segunda-feira, 10 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24214: Manuscrito(s) (Luís Graça) (222): Circadiana, a vida




















Quinta de Candoz >  9 de Abril  de 2023 > Páscoa: a vida que sucede à morte.

Fotos (e texto): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 

Circadiana, a vida

por Luís Graça

Circadiana,  a vida!...
Depois do solstício do inverno, virá o solstício do verão
e aos dias suceder-se-ão as semanas, os meses, os anos.

Circadiana, a vida!...
Pior que o suplício do inferno
é o pavor do eterno retorno.
É a eternidade, dizem-te,
que nos move ou demove ou comove, 
a eternidade ou a sua cruel ilusão,
os seus sucedâneos terrenos, efémeros, 
a fama, a honra, a glória,
 a vaidade, o ouro, os diamantes,
o elixir da juventude, a beleza,
o amor até que a morte nos separe,
o poder, orgástico, de mandar matar e morrer
talvez a paternidade e o egoísmo genético.

Circadiana,  a vida!...
Afinal todos os anos é Natal
e todos os anos por aqui  passa(va) o compasso pascal.
Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou,
a vida triunfa sobre a morte.

Circadiana,  a vida!...
Todos os anos, com sorte…
Exceto quando deixaste a tua terra e foste para a guerra:
perdeste a noção do dia e da noite,
dos dias, das semanas, dos meses, e das estações,
que eram duas, a do tempo seco e a das chuvas.

Circadiana, a vida!...
Disseram-te que o velho general
esteve à beira da tua cama no hospital:
- É uma subida honra, para qualquer mortal,
a sua visita, meu general ! –
terás tu dito mas, por favor, e por pudor, não ponhas isso
no teu “curriculum vitae”.
Esquece a Guiné, camarada, meu herói,
e os pauzinhos que gravaste na parede da caserna,
na contagem decrescente para o fim da tua (co)missão.

Circadiana,  a vida!...
Quando eras jovem, tinhas um calendário perpétuo, 
na tua mesinha de cabeceira,
na secreta esperança de que os dias não tivessem 24 horas,
não tivessem noite, não tivessem fim.
Depois, deixaste de te fiar nas leis imutáveis da natureza
e, todos as manhãs, tomavas o lugar de Sísifo
e pegavas na tua pedra de granito,
montanha acima, montanha abaixo!

Circadiana, a vida!...
E, se Deus quiser, a primavera há de chegar, 
e c0m ela as cerejeiras em flor,
e os melros que vão pôr os seus ovos 
nos arbustos de alecrim no caminho para a leira cimeira,
e as andorinhas que irão reconstruir o seu ninho 
na varanda da casa de cima.

E trazem histórias de coragem,
as tuas andorinhas de torna-viagem,
vêm do norte de África, quiçá da Guiné,
e não precisam de passaporte,
nem de GPS, nem de código postal, nem de carimbo das alfândegas.
São heroínas, sobreviveram a mais um ano,
fogem da guerra, e das alterações climáticas,
sem o aval nem a ajuda do alto comissário para os refugiados,
ou a benção dos imãs 
e dos demais representantes de Deus na terra.

Circadiana,  a vida!...
E todos os anos fazes anos
e haverá sempre um bolo de aniversário
e uma vela para soprares.
E oxalá nunca te falte à mesa
quem te cante os parabéns a você.
Mas o que é que tu sopras, afinal,
meu pobre feliz aniversariante ?
Sopras a vida, sopras a vela da vida, de fio a pavio!

Circadiana,  a vida!...
Até as almas têm estados, dizem-te, circadianos,
estados de alma, bipolares,
ora de euforia ora de depressão,
socalco acima, socalco abaixo...
Afinal, tão certo como dois e dois serem quatro,
à noite sucede o dia, 
e não há lua sem sol, nem maré alta sem maré baixa!

... Nem a morte sem  a vida.
Mas chorarás sempre  os teus mortos, 
até que as tuas lágrimas te sequem.

Circadiana, a vida, meu amor!...
A vida é pura repetição,
é o teu coração que bate forte, até à exaustão,
até a gente queimar a vela, de fio a pavio.

Circadiana,  a vida!
Carpe diem, meu amigo:
ora sabe a muito, ora sabe a pouco,
... a vida, sempre, armadilhada,
presa por um fio de tropeçar.

Última versão, Candoz, 9 de abril de 2023
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Guiné 61/74 - P24213: Convívios (954): 51.º Almoço/Convívio do pessoal da CCAÇ 414, a levar a efeito no próximo dia 30 de Abril de 2023 em Arcozelo, Vila Nova de Gaia (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 9 de Abril de 2023:

Boa Páscoa caro camarada,
No próximo dia 30 de Abril, os ex-combatentes da Companhia de Caçadores 414 fazem o seu 51.º convívio, cujo início teve lugar, na praia de Lavadores, em Vila Nova de Gaia, no 5.º ano após a chegada à unidade que os mobilizou, BC10 em Chaves, no dia 6 de Maio de 1965.

Para conhecimento dos nossos tabanqueiros, junto o respectivo convite que agradeço a amável publicação.

Os meus melhores cumprimentos.
Manuel Castro


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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24163: Convívios (953): 38.º Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447 (Brá-Guiné), dia 20 de Maio de 2023 no Restaurante Cortiço - Tornada - Caldas da Rainha (Lima Ferreira, ex-Fur Mil)

domingo, 9 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24212: Fotos à procura de... uma legenda (174): Legendas para as fotos do Ramadão de 1971, na tabanca de Saliquinhedim (K3) (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf / Cherno Baldé)

1. O nosso amigo Cherno Baldé prontamente respondeu ao nosso pedido de legendar as fotos que o camarada José Carvalho nos enviou, e que foram publicadas no poste P24207.
O nosso obrigado a ambos.
Ficam agora devidamente ordenadas e legendadas:


Foto 1 - Chegada e antes do início da reza que se inicia com a chegada do Imame acompanhado dos seus discíplos. O grupo deve posicionar-se de acordo com as regras da tradição islâmica, os mais doutos, com maior idade e experiência ficam a frente, junto do Imame. A lógica é simples, nenhum humano é perfeito e infalível, em caso de evidentes falhas ou impossibilidade, deve-se substituir o Imame sem interromper o ritual da reza. A seguir vem o grupo dos mais novos, mulheres e crianças.
Foto 2 - Após a chegada do Imame, dá-se início a reza com a leitura, pelo Imame, de alguns Surats do sagrado Corão, como recomenda a Sunna (prática) do Profeta do Islão, em fileiras unidas e bem compactas, fazendo lembrar o período conturbado do início do Islão no meio de rivalidades, guerras, traições e assassinatos, sobretudo no período que se seguiu a morte do Profeta em Medina.
Foto  3 - Após a leitura dos Surats, os participantes inclinam-se para a sua frente, imitando o Imame, em sinal de submissão e devoção a Alláh, o todo poderoso e misericordioso.
Foto  4 - A seguir à inclinação, o grupo levanta-se ao mesmo tempo para de seguida se prosternar, e com a testa no chão, numa postura de total submissão e devoção a Alláh e ao seu Profeta.
Foto 5
Foto 6
Foto 7
Foto 8
Fotos 5 a 8 A - Na parte final da reza tem lugar o que chamam de "Cutuba" ou Sermão com a participação de um grupo seleto de discíplos e pessoas dedicadas a causa da religião na comunidade, todos do sexo masculino, durante o qual é revisitada a longa história do Islão dos primórdios a actualidade, incluindo partes do periodo Judaico e dos textos do antigo testamento do Cristianismo com particular destaque as peripécias do antes, durante e após a fuga dos Hebreus do Egipto e a épica ou mitológica travessia do mar vermelho com o Profeta Moísés (Mussa para os Árabes) a frente da nação rumo ao deserto do Sinaí e que culmina com a vida e obra do Profeta Muahammad.
Esta parte é a mais importante, mas também é a mais monótona e menos interessante para a rapaziada que já está com os sentidos voltados para as comidinhas que, entretanto, estariam a preparar em casa de maneiras que, não raras vezes, só ficam os mais velhos a acompanhar esta longa narrativa prenhe de recomendações dogmáticas sobre a religião, a vida em comum e a necessidade e fundamentos da preservação dos ensinamentos e da tradição islámicas, a bem da comunidade.

Fotos: © José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753
Legendagem: Cherno Baldé

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Nota do editor

Vd. poste de 7 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24207: Fotos à procura de... uma legenda (173): O Ramadão de 1971 na tabanca de Saliquinhedim (K3) (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P24211: Blogpoesia (788): "As Palavras estão gastas" (nova versão), poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

AS PALAVRAS ESTÃO GASTAS (Nova versão)

As palavras estão velhas
estão gastas as palavras.
Mesmo velhas
mesmo gastas
as palavras são olhos d’água
as palavras são miragem de horizonte.
As palavras são bonitas
são bonitas as palavras ditas e não ditas.
São boas as palavras
por dentro e por fora
mesmo as palavras más
nos lábios de alguém que chora.
São precisas as palavras
para falar com a paisagem
para sentir a poesia de Grieg
numa Canção de Solveig
ou a melodia de Smetana
nas ondulações do Moldava.
Mesmo velhas
as palavras gastas ainda têm dedos
olhos e lábios.
Eu ainda acredito nas palavras velhas
puídas
sem cor
eu ainda acredito que nelas vivem
algumas sementes de amor.
São as palavras gastas
as velhas palavras de outrora
que ainda acordam a saudade
e acendem as noites com olhos de fora.
Não matem as palavras gastas
assim sem mais nem menos
não deitem fora as palavras velhas
até que me ofereçam
no dia em que ficar mudo
uma caixa de palavras novas.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24120: Blogpoesia (787): "Botão-flor da primeira folha verde", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P24210: Parabéns a você (2158): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf da 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) e Cor PilAv Ref Miguel Pessoa, ex-Cap PilAv da Esq 121 / GO 1201 / BA 12, Bissau, 1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24201: Parabéns a você (2157): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492 / BART 3873, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Xitole, Mato Cão e Mansoa, 1971/73)

sábado, 8 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24209: Os nossos seres, saberes e lazeres (567): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (97): Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Aqui termina a contabilidade das minhas obras preferidas no Museu Gulbenkian. Durante anos procurei ler muito sobre a personalidade do colecionador, aliás houve uma bela exposição sobre o colecionador, exibiam-se mesmo os seus cadernos, os seus comentários sobre as obras, o seu afã em adquiri-las, como qualquer colecionador ele tinha paixões ao rubro e na sua casa apalaçada da avenida Iena, relativamente perto do Arco do Triunfo, ele tinha tudo exposto, seguramente que cirandava por aquelas salas e salões a contemplar todas as conquistas, fruto de apuradas escolhas, era muito exigente, interessava-lhe unicamente o melhor, dentro daquela pauta de critérios de que a arte que o empolgava já não incluía nem cubismos nem expressionismos e todas as correntes e movimentos que se seguiram, aliás está à entrada do museu uma peça modernista que marca a fronteira do seu gosto. Deu-me hoje para recordar o que aprendi com dois diretores e várias conservadoras que tiveram a amabilidade de me receber, confesso que demorei a entender-me com o gosto do colecionador, um arménio com um pé no gosto ocidental e outro nas suas raízes, extensíveis a Chinas e Japões, tudo se reflete na intensidade deste ecletismo que não deixa nenhum visitante indiferente com as escolhas do senhor Gulbenkian.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (97):
Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (2)


Mário Beja Santos

Tive o privilégio de conhecer e conversar amiudadas vezes os dois primeiros diretores do museu, Maria Teresa Gomes Ferreira e João Castel-Branco Pereira. Na colaboração que levei de 28 anos no Jornal de Notícias criara uma secção que intitulei “Necessidades espetaculares”, aproveitava uma exposição e conversava com um dos diretores ou com conservadores, no caso de alguma das exposições estar associada a peças em reserva, foi o que aconteceu com as exposições do tapete Mogol, os belíssimos livros que Gulbenkian adquiria, sobretudo com encadernações Arte Nova, a mobília do artista Talma ou a recuperação de obras de arte depois das inundações terríveis que houve no palácio de Oeiras. Apreciei sempre a competência da primeira diretora, admirei a capacidade comunicativa de João Castel-Branco Pereira, impressionou-me a organização de catálogos temáticos que são seguramente obras de referência em diferentes domínios, caso das duas grandiosas exposições sobre naturezas-mortas europeias.
Habituado aos cantos daquele museu, passei a fazer raides, hoje vou limitar-me à coleção de moedas, ou às loiças Iznik, os vasos Seljúcidas ou aos impressionistas ou então cirandar na sala reservada às obras de Francesco Guardi. Fui afinando o gosto, termino agora com as peças do meu relicário, e não posso deixar de insistir que a dívida que tenho para com esta Fundação é impagável, não encontrei melhor homenagem à memória deste filantropo que exaltar esta ou aquela peça que me enche as medidas, uma gratidão pelo bem que este senhor fez, faz e fará aos meus compatriotas. E agora entro numa sala de museu, tudo só por causa de uma peça de ourivesaria, este núcleo ficou ainda mais atrativo depois da renovação, há quem aqui entre para se extasiar com o centro de mesa do grande ourives Germain, eu prefiro a minúcia e a delicadeza deste abafador, faz parte de uma coleção de ourivesaria do século XVIII adquirida por inteiro pelo multimilionário de origem arménia.

Abafador, núcleo de ourivesaria, peça do século XVIII
Naufrágio de um Cargueiro, Joseph Mallord Turner, c.1810

Durante anos, constava na legenda que era o naufrágio de um barco chamado Minotauro, agora diz que é naufrágio de um cargueiro, nada conheço de tão empolgante, o navio afunda-se, mostra-se um mastro destruído, gente apavorada na amurada, o mar está vazio e quem vai na jangada ou nos botes vai seguramente aterrorizada. O que me apaixona nesta tela é o equilíbrio das formas, o céu está medonho, as águas revoltas engolindo despojos, quem vai na jangada, bem ao lado de um mastro desfeito procura salvar um náufrago no meio da violência das ondas espumantes. E há a genialidade da cor, o calado da navio que se afunda parece madeira viva, à sua frente uma vela acastanhada e que se destaca e no centro da tela o borbulhar da intempérie e o equilíbrio daquele bote à direita em que as figuras minúsculas dos náufragos parecem a marinhar pelas velas amareladas. Obra-prima absoluta.
As Bênçãos, Rodin, c. 1900

Tive a dita de visitar em Paris o Museu Rodin, falando do século XIX, é o meu escultor preferido. Temos a escultura de um jovem adolescente no Museu Nacional de Arte Antiga e parece que os desenhos, ficámos profundamente enriquecidos com estas bênçãos, corpos em exercício balético, torcidos e retorcidos dentro de esta base de pedra donde as figuras emergem, atino no contraste entre as rugosidades da base escultórica e a pedra acetinada onde dançam as bênçãos, voluptuosas.
Barcos, Claude Monet, 1869

O que gosto e que venho aqui rever neste Monet é o essencial das formas, o que aqui se exibe é sumaríssimo: vemos os barcos e o seu reflexo nas águas, estão acostados num tramo do cais, a linha do casario é fugaz, mas expressiva, tal como os outros veleiros que vemos esquematicamente à direita, ao fundo. Monet não esteve com meias medidas, quem visualiza a tela tem dois barcos que dominam a cena, cores um tanto escurecidas, o contrapeso vem da luminosidade que sobressai do fundo da tela e que se derrama sobre as águas. Meu tão inesquecível Monet!
Mulher e Criança Dormindo num Barco, John Singer Sargent, 1887

Às vezes, nesta sala de pintura, ponho-me disfarçadamente a olhar para onde vai a atenção dos visitantes. Tenho constatado que esta mulher e criança dormindo num barco é visita de pouca duração, o que me surpreende, acho uma tela impressionante, logo as cores: o branco imaculado, o fundo vermelho, a envolvente das folhagens, a luz que se derrama pelo curso de água, as curtíssimas pinceladas para assinalar os pés de mãe e filho, pasmo como se consegue uma outra tonalidade para o chapéus da mãe e como o pintor nos transmite a sensação de repouso naquela lassidão dos corpos, ainda mais acrescentada pela atmosfera de tranquilidade dada por aquele azul das águas.
Natureza-Morta, Henri Fantin-Latour, 1866

Descobri o prazer de contemplar Fantin-Latour na segunda exposição que João Castel-Branco Pereira organizou sobre natureza-morta, quantas vezes passara por este quadro sem dar o devido valor à subtileza do ângulo, á disposição dos frutos e à sua coloração e ao pormenor requintado desta faca com a lâmina iluminada, mas o ponto mais alto é aquele jarro de bojo arredondado donde despontam, como se saíssem da tela, as hortênsias e dentro do jarro vemos as raízes e o ponto de luz idealizado pelo artista. Que maravilha.
Pulseira Mochos, França, c.1900 René Lalique

A coleção de obras de René Lalique é impressionante, este genial ourives está altamente representado neste museu, gosto praticamente de tudo, mas este mochinhos e o belo engaste das peças em ouro enchem-me as medidas.
O Espelho de Vénus, Burne-Jones, 1877

Estamos praticamente a sair do museu e desde a primeira hora que a Coleção Gulbenkian veio parar à avenida de Berna que Burne-Jones nos apresenta cumprimentos de despedida, pudesse a tela falar e diria “volte sempre”. Calouste Gulbenkian tinha o gosto requintado e não há nenhuma dificuldade em entender como se sentiu atraído por esta energia revivalista dos pré-rafaelitas, de que Burne-Jones foi o sumo pontífice.
O Pintor Brown e a Família, Giovanni Boldini, 1890

Tempos houve em que a despedida era feita por este maravilhoso quadro de Boldini, foi tirado das reservas por João Castel-Branco Pereira, uma nova gerência voltou a colocar Boldini nas tais reservas. Eu não me conformo, guardo saudades desse tempo em que via estas duas magníficas peças de Burne-Jones e Boldini a lembrar-me que este museu é um permanente espaço de encanto, um porto de regresso sem remissão, e espero que assim seja até ao fim dos meus dias.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24184: Os nossos seres, saberes e lazeres (566): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (96): Hoje, quero muito simplesmente dizer ao senhor Gulbenkian que lhe estou grato (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24208: Armamento do PAIGC (1): As polémicas viaturas blindadas BRDM-2 que teriam sido utilizadas contra Copá (7/1/1974) e Bedanda (31/3/1974)

Foto nº 1A


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > "Viatura blindada,  de fabrico russo, que terá sido usado pelo PAIGC em 1974 contra Bedanda e Copá" (*).  A legenda é lacónica, o Patrício Ribeir0 deixou aos nossos especialistas de armamento a responsabilidade de identificar as peças museológicas... Podemos acrescentar que, salvo melhor opinião, esta viatura, da antiga União Soviética (1964), é conhecida pela designação BRDM-2 , mas também GAZ-41-08 e ainda BRT 40PB, BRT 40P-2.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto nº 2 > Guiné > s/l > s/d (c. 1973/74) > "Guerrilheiros deslocando-se num carro blindado, Guiné-Bissau" (que não parece, vista da traseira, ser uma BRDM-2)

Foto do acervo documental de Mário Pinto de Andrade (1928-1990), dossiê do Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares. Estas viaturas, oriundas da base de Kandiafara, a sul de Guileje, na vizinha Guiné-Conacri, já estavam em em 1973 devidamente identificadas e referenciadas pelas autoridades militares portuguesas, contituindo um perigo potencial para as guarnições fronteiriças, tais como Guileje, Gadamael, Bedanda, Cacine ou Aldeia Formosa. É impossível, porém. saber se a viatura da foto está em território da então província portuguesa da Guiné ou em território da Guiné-Conacri. Ou se se trata apenas dc uma imagem de propaganda.

Foto (e legenda): Cortesia de © Fundação Mário Soares (2009). Direitos reservados



Foto nº 3 > Guiné  > Região de  Gabu > Bajocunda (ou Pirada?) > Pós-25 de Abril de 1974 >  "Esta viatura de origem russa é igual às três que atacavam Copá em Janeiro/Fevereiro de 74. É uma BRDM-2". 

Comentário de Amílcar Ventura ( ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323(Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves, membro da nossa Tabanca Grande desde 9 de maio de 2009; publicou a foto acima na nossa  na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, em 6/4/2023, 10;53.

Foto (e legenda): © Amílcar Ventura (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Foto nº 4 > Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Bajocunda (ou Pirada ?) > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > "Encontro das Altas Chefias de Pirada depois do 25 de Abril [de 1974]". (**) Não dá para perceber de que tipo de viatura se trata (BRDM-1 ou 2).

Foto (e legenda): © Amílcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Publicámos há dias uma imagem de uma viatura blindada, existente no Museu Militar da Amura ("Museu Militar da Luta de Libertação Nacional") (vd. Foto nº 1, acima).  

E essa foto é a mesma que vai abrir este série sobre o armamento do PAIGC.  A existência ou não de "viaturas blindadas" ao serviço do PAIGC já deu origem aqui a alguma polémica (***)... O António Martins de Matos deu o  mote: "quem os viu de ver e não de ouvir?" (***). O António Graça de Abreu, nas suas memórias da Guiné,  dissse que sim, que já em 31 de março de 1974, foram utilizadas "viaturas blindadas" contra Bedanda (****), o que o alf mil António Rodrigues, da CCAÇ 5, vem confirmar, embora se refira a uma versão, a BTR 152, de que nunca ouvimos falar.

Os "bravos de Copá" já antes, em 7 de janeiro de 1974, tiveram que defrontar a BRDM-2, uma viatura blindada anfíbia, de reconhecimento e patrulhamento, de 7 toneladas, e uma tripulação de 4 elementos, estando equipada com duas metralhadoras (uma pesada, de 14,5 mm, e uma ligeira, de 7,62 mm).

Tanto em Copá como em Bedanda, a sua estreia parece terá sido desastrosa, para o lado do PAIGC.  Em Copá, morreu o Mamadú Cassamá, confirma o Bobo Keita (ou Queita), o "chfe dos blindados" ou "tanques anfíbios"(sic)...  Depois do 25 de Abril de 1974, o PAIGC passeou algumas destes "brinquedos" na fronteira Norte (Bajocunda, Pirada), conforme se pode ver nas fostos do Amílcar Ventura (Fotos nºs 3 e 4) (**).

Ficamos na dúvida sobre o "dono" das viaturas, o PAIGC ou o Sékou Touré...  E continmuamos a ter dúvidas sobre o tipo de viaturas, usadas contra Copá e Bedanda: BRDM.1 ou BRDM-2 ?

2. Em tempos escrevemos o seguinte comentário no poste P9375 (****), e não o vamos rever mesmo em face das fotos acima publicadas (a nº 1 é de facto de uma BRDM-2, mas não sabemos se é uma oferta da Guiné-Conacri para o museu militar da Amura...):

No Arquivo Amílcar Cabral, tratado e disponiblizado para o grande público pela Fundação Mário Sores, no portal Casa Comum, não há qualquer referência a viaturas blindadas entregues pelos russos no porto de Conacri... Estamos a falar de 10 mil documentos, que abrange todo o período da guerra de "libertação"...

Até finais de 1971, a ex-União Soviética só fornecia armas automáticas, RPG 7, munições, fardamento, medicamentos e coisas assim... E mesmo assim era preciso negociar com o "ciumento" Sekou Touré... que não perdoava a Amílcar Cabral o crescente prestígio e protaganismo a nível internacional e o leque de alianças e apoios (que ia da Suécia à China)...

Felizmente para nós, parte do armamento e das munições deviam ser "obsoletos"... São os próprios e "insuspeitos" cubanos que dizem que 40% das granadas lançadas contra Copá em janeiro de 1974 não rebentavam!... (As culpas tanto podiam ser dos fabricantes como, mais provável, das condições de transporte, armazenamento e operação).

BRDM-2 para o Amílcar Cabral? Devem ser fantasias dos burocratas da 2ª Rep, para justificar o seu ordenado ao fim do mês e as horas de tédio (e de algum cagufe) passadas em Bissau... A gente sabe como funcionava a nossa "inteligentsia" na Guiné, incluindo os "broncos" da PIDE/DGS... que tinham a 4.ª classe mal tirada...

O PAIGC nunca teve, ao que parece, este tipo de veículos... Os russos terão oferecido, em 1969, 10 BRDM-1 (5 toneladas e meia + 4 tripulantes e depósito de 150 litros de gasolina)... "Sucata" que o Sekou Touré poderá ter disponibilizado, depois da morte de Amílcar Cabral, aos homens do PAIGC... que ele precisava de controlar... Mas aquela viatura devia gastar 100 aos 100 !...

Como é que vocês queriam vê-la a passar o "arco de triunfo" em Bissau? Ou a passar a ferro as 3 fiadas de arame farpado de Jemberém?

Quanto às BRMD-2 (versão posterior, melhorada, 7 a 8 toneldadas!), era muito menos provável que os guerrilheiros do PAIGC alguma vez lhes tenham posto a vista em cima... a não ser, já reformados, em 1998, quando a Ucrânia ofereceu à Guiné-Bissau quatro veículos desses, se calhar a cair de pobres... Que até a caridade tem um preço!

Angola teve 50, mas já em plena guerra da chamada "2.ª independência"...

O BRMD-2 era um "besta" de 7 a 8 toneladas, com uma tripulação de 4 elementos (condutor, operador de rádio e observador, comandante e apontador de metralhadora pesada...) e um depósito de 290 litros de gasolina, 5,75 metros de comprido... Onde é que o PAIGC tinha gente com unhas para manobrar um "anfíbio" destes? E sobretudo logística? E depois era um alvo fácil para a nossa aviação...

(...) O BRDM-2 (Boyevaya Razvedyvatelnaya Dozornaya Mashina, Боевая Разведывательная Дозорная Машина, literally "Combat Reconnaissance/Patrol Vehicle"[5]) is an amphibious armoured patrol car used by Russia and the former Soviet Union. It was also known under the designations BTR-40PB, BTR-40P-2 and GAZ 41-08. This vehicle, like many other Soviet designs, has been exported extensively and is in use in at least 38 countries. It was intended to replace the earlier BRDM-1, compared to which it had improved amphibious capabilities and better armament. (...)

18 de julho de 2016 às 14:59
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 5 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24200: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (34): Visita ao "Museu Militar da Luta de Libertação Nacional", na fortaleza da Amura


(***) Vd. postes de: 

16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16309: Controvérsias (131): Blindados do PAIGC ? Quem os viu de ver e não de ouvir ?... (António Martins de Matos, ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref)


(***) Vd. poste de 16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16309: Controvérsias (131): Blindados do PAIGC ? Quem os viu de ver e não de ouvir ?... (António Martins de Matos, ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref)

(****) Vd. poste de 20 de  janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): ): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...

(Comentário de António Rodrigues:).

Caros camaradas: 
Estava colocado em Bedanda aquando do ataque com viaturas blindadas, onde era alferes miliciano.

As viaturas com que fomos atacados eram as BTR 152 (soviéticas), equipadas com metralhadoras.

A sua quase entrada no perímetro deveu-se ao facto de elas terem atacado a partir da zona onde se situavam as tabancas da população civil e isso impedir que quer as "Bazookas" quer os canhões sem recuo não poderem ripostar.

Abraços, António Rodrigues | 25 de novembro de 2012 às 17:25

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24207: Fotos à procura de... uma legenda (173): O Ramadão de 1971 na tabanca de Saliquinhedim (K3) (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72), com data de 20 de Fevereiro de 2023:

Caríssimos Luís Graça e Carlos Vinhal

Formulo votos de boa saúde.

Decorrendo o Ramadão, lembrei-me que no meu baú das memórias da nossa Guiné, existiam diapositivos sobre este período, celebrado pelos povos muçulmanos.

Estas fotos foram tiradas em Saliquinhedim (K3) no ano de 1971.

Na altura e mesmo agora os meus conhecimentos sobre o Ramadão são muito escassos, pelo que a sequência das fotos é perfeitamente intuitiva.

Assim, envio-vos estas fotos para se entenderem que se revela interessante a sua publicação, até com eventuais acréscimos de comentários de entendidos no assunto, fica à vossa consideração.

Desejo-vos uma Boa Páscoa.

Abraço,
José Carvalho


Foto 1
Foto 2
Foto 3
Foto 4
Foto 5
Foto 6
Foto 7
Foto 8
Foto 8A

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Comentário do editor:

Talvez o nosso amigo Cherno Baldé, especialista em assuntos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau, nos possa legendar as fotos quanto aos momentos de oração aqui retratados, especialmente o momento da foto 8A.

Fotos: © José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24185: Fotos à procura de...uma legenda (172): Ainda a tragédia do Quirafo, de 17 de abril de 1972: comparando as fotos da GMC destruída, de 2005 (Paulo / João Santiago) e de 2010 (Rogério Paupério / José António Sousa)