 15 perfis a cor, 16 mapas, 2 diagramas, 23 quadros
Dimensões: 297mm x 210mm
ISBN : 9781914059995 
Helion Book Code : HEL1380
Preço: Bochura:  £19.95  (Portes de correio no Reino Unido: Grátis; reduzidos, para o estrangeiro)
Entrega:  1 a 2 dias úteis


Sinopse (em inglês)

From 1963 to 1974, Portugal and its nationalist enemies fought an increasingly intense war for the independence of "Portuguese" Guinea, then a colony but now the Republic of Guinea-Bissau. For most of the conflict, Portugal enjoyed virtually unchallenged air supremacy, and increasingly based its strategy on this advantage. The Portuguese Air Force (Força Aérea Portuguesa, abbreviated FAP) consequently played a crucial role in the Guinean war. Indeed, throughout the conflict, the FAP – despite the many challenges it faced – proved to be the most effective and responsive military argument against the PAIGC, which was fighting for Guinea's independence.

The air war for Guinea is unique for historians and analysts for several reasons. It was the first conflict in which a non-state irregular force deployed defensive missiles against an organised air force. Moreover, the degree to which Portugal relied on its air power was such that its effective neutralisation doomed Lisbon's military strategy in the province. The FAP's unexpected combat losses initiated a cascade of effects that degraded in turn its own operational freedom and the effectiveness of the increasingly air-dependent surface forces, which felt that the war against the PAIGC was lost. The air war for Guinea thus represents a compelling illustration of the value – and vulnerabilities – of air power in a counter-insurgency context, as well as the negative impacts of overreliance on air supremacy.

Volume 1 of Sanctuary Lost is extensively illustrated with photographs and specially commissioned colour artworks.

Sinopse (em português) (tr. Google / LG)

Título (tradução lietral, livre): "Santuário Perdido: Guerra Aérea de Portugal na Guiné 1961-1974. Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)".

De 1963 a 1974, Portugal e seus inimigos nacionalistas, o PAIGC,  travaram uma guerra cada vez mais intensa pela independência da Guiné, então colónia portuguesa, e  agora República da Guiné-Bissau. 

Durante a maior parte do conflito, Portugal beneficiou de uma supremacia aérea praticamente incontestada e baseou cada vez mais a sua estratégia nessa vantagem. A Força Aérea Portuguesa (FAP) consequentemente desempenhou um papel crucial na guerra da Guiné. Com efeito, ao longo do conflito, o FAP – apesar dos muitos desafios que enfrentou – provou ser o argumento militar mais eficaz e reativo contra o PAIGC, que lutava pela independência do território. 

A guerra aérea travada na Guiné é única para os historiadores e analistas por várias razões. Foi o primeiro conflito em que uma força irregular não-estatal, um movimento de guerrilha, utilizou mísseis defensivos contra uma força aérea organizada. 

Além disso, o grau em que Portugal confiava no seu poder aéreo era tal que sua efetiva neutralização condenava a estratégia militar de Lisboa neste teatro de operações (TO). As inesperadas perdas em combate da FAP  desencdearam uma cascata de efeitos que degradaram a sua própria liberdade operacional e a eficácia das forças terrestres cada vez mais dependentes do ar, e que sentiram que a guerra contra o PAIGC estava perdida. 

A guerra aérea no TO da  Guiné representa, portanto, uma ilustração convincente do valor – e vulnerabilidades – do poder aéreo num contexto de guerra antissubversiva, bem como os impactos negativos da dependência excessiva da supremacia aérea.

O volume 1 de "Sanctuary Lost" (Santuário Perdido) é amplamente ilustrado com fotografias e  ilustrações a cores especialmente concebidas para o tema.

A Helion & Co é uma mundialmente conhecida  editora, especializada em temas de história militar. Criada em 1996, com sede no Reino Unido, tem mais de 1200 títulos publicados.

Os autores Matthew M. Hurley, norte-americano, e José Matos, português,  são membros da nossa Tabanca Grande.

1. Mensagem de José Matos:

Data - 8/07/2022, 12:22
Assunto - Novo livro

Olá,  Luís

Espero que estejas bem. Escrevo-te para anunciar a saída do meu novo livro e desta vez sobre a Guiné. É o primeiro volume de uma série de 3 volumes.

O livro está à venda nas grandes livrarias online e também aqui na  Helion, a editora.

Um preview do livro ser visto aqui

Eu e o Matt agradecemos toda a vossa ajuda.

Ab, Zé
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Nota do editor:

Último livro da série > 16 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23354: Agenda cultural (815): Tabanca dos Melros, 11 de junho de 2022: apresentação do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (2021) - Parte II: Palavras de agradecimento do autor

domingo, 31 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23478: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (33): "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate... à moda da "chef" Alice, que sabem pela vida, neste nosso querido mês de agosto...



Lourinhã > Chez Chef Alice > 29 de julho de 2022 > "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate"

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Vamos entrar no "nosso querido mês de agosto" (o das férias, do sol, do luar, das noites romãnticas, das manhãs de grandes marés vazias com quilómetros de praia de areia branca e maresia, das viagens, das festas, dos festivais, do regresso dos emigrantes à terra, dos reencontros, dos amigos, dos amores,  do campismo, dos petiscos, das mariscadas, da batada de peixe seco, das sardinhas assadas com salada de pimentos, e tudo o mais que a imaginação, o desejo e as memórias podem e devem acrescentar)...

Como aqui temos lembrado nesta série do nosso blogue, quem pode, ainda come todos os dias... E de preferência algum petisco mais fora do comum. E depois partilha essa experiência culinária com os amigos e demais leitores. 

O título da série é apelativo, bem humorado, e não ofende ninguém: "No céu não há disto,,,  Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande "... 

Que nos perdoem os crentes e os habitantes desse condomínio de luxo que é o céu do nosso imaginário (ou da fé de muitos crentes, cristãos e não cristãos). Sendo proibido falar de religião (além de política e de futebol), resta-nos muito pouco, aqui no blogue, até porque as memórias dos camaradas da Guiné estão a acabar,,, Ou são os detentores das memórias que estão a acabar... Não temos gente nova, "periquitos", a renovar a Tabanca Grande, e os "velhinhos", esses,  agora  só querem é  sopas e descanso... 

Que nos valhe, ao menos, no nosso querido mês de agosto, estas gulodices, afinal  brincadeiras inocentes, tão inocentes, tão doces, tão boas,  tão santas ou bentas, como os "pastéis de Belém", o "toucinho do céu", os "papos de anjos", as "barrigas de freira", os "pitos de Santa Luzia", as "fatias angélicas", os "queijinhos de hóstia" ou o "pudim abade de Priscos"...

"Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate" não devem ir à mesa do São Pedro, nem vêm no cardápio do restaurante do Céu... A "chefe" Alice, quando passa pela praça, bem cedo (há anos, que já não dá um salto à Praia da Vieira onde ainda se pratica a arte xávega),  e vê jaquinzinhos ou petinguinhas, é a sua perdição: abre os cordões à bolsa e enche-se de coragem, porque amanhá-los e fritá-los é uma estopada (não é tanto a trabalheira, é sobetudo o cheiro dos fritos que fica na cozinha).... 

Mas, no fim, são os seus convidados que lhe dizem, com um arroto de prazer e agradecimento:
- Olha, muito obrigado, soube-me pela vida, "chef"!

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23477: Frase do dia (6): Abençoadas Guiné e China que me deram este gosto pela poesia (António Graça de Abreu)

1. Comentário de António Graça de Abreu ao poste P23472 (*)

Meu caro Luís: 

Mandei-te isto há três dias, mas nem estava propriamente a pensar na publicação no blogue. È um poema de Su Dongbo (1037-1101), um poeta famoso na China, do tempo do pai do D. Afonso Henriques. 

Claro que o rio é o Yangtsé, o terceiro maior rio do mundo. Tive a sorte de já descer o rio Yangtsé cinco vezes, a primeira em 1983 a última em 2018. 

Vai outro poema do mesmo poeta, ajuda a compreender o contexto. Creio que lido, trabalho traduzindo Grande Poesia.

Abençoadas Guiné e China que me deram este gosto pela poesia (**).




A Falésia Vermelha

por Su Dongbo (1037-1101)

O grande rio corre para leste,
as suas ondas varrem os heróis da História.
A oeste da antiga muralha,
entra-se na Garganta Vermelha,
outrora terras de Zhuge Liang (1)
nos recuados tempos dos Três Reinos.
Cumes aguçados perfuram o céu,
rápidos em fúria batem no casco dos barcos,
águas desfazem-se em mil pedaços de névoa, como neve.
Os pintores gostam de pintar as montanhas e os rios,
em memória dos grandes homens do passado.
Recordo, (há quantos séculos?),
a união ente o guerreiro Gong Chin
e a bela e esplendorosa Jiaoxiao,
lembro o chapéu azul de Zhuge Liang,
o estratega acenando com seu chicote de crina de cavalo,
conversando enquanto as chamas consumiam a frota de Cao Cao
e as cinzas se espalhavam pelos quatro ventos.
Tudo se desvaneceu com o fumo dos séculos,
mas eu gosto de sonhar com reinos desaparecidos.
Há quem ria diante do branquear dos meus cabelos.
Por resposta tenho uma taça de vinho
encharcada em luar, mergulhando nas águas do rio.

Tradução de António Graça de Abreu

[António Graça de Abreu: (i) docente universitário reformado, escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); (ii) natural do Porto, vive em Cascais; (iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 314 referências no blogue]
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Nota do autor:

(1) Referência ao período dos Três Reinos (220-281) e à Falésia Vermelha situada nas margens do grande rio Yangtsé, onde se travaram algumas das maiores batalhas fluviais da história da China. Su Dongbo recorda o grande estratega militar Zhuge Liang (181-234) e o general Cao Cao (155-220), príncipe e poeta.
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(**) Último poste da série > 27 de julho  de 2022 > Guiné 61/74 - P23463: Frase do dia (5): "Todas as guerras sempre foram e continuarão a ser lutas de vontades... e não só das vontades dos combatentes" (Gen Bettencourt Rodrigues, in "África: a vitória traída", Lisboa, Ed. Intervenção, 1977, pág. 142)

sábado, 30 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23476: Parabéns a você (2086): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico da CCS/BCAÇ 2930 e CCAÇ 6 (Catió e Bedanda, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Caçador Paraquedista da CCP 121/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23466: Parabéns a você (2085): Luís Paulino, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2726 (Cacine, 1970/72)

Guiné 61/74 - P23475: Ser solidário (248): Pedido de apoio para a instalação de painéis solares na Escola Humberto Braima Sambu e angariação de fundos com o objetivo de construir um pavilhão multiusos (Marta Alegre)

1. Mensagem de Marta Alegre, voluntária na Guiné-Bissau, enviada ao nosso Blogue em 16 de Junho de 2022:

Caros Amigos e Camaradas da Guiné,
O meu nome é Marta Alegre, tenho 27 anos e estou neste momento em Bissau, em missão de voluntariado numa Escola no Bairro Militar. Sigo o vosso blogue desde que cheguei a Bissau em Abril, por indicação do amigo Patrício Ribeiro.

A minha primeira visita à Guiné-Bissau foi em 2018, em contexto de trabalho, quando vim organizar uma conferência internacional sobre energias renováveis. Fiquei apenas uma semana e apaixonei-me pela Guiné, pelas pessoas, pela energia, pelo calor. E desde aí que ficou o bichinho de voltar.
Decidi este ano que para voltar teria de ser por um período mais alongado para que tivesse tempo de conhecer e me envolver melhor com a comunidade. Descobri a associação portuguesa “Para Onde?” que apoia vários projetos comunitários em todo o mundo e vim fazer voluntariado para a Escola Humberto Braima Sambu, por um período de 3 meses.

Cheguei no início de Abril e desde então tenho estado, em conjunto com outros voluntários, a desenvolver atividades diversas com as crianças da escola, a lecionar aulas de apoio escolar para alunos que têm notas mais baixas, e a ajudar a Direção da Escola com algumas tarefas administrativas. Vejo todos os dias o esforço dos alunos que procuram na escola um futuro melhor, dos professores que apesar de terem salários em atraso e de as condições da escola não serem ideais, trabalham e incentivam os alunos a não desistir. E vejo o esforço do Professor Humberto e de toda a Direção da Escola que querem fazer mais e melhor todos os dias, pelo futuro destas mais de 1.000 crianças.

Estou a contactar-vos porque tenho em mãos dois projetos que gostaria de partilhar convosco e, se vos parecer adequado, pedir a partilha no vosso blogue.

O primeiro é um pedido de apoio para a instalação de painéis solares, para colmatar algumas necessidades da Escola. Envio o projeto em anexo onde podem ver todas as informações, incluindo o orçamento e planta da escola. Talvez conheçam alguma entidade que possa financiar este projeto, ou onde me devo dirigir para solicitar esse apoio.

O segundo projeto é uma angariação de fundos com o objetivo de construir um pavilhão multiusos, que será muito útil para algumas atividades da Escola e também para diversificar as fontes de rendimento.
Deixo o link onde podem doar diretamente e saber mais sobre o projeto: https://gofund.me/5ac8da64.

Agradeço desde já a V. atenção e coloco-me à disposição para esclarecer qualquer dúvida que surja. Deixo o meu contacto: +351 961 491 467 (Whatsapp).
Aguardo a V. resposta.

Com os melhores cumprimentos,
Marta Alegre
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23469: Ser solidário (247): Pedido de apoio para o transporte de 150 carteiras escolares de Lisboa para Bissau, destinadas à Escola Privada Humberto Braima Sambu

Guiné 61/74 - P23474: Estórias do Zé Teixeira (57): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (3): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Terceira e última parte parte da história de amor entre Binta e o seu prometido Braima, combatente do PAIGC, enviada em mensagem de 27 de Julho de 2022, pelo nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70).


Amores em tempo de guerra III

AMORES PROIBIDOS

(3) - Binta!... Binta!...



Enlaçados nesse amor que os inebriava, deixaram-se adormecer, plenos da felicidade efémera, fora do tempo em que a guerra domina a mente, e abafa o sentimento que inunda o coração.

Já a noite ia alta quando o Braima deitado de braços cruzados olhava o céu da sua mente e tentava ouvir um coração endurecido pelo caminho que escolhera, mas que agora se desafazia em lágrimas de sangue, mas a decisão estava tomada. Tinha que se ir embora sem se despedir da sua amada.

Ele tinha consciência dos riscos da guerrilha. Não queria ver a sua Binta a carregar os armamentos que usavam para atacar os aquartelamentos tugas. Além da fome e da sede, o cansaço do peso que acartavam à cabeça e o tempo de marcha, havia o perigo das emboscadas, dos aviões, das granadas que explodiam, lançadas para retaliar os ataques dos nacionalistas guineenses. Quantas vezes tiveram de abandonar a barraca onde aquartelavam e esconderem-se no mato, deslocar-se de um lado para outro para evitar o confronto se estavam em minoria, ou apanhados de surpresa, o que acontecera algumas das vezes em mortíferas emboscada. Havia ainda outros perigos, pensou. Os camaradas que iam ver na Binta a mulher dos seus sonhos, que a cercariam na sua ausência, para obter os seus favores. Por muito amigos que fossem, e eram, porque a camaradagem construída na luta é a amizade mais profunda que se pode ter. A fome e o desejo de sexo, tornar-se-ia superior, porque muitos não tinham mulher. Ele sabia que era assim. Ele mesmo não conseguira resistir à mulher do Sissomo. Mulher para dois, como toda a gente sabia, até ele ser enviado para o sul.

Não! Não podia levá-la consigo. Tinha de se ausentar silenciosamente, para junto dos seus camaradas acantonados mais a sul, na mata de Cantanhez. Ele sabia que não lhe era difícil transpor as dezenas de quilómetros que o separava da tabanca da Binta. Desde tenra idade se habituara a caminhar pela densa floresta virgem, atravessando as bolanhas. Sabia como defender-se dos animais selvagens, os quais começavam a escassear, devido à guerra, à caça desenfreada de que eram vítimas para alimentar as gentes que viviam no mato e muitos vezes para desporto dos militares europeus. Todavia os riscos de encontro indesejados com os soldados portugueses, as cambanças dos rios e das grandes bolanhas, eram temíveis empecilhos. E havia as razões de ordem pessoal e política. A sua vida pessoal, as suas visitas, mesmo clandestinas seriam controladas pelo comissário político e viveria sob pressão contínua para a trazer para a frente de combate, para um ambiente que ele detestava acrescido dos riscos que a luta contra o opressor acarretava. Preferia manter a situação e tentar uma fuga de vez em quando, para se encontrar com ela. A situação de luta iria mudar em breve, pensou. Os portugueses se hão de cansar. Esta terra será livre. Então voltarei para casa.

E. decidiu escapulir-se silenciosamente, depois de a beijar com toda ternura e cuidados para não a libertar do Morfeu.

Teimosas lágrimas inundaram a face da Binta quando acordou e não viu mais nada, a não ser o lago do céu noturno cravejado de estrelas. O seu Braima tinha ido embora sem a levar. O coração parou por momentos, sentiu-se desmaiar... A raiva, misturada com as lágrimas e o desespero de sentir que voltou a perder o seu amado, deixaram-na esvaída, sem forças, perdida…
A vontade de viver que sempre a animara, pelo amor que secretamente guardava bem dentro do seu ser, como que se apagou. Um coração cheio de saudade teimava em dizer-lhe que esta fora a primeira e talvez a única vez que as suas vidas se encontraram.

Deixou-se perder no tempo. Já o sol ia alto quando “acordou” para a realidade. Tinha saído da Tabanca no dia anterior. Era urgente voltar discretamente para junto de sua mãe e contar-lhe o seu segredo. Ao levantar-se, viu no chão um pequeno papel com algo escrito.
Ah, com ela gostava de ter aprendido a ler para saber ali mesmo a mensagem que Braima lhe deixara. Certamente era um eterno adeus. A luta, ultimamente, tornara-se muito dura. Os soldados andavam por todo o lado. Os paraquedistas que passaram na sua tabanca vinham carregados de armas apanhadas aos “bandidos” como chamavam aos guinéus que se tinha refugiado na mata. Ia perder o seu Braima, dizia-lhe o coração. De nada valeriam as novas armas contra os aviões. Agora tinha a certeza, do fundo do coração, os portugueses que ela já odiava, iam continuar na sua terra, e o seu Braima, esse… morreria como tantos outros!? Talvez não. Tinha de continuar a acreditar no que lhe dizia o coração e levantou-se cheia de energia e confiança.

Com o papel amarfanhado na palma da mão internou-se na mata e voltou para a tabanca. Ouviu o roncar da viatura militar que todas as manhãs ia buscar água à fonte e pensou nas suas amigas que, aproveitando-se da segurança que os soldados impunham com as suas armas, como ela fizera muitas vezes, vinham com as suas vasilhas em busca da água fresca e de melhor qualidade para dar de beber às crianças. Quando transpôs o cavalo de frisa, a sentinela nem se dignou olhar para ela. Respirou fundo e foi ter com uma mãe aflita. Explicou-lhe os acontecimentos da noite e correu a casa da Cadi. Só ela lhe podia dizer o que o Braima lhe tinha escrito.

Cadi tinha ido buscar água à fonte. Aguardou com ansiedade desmedida a sua chegada e, sem explicações, pediu-lhe para ler o papel.
- Ó mulher parece que visto o demónio. - Disse-lhe a Cadi. - Que te aconteceu?
- Diz-me o que está escrito no papel. - Ordenou-lhe a Binta.
- Tá bem, não te zangues. O papel não diz nada.
- Não diz nada!? Mas tem letras? - Retorquiu a Binta com o coração acelerado.
- No papel está escrito. “Aqui”. Que é que isto quer dizer? Nada!
- Deixa comigo – disse Binta – E pegando no papel seguiu para casa, a saltitar, como um passarinho: ela entendera a mensagem. Era naquele lugar onde o deveria esperar sempre que tivesse notícias.

E a vida continuou, só que a Binta deixou de ser a mesma que partira ao encontro do seu amado.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23471: Estórias do Zé Teixeira (56): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (2): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

Guiné 61/74 - P23473: Os nossos seres, saberes e lazeres (515): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
É sempre assim, esta relutância em cumprir o programa à risca, amanhã é dia de regresso a Ponta Delgada, sinto-me tão bem aqui neste Vale das Furnas que quero vir o mais proximamente possível. Arrumo as últimas recordações, o regresso será em autocarro, lá em cima também se vê uma bela paisagem a caminho de Vila Franca do Campo e do seu inevitável ilhéu de sentinela, haverá passagens por Água de Alto, tenho pena de não poder subir à ermida de Nossa Senhora da Paz; e temos depois a Lagoa, está em franco crescimento, ali perto temos o porto e o Convento de Nossa Senhora da Conceição num local um tanto mítico, a Caloura, mas também a Ribeira Chã, que sempre me surpreendeu por aquele traço antigo que guarda entre a paisagem e o povoamento. E de Ponta Delgada vos falarei mais adiante. A cabeça anda às voltas para o próximo passeio, quando voltar a São Miguel, sim, tenho que regressar ao nordeste, à Tronqueira e a à Ponta da Madrugada, estou cada vez mais convencido que foi ali que Deus começou a criação do mundo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6


Mário Beja Santos

Estou a viver o penúltimo dia no paraíso, estes milhares de árvores e espécies arbustivas amainam-me o espírito, tal como o tanque de água férrea, os furtivos cursos de água, as coleções de plantas endémicas que não sei decifrar mas que são uma fantasia cromática sem igual, e então as camélias, os fetos, as azálias, aqui no centro na doçura do tempo, resolvi trazer comigo poemas de Natália Correia, a quem fiquei a dever muitas atenções, caso de um belo poema que me ofereceu para o meu primeiro livro publicado, corria o ano de 1981, chama-se Poema Posto em Saudade, e percorre esta minha adorada ilha, aqui fica um extrato: “Em Ilha verde e anilada/Por farturas de pastel,/deu a criação morada/Ao Arcanjo São Miguel./ Que lânguida maravilha/De terra no mar deitada/Quando a luz enlaça a Ilha/Pela cintura delicada!/Matas silentes e lúcidas/Do bosque primordial./Paz de pastos e poentes,/carmins que purpuram o mar.” Folheio as suas obras e dou com outro belo poema, tem a força de um Te Deum a mil vozes, é um bilhete de identidade, e gera-se-me a cumplicidade pela desmedida oração genesíaca, um quase sentido de eterno retorno que embala todo o qualquer açoriano: “Ilhas haverá muitas, letras de um dúbio beija-flor salpicando o mapa como a realidade dividida em horas. Um geográfico fascínio de pistolas abandonadas em bancos públicos, numa violenta imposição das mãos magnéticas dos suicidas. Mas isso não é ilha, é habitar a ilha, pelos dias inegáveis do regresso. Por isso, com a cumplicidade do peso húmido da morte, eu digo que a rigor só há uma ilha, a única, a minha, meu mistério selado pelos arbustos altivos da desaparecida”. E medito enquanto calcorreio avenidas e veredas, lagos e tanques, quanto este vigor primitivo, este coberto florestal, estas águas férreas, já em saudade me preparam para aqui voltar, tão rapidamente quanto possível. E de relance acarinho o olhar por inhames, magnólias em botão, azálias exuberantes, como se o mundo para mim tivesse nascido nesta ocasião.
Metrosideros, de cabeleira ao vento, terão séculos ou milénios?
Aí, para dezembro de 1967, o comandante do Batalhão Independente de Infantaria nº18 deu-me instruções para preparar o discurso endereçado aos recrutas, metia juramento de bandeira. Fui num fim de tarde para o café Gil e nada de melhor me ocorreu do que falar do que estava a viver, o sentir-me bem naquele espaço de basalto e lava, aquele cornucópia de flores, as que mais me assombravam eram as azálias e as hortênsias, estávamos no inverno, aqui a natureza revela sempre exuberância, e jamais esquecera a pátina dos plátanos, todos aqueles tapetes de terra musgosa, as hortênsias prontas para disparar nos meses próximos, estava-me na lembrança a primeira ida às furnas, estrada de paralelepípedos, flanqueada por quilómetros de hortênsias, fez-se então paragem na Lagoa, amor à primeira vista, passeio pela freguesia, demorada visita ao parque, e só depois o Pico de Ferro. E deu-me para ir alinhavando as letras do tal discurso, fazer uma ode àquelas gentes que me foram dado conhecer na Ilha Verde, uns vindos da Graciosa ou de Santa Maria, outros de São Miguel, falar de um povo destemido, com provas dadas no mundo baleeiro, profundo conhecedor das artes da navegação, de tais espaços saíram presidentes da República, poetas e escritores de primeira plana, missionários e grandes músicos, se Portugal se fizera ao mar, ao mar ali se lançaram as gentes do arquipélago, e com que reconhecimento internacional. E no discurso apareceram azálias e hortênsias, que o açoriano trata com esmero e fascínio, é o que lhe brota da terra e que sobressai, em contraste, do basalto e da lava e da bagacina.
Flores quase ciclâmicas, desvairados cursos de água, musgo, a água é elemento necessário, é fermento das grotas, da precipitação dos céus, recordatória de que há um imenso oceano a toda a volta, aqui estão microcosmos que o Homem pode domesticar, o oceano é aquele abismo que marca a distância ou a saudade em voltar.
Uma avenida leva à outra, ou à surpresa de uma pequena praça ou recinto florido, desta sombra, tão agradável em dia de quentura o que mais me embevece é o tom do céu e marcha vertiginosa das nuvens.
Nestas águas férreas repousei e não pude resistir a vir aqui à noite para colher o contraste, não é desejável por aqui esbracejar à noite, envolve perigos de vida, mas feliz fiquei com o produto da imagem, lembrou-me um quadro de uma cidade à noite, não sei de quem e qual sítio.
Despeço-me do dia mirando o edifício da Junta de Freguesia das Furnas, tudo num aprumo, até há para ali uma fonte com água a correr, o dia fina-se, vou agora pensar nas últimas imagens que me quero e vos quero oferecer, amanhã é o regresso a Ponta Delgada.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23454: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23472: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVII: China: Visita à Falésia Vermelha, no outono de 1081, a 16 do sétimo mês, por Su Dongbo (1037-1101) (tradução de António Graça de Abreu)





China  > Falésia Vermelha > s/d > O António Graça de Abreu

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2022) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


[ António Graça de Abreu, foto à esquerda, com a esposa: (i) docente universitário reformado, escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); (ii) natural do Porto, vive em Cascais; (iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 310 referências no blogue; (vi) texto e fotos (sem legendas) enviados em 26/7/2022 ]



Primeira visita à Falésia Vermelha

por Su Dongbo (1037-1101) / António Graça de Abreu


No Outono de 1081, a 16 do sétimo mês, fui de barco com alguns amigos até à Falésia Vermelha. Soprava uma brisa doce, serenas as águas do rio. Ofereci vinho aos meus amigos, recitámos poemas em louvor da lua, entoámos canções da minha autoria.

Depois, a lua apareceu sobre as montanhas do leste e começou a sua viagem entre as constelações. Uma leve névoa branca estendia-se sobre o rio, o brilho das águas confundia-se com o resplandecer do céu. Demos liberdade à frágil barca e vogámos para águas distantes, como se flutuássemos no vazio, cavalgando brisas, despreocupados quanto a parar, como se tivéssemos abandonado o mundo suspensos nas asas do vento e fôssemos uma espécie de génios imortais.

Bebíamos, satisfeitos, cantávamos marcando a cadência na madeira da barca. Foi esta a canção:

Os remos traseiros são de pau de canela,
os remos da frente são caules de orquídeas.
Batem na luminosidade do céu,
subindo no cintilar da corrente.
No espaço ilimitado
abre-se o sentir de um coração.
Ao longe, um homem sábio,
caminha pelos confins do mundo.

Um dos convidados da jornada sabia tocar flauta e acompanhou a nossa canção. A música suspirava, como um queixume, um soluço, um gemido, o som prolongava-se, ondulante, estendendo-se como fios de seda. O dragão das águas dançava na sua caverna escondida, lágrimas encharcavam a barca de uma viúva solitária.

Emocionado, apertei os panos da minha cabaia e perguntei ao meu amigo o porquê da tristeza e da melancolia. Respondeu:

“O príncipe guerreiro Cao Cao já tudo explicou.
Clara a lua, raras as estrelas,
os corvos sombrios voam para sul.”


Ora a oeste de onde nós estávamos, situa-se Xiakou, do outro lado, a leste, fica Wuchang. Misturam-se as montanhas e os cursos de água, imensos, sombrios, azuis. Aqui foi Cao Cao derrotado pelo jovem Zhou Yu. Depois de ter tomado de assalto a cidade de Jingzhou e submetido Jiangling, o príncipe Cao avançou para leste, seguindo o leito do rio. As suas barcaças de guerra estendiam-se por cem léguas, os seus pendões e bandeiras escondiam o céu. Sentado nas margens do rio, tendo guardado a sua alabarda, bebia vinho e recitava poemas. Cao Cao foi um dos grandes heróis da nossa História, mas onde está hoje?

Como falar então de mim ou de vós, lenhadores, pescadores nas ilhotas do rio, camaradas de peixes e amigos de veados… Viajamos numa barca minúscula como uma casca de árvore, em vez de termos taças de vinho, bebemos em humildes calabaças, esvoaçamos entre céu e terra como gente efémera, somos simples grãos de cereal no meio de infindáveis mares.

Lamentamos a passagem de uma vida tão breve e rápida, temos inveja do grande rio Yangtsé que jamais se cansa de correr. Gostávamos de nos juntar aos imortais no seu voo, de partir para longe, de existir para sempre, arrastados pelo brilho do luar. Sabemos que tudo isso é impossível de alcançar e deixamos cair na placidez do vento o eco lúgubre das nossas queixas.

Eu pergunto: 

“Conhecem a água e a lua? Desaparecem, mas jamais se separam de nós. A lua cresce, decresce, mas não aumenta nem diminui.”

Se considerarmos o todo do ponto de vista do que muda, então o céu e a terra não deviam durar mais do que um piscar de olhos. Se considerarmos o todo do ponto de vista do que não muda, então a natureza e nós próprios, mudamos mas pouco.

Vale a pena invejar o que quer que seja?

Para tudo o que existe na natureza, entre céu e terra, surge sempre um mestre. É algo que não podemos escolher e decidir. Mas podemos contar com a brisa serena por cima do rio e uma lua clara entre montanhas. A primeira traz o som aos nossos ouvidos, a segunda, as cores aos nossos olhos. Estas podem ser nossas, para fruir sem gastar, o que mostra que o criador não escondeu tudo, há prazeres à solta ao alcance do coração dos homens.

Feliz, o meu amigo sorriu. Enxaguámos então as calabaças que enchemos outra vez de vinho. Comemos fruta e umas tantas iguarias. Os pratos e os copos espalhavam-se em desordem. Deitámo-nos nas tábuas da barca, encostados uns aos outros, sem nos apercebermos que, a leste, o dia já nascia.



赤壁赋
壬戌之秋,七月既望,苏子与客泛舟游于赤壁之下。清风徐来,水波不兴。举酒属客,诵明月之诗,歌窈窕之章。
少焉,月出于东山之上,徘徊于斗牛之间。白露横江,水光接天。纵一苇之所如,凌万顷之茫然。浩浩乎如冯虚御风,而不知其所止;飘飘乎如遗世独立,羽化而登仙。于是饮酒乐甚,扣舷而歌之。歌曰:
“桂棹兮兰桨,击空明兮溯流光。渺渺兮予怀,望美人兮天一方”
客有吹洞箫者,倚歌而和之。其声呜呜然,如怨如慕,如泣如诉,余音袅袅,不绝如缕。舞幽壑之潜蛟,泣孤舟之嫠妇。苏子愀然,正襟危坐而问客曰:“何为其然也?
”客曰:“月明星稀,乌鹊南飞,此非曹孟德之诗乎?西望夏口,东望武昌,山川相缪,郁乎苍苍,此非孟德之困于周郎者乎?方其破荆州,下江陵,顺流而东也,舳舻千里,旌旗蔽空,酾酒临江,横槊赋诗,固一世之雄也,而今安在哉?
况吾与子渔樵于江渚之上,侣鱼虾而友麋鹿,驾一叶之扁舟,举匏樽以相属。寄蜉蝣于天地,渺沧海之一粟。哀吾生之须臾,羡长江之无穷。挟飞仙以遨游,抱明月而长终。知不可乎骤得,托遗响于悲风。”
苏子曰:“客亦知夫水与月乎?逝者如斯,而未尝往也;盈虚者如彼,而卒莫消长也。盖将自其变者而观之,则天地曾不能以一瞬;自其不变者而观之,则物与我皆无尽也,而又何羡乎!
且夫天地之间,物各有主,苟非吾之所有,虽一毫而莫取。惟江上之清风,与山间之明月,耳得之而为声,目遇之而成色,取之无禁,用之不竭,是造物者之无尽藏也,而吾与子之所共适。”
客喜而笑,洗盏更酌。肴核既尽,杯盘狼籍。相与枕藉乎舟中,不知东方之既白。


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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23448: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Brasil, Rio de Janeiro, 1989, 2015, 2020

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23471: Estórias do Zé Teixeira (56): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (2): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Segunda parte da história de amor entre Binta e o seu prometido Braima, combatente do PAIGC, enviada em mensagem de 27 de Julho de 2022, pelo nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70).


Amores em tempo de guerra III

AMORES PROIBIDOS

(2) - Binta!... Binta!...


A Binta ficou perdida naqueles olhos que a mantinham prisioneira, iluminados pelo luar que surgiu repentinamente, enlaçada no pescoço do homem que a envolvia com os seus braços, estreitando-a contra o seu corpo e a beijou ternamente na testa num longo segundo. 

Deixaram-se envolver pelo silêncio das palavras escondidas, esmagadas há tanto tempo nos seus corações. Braima inclinou-se para a beijar de novo e os seus lábios selaram-se ternamente. Sensações novas invadiram todo o seu corpo deixando-a eletrizada, perdida no tempo e no espaço. O passado deixou de existir naquele momento. Um novo presente nascia, há que vivê-lo!

Braima falou, suspirando:
–  Há muito tempo que sonho com este momento – enquanto a pousava suavemente no capim e se deitava a seu lado. Noites e noites sem dormir, vendo-te sem te ver, ouvindo-te sem te ouvir... sonhando contigo, mas a libertação do nosso povo meteu-se entre nós. Agora que não podemos derrotar o passado, que nos afastou um do outro, temos de conquistar o futuro, vencê-lo para que seja nosso, temos de conquistar a liberdade...
–  Braima, Braima, meu querido, esqueceste-te que sempre tivemos liberdade de ser o que somos, mesmo se isso aconteça apenas nas nossas cabeças – disse a Binta pousando os sequiosos lábios sobre a boca do Braima, enquanto lágrimas de emoção lhe lavavam a face. - O medo de te perder, desde o dia em que foste embora, atormenta-me a todo o momento, as notícias que de ti chegam, sempre tarde, são a razão do meu viver, porque o coração vai-me dizendo que continuas vivo e a amar-me. É esta a razão da minha vida, esperar por ti. Agora quero ir contigo. Não te vou perder, nunca mais.
-–  Não me perderás, juro por Alá,  o Misericordioso, louvado seja Ele. Não há bala que ouse tocar-me. Voltarei... voltaremos para viver o nosso amor. Mas tu não podes vir comigo. Os perigos não têm fim, nem escolha possível e é preciso saber fintá-los. Confia em mim e me basta - disse-lhe o Braima, olhos nos olhos, enquanto a cingia tentando fazer dos dois, um só corpo.

Binta estava sem forças. Pranteava e não sabia se de comoção, ou de fúria ao ouvir o Braima negar-lhe a companhia, na árdua luta que ele travava contra o colonialista de Lisboa e não conseguia entender tal recusa.

–  Não! Agora que te reencontrei vou contigo, quero ser tua, de mais ninguém, e a mais sábia maneira de o ser é acompanhar-te nos perigos da luta em que acreditas. Se há uma liberdade a conquistar, conquistemo-la juntos, se for necessário morrer, morramos juntos. Os dois seremos mais fortes. Vou contigo!
– Como eu gostava de te levar comigo, minha querida, ter-te sempre a meu lado, sentir o teu coração a palpitar! Como eu gostava de ter a presença do teu corpo, o teu sorriso, o teu olhar de criança apaixonada que me cativou, sempre a meu lado! Mas, não! Não posso comprometer o nosso amor. Não posso arriscar perder-te. Prefiro contemplar-te apenas com o coração e sonhar contigo a toda a hora. Acredita que esta luta não vai ser muito longa no tempo. Vamos ter uma Pátria nossa. Uma bandeira vai unir o nosso povo e seremos livres. Eu prometo regressar à tabanca, à minha terra amada, casar contigo e vamos ter muitos filhos. Vamos ser muito felizes, porque o amor que nos une tem de dar o seu fruto.
–  Ó Braima, meu tolinho. Ainda acreditas que os colonialistas nos vão deixar? Ainda acreditas que esta maldita luta pela libertação vai ter fim? Loucura a tua! Eles são muitos, estão sempre a chegar. Têm armas e canhões, têm dinheiro e boa comida, têm... A Metrópole ou Lisboa, deve ser o paraíso deles... E nós o que temos?! Tu! Onde dormes?... o que comes?... que dinheiro possuis para comprares arroz?
– Tens de acreditar em mim. Vamos receber armas para abater os aviões que massacram e impedem que avancemos na luta. Depois, atacaremos os quartéis na cidade. Cercaremos as suas posições nas tabancas. Vamos destruí-los e construir a nossa pátria gloriosa, mas esta luta não é para ti. Continua junto dos teus pais e confia.
–  Se acreditas tão piamente na vitória, porque não me deixas ir contigo? Braima, Braima, meu amor! Porquê? Porquê?

O calor de dois corpos unidos e sedentos de se amar pedia tréguas na conversa. Binta tremia num misto de dor, alegria e emoção. Não conhecera outro homem. Guardara-se para aquele momento com o seu Braima. Ela sabia pela mãe, que os primeiros ritos eram dolorosos para a mulher, mas precisava viver aquele momento. Queria entregar-se totalmente ao Braima, para lhe afirmar com a vida, que era dele, e só dele, mas tremia... sem medo.

O Braima não era um novato nestas coisas do amor. O coração, esse reservara-o para a Binta. Queria continuar a conversa para serenar a sua amada, mas o corpo pedia-lhe a entrega total...

–  Vai com calma, não te apresses, vive o momento – disse a si mesmo.

Sentindo que a Binta estava tensa, estendeu-se a seu lado, apoiado sobre o cotovelo, procurando cruzar ternamente o seu olhar. Voltou a pôr a boca sobre a dela e acariciou-lhe os lábios com a língua num roçar leve, ternurento. Depois contornou-lhe o rosto e mordiscou-lhe o lóbulo de uma orelha, cobrindo-lhe a face e a testa de beijos, enquanto a sua mão acariciava os mamilos enrijecidos.

 – O que é isto que me faz tremer como que estivesse com febre, estes arrepios deliciosos, que eu nunca senti e me fazem feliz? - Interrogava-se Binta, saboreando o momento, numa entrega total de si mesma.

O mundo à sua volta deixara de existir. O mundo, agora, eram eles os dois. Nada mais interessava que não fosse o amor que vibrava no seu corpo, transformando-a na mulher que sempre sonhara ser - a mulher do Braima. As mãos dele corriam-lhe o corpo num bailado estonteante de descoberta de sensibilidades e tensões que nunca sentira.

–  Como é maravilhoso sentir o teu amor! - disse a Binta ao ouvido do Braima no momento em que lhe mordia o lóbulo de uma orelha e pensava nas muitas vezes que os soldados tugas, abusadamente, lhe comprimiram os seios, sem que ela tivesse o mínimo prazer, pelo contrário... sentia ódio e raiva que expressava com o olhar de mulher que se sentia ofendida pelo abuso. Ah! Mas o alferes Barbosa respeitava-a muito e nunca a tocou. Esse era diferente, o Braima branco...

Binta impregnada de desejos libidinosos desapertara o pano que a cobria e afastara-o deixando o seu corpo ao luar, o que fez o Braima perder a respiração. – Oh, mulher! Era uma voz rouca, imbuída de desejos, que ele nunca experimentara. Sentiu que a sua virilidade se expandia desmedida sem controlo. Binta! Binta! Que mulher! – Com extrema fúria, beijou-a na boca entreaberta, enterrando, em seguida, o rosto entre os seis chupando ardorosamente a pele suave. Entontecido, parou e respirou fundo tentando controlar-se.

– Alguma coisa errada? - Gemeu a Binta.
 –  Não. É apenas o meu desejo de te tornar minha. Quero fazer-te feliz e não sei se vou conseguir. És tão bonita, tão mulher...

O rosto de Binta abriu-se num sorriso acolhedor. Então, Braima beijou-a de novo, calmamente, acariciou-lhe o corpo, sentiu o seio farto e rijo, a cava da cintura, o quadril fazendo uma amena curva e a coxa forte e musculada de uma mulher de trabalho. Ela tremia a cada toque acariciador, tanto era o seu prazer. A mão dele continuou numa toada leve e lenta até encontrar os anéis do púbis que afagou com carinho. Sua boca procurou um mamilo. A língua tocou-lhe ao de leve, provocando um grito de prazer em Binta, que o medo de ser ouvido por alguém, logo abafou. A guerra continuava no meio deles, mesmo naquele lugar ermo, alta ia a noite.

...E o amor aconteceu.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23467: Estórias do Zé Teixeira (55): Amores em tempo de guerra: III - Amores proibidos (1): Binta!... Binta!... (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)